E A CALAFETARÁS (Gn 6, 14)
"Faze uma arca de madeira resinosa; tu a farás de caniços e a calafetarás com betume por dentro e por fora".
Deus ordenou que Noé construísse uma arca, e que entrasse nela, além dele, mais sete pessoas (1 Pd 3, 20), e muitos casais de animais. Para suportar a FORÇA da chuva e FLUTUAR por vários dias sobre as águas IMUNDAS, a arca deveria ser muito bem CALAFETADA: "... calafetarás com betume por dentro e por fora". Não podia de forma alguma entrar aquela ÁGUA SUJA no seu interior.
Católico, o nosso CORPO é uma "arca" que "FLUTUA" sobre as "águas" LAMACENTAS desse MUNDO inimigo de Deus e das almas imortais. Para que não entre nessa "arca", isto é, "nosso corpo", "águas" SUJAS desse MUNDO cheio de maldade e manche nossa alma imortal, precisamos "CALAFETÁ-LO" bem, isto é, MORTIFICAR os sentidos externos: paladar, olfato, visão, tato e audição, e os sentidos internos: imaginação e memória.
I. Sentidos externos
1. É preciso "calafetar" o corpo mortificando o PALADAR. Santo Agostinho escreve: "Comemos para viver e não vivemos para comer". Existem milhares de pessoas que são exigentes na escolha da comida e acaba exagerando: "A ação de comer avilta o homem; apesar disso, muitas vezes, perdemos não pouco tempo falando e pensando em comida; discorremos conosco mesmos se este ou aquele tipo de comida nos fez ou nos fará bem, etc... Não, 'não só de pão vive o homem' (Mt 4,4). Que a nossa mente, portanto, não se ocupe destas coisas, pois não trazem nenhuma beleza à alma, antes, põem em perigo a sua candura" (Bem-aventurado José Allamano, A Vida Espiritual, Capítulo 21). Quantas penitências praticava São Jerônimo em Belém! Apesar disto, as cenas que vira em Roma ainda lhe afloravam na mente e o perturbavam. Para vencer tais tentações, jejuava semanas a fio (São Jerônimo, Epist. 22., ad Eust.).
2. É preciso "calafetar" o corpo mortificando o OLFATO. Adolfo Tanquerey escreve: "Quanto ao olfato, basta dizer que o uso imoderado de perfumes não é muitas vezes mais que um pretexto para satisfazer a sensualidade e talvez para excitar a luxúria. Um cristão sério não usa perfumes senão com muita moderação, por motivos de grande utilidade" (Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 779). A Serva de Deus, Antonieta Farani, não usava sabonete para se banhar, mas somente sabão de coco.
3. É preciso "calafetar" o corpo mortificando a VISÃO. A Condessa Radicati, cega há vinte anos, dizia ao Pe. José Allamano: "Não me compadeça; sou feliz, porque tenho um perigo a menos de pecar". O Bem-aventurado José Allamano escreve: "Esta mortificação é muito importante, pois, do contrário, não é preciso que o demônio nos tente, nós mesmos nos tentamos. Devemos mortificar os olhos, sobretudo, perante pessoas de outro sexo; com todas, sem exceção de virtude ou de parentesco" (A Vida Espiritual, Capítulo 21). Adolfo Tanquerey escreve: "Há olhares gravemente culpados, que ofendem não somente o pudor, mas até a castidade em si mesma e que, por conseguinte, é forçoso evitar. Outros há que são perigosos, por exemplo: fixar a vista sem razão em pessoas ou objetos que naturalmente hão de suscitar tentações. Assim, a Sagrada Escritura nos adverte que não detenhamos o olhar numa donzela; não seja caso que a sua formosura seja para nós objeto de escândalo. E hoje, então, que a licença das vitrinas, a imodéstia do trajar e a imoralidade das exibições teatrais e de certos salões criam tantos perigos, que recato não é preciso para evitar o pecado?! É por isso que o cristão sincero, que quer salvar a sua alma, custe o que custar, vai mais longe; para estar seguro de não sucumbir à sensualidade, mortifica a curiosidade dos olhos, evitando, por exemplo, olhar pela janela para ver quem passa, conservando os olhos modestamente baixos, sem afetação, nas viagens ou passeios. Pelo contrário, compraz-se em os Descansar sobre algum objeto, imagem piedosa, campanário, cruz, estátua, para se excitar ao amor de Deus e dos Santos"(Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 775-776).
