PREGUIÇA: SÉTIMO VÍCIO CAPITAL

(Pr 19, 15)

 

“A preguiça faz cair no torpor; o ocioso passará fome”.

 


 

A PREGUIÇA PODE LEVAR À MORTE

 

Tramavam os tebanos uma conspiração contra seu rei Árquias. Um amigo deste, sabedor do que se tramava contra o rei, e até dos nomes dos conspiradores, escreveu-lhe uma carta muito urgente, que o rei recebeu quando estava celebrando um grande banquete. O mensageiro, encarregado de entregá-la, disse ao rei que abrisse, porque as notícias que continha eram gravíssimas. Árquias, porém, não quis interromper o banquete que com tanto prazer celebrava, e escondeu a carta, dizendo: “Em nossas horas de regozijo não devemos dar ouvidos às coisas sérias”. Pouco depois caía na emboscada de seus inimigos e perecia em suas mãos.

 

A preguiça consiste, antes de tudo, em fugir do trabalho pelo esforço que implica. É o desgosto e a recusa causada pela necessidade de cumprirmos os nossos deveres, especialmente os nossos deveres para com Deus. Se nos contentamos com um nível baixo na nossa procura da santidade, especialmente se nos conformamos com a mediocridade espiritual, é quase certo que a sua causa é a preguiça.

Preguiça é o amor desordenado ao descanso que nos faz omitir os nossos deveres. Distinguem-se a preguiça corporal e a preguiça espiritual. A primeira é uma frouxidão cheia de negligência para o trabalho e os deveres do estado. A segunda, grande desgosto e descuido para a oração e os deveres religiosos.

 

A preguiça é um vício anexo à sensualidade, porque vem, afinal, do amor do prazer, enquanto este nos leva a evitar o esforço ou o incômodo. Há, efetivamente em todos nós uma tendência ao menor esforço, que nos paralisa ou diminui a atividade.

 

1.° Natureza. A) A preguiça é uma tendência à ociosidade ou ao menos à negligência, ao torpor na ação. Às vezes é uma disposição mórbida que vem do mau estado da saúde. As mais das vezes, porém, é uma doença da vontade, que teme e recusa o esforço. O preguiçoso quer evitar qualquer trabalho, tudo quanto lhe pode perturbar o sossego e arrastar consigo fadigas. Verdadeiro parasita, vive, quanto pode, a expensas dos outros. Manso e resignado, enquanto o não inquietam, impacienta-se e irrita-se, se o querem tirar da sua inércia.

B) Há graus diversos na preguiça. a) O desleixado ou indolente não se move para cumprir o seu dever senão com lentidão, moleza e indiferença; tudo o que faz, fica sempre mal feito. b) O ocioso não recusa absolutamente o trabalho, mas anda sempre atrasado, vagueia por toda a parte sem fazer nada, adia indefinidamente a tarefa de que se encarregara. c) O verdadeiro preguiçoso, esse não quer fazer nada que fatigue, e mostra aversão pronunciada para qualquer trabalho sério do corpo ou do espírito.

C) A preguiça nos exercícios de piedade chama-se acedia: é um certo fastio das coisas espirituais que leva a fazê-las desleixadamente, a encurtá-las, e até às vezes a omiti-las por vãos pretextos. É a mãe da tibieza.

 

A Sagrada Escritura e o preguiçoso

 

1. “Por mãos preguiçosas o teto desaba, por braços frouxos goteja na casa” (Ecl 10, 18).

2. “Anda, preguiçoso, olha a formiga, observa o seu proceder, e torna-te sábio... Até quando dormirás, ó preguiçoso? Quando irás te levantar do sono? Um pouco dormes, cochilas um pouco; um pouco cruzas os braços e descansas; mas te sobrevém a pobreza do vagabundo e a indigência do mendigo!” (Pr 6, 6. 9-11).

3. “Vinagre nos dentes, fumaça nos olhos, tal é o preguiçoso para quem o envia” (Pr 10, 26).

