SERPENTE NO DESERTO (Jo 3, 13-17)
“13 Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem. 14 Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o Filho do Homem, 15 a fim de que todo aquele que crer tenha nele a vida eterna. 16 Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. 17 Pois Deus não enviou o seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”.
Em Jo 3, 13 diz: “Ninguém subiu ao céu, a não ser aquele que desceu do céu, o Filho do Homem”.
São João Crisóstomo escreve: “Como havia dito Nicodemos: ‘Sabemos que és o Mestre vindo de Deus’. Para que não acredite que este Mestre é como muitos dos profetas que existiram no mundo, acrescentou: ‘E ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu; o Filho do Homem, que está no céu” (Ut Supra), e: “Quando ouvires que o Filho do homem desceu do céu, não creias que a carne desceu do céu. Isto é o que ensinavam os hereges, quando pretendiam que Jesus Cristo havia trazido seu corpo do céu, e havia ‘passado’ pela Virgem” (Teofilacto), e também: “E se algum homem despido desce do monte ao vale, e depois de pegar as roupas e armas, voltar a subir ao mesmo monte, diremos com todo direito, que o que desceu primeiro é o mesmo que subiu” (São Beda), e ainda: “Te admiras de que estava no céu ao mesmo tempo? Pois o mesmo dom concedeu a seus discípulos. Ouça a São Paulo que diz: ‘Nossa morada está nos céus” (Fl 3, 20). E se São Pedro, sendo homem e estando na terra, morava nos céus; o Deus do céu e da terra não podia estar no céu e na terra?” (Santo Agostinho, Ut Supra).
O Pe. Luis Maria Jimenez Font COMENTA sobre Jo 3, 13. Aqui, a primeira dificuldade está em ver como se junta isto com o precedente. Santo Agostinho, São Beda e Ruperto, pensam que é a confirmação da primeira sentença: Se não renascer pela água... (Jo 3, 5). Pois ninguém pode entrar ali, senão o que saiu dali, isto é, o que desceu do céu. Só o Filho do homem desceu do céu, logo só o Filho do homem pode subir ao céu. Pelo qual, quantos quiserem entrar têm que fazer de alguma maneira uma coisa com o Filho do homem, isto é, fazer-se membro seu. E se fazem tal, quando renascem da água e do Espírito Santo. Convém nascer de novo. São João Crisóstomo, Teofilacto e Eutímio, pensam que estas palavras correspondem às primeiras que disse Nicodemos: Sabemos que o Mestre veio de Deus. Com essas expressões, parecia igualar a Cristo com os demais profetas e mestres enviados por Deus, sem ter-Lhe por superior a eles. E Cristo corrige agora opinião semelhante. Ele se eleva grandemente sobre todos os demais profetas, pois nenhum deles subiu ao céu para ver o que ali se faz, mas Ele só é o que subiu e está sempre ali, pelo que deve crer-se n’Ele mais que qualquer outro. Havia dito Cristo: Se vós tendes falado coisas terrenas... e agora acrescenta: É necessário que creiais para que salvais. Pois, sendo necessário conhecer os divinos mistérios, por cuja fé e conhecimento tem determinado o Pai levar aos homens à saúde, não podeis conhecer o que necessitais saber senão por mim, porque nenhum outro tem entrado no céu. Por que não disse mais claro? “Ninguém senão eu sabe os mistérios divinos”, conforme disse em Jo 1,18: Ninguém jamais viu a Deus; o Filho único, que está voltado para o seio do Pai, este o deu a conhecer. Suspeito que quis com esta frase, expressar quão longe estão os homens de conhecerem os divinos mistérios... Da maneira que no segundo lugar disse Deus: Quanto os céus estão acima da terra, tanto os meus caminhos estão acima dos vossos caminhos, e os meus pensamentos acima dos vossos pensamentos (Is 55, 9). É a maneira de falar dos hebreus. Quem subiu ao céu ou quem pode subir ao céu, isto é, quem pode conhecer as coisas divinas ou dissertar delas sem havê-las visto? Porque este mandamento que hoje te ordeno não é excessivo para ti, nem está fora do teu alcance (Dt 30, 11): Ele não está no céu, para que fiques dizendo: Quem subiria por nós até o céu, para trazê-lo a nós, para que possamos ouvi-lo e pô-lo em prática? Talvez menciona a este lugar Cristo. Há aqui três dificuldades. A primeira foi suscitada por Santo Agostinho e São Beda: Como é que ninguém subiu ao céu, quando cremos que sobem lá todos os justos? Respondem que é verdade que sobem todos os justos, mas com Cristo, feitos membros de