O SÉTIMO MANDAMENTO DA LEI DE DEUS

(Dt 5, 19)

 

19 Não roubarás”.

 

Fórmula catequética

 

Não furtar.

 

 

SÉTIMO MANDAMENTO: Não roubarás.

 

“Não roubarás” (Ex 20,15).

 

“Não roubarás” (Mt 19, 18).

 

 

DEUS DEU-NOS AS COISAS PARA QUE AS USÁSSEMOS

 

O Sétimo Mandamento ordena fazer bom uso dos bens terrenos e proíbe tudo o que atente contra a justiça em relação com esses bens.

Quando aquele jovem se aproximou de Jesus, perguntando que devia fazer para ir para o Céu, o Senhor respondeu: “Cumpre os Mandamentos”. E, como ele observasse que já os cumpria desde menino, Jesus disse-lhe: “Uma coisa te falta: vai, vende o que tens e dá-o aos pobres, e assim terás um tesouro no Céu. Depois, vem e segue-Me”(Mc 10, 21). Ao ouvir estas palavras, o jovem entristeceu-se, porque era muito rico e não queria abandonar os bens. Ao vê-lo partir, Cristo adverte os discípulos de quanto é difícil que “os ricos entrem no reino dos Céus”.

 

Ao ler esta cena evangélica, aproveitemo-la para examinar a nossa própria vida: Estamos apegados às coisas que possuímos? Temos cuidado e respeito pelo que pertence aos outros? Fazemos uso indevido do que é nosso? Temos preocupação prática pelos que têm menos que nós?

 

Tudo o que se refere ao uso ordenado dos bens terrenos foi preceituado por Deus neste mandamento. As idéias principais para a compreensão deste preceito são:

 

1) Deus criou as coisas e entregou-as aos nossos primeiros pais e depois a todos os homens, a fim de que as utilizemos ao serviço do homem. Usando-as, contudo, não devemos esquecer que Deus é dono e senhor de tudo, ao passo que nós somos apenas administradores.

 

Em conformidade com esta disposição divina, podem os homens possuir legitimamente alguns bens, que lhes são necessários para manterem a vida e para se sentirem mais seguros e livres: é o direito — que é direito natural — à propriedade privada.

2) Consequentemente, o homem, em relação aos seus próprios bens, deve comportar-se sabendo que as coisas da Terra são para seu serviço e utilidade, mas tendo sempre presente que esses bens não são em si mesmos fins, mas só meios para que o homem cumpra o seu destino eterno. Devem estar, pois, sujeitos e orientados aos bens verdadeiramente importantes, que são os bens da alma.

3) Em relação aos bens alheios, não se pode esquecer que, quando uma pessoa possui legitimamente bens, estes são seus e não lhe podem ser injustamente tirados contra a sua vontade.

 

Se se deseja alguma coisa alheia, tem de se pedi-la ao dono, e cuidar de que não se estrague, devolvendo-a logo que se possa.

O mesmo se diga das coisas públicas, as quais devemos cuidar e respeitar, pois não devem ser danificadas por negligência dos cidadãos.

Acrescenta-se o qualificativo injusto, porque casos há em que se pode tirar bens legítimos de uma pessoa contra sua vontade, de maneira justa. Por exemplo, a um devedor que não paga a sua dívida podem os tribunais embargar bens suficientes para saldar a dívida, independentemente da sua vontade. É também o caso dos impostos, que o Estado obriga os cidadãos a pagar para cobrir as despesas públicas.

 

4) Mas não se trata apenas de não roubar: além de fazermos bom uso deles, Cristo quer que partilhemos os nossos bens com os necessitados. Neste sentido, é grande o campo de aplicação deste conceito.

 

Qualquer bem particular tem, em palavras de João Paulo II, uma “hipoteca social”; isto é: uma parte do seu uso e do seu usufruto deve destinar-se ao bem comum.

É obrigatório socorrer os mais carecidos de bens econômicos, dando esmola; e, na medida das nossas possibilidades, tornando-lhes a vida mais agradável. E temos, ainda, o dever de ajudar a Igreja.

 

O VALOR DA PROPRIEDADE PRIVADA

 

Não têm sido poucos os ataques que, nos nossos dias, tem sofrido o direito de propriedade privada, por parte de doutrinas marxistas e socialistas de diferentes origens. Já dissemos que a propriedade privada é um direito natural dos mais importantes para a pessoa humana. Iremos agora desenvolver estes conceitos.

Propriedade é a faculdade de domínio que tem o homem sobre os bens materiais. A propriedade pode ser:

a) Comum: de todos os indivíduos que compõem a sociedade.

b) Particular: a de alguns indivíduos. Esta divide-se, por sua vez, em:

 

Pública: pertencente a um sujeito de Direito Público; p. ex., o município.

