FRIO OU QUENTE

(Ap 3, 15-16)

 

"15 ...Oxalá fosses frio ou quente! 16 Assim, porque és morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar de minha boca".

 

 

Edições Theologica comenta: "As circunstâncias em que vivia Laodicéia puderam contribuir para a situação de lassidão e de tibieza recriminadas. Recorda a atitude que tinha adotado também Israel nos momentos de prosperidade: quando tudo corria bem, o povo esquecia-se de Deus e caía numa vida relaxada e mole (cf. p. ex., Dt 31, 20; 32, 15; Os 13, 16; Jr 5, 7).

A existência de águas termais, próximas da cidade, dá azo a essa comparação tão expressiva, que é uma séria ameaça contra a tibieza. Assim se manifesta a repugnância divina perante a mediocridade e o aburguesamento".

Cassiano, um dos fundadores do monaquismo ocidental, diz que é preciso sacudir com energia esses princípios de tibieza: "Ninguém atribua o seu extravio a um repentino derrubamento, mas (...) a ter-se afastado da virtude pouco a pouco, por uma preguiça mental prolongada. Desse modo começam a ganhar terreno insensivelmente os maus hábitos, e sobrevém uma situação extrema. 'O derrubamento vem precedido por uma deterioração, e esta por um mau pensamento' (Pr 16, 18). Acontece o mesmo com uma casa: desmorona, um dia, só em virtude de um antigo defeito nos fundamentos ou por uma indolência prolongada dos seus moradores" (Collationes, VI, 17).

 

Natureza da tibieza

 

1.° Noção. A tibieza é uma doença espiritual que pode invadir os principiantes ou os perfeitos, mas que, sobretudo, se manifesta no decurso da via iluminativa. Supõe, efetivamente, que a alma havia adquirido um certo grau de fervor e que gradualmente se deixa cair no relaxamento.

Consiste a tibieza numa espécie de relaxamento espiritual, que amortece as energias da vontade, inspira horror ao esforço e conduz assim ao afrouxamento da vida cristã. É uma espécie de languidez ou torpor, que não é ainda a morte, mas que a ela conduz, sem se dar por isso, enfraquecendo gradualmente as nossas forças morais. Pode-se comparar a essas doenças de definhamento que, como a tísica, consomem pouco a pouco algum dos órgãos vitais.

Comentando o capítulo terceiro do Apocalipse, Martini chama de tíbio quem oscila entre a virtude e o vício, quem gostaria de evitar os pecados, ser fiel em tudo, entretanto não se decide a combater corajosamente, porque teme o esforço exigido pela virtude. Gostaria de ser santo, mas carregado pelos outros. Assemelha-se ao preguiçoso que quer e não quer.

"A Caridade não é orgulhosa" (1 Cor 13, 4). São Gregório, ao explicar essa frase, diz que a "... caridade, que só se ocupa com o amor de Deus, rejeita tudo o que não é correto e santo". A caridade é o laço que junta na alma as virtudes mais perfeitas: "Revesti-vos da caridade que e o vínculo da perfeição". A caridade ama a perfeição e por isso detesta a tibieza; algumas pessoas servem a Deus na tibieza com grande perigo de perder a caridade, a graça divina, a alma e tudo.

Santo Afonso Maria de Ligório fala sobre duas espécies de tibieza: "Há duas espécies de tibieza, uma inevitável e outra evitável. A tibieza inevitável é aquela da qual nem os santos estão livres. Ela abrange todas as faltas cometidas sem plena deliberação, mas só pela nossa fragilidade humana: as distrações na oração, as perturbações interiores, as palavras inúteis, a vã curiosidade, o desejo de se mostrar, o gosto no comer e no beber, os movimentos de sensualidade não controlados prontamente, e tantos outros. Essas faltas devemos evitá-las quanto pudermos; mas devido à fraqueza de nossa natureza humana, corrompida pelo pecado, é impossível evitá-las todas. Devemos, sim, nos arrepender quando cometemos estes pecados, pois desgostam a Deus, mas não devemos nos perturbar por causa deles. Escreve São Francisco de Sales: 'Todos os pensamentos que nos trazem inquietação não são de Deus, príncipe da paz, mas nascem sempre ou do demônio ou do amor próprio ou da estima de nós mesmos'. Portanto, é preciso afastar logo e não fazer caso desses pensamentos que nos inquietam. As faltas irrefletidas, feitas sem querer, também sem querer se apagam. Basta para isso um ato de arrependimento ou um ato de amor. Certa monja beneditina fala de uma chama de fogo, na qual, se jogarmos palhas, tornam-se cinzas. Com tal figura, ela queria explicar como um ato fervoroso de amor a Deus destrói todas as faltas em nossa alma. Esse mesmo efeito produz a sagrada comunhão, chamada 'remédio' que nos preserva dos pecados de cada dia. Essas faltas não deixam de ser faltas, mas não impedem nossa santificação, isto é, o caminhar para a perfeição; nesta vida ninguém chega à perfeição, antes de entrar no céu".

 

Causas da tibieza

 

Duas são as causas principais que contribuem para o seu desenvolvimento: alimento espiritual defeituoso, e a invasão de algum gérmen mórbido.

A) Para viver e progredir necessita a nossa alma de boa alimentação espiritual; ora, o que a alimenta são os diversos exercícios: meditações, leituras, orações, exames, cumprimento dos deveres de estado, prática das virtudes, que a põem em comunhão com Deus, fonte da vida sobrenatural. Se a alma, por conseguinte, faz com negligência esses exercícios, se se entrega voluntariamente às distrações, se não reage contra a rotina e o torpor, priva-se, por isso mesmo, de muitas graças, alimenta-se mal, enfraquece, torna-se incapaz de praticar as virtudes cristãs, por pouca dificuldade que ofereçam.

Notemos de passagem que este estado é totalmente diverso da aridez ou das provações divinas: nestas, em lugar de acolher as distrações, sente-se a alma aflita e humilhada por as ter, faz esforços sérios para lhes diminuir o número; na tibieza, pelo contrário, deixa-se ir facilmente atrás dos pensamentos inúteis, tem neles gosto, não faz quase nenhum esforço para os repelir, e dentro em breve as distrações invadem completamente as nossas orações.

É então que, vendo o pouco fruto que tira dos seus exercícios, começa a alma a encurtá-los, até acabar por suprimi-los. E assim, o exame de consciência que se tornou enfadonho, incômodo, uma simples rotina, acaba por se omitir; então já a alma não repara nas suas faltas e defeitos, deixando que tomem o predomínio. Não faz mais esforços para adquirir as virtudes, e dentro em breve, tendem a reverdecer os vícios e más tendências.