Cristo. Isso é muito verdadeiro, mas duvido que então Cristo faça referência a tal subida. Não diz que ninguém havia de subir, mas sim, que ninguém então, quando falava, havia subido. Mas, mesmo quando alguém tivesse subido, então, todavia, poderia Cristo dizer que ninguém subiu. Pois não se há de reparar no que significa cada palavra da frase, mas sim, no seu sentido total. Significa subir ao céu, conhecer perfeitamente as coisas divinas. Semelhante questão moveu Dídimo: como pode se dizer que ninguém sobe ao céu, quando os anjos estão no céu, e Jacó os viu subir e descer pela escala (Gn 28,12). Sua resposta, pelo que parece, consiste em dizer que os anjos não se encontram naquele supremo céu de onde desceu Cristo, ao qual nenhum dos anjos jamais subiu, e que por isso pecou o diabo, porque quis subir de seu lugar inferior ao sublime (Is 14, 13). Mas, seja o que for de Isaias, eu não duvido de que Cristo habita todo o céu, e os anjos estão ali, onde brilha mais a majestade de Deus. Cristo falava dos homens e com os homens, e não com os anjos. Segunda dificuldade: como Cristo diz que tem subido, quando, todavia, não havia subido ao céu; o que fez depois de morto e ressuscitado e aos quarenta dias de sua vida gloriosa. Santo Agostinho, São Beda e Ruperto o entendem, em efeito, daquela ascensão do monte das Oliveiras. Mas já advertimos que o grego não está no presente, ascende, nem no futuro, ascenderá, mas sim, no pretérito, ascendeu. Diz-se que ascendeu então, não porque ascendesse a divina natureza, que, estando em todas as partes, não pode propriamente subir nem descer, nem tampouco que tivesse ascendido a humana, que o fez depois da ressurreição; mas sim, por comunicação de idiomas, pela qual o Filho do homem, estando na terra, dizia-se que estava também no céu, porque era Deus e Deus está no céu. Mas, aquele homem que se dizia Cristo, não tinha sido concebido no seio da Virgem, por conseguinte, não havia estado no céu. Depois da concepção, pela união hipostática, começou a estar no céu; por isso, diz-se que ascendeu, porque, falando no humano, o que foi primeiro na terra e logo começou a ser no céu, diz-se ascender ao céu. Isto me parece melhor, mesmo que seja teologia, que o que alguns dizem, que a alma de Cristo, como era bem-aventurada, subiu aos céus, e outros que subiu segundo a natureza divina, com a qual contemplava todas as coisas sobrenaturais e divinas. E assim, como se diz, descido do céu, não segundo a natureza divina, mas sim, segundo a humana, assim também se diz subido segundo a humana e não segundo a divina; porém, por razão da divina pessoa e da união hipostática, o homem, aquele Cristo, diz-se que desceu e ascendeu aos céus. Com isto fica explicada a terceira questão: como pode se dizer que Cristo desceu do céu, quando não pôde fazê-lo como homem, porque não estava antes no céu, nem como Deus que está em todas as partes. Com este lugar, demonstrava Apolinar, segundo nos conta Teofilacto, que Cristo havia trazido o corpo do céu, e somente havia passado como por um canal pelo seio da Virgem, facilmente o contradiz. Alguns pensam que se diz do homem que desceu do céu, porque foi de certa maneira concebido do céu, isto é, do Espírito Santo. O qual, por não censurá-lo, mas sim, ligeiramente, direi que é algo impróprio. Finjamos que Cristo não tivesse sido Deus e, todavia, que tivesse sido concebido do Espírito Santo, não se poderia dizer d’Ele que tinha descido do céu? E com semelhantes razões se desvaloriza o grande argumento de São Cirilo e de Severo Antioqueno, de Teofilacto e Ruperto, para provar, contra os nestorianos, que em Cristo há duas naturezas e uma só pessoa, e que pela união hipostática e a comunicação de idiomas, o que é próprio de uma natureza se atribui à outra. Diz-se, pois, que desceu do céu porque, o que primeiro estava no céu, e na terra, mesmo estando, não se podia ver; ao tomar a natureza humana começou a ser visto na terra da mesma maneira como se tivesse descido do céu. Notam Ammonio, São João Crisóstomo e Eutimio, que Cristo nesta ocasião e em outras muitas, tomou sua denominação do mais baixo que n’Ele tinha, que era a natureza humana. Gostaria, eu, que tivessem explicado porque o fez na presente ocasião, porque não posso me persuadir que teve alguma grave razão para