4. “O preguiçoso espera, e nada tem para sua fome” (Pr 13, 4).

5. “O preguiçoso mete a mão no prato, mas não consegue levá-la até a boca” (Pr 19, 24).

6. “No outono o preguiçoso não trabalha, na colheita procura e nada encontra” (Pr 20, 4).

7. “O desejo do preguiçoso causa sua morte, porque suas mãos recusam o trabalho” (Pr 21, 25).

8. “A porta gira nos seus gonzos, e o preguiçoso no seu leito. O preguiçoso põe a mão no prato: levá-la à boca é muita fadiga!” (Pr 26, 14-15).

 

2.° Malícia. A) Para compreendermos a malícia da preguiça, cumpre-nos recordar que o homem foi feito para o trabalho. Quando Deus criou o nosso primeiro pai, pô-lo num paraíso de delícias, para que nele trabalhasse. É que, efetivamente, o homem não é, como Deus, um ser perfeito; tem numerosas faculdades que, para se aperfeiçoarem, necessitam de operar: é, pois, uma exigência da sua natureza trabalhar para cultivar as potências, prover às necessidades do corpo e alma, e tender assim para o seu fim. A lei do trabalho precede, pois, a culpa original. Mas, depois que o homem pecou, tornou-se para ele o trabalho não somente uma lei da natureza, senão também um castigo, isto é, tornou-se penoso, como meio que é de reparar a sua falta. Com o suor do rosto havemos de comer o nosso pão, tanto o pão da inteligência como o pão que nos alimenta o corpo.

Ora, a esta dupla lei, natural e positiva, é que o preguiçoso falta; comete, pois, um pecado, cuja gravidade se mede pela gravidade dos deveres que descura. a) Quando chega a omitir os deveres religiosos necessários à própria salvação, há falta grave. O mesmo se diga, quando despreza voluntariamente, em matéria importante, algum dos seus deveres de estado. b) Quando este torpor o não leva a descurar senão deveres, religiosos ou civis, de menor importância, não passa de venial o pecado. Mas a ladeira é escorregadia; se não se luta contra a negligência, não tarda esta em se agravar, tornando-se mais funesta e culpável.

 

B) Quanto à perfeição, é a preguiça espiritual um dos obstáculos mais sérios, por causa dos seus funestos resultados.

a) Torna-nos a vida mais ou menos estéril. Pode-se efetivamente, aplicar à alma o que a Sagrada Escritura diz do campo do preguiçoso:

 

“Passei perto do campo dum preguiçoso, e perto da vinha dum insensato. E eis que os espinhos ali cresciam por toda a parte, as silvas cobriam-lhe a superfície, e o muro de pedra estava por terra... Um pouco de sono, um pouco de sonolência, um pouco cruzar as mãos para dormir, e a tua pobreza virá como um vagabundo e a tua indigência como um homem armado” (Pr 24, 30-31).

 

É exatamente o que se encontra na alma do preguiçoso: em lugar das virtudes, são os vícios que lá crescem, e os muros, que a mortificação tinha elevado para proteger a virtude, caem pouco a pouco, preparando o caminho à invasão do inimigo, isto é, do pecado.

 

b) Dentro em breve, efetivamente, se tornam mais veementes e importunas as tentações: “Porque a ociosidade ensinou muito mal” (Eclo 33, 28). Foi ela que, com o orgulho, perdeu Sodoma: “Eis qual foi o crime de Sodoma: o orgulho, a abundância e o repouso sem cuidados em que vivia com suas filhas” (Ez 16, 49). É que, na verdade, o espírito e o coração do homem não podem estar inativos: se não se absorvem no estudo ou em qualquer outro trabalho, são logo invadidos por um sem número de imagens, pensamentos, desejos e afetos; ora, no estado de natureza decaída, o que domina em nós; quando não reagimos contra ela, é a tríplice concupiscência; serão, pois, pensamentos sensuais, ambiciosos, orgulhosos, egoístas, interesseiros, que tomarão o predomínio em nossa alma, expondo-a ao pecado.