 

B)  O resultado desta apatia espiritual é o enfraquecimento progressivo da alma,  uma espécie de anemia espiritual, que prepara o caminho à invasão de algum gérmen mórbido,  isto  é,  duma das três  concupiscências,  ou  às  vezes,  das três  reunidas.

 

a) Como estão mal guardadas as portas da alma, facilmente se abrem os sentidos internos e externos às sugestões perigosas da curiosidade e sensualidade, surgindo frequentes tentações, que muitas vezes não são repelidas mais que a meias. Às vezes deixa-se o coração prender a afeições perturbadoras; cometem-se imprudências, brinca-se com o perigo, multiplicam-se os pecados veniais, de que apenas há arrependimento; vai-se escorregando por um declive perigoso, vai-se costeando o abismo... feliz da alma, se não resvala imperceptivelmente até o fundo!

b) Por outro lado, o orgulho que nunca fora bem reprimido, renova os seus ataques: não cessa a alma de se comprazer em si mesma, nas suas qualidades, nos seus triunfos exteriores. Para melhor se exaltar, compara-se a outros mais relaxados ainda, desprezando, como espíritos acanhados e meticulosos, os que vêem mais fiéis ao dever. Este orgulho provoca inveja, ciúme, movimentos de impaciência e de cólera, dureza nas relações com o próximo.

c) Reacende-se a cobiça: há necessidade de dinheiro, para agenciar mais prazer, para aparecer com mais esplendor; para se obterem  maiores  somas,  recorre-se talvez  a processos pouco delicados, pouco honestos, que roçam pela injustiça.

 

Donde numerosos pecados veniais deliberados, de que apenas se faz escrúpulo, porque a luz do entendimento e a delicadeza de consciência vão esmorecendo pouco a pouco: é que se vive, efetivamente, em dissipação habitual, fazem-se mal os exames de consciência. Assim vai diminuindo o horror ao pecado venial, vão rareando mais e mais as graças de Deus, de que se tira cada vez menos proveito: numa palavra, vai enfraquecendo todo o organismo espiritual, e esta anemia prepara vergonhosas capitulações.

 

A tibieza evitável

 

A tibieza, que impede nossa santificação, é aquela que chamamos de evitável: cometer pecados veniais refletidos. Todos esses pecados cometidos de olhos abertos, podemos evitá-los em nossa vida, com a graça de Deus.

Por isso dizia Santa Tereza: "Que Deus vos livre dos pecados deliberados, por pequenos que sejam!". Assim, por exemplo, as mentiras voluntárias, as pequenas murmurações, as imprecações, os ressentimentos, o caçoar do próximo, as palavras picantes, a vaidade, as antipatias nutridas no coração, a afeição desordenada a pessoas de outro sexo. Santa Teresa dizia: "Esses pecados são como vermes que não se deixam conhecer enquanto não roerem as virtudes em nós. Com as coisas pequenas o demônio vai abrindo buracos onde entram as coisas grandes".

Por isso devemos recear cometer tais pecados deliberados. Por causa deles, Deus diminui as luzes mais claras no coração, seu socorro mais forte, e nos tira o consolo espiritual da alma. Por isso é que uma pessoa faz contrariada e com muito custo os atos de piedade. Depois começa a deixar a oração, a comunhão, as visitas a Jesus na Eucaristia e as devoções; finalmente deixará tudo como já tem acontecido muitas vezes a tantas pessoas infelizes.

É o que significa aquela ameaça feita pelo Senhor às pessoas tíbias: "Não és frio nem quente, Oxalá fosses frio ou quente! Porque és morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar da minha boca". Notemos bem: "Oxalá fosses frio!"  Como? É melhor ser frio, isto é, despojado da graça de Deus do que ser desleixado? É verdade; de certo modo é melhor ser frio, porque quem é frio pode mais facilmente corrigir-se tocado pelo remorso da consciência. A pessoa tíbia espiritualmente acostuma-se a ficar dormindo nas suas faltas, não pensa no seu mal, não pensa em se emendar, e assim a sua cura se torna quase desesperadora. São Gregório escreve: "A tibieza, que deixou o fervor, cai no desespero".

O Padre Luis da Ponte dizia que, em sua vida, tinha cometido muitas faltas, mas que nunca tinha feito as pazes com elas. Algumas pessoas fazem as pazes com suas faltas. A ruína vem daí, principalmente quando a falta se junta com alguma paixão de apego a si mesmo, desejo de se mostrar, de ajuntar dinheiro, ódio ao próximo ou um afeto desordenado a uma pessoa de outro sexo. Então há um grande perigo de que os cabelos dessa pessoa - como dizia São Francisco de Assis - tornem-se para ela laços que a arrasta para o inferno. Pelo menos, ela não se tornará santa e perderá o prêmio para ela preparado por Deus, se tivesse sido fiel à graça. Um passarinho quando é solto do laço, logo voa livremente; a pessoa quando está livre de todo apego deste mundo, voa depressa para Deus. Mas, se estiver presa, qualquer pequeno fio bastará para impedi-la de caminhar para Deus. Quantas almas não se fazem santas, porque não se esforçam para se desprenderem de certas afeições passageiras!

Todo o mal vem do pouco amor que se tem a Jesus Cristo. Aqueles que estão cheios de si mesmos; os que se irritam com tudo que é contrário aos seus caprichos; os tolerantes consigo mesmos por medo de perderem a saúde; aqueles que tem o coração aberto para as coisas externas e o espírito sempre distraído pela ânsia de ouvir e saber tanta coisa alheia ao serviço de Deus, e que servem somente para contentar a própria vontade; os que se ressentem com a menor desatenção que julgam ter recebido de alguém, perturbam-se facilmente, deixam a oração e o recolhimento; ora, muito devotos e alegres, ora tristes e impacientes, conforme as coisas acontecem de acordo ou contra sua vontade; todas essas pessoas não amam, ou amam muito pouco a Jesus Cristo e desacreditam a verdadeira piedade cristã.

 

Graus da tibieza

 

Do que levamos exposto, resulta que há muitos graus de tibieza; na prática, porém, basta distinguir a tibieza começada e a tibieza consumada.