Privada: pertencente a uma pessoa privada.

 

Justificar a propriedade comum ou a propriedade particular pública não oferece, geralmente, dificuldade maior. No primeiro caso, trata-se de bens que estão ao serviço da comunidade; no segundo, de bens pertencentes à entidade pública, da qual se deve pensar que está ao serviço de todos.

 

No entanto, como este último não é de si mesmo evidente, torna-se necessária uma rigorosa vigilância jurídica.

 

Com relação à propriedade privada, sempre houve, ao lado da sua inegável realidade, uma crítica constante. Na atualidade, p. ex., o comunismo e algumas correntes socialistas apresentam como solução para os problemas sociais a abolição da propriedade privada dos bens de produção, e também o controle social na distribuição dos bens que cada um pode desfrutar legitimamente. Em seguida se exporão argumentos justificativos da propriedade privada.

Em primeiro lugar, devemos afirmar que a razão, uma vez que chega ao conhecimento de Deus como Criador da Natureza, com certa facilidade pode concluir que todos os bens, por disposição divina, são para todos os homens: os bens da Terra são primariamente da humanidade. Este direito denomina-se primário ou radical.

O direito à propriedade privada é um direito natural, mas secundário, subordinado ao destino universal dos bens para todos os homens.

 

Aristóteles e outros filósofos já afirmavam que a posse dos bens é algo de natural ao homem.

 

Do ponto de vista moral, podem-se apresentar vários argumentos que ajudem a melhor compreender a natureza da propriedade privada:

 

a) O trabalho é a primeira manifestação do domínio sobre as coisas, e o meio mais geral para adquirir o direito de propriedade sobre bens concretos, de maneira a poder satisfazer as necessidades próprias, quer espirituais, quer corporais, e promover o progresso e o bem-estar da sociedade inteira.

b) A Lei natural não dá ao homem o direito a uma determinada posse: ninguém é, por natureza, dono “deste bem”.

c) A propriedade privada, também por Lei Natural, é garantia da liberdade pessoal.

d) Pertence, pois, à Lei Natural o respeito da propriedade pública ou privada, e o seu exercício conforme com a natureza de cada coisa.

e) A propriedade privada não é um direito absoluto, mas sim relativo, porque está ordenada ao bem da comunidade; por isso, quando existem razões graves, de caráter social, a propriedade privada pode ser limitada.

f) As grandes acumulações de propriedade privada — ou de propriedade particular pública — representam um poder sobre grande número de pessoas, e, neste sentido, podem pôr em perigo a liberdade pessoal e a estabilidade social; é justo, portanto, que a lei evite o monopólio público ou privado.

g) A propriedade privada não deve ser a única forma de possuir: é justo que existam também formas de propriedade comum, sobretudo quando assim o exija
o bem da comunidade e não seja atacada, com isso, a legítima propriedade privada.

h) É injusta uma distribuição da propriedade privada que dê origem a que grande número de pessoas tenha dificuldade de obter o suficiente para uma vida digna.

 

De tudo isto se pode deduzir, como princípio básico para um juízo ético da situação da propriedade numa determinada sociedade, que a propriedade é para a liberdade e a segurança pessoais. Haveria desse modo uma injusta distribuição dos bens:

 

a) Se a propriedade privada estivesse em tão poucas mãos que deixasse a maioria da população em estado de insegurança e dependência.

b) Se o Estado — único proprietário, ou pelo menos determinante absoluto na participação dos bens econômicos — pudesse servir-se desse poder para suprimir ou limitar outros direitos humanos.

 

Por outro lado, é sabido que, na maioria das sociedades, os homens têm obtido maior produto social a partir dos bens considerados próprios do que dos bens comuns.        

 

PECADOS CONTRA O SÉTIMO MANDAMENTO

 

O termo injustiça refere-se, em sentido lato, à violação do direito que todo o homem tem a quatro categorias de bens: a vida, a fama, a honra e os bens econômicos. Em sentido mais estrito, costuma ser aplicado de modo especial aos bens econômicos ou de fortuna.

 

Da vida, tratamos no quinto Mandamento; da fama e da honra trataremos no oitavo Mandamento. Aqui, vamos considerar os bens de fortuna.

O sétimo Mandamento proíbe tirar ou reter injustamente um bem alheio, ou causar-lhe prejuízo. Estudaremos a seguir os diversos pecados que se cometem contra os bens do próximo, e depois nos deteremos na obrigação que esses pecados implicam para quem os comete: a restituição, que se prescreve quando é violado um direito estrito.

 

ROUBO

 

Pelo sétimo mandamento, Deus nos proíbe tomar ou reter injustamente o bem do próximo.