isso. Tenho dito que Cristo, segundo a natureza humana, mesmo que por razão de sua união na divina pessoa, subiu e desceu do céu; e que ao indicar isto, chamava-se não Filho de Deus, mas sim, Filho do homem, enquanto por outro lado se manifestava claramente. Diz que descia do céu e permanecia, porém, no céu. Temos, além disso, que se comparava homem com os homens, Ele só em frente a todos os demais, para demonstrar que fora d’Ele ninguém tinha subido nem descido do céu. Também gostaria que alguém houvesse proposto esta questão: por que acrescentou: mas sim o que desceu do céu. Não era suficiente dizer: o Filho do homem que está no céu? Quis, ao meu parecer, provar a subida pela prévia descida, porque só é próprio do que desceu o fato de subir, ou seja, de Deus, que é o dono do céu. Como é próprio do senhor da casa entrar e sair quando quiser, porque tem a chave e poderia provar que só ele pode entrar na sua casa, porque só ele saiu dela. Mas, porque acrescenta que está no céu? Talvez para que não se deduzisse da sua afirmação que tinha abandonado o céu, e também para dar a entender que no céu, era Ele quem dominava, por ser dono do céu, segundo deixou dito, pelo que lhe era possível descer e subir ao céu. Pois estas palavras: que está no céu, acho que significam algo mais que estar no céu; a saber, que está no céu como na sua casa própria ou como no seu próprio reino: Ele foi, de fato, considerado digno de maior honra do que Moisés. Pois o arquiteto tem maior honra do que a própria casa (Hb 3, 3). Claro argumento da divindade de Cristo, de qualquer jeito que interpretemos a passagem.
Edições Theologica comenta: “Afirmação solene da divindade de Jesus. Ninguém sobe ao Céu e, portanto, ninguém pode conhecer perfeitamente os segredos de Deus, senão o próprio Deus que encarnou e desceu do Céu: Jesus, segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Filho do Homem profetizado no Antigo Testamento (cfr. Dn 7, 13), ao qual foi concedido senhorio eterno sobre todos os povos, nações e línguas. Ao encarnar o Verbo não deixa de ser Deus. E assim, ainda que esteja na terra enquanto homem, nem por isso deixa de estar no Céu enquanto Deus. Só depois da Ressurreição e da Ascensão, Jesus Cristo está no Céu também enquanto homem”, e: “Jesus Cristo veio do céu à terra, e está ao mesmo tempo na terra e no céu” (Dom Duarte Leopoldo).
O Pe. Manuel de Tuya COMENTA o versículo 13 do capítulo 3 de São João. Subiu ao céu, se refere manifestamente à ascensão de Cristo ao céu (Jo 6, 62), contrapõe a que Cristo desceu do céu na “encarnação” (Jo 1, 14a; 6, 38. 41. 51). Tudo isso, é claro, para os leitores de Jo depois do “prólogo” de seu evangelho. Porém, como se se quisesse corrigir uma má interpretação, estas expressões se destacam o sentido das mesmas. O Filho do homem, que “subiu” ao céu na ascensão e que “desceu” do céu na “encarnação”, não deixou por isso de estar “no céu”. A expressão: o Filho do homem, “que está no céu, é criticamente muito discutida. Falta em vários documentos importantes” (Citando Merk, N.T. graece et latine (1938) em el ap. crit. A Jo, 3, 13). Se interpretaria melhor de uma adição feita ao modo de Jo 1, 18, para calcular o sentido ortodoxo da frase, evitando possíveis erros de interpretação. Esta revelação, pois, só pode fazer o que “desceu” do céu, posto que “ninguém subir ao céu”, senão precisamente “o que desceu do céu”, e que é o Filho do homem. Cristo fala, portanto, ex propriis. E Ele está dizendo a Nicodemos que sua morada é o céu, pelo que Ele penetra os mistérios mais profundos e “superficiais”. Cristo não manifesta esta revelação ao estilo do ofício dos anjos, posto que vincula seu conhecimento a pertencer a um âmbito totalmente transcendental. A divindade de Cristo está dando a entender, ou melhor, manifestando-se aqui, através dos procedimentos argumentativos e característicos bíblicos judeus. Precisamente no livro de Baruc, há uma passagem que ambienta, até com exatidão literária esta passagem. Lê-se entre outras coisas, o seguinte: “Quem subiu ao céu e apoderou-se dela (da Sabedoria), e a fez descer do alto das nuvens? Aquele que sabe todas as coisas, porém, a conhece, pois a descobriu com a sua inteligência. É ele o nosso Deus, e nenhum outro se contará ao lado dele” (Br 3, 29. 32a. 36).