 

a) No primeiro caso, conserva-se ainda horror ao pecado mortal, posto que se cometam imprudências que a ele podem conduzir; mas cai-se facilmente no pecado venial de propósito deliberado, mormente no que corresponde ao defeito predominante; por outro lado, é muito pouco o empenho nos exercícios espirituais, que muitas vezes apenas se fazem por mera rotina. b) A força de cair nestas negligências culpáveis, vai deixando de haver horror instintivo ao pecado mortal; por outro lado, a tal ponto aumenta o amor do prazer que se chega a ter pena de que este ou aquele prazer seja proibido sob pecado grave. Se se repelem, pois, ainda as tentações, é só com moleza, até chegar o momento em que a alma se pergunta, não sem razão, se está ainda em graça; é a tibieza consumada.

 

Os perigos da tibieza

 

O que constitui o perigo especial deste estado é o enfraquecimento progressivo das forças da alma, mais perigoso que um pecado mortal insulado. É neste sentido que diz ao tíbio: "Conheço as tuas obras, que não és nem frio nem quente. Mais valera que fosses frio ou quente. E assim, porque és tíbio, nem quente nem frio, estou a ponto de te vomitar da minha boca. Tu dizes: sou rico, e enriqueci-me, e não conheces que és um coitado e um miserável e pobre e cego e nu". É, afinal, a diferença que se nota entre as doenças crônicas e agudas; estas últimas, uma vez curadas, não deixam muitas vezes rasto algum deplorável; as primeiras, por haverem lentamente enfraquecido o corpo, deixam-no durante muito tempo em estado de grande fraqueza. Vamos declarar este ponto um pouco mais por miúdo.

 

1.° O primeiro efeito da tibieza é uma espécie de cegueira da consciência: à força de querer desculpar e paliar as próprias faltas, acaba a alma por falsear o juízo, tendo por leves pecados que em si são graves; e assim vai formando uma consciência relaxada, que por fim, já não sabe reconhecer a gravidade das imprudências ou dos pecados que comete, já não tem suficiente energia para os detestar, e bem depressa vem a cair em ilusões culpadas: "Há tal caminho que parece direito ao homem, mas o seu termo leva à morte" (Pr 14, 12). Julga-se rica a alma, porque é orgulhosa; mas na realidade é pobre e miserável aos olhos de Deus.

 

2.° Segue-se daqui o enfraquecimento progressivo da vontade.

 

a) À força de fazer concessões à sensualidade e ao orgulho em coisas pequenas, chega-se por esse caminho a ceder ao prazer em coisas mais importantes. É que na vida espiritual tudo anda travado. Ensina a Sagrada Escritura que: "Aquele que não trata com cuidado do pouco que tem, bem depressa cairá em ruína" (Eclo 19, 1), que: "Quem é fiel nas coisas pequenas, o é também nas grandes, e que quem é injusto nas coisas pequenas, o é também nas grandes" (Lc 16, 12); o que quer dizer que a aplicação ou negligência, com que se fazem certas ações, se encontra nas ações análogas.

b) Por este caminho, depressa se chega ao aborrecimento de todo o esforço: como se encontra frouxa a mola da vontade, deixa-se a alma ir resvalando pelo declive da natureza, até cair no desleixo e no amor do prazer. Ora, é esta uma inclinação perigosa que, se não se vence, arrasta fatalmente a faltas graves.

c) É que, efetivamente, quem procede deste modo, abusa das graças e resiste às inspirações do Espírito Santo; e por isso mesmo escuta mais facilmente a voz do prazer, cede às tendências más e acaba por cair em pecados mortais.

 

E é tanto mais difícil de reparar esta queda, quanto é certo que é quase insensível; vai-se o homem deixando escorregar, por assim dizer, para o fundo do abismo, sem abalo nem comoção. E então procura a alma iludir-se a si mesma; trata de se persuadir que a falta não passa de venial, que, se a matéria é grave, não houve consentimento perfeito: é uma falta de surpresa, que não pode ser mortal.

E assim se falseia a consciência, a confissão que se faz não passa de perfunctória, como as que se faziam precedentemente. O confessor é enganado, e bem pode ser este o princípio duma longa série de sacrilégios. Quando uma bala cai do alto, tem força para ricochetar; se resvala pelo fundo do abismo, lá fica; assim sucede às vezes com as almas tíbias; importa, pois, indicar os remédios.

 

Os remédios da tibieza

 

A Sagrada Escritura indica estes remédios: "Aconselho-te que me compres ouro acrisolado no fogo, para te enriqueceres (o ouro da caridade e do fervor), e roupas brancas, para te vestires e não aparecer a vergonha da tua nudez (pureza de consciência), e um colírio para os teus olhos, para poderes ver (a franqueza consigo mesmo e com o próprio confessor). Porque aqueles que eu amo, repreendo-os e corrijo-os; arma-te, pois, de zelo e faz penitência. Eis que eu estou de pé à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo" (Ap 3, 18-20). Nunca se deve, pois, desesperar; Jesus está inteiramente disposto a nos restituir a sua amizade e até mesmo a sua intimidade, se nos convertermos. Para isso:

 

1.° É necessário recorrer amiúde a um prudente confessor, abrindo-lhe francamente a alma e pedindo-lhe sinceramente que sacuda o nosso torpor, recebendo e seguindo os seus conselhos com energia e constância.

2.°  Sob a sua direção, voltará a alma à prática fervorosa dos exercícios de piedade, mormente dos que asseguram a fidelidade aos demais, a oração, o exame de consciência e o oferecimento frequentemente renovado das obras. O fervor, de que se trata, não é o fervor sensível, senão a generosidade da vontade que se esforça por nada recusar a Deus.

3.° Retomar-se-á também a prática assídua das virtudes e deveres de estado, fazendo sucessivamente o exame particular sobre os pontos principais, e dando conta de tudo na confissão.

É por este caminho que se voltará ao fervor; e não esqueça a alma que as faltas passadas exigem reparação, pelo espírito e obras de penitência.   

 

Remédios indicados por Santo Afonso Maria de Ligório

 para deixar a tibieza

 

 

O PRIMEIRO MEIO para deixar a tibieza é o desejo de perfeição. Os santos desejos são asas que nos fazem voar da terra. Por um lado, Eles nos dão força; para caminhar na perfeição, por outro lado, eles nos aliviam os sofrimentos da caminhada. Quem deseja de verdade a perfeição nunca deixa de progredir nela e, se não ficar desanimado, vai consegui-la. Aquele, porém, que não a deseja, andará sempre para trás e se torna mais imperfeito do que no começo. Na caminhada para Deus quem não avança, sempre retrocede arrastado pela correnteza de nossa natureza corrompida.