O sétimo mandamento proíbe tomar ou reter injustamente os bens do próximo ou lesá-lo, de qualquer modo, nos mesmos bens. Prescreve a justiça e a caridade na gestão dos bens terrestres e dos frutos do trabalho dos homens. Exige, em vista do bem comum, o respeito à destinação universal dos bens e ao direito de propriedade privada. A vida cristã procura ordenar para Deus e para a caridade fraterna os bens deste mundo.

O roubo consiste em nos apoderarmos de coisa alheia, contra a vontade razoável do dono: “Furtar é apropriar-se de uma coisa alheia contra a justa vontade do seu dono” (J. Bujanda).

                               

 

Diz-se “contra a vontade razoável do dono”, porque, se essa vontade fosse contrária à razão, não haveria pecado; p. ex., a mulher pode tirar da carteira do marido o dinheiro necessário para a manutenção da família, se o marido se negar a dar-lhe. Nesse caso, a vontade do marido não é razoável.

 

A. Tipos de roubo

        

O roubo pode ser cometido de diferentes maneiras:

1) Simples furto: É o roubo cometido ocultamente, ou seja, sem implicar violência feita ao dono.

2) Rapina: É o roubo cometido violentamente, perante a oposição do dono; p. ex., ameaçando-o com uma pistola. Além do pecado de roubo, ofende-se também a caridade para com o próximo.

3) Fraude: Consiste em obter de modo ilícito um bem alheio mediante embustes ou maquinações. Pode ser cometido de muitas maneiras: executando mal um trabalho; vendendo mercadorias fracas como se fossem de boa qualidade, aproveitando a ignorância do comprador; vendendo por preço excessivo; enganando nos contratos; não cumprindo as normas especificadas numa construção; defraudando no peso da balança; falsificando documentos, etc.

 

O pecado de fraude é um dos mais frequentes na atualidade, e infelizmente são muitos os que levianamente o menosprezam.

 

4) Usura: É exigir, num empréstimo, juro excessivo, aproveitando a grande necessidade do devedor.

5) Espoliação: É roubo de bens imóveis: casas, terrenos, etc.

6) Plágio: É o roubo de direitos ou de bens intangíveis: por ex., dar como próprias, obras literárias de outrem.

 

B. Princípios morais acerca do roubo:

 

a) O roubo é, em si, pecado grave contra a justiça, mas admite matéria leve.

Prova-se esta admissibilidade por ser evidente que quem rouba coisa de pouco valor, não ofende gravemente o direito alheio nem a caridade (cf. S. Th., II-II, q. 59, a. 4; q. 66, a. 6).

b) Para ter em atenção a gravidade do roubo, ou seja, para ver se o pecado é venial ou mortal, importa considerar:

 

1)  O objeto em si mesmo:

 

A grandeza do bem furtado é a primeira realidade a considerar acerca da gravidade da ação. Se a grandeza for considerável — embora o roubo seja feito a quem não sinta a perda — , é já pecado mortal.

 

2) A necessidade que o dono tenha da coisa roubada:

 

Assim, uma pequena quantia roubada a um pobre pode ser pecado grave; o mesmo , se se roubar uma coisa de grande apreço afetivo — p. ex., uma recordação de família — ou que cause à vítima grave dano — p. ex., roubar uma agulha indispensável à costureira para o seu trabalho.

 

c) O que comete vários pequenos roubos, distanciados, mas com intenção de atingir quantia grave, comete pecado grave de cada vez que rouba. Isto se explica porque, de cada uma das vezes, renova a intenção de cometer pecado grave.

 

Se, p. ex., o caixa de um banco se propõe roubar um milhão subtraindo dia a dia apenas mil, para não ser notado, em cada dia que retira esta quantia comete pecado grave.

O mesmo acontece se roubar uma pequena quantia a diversas pessoas, com intenção de atingir uma grande soma; se estes roubos forem praticados num curto intervalo de tempo, há um só pecado, porque a intenção é uma só e não foi interrompida nem revogada.

Se os pequenos roubos se repetirem sem intenção de chegar a determinada soma importante, nesse caso cada um dos roubos é pecado venial.

 

d) A acumulação de matéria (uma soma de roubos pequenos) chega a constituir um pecado mortal.

        

C. Causas escusantes da apropriação dos bens alheios.

 

Em certas condições, pode ser lícito tirar bens alheios. Não quer isto dizer que haja exceções à Lei de Deus, pois, conforme vimos, por esta ser perfeita, prevê todas as eventualidades. O que na verdade sucede é que a formulação completa deste preceito poderia ser: “Não tomarás injustamente os bens alheios”.