C) Não é, pois, somente a perfeição da nossa alma que está aqui em jogo, mas até a sua eterna salvação. Porque, além das faltas positivas em que nos faz cair a ociosidade, só o fato de não cumprirmos os nossos deveres importantes é causa suficiente de reprovação. Fomos criados para servir a Deus e cumprir os nossos deveres de estado, somos operários enviados por Deus para trabalhar na sua vinha. Ora, o Senhor não exige somente aos obreiros que se abstenham de fazer mal; quer que trabalhem. Por conseguinte, se, sem cometermos atos positivos contra as leis divinas, cruzamos os braços, em vez de trabalharmos, não nos há de o Senhor exprobrar, como aos obreiros, a nossa ociosidade? A árvore estéril, só pelo fato de não produzir fruto, merece ser cortada e lançada ao fogo.

 

3.° Remédios. A) Para curar o preguiçoso, é necessário antes de tudo inculcar-lhe convicções profundas sobre a necessidade do trabalho; fazer-lhe compreender que ricos e pobres estão sujeitos a esta lei e que basta faltar a ela para incorrer na eterna condenação. É esta a lição que nos dá Nosso Senhor Jesus Cristo na parábola da figueira estéril. Três anos a fio vem o dono buscar os frutos; não os encontrando, dá ordem ao dono do pomar que corte a árvore.

 

E ninguém diga: eu sou rico, não tenho necessidade de trabalhar. Se não precisais de trabalhar para vós mesmos, deveis fazê-lo para os outros. É Deus, vosso Senhor, que vo-lo manda: se vos deu braços, cérebro, inteligência, recursos, foi para que os utilizásseis para sua glória e para o bem de vossos irmãos. É certo que não são as Obras de caridade ou zelo que faltam: quantos pobres para socorrer, quantos ignorantes para instruir, quantos corações aflitos para consolar, quantas empresas para fundar, a fim de dar trabalho e pão aos que o não têm! E quem pretende fundar uma família numerosa, não tem que sofrer e trabalhar para assegurar o futuro dos filhos? Ninguém esqueça, pois, a grande lei da solidariedade cristã, em virtude da qual o trabalho de cada um é útil para todos, enquanto a preguiça danifica o bem geral, como o particular.

 

B) Às convicções cumpre juntar o esforço consequente e metódico, aplicando as regras traçadas acerca da educação da vontade. E, como o preguiçoso recua instintivamente perante o esforço, importa mostrar-lhe que não há, afinal, ninguém mais infeliz que o ocioso: não sabendo como empregar ou, segundo a sua expressão, matar o tempo, enfada-se, desgosta-se de tudo, e acaba por ter horror à vida. Não vale mais fazer um esforço para se tornar útil e conquistar um pouco de felicidade, ocupando-se em fazer felizes à volta de si mesmo?

 

Entre os preguiçosos, há alguns que desenvolvem uma certa atividade, mas unicamente em jogos, desportos e reuniões mundanas. A estes é necessário lembrar a seriedade da vida e o dever de se tornarem úteis, para que dirijam a atividade para um campo mais nobre e tenham horror de serem parasitas. O matrimônio cristão, com as obrigações de família que traz consigo, é muitas vezes excelente remédio: um pai de família sente a necessidade de trabalhar para os filhos e de não confiar a estranhos a administração dos seus bens.

 

Mas o que nunca se deve cessar de lhes recordar é o fim da vida: estamos aqui, na terra, não para vivermos como parasitas, senão para conquistarmos, pelo trabalho e pela virtude, um lugar no céu. E Deus não cessa de nos dizer: Que fazeis aqui, preguiçosos? Vá também trabalhar na minha vinha.

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 08 de março de 2008

 

 

Bibliografia

 

Escritura Sagrada

Adolfo Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística

Pe. Leo J. Trese, A Fé Explicada

Mnr Cauly, Curso de Instrução Religiosa – O Catecismo Explicado

 

                    

 

 

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