É um grande erro dizer como alguns dizem: Deus não quer que todos sejam santos. "Esta é a vontade de Deus, a vossa santificação". Deus quer todos santos, cada um no seu estado de vida: o religioso como religioso, o leigo como leigo, o sacerdote como sacerdote, o casado como casado, o negociante como negociante, o soldado como soldado, e assim em todos os estados de vida.

São belíssimos os testemunhos de Santa Teresa sobre isso: "Os nossos pensamentos sejam grandes, porque deles nascem nosso bem... É preciso não diminuir os nossos desejos, mas confiar em Deus, esforçando-nos, chegaremos pouco a pouco até onde os santos chegaram com a graça de Deus". Em confirmação, diz ela ter visto pessoas corajosas que em pouco tempo fizeram grande progresso espiritual. "Agradam ao Senhor, tanto os desejos, como se já fossem realizações... Deus não concede muitas graças importantes, senão para quem muito desejou seu amor... Deus não deixa de pagar qualquer bom desejo nesta vida, pois, Ele ama as almas generosas quando não confiam em si mesmas".

Santa Teresa tinha esse espírito generoso. Chegou, uma vez, a dizer ao Senhor que pouco lhe importaria ver no céu pessoas gozando maior felicidade do que ela; mas ver pessoas que o amassem mais do que ela, não sabia como poderia suportar.

É preciso ter coragem. Diz Santa Teresa: "O Senhor é bom para aqueles que o procuram", é extremamente bom e aberto para com as pessoas que o buscam de coração. Se desejamos ser santos de verdade, nem os pecados cometidos podem nos impedir. "O demônio faz tudo para nos parecer um orgulho ter grandes desejos e o querer imitar os santos; mas ajuda muito ter coragem para as coisas grandes. Mesmo que a alma não tenha logo a força, ela dá um vôo generoso e avança muito".

"Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus". Mesmo os pecados cometidos podem concorrer para nossa santificação, na medida em que sua lembrança nos faz mais humildes, mais agradecidos às graças que Deus nos deu, depois de tantas ofensas. O pecador deve dizer: nada posso, nada mereço, a não ser o inferno. Mas sirvo a um Deus de bondade infinita e Ele prometeu ouvir a todos que lhe pedem alguma coisa. Já que Ele me livrou da condenação e quer que eu me torne um santo oferecendo-me sua ajuda, então posso me tornar um santo, não com minhas forças, mas com a graça de Deus que me sustenta: "Tudo posso naquele que me conforta".

Tendo os bons desejos, é preciso que tenhamos coragem e, confiantes em Deus, procuremos realizar esses desejos. Encontrando depois alguma dificuldade na sua realização, permaneçamos na vontade de Deus. A vontade de Deus deve estar acima de todos os nossos desejos. Santa Maria Madalena de Pazzi ficava mais contente privando-se de alguma coisa perfeita do que possuindo-a sem a vontade de Deus.

 

O SEGUNDO MEIO para chegar à santificação é a decisão de dar-se todo a Deus. Chamados à perfeição, muitos sentem o desejo de obtê-la, movidos pela graça. Se depois, porém, não tomam uma decisão, vivem e morrem no lodo de sua vida tíbia e imperfeita. Não basta só o desejo de ser santo, se não juntamos a ele uma firme resolução de alcançá-lo. Quantas pessoas se alimentam só de desejos e nunca dão um passo no caminho de Deus. Estes são os desejos de que fala a Bíblia: "Os desejos do preguiçoso o matam". O preguiçoso deseja sempre e nunca se decide a empregar os meios próprios de seu estado de vida para se tornar santo. Por isso, costuma dizer: Oh! Se eu morasse num deserto e não nesta casa! Se eu estivesse vivendo em outro convento, eu me entregaria todo a Deus! E, no entanto, não suporta um companheiro, não pode ouvir uma palavra que o contraria, dissipa-se com muitas coisas inúteis, cai em muitas faltas, pecados de gula, de curiosidades, de orgulho, e depois diz suspirando: Oh! Se eu tivesse, oh! Se eu pudesse... Tais desejos são mais prejudiciais do que úteis; alimenta-se deles e, no entanto, vive e continua a viver imperfeitamente. Dizia São Francisco de Sales: Não concordo com uma pessoa que, ligada por uma obrigação ou por uma vocação, fique a desejar outro tipo de vida, fora daquele que é seu dever, os outros trabalhos que são incompatíveis com seu estado presente. Isso lhe dissipa o coração e faz afrouxar nas suas obrigações.

Portanto, é necessário desejar a perfeição e empregar com decisão os meios para alcançá-la. Escreve Santa Teresa: "Deus não quer de nós apenas uma resolução, para Ele depois fazer o resto. O demônio não tem medo das pessoas irresolutas".

A meditação é útil para conhecer os meios que conduzem à santidade. Alguns fazem oração, mas nunca tiram conclusão alguma. Diz ainda Santa Teresa: "Prefiro oração de pouco tempo, mas que produz grandes efeitos, do que orações de muitos anos nas quais a pessoa não chega à resolução de fazer alguma coisa de valor por Deus... Sei por experiência que se alguém, desde o começo, toma a resolução de fazer alguma coisa por Deus, por difícil que seja, nada tem que temer".

A primeira resolução deve ser: esforçar-se sempre e preferir morrer do que cometer um pecado deliberado, por pequeno que seja. É verdade que nossos esforços, sem a ajuda de Deus, não bastam para vencermos as tentações. Deus, porém, quer que, de nossa parte, nos esforcemos. Ele suprirá com sua graça, socorrerá nossa fraqueza e nos alcançará a vitória. Essa resolução nos torna possível caminhar para frente e ao mesmo tempo nos dará grande coragem, trazendo-nos a certeza da graça divina. Escreve São Francisco de Sales: "A maior segurança que podemos ter neste mundo de estar na graça de Deus, não consiste tanto nos sentimentos que temos de seu amor, mas no puro e irrevogável abandono de todo nosso ser nas suas mãos e na resolução firme de nunca mais consentir em algum pecado, nem grande nem pequeno".

Nisso consiste a delicadeza de consciência. Note-se que uma coisa é ser delicado de consciência, e outra é ser escrupuloso. Ser delicado de consciência é uma necessidade para se tornar santo. Ser escrupuloso é um defeito e nos faz mal; devemos, por isso, obedecer ao diretor espiritual e vencer os escrúpulos, preocupações inúteis e sem razão.