 

As condições em que é lícito tirar bens alheios são:

 

1)  A extrema necessidade

 

Para quem se encontre em necessidade extrema — p. ex., em perigo de perder a vida ou de que lhe sobrevenha mal gravíssimo —, é lícito e até obrigatório tomar os bens alheios necessários para se livrar dela:

 

Por exemplo: É lícito a quem está a morrer de fome apossar-se do necessário para recuperar as forças.

 

Também é lícito tomar o alheio para se livrar, não já de necessidade própria, mas de outrem: p. ex., o pai pode subtrair uma quantia tal que lhe permita comprar os remédios necessários para salvar a vida de um filho doente.

Estas ações podem ser praticadas sempre que e desde que não se leve o próximo ao mesmo estado de necessidade de que se padece. Além disso, uma vez passada a necessidade extrema, há obrigação de restituir.

O princípio geral em que se baseia esta causa escusante do roubo é que, em caso de extrema necessidade, o direito primordial à vida está acima do direito de propriedade.

 

2)  A compensação oculta

 

A compensação oculta consiste em cada um se cobrar do que lhe é devido sem consentimento do devedor. É, pois, o ato pelo qual o credor toma ocultamente aquilo que se lhe deve. Este tipo de compensação é, normalmente, ilícita; pode, porém, chegar a ser lícita desde que se dêem certas condições:

a) Que a dívida seja verdadeira — e não apenas provável — e de estrita justiça; isto é, que o direito próprio seja moralmente certo.

b) Que o pagamento não possa ser obtido de outra maneira sem grave incômodo;  p. ex., por via legal, uma vez que, em qualquer sociedade organizada, ninguém pode fazer justiça por suas mãos.

c) Que não se cause prejuízo de outra natureza ao devedor, nem a terceiros.

Na prática, é muito difícil julgar por si mesmo os casos de licitude na compensação oculta, porque se cai em apreciações subjetivas.

Por ex., diz o Magistério da Igreja (cf. Dz. 1187) que não é lícito aos empregados domésticos tirar ocultamente aos patrões para compensação do trabalho, que julgam valer mais que o salário que se lhes paga. A compensação oculta, por causa dos perigos e abusos a que se pode prestar, raríssimas vezes se deve pôr em prática; é preferível consultar previamente o confessor, e, em geral, é desaconselhável.

 

D.  Uma questão específica: as fraudes ao fisco

 

Nesta secção faremos breve referência às obrigações do cidadão ou da empresa relativamente à contribuição fiscal, e ao caso, não raro, de a legislação tributária impor encargos desproporcionados.

O problema de defraudar o fisco é tema muito atual e envolve um círculo vicioso: a Administração exagera o volume do imposto para se compensar da fraude; os contribuintes falseiam as suas declarações para se defenderem do fisco. Além do mais, não é raro que a arrecadação dos impostos não seja — ao menos totalmente — destinada aos fins próprios do Estado.

Pelas complexidades que o caso apresenta, devemos guiar-nos pelos seguintes princípios gerais:

 

a) A autoridade legítima tem perfeito direito a impor aos cidadãos os tributos de que realmente necessita para atender às despesas públicas e promover o bem comum.

b) As leis que determinam impostos justos obrigam em consciência, ou seja, sob pena de pecado diante de Deus.

c) A infração das leis que determinam os impostos e tributos justos viola a justiça legal, muito provavelmente a justiça comutativa, e impõe, por conseguinte, a obrigação de restituir.

d) Se os tributos que a autoridade pública fixar forem manifestamente abusivos, na parte que excedam o justo não obrigariam em consciência nem haveria obrigação de restituir.

e) Não obrigam também, em consciência, aquelas contribuições que, no todo ou em parte, não são destinadas a fazer face aos gastos públicos ou à promoção do bem comum. Neste caso, o equivalente a esse excesso deve ser orientado para obras de beneficência que ponham realmente em prática objetivos de promoção humana.

 

A partir das regras precedentes, poderiam formular-se preceitos morais para os casos específicos. No entanto, e como regra geral para qualquer decisão análoga, é conveniente não usar cada um apenas o seu critério, mas sim, consultar um sacerdote culto e piedoso.

 

INJUSTA RETENÇÃO

 

Consiste em conservar ou reter o que é de outrem, sem motivo legítimo. Retêm injustamente o bem do próximo:

 

a) Os que se negam a pagar as dívidas; p. ex., os patrões que atrasam o salário aos operários.

b)  Os que não devolvem o que se lhes confiou.

c) Os que enganam nas contas, p. ex., falsificando moedas, não devolvendo o dinheiro que receberam a mais nos trocos, defraudando quem lhes confiou a administração dos bens:

d) Os que guardam objetos perdidos, sem procurar o dono. 

 

Neste pecado incorrem muitas pessoas na prática:

 

Aqueles que, com gastos excessivos, se tornam incapazes de pagar as dívidas; os comerciantes que provocam falências fictícias para se declararem insolventes.