4. É preciso "calafetar" o corpo mortificando o TATO. São João Clímaco escreve: "Nada é tão perigoso como o sentido do tato", e: "O nosso corpo foi santificado no Batismo, na Crisma... santificam-no ainda as numerosas comunhões que recebemos. Deus e o Anjo da Guarda estão presentes, mesmo quando estamos a sós ou no escuro. À noite, ao deitar, lembremo-nos da presença do Anjo custódio; não olhemos para os outros, permaneçamos recolhidos, deitemo-nos com modéstia e compostura decente, como se devêssemos morrer naquela mesma noite e como gostaríamos de ser encontrados depois da morte" (Bem-aventurado José Allamano, A Vida Espiritual, Capítulo 21), e também: "O sentido do tato é ainda mais perigoso, porque facilmente provoca impressões sensuais que tendem a prazeres maus; é necessário, pois, abster-se desses toques ou carícias que não podem deixar de excitar as paixões" (Adolfo Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 779).
5. É preciso "calafetar" o corpo mortificando a AUDIÇÃO. Adolfo Tanquerey escreve: "Esta mortificação exige que não se diga nem ouça nada contrário à caridade, à pureza, à humildade e às demais virtudes cristãs" (Compêndio de Teologia Ascética e Mística, 777).
II. Sentidos internos
É preciso "calafetar" o corpo mortificando a IMAGINAÇÃO e a MEMÓRIA.
Os dois sentidos internos, que é preciso mortificar, são a imaginação e a memória, que geralmente atuam de harmonia, pois que o trabalho da memória é acompanhado de imagens sensíveis. Escrevendo sobre a imaginação e a memória, Adolfo Tanquerey dá as Regras que se devem seguir.
A) Para reprimir os extravios da memória e da imaginação, aplicar-nos-emos, antes de tudo, a afugentar implacavelmente, desde o princípio, isto é, logo que a consciência nos adverte, as imagens ou lembranças perigosas que, recordando-nos um passado escabroso, ou transportando-nos no meio das seduções do presente ou do futuro, seriam para nós uma fonte de tentações. Mas, como há muitas vezes uma espécie de determinismo psicológico, que nos faz passar por devaneios fúteis aos perigosos, premunir-nos-emos contra esta engrenagem, mortificando os pensamentos inúteis, que já nos fazem perder tempo precioso, e preparam o caminho a outros mais perigosos ainda: a mortificação dos pensamentos inúteis, dizem os Santos, é a morte dos pensamentos maus. B) Para melhor obter este resultado, o meio positivo mais conducente, é aplicar inteiramente a alma toda ao dever presente, aos nossos trabalhos, estudos e ocupações habituais. É, afinal, o melhor meio de conseguir fazer bem o que se faz, concentrando toda a atividade na ação presente: Lembrem-se os jovens que, para progredirem nos estudos, como nos demais deveres do próprio estado, é mister dar mais lugar ao trabalho da inteligência e da reflexão, e menos às faculdades sensíveis: deste modo assegurarão o futuro e evitarão os devaneios perigosos. C) É utilíssimo, enfim, servir-se da imaginação e da memória, para alimentar a piedade, buscando nos Livros Santos, nas orações litúrgicas e nos autores espirituais os mais belos textos, as mais formosas comparações e imagens; utilizar a imaginação para andar na presença de Deus, e representar-se por miúdo os mistérios de Cristo Senhor Nosso e da Santíssima Virgem. E assim, em lugar de atrofiarmos a imaginação, a povoaremos de piedosas representações que desterrarão as que poderiam ser perigosas e nos porão em condições de melhor compreender e explicar às pessoas as cenas evangélicas. O Bem-aventurado José Allamano também escreve: "A imaginação é uma inimiga terrível da castidade. É preciso ter o cuidado de mortificá-la, para que não esvoace livremente... Se não a enchemos de coisas boas, expele bobagens. Tratemos de afastar prontamente qualquer pensamento ou imaginação que possa, de qualquer forma, ferir a bela virtude. Uma imaginação ardente e não domada, pode ocasionar a ruína da castidade. Este é um ponto de máxima importância. Mas para conseguir isto, é mister mortificar os ouvidos, evitando a demasiada curiosidade, a avidez de notícias. Mortificar a língua, evitando palavras grosseiras, ambíguas, palavras que podem ter mau significado. Mortificar a curiosidade de ler. Há indivíduos que devoram qualquer pedaço de jornal que lhes caia às mãos. Coisa boba e prejudicial! Depois, evitar as leituras frívolas, leituras sem nenhuma finalidade, inclusive romances bons, que Santa Teresa tanto se arrependia de ter lido. Às vezes, basta a leitura de um livro para desconcertar a cabeça. Vivamos de coisas sérias; é com a seriedade que domamos a imaginação" (A Vida Espiritual, Capítulo 21), e: "Mortifiquemos também a memória. Certas coisas da vida, certas misérias e circunstâncias é preciso esquecê-las. Pensemos em santificar as nossas obrigações atuais. Deus e eu, nada mais!" (Idem.).
O católico que não "calafeta" a "arca" do CORPO com o "BETUME" da mortificação, encherá a sua "arca" de "águas" imundas, vindas desse mundo cheio de maldade.
Pe. Divino Antônio Lopes FP. Anápolis, 15 de agosto de 2008
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