Em segundo lugar, é preciso escolher sem restrição aquilo que é o melhor, não só o que agrada a Deus, mas aquilo que lhe agrada mais. Diz São Francisco de Sales: "É preciso começar com uma grande e firme resolução de dar-se inteiramente a Deus, prometendo-lhe que queremos pertencer-lhe para sempre, sem nenhuma reserva. Depois, renovar muitas vezes essa mesma resolução". Santo André Avelino fez uma promessa de cada dia progredir sempre mais na perfeição. Quem quer ser santo, não precisa fazer uma promessa, mas deve procurar cada dia dar alguns passos no caminho da santificação. Escreveu São Lourenço Justiniano: "Quando alguém caminha de verdade, sente em si mesmo um desejo contínuo de avançar mais. Quanto mais cresce na perfeição, tanto mais cresce nele esse desejo porque, aumentando a luz de Deus em sua alma, parece-lhe que não tem nenhuma virtude e não faz nenhum bem. Se, por acaso, praticou alguma coisa boa, ele a sente como muito imperfeita, não fazendo caso dela. Por isso é que se esforça continuamente em alcançar a perfeição, sem parar".

É necessário começar logo, não deixando para o dia seguinte. Quem nos garante que, mais tarde, teremos tempo? "Tudo que tua mão encontra para fazer, faze-o logo". O que podes fazer, não adies, "porque na região dos mortos para onde vais, não há mais trabalho, nem ciência, nem inteligência, nem sabedoria".

Na outra vida não há tempo para se praticar as boas ações nem motivos para merecimentos; lá não existe a sabedoria de fazer bem as coisas nem a ciência ou a experiência dos outros para a gente se aconselhar. Depois da morte, o que está feito, está feito!

Certa religiosa de um mosteiro de Roma levava uma vida muito tíbia. Padre Lancísio veio pregar os exercícios espirituais às religiosas e esta freira, apegada à sua vida espiritual relaxada, assistia aos exercícios de má vontade. A graça de Deus, porém, tocou-lhe a alma na primeira pregação. Dirigiu-se ao pregador e lhe disse com verdadeira resolução: "Padre, eu quero ser santa e logo". De fato, fez assim ajudada por Deus, porque viveu apenas oito meses e, nesse pouco tempo, viveu e morreu como uma santa.

"Agora começo", dizia Davi, e o mesmo costumava falar São Carlos Borromeu: "Hoje começo a servir a Deus". É assim que devemos fazer, como se no passado não tivéssemos feito nenhum bem. Tudo o que fazemos por Deus é nada, pois apenas cumprimos um dever. Portanto, tomemos cada dia a resolução de sermos inteiramente de Deus. Não fiquemos a olhar o que os outros fazem ou como fazem. Poucos são aqueles que se tornam santos de verdade. Diz São Bernardo: "Ninguém pode ser perfeito sem ser diferente". Se queremos imitar o comum dos homens, seremos sempre imperfeitos como em geral eles são. É preciso vencer tudo, renunciar a tudo, para conseguir Tudo, Deus. Dizia Santa Teresa: "Porque não resolvemos dar todo o nosso coração a Deus, também não nos é dado todo o seu amor".

Como é pouco tudo aquilo que se faz por Jesus Cristo! "Ele deu seu sangue e sua vida por nós". Santa Teresa escreveu: "Tudo o que podemos fazer é nada em comparação a uma gota de sangue de Jesus, derramada por nós". Os santos não se poupam quando se trata de agradar a um Deus que se deu todo a nós, justamente para nos obrigar a não lhe negarmos nada. Escreveu São João Crisóstomo: "Tudo te deu, nada deixou para si". Já que Deus se deu todo a nós, não é justo que tenhamos reservas com Ele. "Ele morreu por todos, a fim de que os que vivem já não vivam para si, mas para aquele que por eles morreu".

 

O TERCEIRO MEIO para se tornar santo é a meditação. Diz João Gerson que quem não medita as verdades eternas não pode, a não ser por milagre, viver como cristão. A razão é que, sem meditação, não há luz e se caminha na escuridão. As verdades da fé não se enxergam com os olhos do corpo, mas com os olhos da alma, quando nosso espírito as medita. Quem não faz meditação sobre as verdades eternas, não pode vê-las e por isso anda no escuro, facilmente se apega às coisas sensíveis e por causa delas despreza os bens eternos. Santa Teresa escreveu: "Embora pareça que não há imperfeições em nós, descobrimos grande número delas, quando Deus faz ver o nosso íntimo, o que Ele costuma fazer na meditação". São Bernardo também escreveu: "Quem não medita, não julga com severidade a si mesmo, porque não se conhece. A oração controla nossos afetos e dirige nossos atos para Deus"; mas sem oração, os afetos de nossa alma se apegam à terra, nossas ações acompanham os afetos e assim tudo acaba em desordem.

É impressionante o que se lê na vida da venerável irmã Maria Crucifixa. Quando rezava, como que ouviu um demônio gloriar-se de ter feito uma religiosa deixar a meditação. Em espírito viu que, após essa falta, o demônio tentava a religiosa a cometer uma falta grave e ela já estava para consentir. Correndo depressa, chamou-lhe atenção e livrou-a da queda. Dizia Santa Teresa que quem deixa a meditação "em pouco tempo se torna um animal ou um demônio".

Quem abandona a meditação, portanto, deixará de amar a Jesus Cristo. A meditação é a fornalha onde se acende e se conserva o fogo do amor a Deus.

Santa Catarina de Bolonha dizia: "Quem não medita muito, fica sem o laço de união com Deus. Nessa situação não será difícil para o demônio, encontrando a pessoa fria no amor de Deus, levá-la a se alimentar com uma fruta envenenada". De outro lado, dizia Santa Teresa: "Quem persevera na meditação, mesmo que o demônio a tente de muitas maneiras, tenho certeza que o Senhor a levará ao porto da salvação... Quem não pára no caminho da meditação, chegará ainda que tarde". O demônio se esforça muito em afastar a pessoa da meditação porque "ele sabe que as pessoas perseverantes na oração estão perdidas para ele".

Quantos bens se conseguem na meditação! Dela nascem os bons pensamentos, manifestam-se nossos piedosos afetos, desenvolvem-se os grandes desejos, tomam-se as resoluções firmes de se dar inteiramente a Deus. Dessa maneira, a pessoa lhe sacrifica os prazeres terrenos e todos os desejos desordenados. Dizia São Luís Gonzaga: "Não existirá muita perfeição, se não existir muita meditação". Reparem bem nesta frase as pessoas que amam a perfeição!