Os que perdem por descuido os objetos que se lhes confiou, etc.

 

DANO INJUSTO

 

Há dano injusto sempre que, por malícia ou negligência culposa, sê provoca um dano ao próximo, em sua pessoa ou bens. Cometem, pois, dano injusto:

 

a) Os que causam grave prejuízo nos bens de outrem, destruindo-os ou danificando-os.

b) Os que, por murmurações, fazem com que uma pessoa perca o emprego, ou a fama, ou o crédito; etc.

c) Os que descuidam as obrigações de justiça próprias do seu cargo: p. ex., os advogados que por descuido deixam perder uma causa, os médicos que por inépcia comprometem a vida ou a saúde dos seus doentes; etc.

 

A RESTITUIÇÃO

 

Restituir é reparar a injustiça causada, e pode compreender tanto a devolução do objeto roubado como a reparação ou compensação do prejuízo injustamente causado.

 

“Zaqueu, desce depressa (...)”. Zaqueu, homem de baixa estatura, sabendo que o Mestre ia entrar em Jericó e desejando vê-Lo, subira a uma árvore. Ao chegar perto desta, o Senhor levantou a cabeça e dirigiu-Se a ele: “Zaqueu, desce depressa, porque preciso que me recebas hoje em tua casa”.

Zaqueu veio depressa e recebeu Jesus com alegria. Ao terminar a refeição, comovido com a bondade do Senhor, reconheceu os seus pecados e exclamou: “Senhor, darei metade dos meus bens aos pobres, e, se prejudiquei alguém, devolverei o quádruplo”.

Zaqueu restituiu diretamente a todos aqueles a quem tinha prejudicado; mas, como entre estes estavam muitos que já não conseguia identificar, distribuiu bens pelos pobres.

É este o caminho para obter o perdão pelo roubo e pelos prejuízos injustos: confissão e restituição. Como Zaqueu tomou estas disposições, obteve o perdão: “Hoje entrou a salvação nesta casa” (cf Lc 19, 1-10).

 

Quer dizer: todo aquele que tem algo que lhe não pertence, ou que causou dano injusto, deve restituir. A obrigação de o fazer, em caso de matéria grave, é absolutamente necessária para obter o perdão dos pecados.

 

A Sagrada Escritura o afirma claramente: “Se o ímpio fizer penitência e restituir o roubado, terá a vida verdadeira” (Ez 33, 14-15). Outros textos análogos: Ex. 22, 3; Lc 19, 8-9.

 

A própria razão nos leva a afirmar a obrigação de restituir:

 

1) O Direito Natural manda dar a cada um o que é seu.

2) Sem restituição, todo o direito poderia ser violado.

 

CIRCUNSTÂNCIAS DA RESTITUIÇÃO

 

a) Quem: Em geral, quem é obrigado a restituir é quem injustamente possui o bem de outrem ou lhe causou prejuízo.

 

Se o prejuízo tiver sido causado por várias pessoas de comum acordo e todas contribuíram por igual, todas elas têm obrigação de restituir, e cada uma deve restituir a parte que lhe cabe no prejuízo.

Se o prejuízo tiver sido provocado por vários, de comum acordo, mas com participação desigual, cada um deve restituir proporcionalmente à intervenção que teve no caso.

 

b) A quem: É evidente que a restituição deve ser feita à pessoa cujos direitos foram lesados:

 

Se já morreu, deve restituir-se aos herdeiros.

Se não se sabe qual é o verdadeiro dono, ou se é moralmente impossível fazer-lhe chegar o que se lhe deve, então, empregar-se-á em boas obras ou em esmolas.

 

c) Quando: O mais depressa possível, sobretudo se, atrasando a restituição, se vai causando maior prejuízo ao próximo.

d) Como: Não é necessário que a restituição se faça publicamente ou pelo próprio, ou dando, a saber, ao verdadeiro dono; pode ser feita por interposta pessoa, e de qualquer forma.

 

Aplicações práticas destes princípios:

 

a) Quem não pode restituir atualmente deve ter intenção de o fazer quanto antes, e procurar colocar-se em possibilidade de restituir, mediante o seu trabalho e procurando evitar todo o gasto inútil.

b) Quem, não podendo restituir, não restitui, não peca; mas aquele que, podendo, o não faz, não pode receber a absolvição no sacramento da Penitência.

c) O modo de restituir deve ser tal que repare de maneira equivalente a justiça ofendida; isto é, com a devida igualdade.

 

CAUSAS ESCUSANTES DA RESTITUIÇÃO

 

As causas que escusam da obrigação de restituir são três:

 

a) A impossibilidade física; p. ex., a pobreza extrema.

b) A impossibilidade moral; p. ex., se o devedor tiver de sofrer um dano muito maior, como perder a vida ou a fama.

c) A condenação por parte do credor; p. ex., se a dívida é expressamente perdoada.

O RESPEITO PELA INTEGRIDADE DA CRIAÇÃO

 

O sétimo mandamento manda respeitar a integridade da criação. Os animais, como as plantas e os seres inanimados, estão naturalmente destinados ao bem comum da humanidade passada, presente e futura. O uso dos recursos minerais, vegetais e animais do universo não pode ser separado do respeito pelas exigências morais. O domínio dado pelo Criador ao homem sobre os seres inanimados e os seres vivos não é absoluto; é medido por meio da preocupação pela qualidade de vida do próximo, inclusive das gerações futuras; exige um respeito religioso pela integridade da criação.

Os animais são criaturas de Deus, que os envolve com sua solicitude providencial. Por sua simples existência, eles o bendizem e lhe dão glória. Também os homens lhes devem carinho. Lembremos com que delicadeza os santos, como São Francisco de Assis ou São Filipe Neri, tratavam os animais.

Deus confiou os animais à administração daquele que criou à sua imagem. É, portanto, legítimo servir-se dos animais para a alimentação e a confecção das vestes. Podem ser domesticados, para ajudar o homem em seus trabalhos e lazeres. Os experimentos médicos e científicos em animais são práticas moralmente admissíveis, se permanecerem dentro dos limites razoáveis e contribuírem para curar ou salvar vidas humanas.

É contrário à dignidade humana fazer os animais sofrerem inutilmente e desperdiçar suas vidas. É igualmente indigno gastar com eles o que deveria prioritariamente aliviar a miséria dos homens. Pode-se amar os animais, porém não se deve orientar para eles o afeto devido exclusivamente às pessoas.

 

 

 A JUSTIÇA SOCIAL

 

Dissemos, ao iniciar este capítulo, que o sétimo mandamento ordena fazer bom uso dos bens terrenos. Portanto, faz parte deste preceito o que se refere ao uso desses bens enquanto considerados propriedades da sociedade e dirigidos à própria sociedade. É agora que é oportuno falar da chamada Justiça Social, em que encontramos múltiplas aplicações deste mandamento da Lei de Deus. Tantas, que a Igreja as resumiu na chamada Doutrina Social Católica.

Para compreendermos onde enquadrar a Justiça Social, começaremos por estudar a divisão da Justiça.

Divisão que se tornou clássica e comum a muitos autores é a seguinte:

 

a) Justiça comutativa: É a justiça entre os indivíduos enquanto partes do todo social; é a justiça interpessoal.

b) Justiça legal: É a que regula o que as partes devem ao todo, entendendo por partes os indivíduos, quer sejam governantes, quer governados; é a justiça que manda obedecer às leis.

c) Justiça distributiva: É a que regula o que o todo deve às partes, isto é, a justa distribuição entre os membros da sociedade, dos encargos e das vantagens.

 

Esta divisão tem sido, no entanto, criticada por alguns como demasiado formal; esses autores propõem, em sua substituição, uma terminologia única: justiça social. E imediatamente surgiram as perguntas: Em que consiste? Quando há verdadeira justiça numa sociedade?

 

Na realidade, há Justiça social quando se cumprem perfeitamente essas três modalidades de Justiça, atrás assinaladas:

A comutativa; p. ex., na legislação laboral, num contrato de trabalho, no pagamento de salário justo.

A distributiva, que consiste em dar mais a quem tem menos, e dar menos a quem tem mais.

A legal, obedecendo às diversas leis justas.

 

É, pois, nas leis que se acha o fundamento: só haverá justiça se houver leis justas que regulem as relações entre as pessoas e o conjunto da sociedade. Mas, como não basta que existam leis justas, é ainda necessário que venham a ser aplicadas eficazmente.

 

Podemos afirmar com verdade que não haverá justiça social sem prática real da justiça em cada um dos cidadãos, ou pelo menos na sua maior parte; se é certo que as pessoas justas podem pouco numa sociedade com leis injustas, mais certo ainda será que uma sociedade com leis justas nada é sem prática real da justiça por parte das pessoas.

 

Não falta, atualmente, quem prefira confiar a existência da Justiça social a determinadas estruturas sociais, mais do que às atuações das pessoas. E surge a pergunta: Que será preferível: uma estrutura justa e um conjunto de atuações pessoais injustas, ou uma estrutura injusta com uma soma de atuações pessoais justas?