Não se deve rezar para sentir a consolação do amor de Deus. Quem reza com esta finalidade, perderá seu tempo ou tirará pouco proveito. Devemos rezar somente para agradar a Deus, isto é, para conhecer o que Deus quer de nós e Lhe pedir Sua ajuda para cumprir sua vontade: "Carregar a cruz sem consolações faz a alma voar até a perfeição". A oração sem consolações sensíveis torna-se mais frutuosa para a alma. Pobre pessoa que deixa a oração só porque não sente gosto nela! Dizia Santa Teresa: "Quem deixa a oração, é como jogar-se no inferno por si mesmo, sem necessidade dos demônios".

Nasce da oração o pensar sempre em Deus. Dizia Santa Teresa: "Quem ama de verdade, sempre se lembra da pessoa a quem ama". Esta é a causa porque as pessoas piedosas falam sempre de Deus, sabendo o quanto agrada a Deus falar dele e de seu amor por nós. É também assim que procuram comunicar aos outros, aquele mesmo amor que invade seus corações. Dizia ainda Santa Teresa: "Nas conversas dos filhos de Deus sempre está presente Jesus Cristo, agradando-lhe muito que se alegrem nele".

Da oração nasce ainda o desejo de se retirar à solidão para ficar a sós com Deus, e o desejo de conservar o recolhimento interior nas ocupações externas e necessárias. Disse "ocupações necessárias", isto é, seja por causa da direção da família, seja por causa dos próprios deveres, ou dos trabalhos exigidos pela obediência. Mesmo assim, as pessoas de oração devem amar a solidão e não se dissipar em ocupações extravagantes e inúteis; do contrário, perderão o espírito de recolhimento, este grande meio de manter a união com Deus: "És um jardim fechado, minha irmã, minha esposa". Nossa alma, esposa de Jesus Cristo, deve ser um jardim fechado a todas as criaturas, não admitindo outros pensamentos e ocupações que não sejam de Deus ou para Deus. Os corações dissipados não se tornam santos.

Os santos que se dedicam a conquistar pessoas para Deus, não perdem o recolhimento mesmo entre as canseiras da pregação, do ouvir confissões, do reconciliar os inimigos e em assistir os doentes. O mesmo acontece com aqueles que se dedicam ao estudo. Quantos estudam muito e se esforçam para se tornar sábios e acabam não se tornando nem sábios nem santos. A verdadeira sabedoria é a sabedoria dos santos: saber amar a Jesus Cristo. O amor de Deus traz consigo a ciência e todos os bens: "Com ela me vieram todos os bens", isto é, com a caridade.

São João Berchmans tinha uma paixão extraordinária pelo estudo, mas, com sua virtude, não deixou que os estudos dificultassem o seu crescimento espiritual. Diz São Paulo: "Digo a todos que estão entre vós, que não saibam mais do que convém saber, mas que saibam com sobriedade...". O estudo é exigido e indispensável, principalmente aos sacerdotes, porque devem ensinar aos outros a Lei de Deus: "Os lábios dos sacerdotes guardam a ciência e é de sua boca que se espera a doutrina...". É preciso que saiba, mas com sobriedade. Quem deixa a oração por causa do estudo não busca a Deus, mas a si mesmo. Quem procura a Deus, larga o estudo oportunamente para não deixar a oração.

O maior mal, além disso, é que sem meditação não se reza. Basta lembrar aqui as palavras do bispo de Osmar, João Palafox: "Como podemos conservar a caridade, se Deus não nos dá a perseverança? Como o Senhor nos dará a perseverança, se não a pedimos? Como a pediremos sem oração? Sem oração não existe comunicação com Deus, para se manter a vida cristã". De fato, quem não faz meditação enxerga pouco as necessidades de sua alma, não conhece bem os perigos a que se expõe para se salvar, nem os meios que deve usar para vencer as tentações. Assim, conhecendo pouco a necessidade da oração, deixará de rezar e certamente se perderá.

Quanto ao que meditar, não há assunto mais útil do que as verdades da vida: a morte, o julgamento, o inferno e o céu. Devemos meditar especialmente na morte, imaginando estarmos para morrer numa cama, com o crucifixo nas mãos e próximos a entrar na eternidade. Mas, principalmente para quem ama a Jesus Cristo e deseja crescer no seu santo amor, não existe meditação mais útil do que a paixão do Redentor: "O Calvário é a montanha das pessoas que amam". Quem ama a Jesus Cristo sempre faz sua meditação sobre esta montanha, onde não se respira outro ar senão o amor de Deus. Vendo um Deus que morre por nosso amor e porque nos ama - "amou-nos e se entregou por nós" - é impossível não o amar intensamente. Das chagas de Jesus Crucificado saem continuamente flechas de amor que ferem os corações mais duros. Feliz aquele que faz continuamente nesta vida a sua meditação sobre o monte Calvário! Montanha feliz, amável, querida, quem se afastará de ti? Desprendendo fogo, abrasas as pessoas que moram permanentemente sobre ti!

  

O QUARTO MEIO para se chegar à perfeição e perseverar na graça de Deus é a comunhão frequente. Dizia Santa Teresa: "Não há melhor meio para se chegar à perfeição do que a comunhão frequente. Oh, como o Senhor a vai aperfeiçoando de um modo admirável!" Falando de uma maneira geral, as pessoas que comungam com mais frequência geralmente são mais avançadas na perfeição. Nos mosteiros onde se frequenta mais a comunhão, ali existe mais amor. Eis porque os Santos Padres louvaram e incentivaram a comunhão frequente e até diária. A comunhão, como fala o Concílio de Trento, liberta-nos das faltas diárias, protege-nos dos pecados mortais. São Bernardo diz que a comunhão reprime os movimentos de ira e sensualidade, as duas paixões que mais fortemente e mais vezes nos assaltam. A comunhão destrói as tentações do demônio, dá-nos uma grande inclinação para as virtudes e agilidade em praticá-las, uma grande paz, tornando-nos assim mais fácil e agradável o caminho de santificação. De modo especial, nenhum outro sacramento faz crescer tanto o amor de Deus nas almas, como a Eucaristia, onde Jesus se dá todo para nos unir inteiramente a Ele através de seu amor. Dizia o Beato João de Ávila: "Quem se afasta da comunhão frequente faz o papel do demônio", porque o demônio tem ódio da Eucaristia, onde as pessoas recebem grande força para progredir no amor de Deus.