Como já dissemos, o senso comum responde que o melhor é que tudo — estruturas e pessoas — seja justo. Se quiséssemos resumir em poucas palavras algumas idéias clássicas sobre a Justiça, diríamos:

 

a) Em qualquer tempo e circunstância é necessário regular as relações dos cidadãos entre si.

b) Em qualquer tempo e circunstância, a autoridade política terá de atender à tarefa de repartir justamente os encargos e as vantagens implícitas na vida em sociedade.

c) Em qualquer tempo e circunstância, os cidadãos estarão obrigados a respeitar as leis por que se rege a sociedade.

Voltamos, pois, a encontrar as três espécies de Justiça — comutativa, distributiva e legal —, e por isso podemos afirmar que a existência desses três níveis de Justiça corresponde exatamente ao que se chama Justiça social.

 

O que acabamos de dizer há de ser considerado independentemente do sistema sócio-político, pois todos eles, para serem conformes com a dignidade do homem, devem fundar-se na Justiça social.

Devemos, portanto, dizer que a Justiça social que a Igreja ensina não é por a Igreja a ensinar que é verdadeira, mas é por ser verdadeira que a Igreja a ensina. Baseia-se na própria natureza do homem; no que se deve dar ao homem por ser imagem de Deus, por Deus criado com características próprias. A Igreja conhece a verdade acerca do Autor do homem, e tudo o que se refere às normas por Ele inscritas na natureza humana.

 

A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

 

DEFINIÇÃO E DOCUMENTOS DO MAGISTÉRIO

 

Dá-se o nome de Doutrina Social da Igreja, ao conjunto de ensinamentos do Magistério eclesiástico que aplicam as verdades reveladas e a Moral cristã à ordem social.

 

É a aplicação do Evangelho às realidades sociais, com o objetivo de mostrar aos homens o plano de Deus sobre as realidades deste mundo, de modo que a cidade terrena seja construída de acordo com os desígnios divinos.

 

RAZÃO DE SER DA INTERVENÇÃO DA IGREJA NA ORDEM TEMPORAL

 

No que respeita às relações entre a fé cristã e o desenvolvimento das realidades temporais, importa distinguir dois planos:

a)  Por um lado, Deus quis que o homem, fazendo uso da sua inteligência e vontade, disponha das realidades terrenas: “Deus criou o homem, e deixou-o entregue ao seu livre arbítrio. Deu-lhe, além disso, seus mandamentos e seus preceitos” (Eclo 15, 14-16).

 

              

b) Por outro lado, o homem recebeu de Deus os mandamentos e preceitos, ou seja, a Lei Natural. No temporal, juntamente com uma esfera de autonomia, há também uma Lei de Deus, que o homem deve cumprir: a Lei moral. Por conseguinte, o homem tem autonomia no temporal apenas naquilo que não cabe no campo moral, que é vasto. A Doutrina social da Igreja ensina as bases morais da ordem das realidades temporais.

A missão da Igreja é de ordem sobrenatural, e não se imiscui nas legítimas opções temporais nem defende programas políticos determinados. Ao mesmo tempo, porém, a Igreja tem pleno direito — que é um dever — de mostrar a dimensão moral da ordem secular, tanto no social como no político e no econômico. De igual modo lhe cabe o juízo moral acerca das questões temporais, e formar a consciência dos homens na sua ação temporal.

 

Por isso é que neste campo, a Igreja se limita a dar os elementos essenciais que deve ter, para ser justo, um sistema social. Não diz que sistema social se deve seguir, mas o que deve reunir para a Igreja o poder considerar justo.

 

SEU CARÁTER OBRIGATÓRIO

 

A Doutrina Social da Igreja é parte integrante da concepção cristã da vida, e funda-se na Revelação e na Lei Natural. Está contida, fundamentalmente, nos ensinamentos dos Papas e em outros documentos do Magistério eclesiástico. Por ser aplicação da Verdade e da Moral cristã às diversas situações históricas do mundo secular, essa doutrina obriga os fiéis de modo igual ao que obrigam os restantes atos magisteriais.

 

OUTRAS CONSIDERAÇÕES

 

Por outro lado, para a interpretação e correta aplicação da Doutrina Social da Igreja, é preciso conhecer a situação histórica concreta, que há de ser apreciada sem transpor indevidamente esses juízos para situações históricas diferentes.

 

A situações e realidades idênticas, correspondem juízos idênticos; a situações parcialmente diversas, correspondem juízos só parcialmente iguais, ainda que tenham a mesma denominação (p. ex., a moeda teve, noutros tempos, apenas valor de troca; mais tarde, passou a ter, como hoje, valor de capital, o que se relaciona com a licitude do juro nos empréstimos).

 

A Doutrina Social da Igreja deve ser conhecida e difundida por todos os fiéis, que hão de esforçar-se por orientar os problemas sociais em conformidade com ela.

 

Deve fazer parte da educação dos jovens, que hão de receber instrução e educação de acordo com os seus preceitos.

 

O ensino do Magistério não esgota todas as questões morais suscitadas por uma reta ordenação cristã da sociedade civil, nem se deve esperar, para agir, que o Magistério lhes dê, de antemão, a solução moral. Enquanto não
houver ensino oficial da Igreja, cabe à consciência bem formada dos homens discernir o que está e o que não está de acordo com a Moral cristã. Portanto, têm obrigação de estudar e de adquirir formação consoante as suas capacidades e o seu lugar na sociedade.

 

ALGUNS POSTULADOS CONCRETOS DA DOUTRINA SOCIAL CRISTÃ

 

Dentro da extensa variedade de ensinamentos do Magistério acerca da questão social, mencionaremos, a título de orientação, alguns dos mais importantes:

 

a)  A dignidade humana.

Todo o homem, como ser espiritual que é, foi criado à imagem e semelhança de Deus e destinado a um fim transcendente. Por esses motivos, possui uma dignidade natural superior ao resto dos seres físicos, e essa dignidade deve ser respeitada e defendida. Por esses mesmos motivos, deve afirmar-se que existe uma igualdade natural entre todos os homens.

 

b) O fim do Estado e da sociedade é o homem, e não o contrário.

O Estado justifica-se precisamente por estar ao serviço da pessoa humana: não é em si próprio que tem razão de ser. Pretender que o indivíduo e a coletividade tenham como fim o Estado, representa uma perturbação da ordem e uma incompreensão da dignidade do homem concreto.

 

c)  O Estado há de pretender o bem “comum”.

Significa que o Estado deve estar ao serviço de todos, não de um grupo, nem sequer da maioria. Em contrapartida, todos os cidadãos hão de contribuir para o bem comum, cada um de acordo com a sua capacidade. Para isso, devem gozar de um âmbito de liberdade, tutelando o Estado os direitos fundamentais da pessoa.

 

d) A família é a célula fundamental da sociedade, e o Estado tem o dever de a proteger e respeitar.

A família é a comunidade mais natural e mais necessária, pois tem origem em Deus. É o elemento essencial da sociedade humana, e anterior ao Estado. Tem direitos fundamentais e inalienáveis: o direito à subsistência e vida própria, o direito ao cumprimento da sua missão (procriação e educação dos filhos), o direito à proteção e ajuda.

 

e) Direito ao trabalho

É dever do Estado procurar a factibilidade do exercício do direito que todo o homem tem ao trabalho, não só por ser um meio de sustentação e de melhoria na vida social, mas também por estar intimamente ligado à dignidade do homem, como expressão e como meio requerido por Deus para que se aperfeiçoe.

 

f) Dignidade do trabalho humano

A utilidade ou valor do trabalho humano não deve ser medido apenas pela sua realidade objetiva, isto é, pelo muito ou pouco que valha em si mesmo; deve-se considerar também que, por detrás do produto do trabalho, está uma pessoa humana — com toda a sua dignidade —, que o realizou.

 

Assim o explica Sua Santidade João Paulo II: “(...) supondo que diversos trabalhos realizados pelos homens podem ter maior ou menor valor objetivo, procuremos, todavia, pôr em evidência que cada trabalho se mede, sobretudo, pelo padrão da dignidade do sujeito do trabalho, isto é, da pessoa, do indivíduo que o executa (...) a finalidade do trabalho, de todo e qualquer trabalho realizado pelo homem — ainda que seja o trabalho do mais humilde ‘serviço’ ou o mais monótono na escala comum de apreciação, ou o mais marginalizador — permanece sempre o próprio homem” (Enc. Laborem exercens, n. 6).

 

g)  A educação e a sociedade

Há um direito universal a receber educação, como meio de aperfeiçoamento pessoal e contributo para o bem comum. A responsabilidade básica da educação dos filhos pertence aos pais, e não ao Estado: este tem apenas uma função subsidiária, de promoção e proteção. É gravemente atentatório dos direitos da pessoa o monopólio estatal nesta matéria.

 

h)  Deveres concretos do Estado

São eles, entre outros, fomentar o progresso econômico e social, proteger a moral, manter uma política de justiça e previdência social, defender a propriedade privada, ajudar ao livre exercício da religião, defender a liberdade pessoal e dos diferentes grupos e classes sociais.

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes

Anápolis, 28 de março de 2008

 

Bibliografia

 

Escritura Sagrada

Mnr Cauly, Curso de Instrução Religiosa – O Catecismo Explicado

Catecismo da Igreja Católica

J. Bujanda, Teologia Moral para os fiéis

Ricardo Sada e Alfonso Monroy, Curso de Teologia Moral

              

 

 

 

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Depois de autorizado, é preciso citar:

Pe. Divino Antônio Lopes FP. “O sétimo mandamento da Lei de Deus”

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