Para comungar bem, é preciso fazer uma conveniente preparação. A primeira preparação para se poder comungar bem todos os dias ou muitas vezes durante a semana é: 1. - Evitar toda falta deliberada, isto é, cometida de olhos abertos. 2. - Praticar muita meditação. 3. - Mortificar os nossos sentidos e paixões. A preparação mais próxima para comunhão é tudo aquilo, todas a orações que se fazem antes da comunhão.

Para tirar grandes frutos da comunhão é conveniente fazer depois a ação de graças. O tempo que segue à comunhão é "tempo de ganhar muitas graças de Deus". Santa Maria Madalena de Pazzi dizia: "O tempo mais apropriado para crescermos no amor de Deus é aquele que segue após a comunhão". E Santa Teresa escreveu: "Não percamos tão boa ocasião de negociar com Deus! Ele não costuma pagar mal a hospedagem, se o recebemos bem".

Certas pessoas tímidas, aconselhadas pelo seu confessor a comungar com mais frequência, costumam responder: eu não sou digna.

- Não sabes que quanto menos comungas mais indigna te tornas, porque sem a comunhão terás menos força e cairás em mais faltas? Obedece ao confessor, deixa-te guiar por ele! As faltas, quando não plenamente voluntárias, não impedem a comunhão. Das tuas faltas, a maior é a de não obedecer ao teu confessor.

Mas dirá ainda:

- Mas eu levei uma vida má no passado!

- Não sabes que tem mais necessidade do médico e dos remédios justamente a pessoa que está mais doente? Jesus na eucaristia é médico e remédio. É Santo Ambrósio quem diz: "Eu, que sempre peco, preciso sempre do remédio ao meu alcance"

Este Pão do Céu requer que se tenha fome, ele quer ser desejado. Este pensamento "hoje eu comunguei, amanhã eu vou comungar" nos torna atentos para fugir do pecado e fazer a vontade de Deus!

- Mas eu não sou fervoroso.

- Se falas do fervor sensível, isso não é necessário e Deus nem sempre o dá até mesmo às pessoas mais piedosas.

Basta que tenhas o fervor de uma vontade resolvida a ser toda de Deus e a progredir no amor de Deus. Diz Gerson que quem deixa a comunhão por não sentir a devoção que desejaria sentir, faz como aqueles que não se achegam ao fogo porque sentem frio.

Quantas pessoas deixam de procurar a comunhão para não se sentirem obrigadas a viver com maior recolhimento e maior desapego das coisas desta terra. Esse é o motivo verdadeiro porque muitos não comungam com maior frequência. Sabem que a comunhão diária não pode estar junto com o desejo de aparecer, com a vaidade no vestir, com o apego aos prazeres da gula, as comodidades, as conversas maldosas. Sabem que deveria haver mais oração, praticar mais mortificações internas e externas, maior recolhimento. É por isso que se envergonham de aproximar mais vezes da comunhão. Sem dúvida, tais pessoas fazem bem em deixar a comunhão frequente enquanto se acham neste estado lastimoso de tibieza. Mas deve sair dessa situação de tibieza quem se sente chamado a uma vida mais perfeita e não quer pôr em perigo a própria salvação eterna.

É também muito bom para se manter com fervor espiritual, fazer frequentemente a "comunhão espiritual", louvada pelo Concílio de Trento, que exorta os fiéis a praticá-la. Ela consiste num fervoroso desejo de receber a Jesus Cristo na Eucaristia. Por isso os santos a faziam várias vezes ao dia. O modo de fazê-la é este: "Meu Jesus, creio que estais no Sacramento da Eucaristia. Amo-vos e desejo vos receber; vinde à minha alma. Uno-me a vós e vos peço que não permitais que nunca me separe de vós". Ou então, simplesmente: "Meu Jesus, vinde a mim, eu quero vos receber para que vivamos intimamente unidos e não vos separeis de mim". Este tipo de comunhão espiritual pode ser feito várias vezes ao dia, quando se reza, ou se faz uma visita ao Santíssimo Sacramento ou também na missa quando não se pode comungar. A Bem-aventurada Águeda da Cruz costumava dizer: "Se não me tivessem ensinado este modo de comungar muitas vezes ao dia, não sei como poderia viver".

 

O QUINTO MEIO, e o mais necessário para a vida espiritual e para se ter o amor a Jesus Cristo, é a Oração.

Em primeiro lugar, Deus nos faz conhecer, por este meio, o grande amor que nos tem. Que maior prova de amizade uma pessoa pode dar a seu amigo do que lhe dizer: pede-me o que quiseres e de mim receberás? Ora, é justamente isso que o Senhor nos diz: "Pedi e vos será dado, buscai e achareis". Por isso mesmo, a oração se torna poderosa junto de Deus para nos alcançar todos os bens. A oração tudo pode, quem reza alcança de Deus o que quer: "Bendito seja Deus que não rejeitou minha oração, nem retirou de mim a sua misericórdia".

Diz Santo Agostinho: "Quando percebes que não te falta a oração, fica sossegado, pois a misericórdia de Deus não te faltará". E São João Crisóstomo diz: "Sempre se alcança, até mesmo enquanto estamos rezando". Quando pedimos ao Senhor, já antes de terminarmos de pedir, Ele nos dá a graça que suplicamos.

Se, portanto, somos pobres, queixemo-nos só de nós mesmos. Somos pobres porque assim o queremos e por isso não merecemos compaixão. Que compaixão pode merecer um mendigo que, tendo um patrão muito rico e disposto a lhe dar tudo, contanto que peça, prefere ficar na sua miséria só para não pedir o que lhe é necessário? Deus está pronto a enriquecer todos os que lhe pedem: "Rico para todos que o invocam".

A prece humilde consegue tudo de Deus. Saibamos também que ela nos é útil e mesmo necessária para nossa salvação.

Para vencermos as tentações, temos necessidade absoluta da ajuda de Deus. Algumas vezes, em tentações mais fortes, a graça suficiente que Deus não nega a ninguém, poderia bastar para resistirmos ao pecado. Mas, devido às nossas más tendências, ela não nos bastará; necessitamos então de uma graça especial. Quem reza, alcança esta graça; quem não reza, não a consegue e se perde.

Tratando-se particularmente da graça da perseverança final, isto é, de morrer na amizade de Deus, o que é absolutamente necessário para a nossa salvação, do contrário estaremos para sempre perdidos, esta graça Deus não a dá senão a quem pede. Este é um dos motivos porque muitos não se salvam, pois são poucos os que cuidam de pedir a Deus a graça da perseverança final.

Resumindo, a oração é necessária não só por necessidade de preceito, mas ainda por necessidade de meio. Isto quer dizer: quem não reza, é impossível que se salve. A razão é que não podemos alcançar a salvação sem o auxílio da graça de Deus e Deus só dá esta graça a quem lhe pede. Sendo contínuas as tentações e os perigos de perdermos a amizade de Deus, contínuas também devem ser as nossas orações. Por isso escreveu Santo Tomás: "A oração contínua é necessária ao homem para entrar no céu". No momento em que deixarmos de nos recomendar a Deus, o demônio nos vencerá.

Embora a graça da perseverança final não possa ser merecida por nós, como ensina o Concílio de Trento, contudo pode-se merecê-la de certo modo com a oração. O Senhor quer nos dar suas graças, mas quer que as peçamos; quer até mesmo ser importunado e como que constrangido com nossas orações, como escreve São Gregório. Dizia Santa Maria Madalena de Pazzi que quando pedimos as graças a Deus, Ele não só nos atende, mas de certo modo nos agradece. Sim, porque sendo Deus a bondade infinita, deseja comunicar-se com as pessoas tendo, por assim dizer, um desejo enorme de distribuir seus bens; mas Ele quer que peçamos. Por isso quando uma pessoa lhe pede, é tanto o seu prazer que de certo modo se vê obrigado a agradecer.

Portanto, se queremos permanecer na amizade de Deus até a morte, precisamos sempre nos fazer mendigos e ter a boca aberta para pedir a Deus que nos ajude, repetindo sempre:

- "Meu Jesus, misericórdia! Não permitais que eu me separe de vós. Meu Deus, ajudai-me, socorrei-me!"

A oração frequente dos antigos monges do deserto era: "Senhor, atendei as minhas preces, vinde depressa em meu auxílio. Senhor, ajudai-me depressa, porque se demorardes, eu cairei na desgraça e me perderei".

É preciso fazer assim principalmente nos momentos de tentações. Quem não faz assim, está perdido!

Tenhamos grande fé na oração; Deus prometeu atender aquele que lhe pede: "Pedi e recebereis". Por que vamos duvidar, se o Senhor se obrigou com sua promessa e Ele não pode faltar à promessa de nos conceder a graça que lhe pedimos? Quando recorremos a Deus, tenhamos plena confiança de que Deus nos atenderá e alcançaremos aquilo que queremos: "Tudo o que pedirdes na oração, crede que o recebereis, e ser-vos-á dado". Mas alguém poderá dizer:

- Sou um pecador, não mereço ser ouvido.

- Mas Jesus é que disse "todo aquele que pede, recebe", seja justo ou pecador. Ensina Santo Tomás que a força da oração para obtermos a graça, não vem dos nossos méritos, mas da misericórdia de Deus que prometeu ouvir aquele que lhe pede. Nosso Salvador para nos tirar todo receio quando rezamos, nos diz: "Em verdade, em verdade vos digo, o que pedirdes ao Pai, em meu nome, Ele vo-lo dará". É como se dissesse: Pecadores, não tendes merecimentos para ganhar as graças. Fazei assim, quando desejardes as graças: pedi ao meu Pai em meu nome, isto é, pelos meus merecimentos e pelo meu amor; pedi quanto quiserdes e vos será dado.

Notemos a expressão "em meu nome", isto é, em nome do Salvador. Por isso tudo que pedimos deve ser graças referentes à nossa salvação; é bom reparar que a promessa não se refere a bens temporais. Os bens temporais, quando são úteis à salvação eterna, Ele nos concede, mas quando não são, Ele nos nega. Pedindo bens temporais, lembremo-nos de pedi-los com a condição de que sejam úteis à nossa alma. Quando são graças espirituais, então não existem condições, mas confiança e confiança infalível. Podemos dizer: "Pai Eterno, em nome de Jesus Cristo, livrai-me desta tentação e dai-me a santa perseverança, dai-me vosso amor, dai-me o céu". Todas estas graças podemos pedi-las a Jesus Cristo em seu nome, isto é, pelos seus méritos, pois aqui existe a promessa de Jesus: "Tudo que pedirdes a meu Pai em meu nome, eu o farei".

Quando rezamos a Deus, não nos esqueçamos de nos recomendar à dispensadora das graças, Maria. Deus é quem dá as graças, mas é pelas mãos de Maria que Ele as dá. Como diz São Bernardo: "Busquemos as graças e busquemo-las por meio de Maria, porque o que ela procura para nós, sempre acha; nada lhe pode ser recusado". Se Maria pede também por nós, estamos seguros, porque as orações de Maria são todas ouvidas e nunca rejeitadas.

 

Remédios para curar a tibieza, segundo o

Bem-aventurado José Allamano

 

a) Penetrar sinceramente em nós mesmos e pedir a Nosso Senhor a graça de nos conhecermos bem. "Porque dizes: Eu sou rico, enriqueci-me, e não tenho necessidade de nada, e não sabes que és um desventurado, um miserável, um indigente, um cego, um nu" (Ap 3,17).

b) Despertar em nós um ardente amor a Deus, sobretudo por meio da oração fervorosa e da meditação cotidiana, fogo que aquece a alma. "Aconselho-te que compres de mim ouro acrisolado pelo fogo, para que te enriqueças" (Ap 3,18).

c) Combater sem trégua e implacavelmente os pecados veniais, fazendo boas e frequentes confissões; usar os sacramentais. "Para que te vistas de roupas alvas, a fim de que não apareça a vergonha da tua nudez" (Ap 3,18).

d) Fazer com cuidado o exame de consciência, para descobrir as raízes dos defeitos e arrancá-las. "Unge com um colírio os teus olhos, de modo que possas ver claro" (Ap 3,18).

e) Sobretudo: querer seriamente, querer fortemente, querer constantemente, a preço de qualquer esforço e sacrifício. "Eu repreendo e castigo aqueles que amo. Reanima, pois, o teu zelo e arrepende-te. Eis que estou às portas e bato" (Ap 3,19-20).

f) Podemos acrescentar ainda a devoção ao Sagrado Coração de Jesus: rezar jaculatórias durante o dia e fazer todas as ações para consolá-lo, porquanto ele prometeu a Santa Margarida Maria Alacoque, em favor de seus devotos: "Os tíbios tornar-se-ão fervorosos".

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 01 de abril de 2008

 


 

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Depois de autorizado, é preciso citar:

Pe. Divino Antônio Lopes FP. "Frio ou quente"

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