O Pe. Juan Leal COMENTA o versículo 13 do capítulo 3 de São João. Este versículo tem o mesmo sentido que em Jo 1,18. Só o Unigênito pode falar de Deus, porque só ele está no seio de Deus. Agora é o Filho do homem que pode falar das coisas do céu, porque só Ele é propriamente do céu. Veio do céu e sobe ao céu. Algumas edições críticas (Vogels, Lagrange, Bover) acrescentam com a Vg: filius hominis, qui est in caelo. A omitem, todavia, Hort, Weiss, Nestle, Soden, Merk con B S L W… Tem subido, “ascendit”. Alguns encontram dificuldade em referir este pretérito ao fato histórico da ascensão, porque devia expressá-lo por futuro , e o explicam pela comunicação habitual e constante entre Pai e Filho. Assim Vosté que cita Jo 1,18: está no seio do Pai. Toledo o explica também assim. Por razão da sua divindade, Cristo está sempre no céu. Maldonado o explica pela comunicação de idiomas. De Cristo vivendo na terra se podia dizer que estava no céu por razão de sua divindade. Não falaria, pois, o fato histórico da ascensão e seu sentido seriam mais bem figurados: sabe e pode falar como testemunha dos segredos de Deus, porque vive no céu. Resultado sólido, todavia, não referir esta sentença a Jo 6, 62 onde se fala claramente da ascensão. O perfeito (tempo verbal) histórico expressa normalmente o estado de um fato passado. O perfeito deveria designar aqui esse estado próprio de quem já tem subido ao céu. Porém, aqui o perfeito “tem subido” vai contra o“tem descido”. Por isso, se poderia abstrair do fato histórico e reter somente a expressão de uma propriedade, como fazem muitos antigos. Esta propriedade é essencial no logion e há que conservá-la. O problema é se também se faz alusão ao fato da ascensão. A relação com o tem descido e Jo 6,62 inclina a isso. Ao definir sua pessoa, Cristo alude à ascensão, que se fundamenta em seu mesmo ser divino. Por isso, pode se olhar como uma realidade cumprida, mesmo que de fato seja ainda futura. Esta também é a linguagem profética. Aqui existe um motivo mais para o perfeito. É difícil determinar onde fala Cristo e onde fala João. Fala Jesus; João, porém, transmite seu pensamento, que somente depois da ascensão tem penetrado plenamente.
Em Jo 3, 14-15 diz: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o Filho do Homem, a fim de que todo aquele que crer tenha nele a vida eterna”.
São João Crisóstomo escreve: “Como havia explicado o benefício do batismo, agora apresenta sua causa, isto é, sua cruz, dizendo: ‘E como Moisés levantou a serpente” (Ut Supra), e: “O Senhor convida com estas palavras ao mestre da Lei mosaica, para que compreenda seu sentido espiritual, recordando-lhe a história antiga, e demonstrando-lhe que esta era figura de sua paixão e da salvação humana” (São Beda), e também: “Muitos morrem no deserto por causa das mordidas das serpentes. E por isso, Moisés, por ordem de Deus, levantou no alto uma serpente de bronze no deserto; quantos olhassem para ela, ficavam curados imediatamente. A serpente levantada representa a morte de Cristo, da mesma maneira que o efeito se representa pela causa eficiente. A morte veio por meio da serpente, a que induziu o homem ao pecado, pelo qual havia de morrer; mas o Senhor, ainda quando em sua carne não havia recebido o pecado, que era como o veneno da serpente, havia recebido a morte, para que houvesse pena sem culpa na semelhança da carne do pecado, pelo qual nesta mesma carne se pagasse a pena e a culpa” (Santo Agostinho, De peccat. mer. et remiss. Cap. 32), e ainda: “Vê-se aqui a figura e a realidade. No primeiro caso se interpreta a semelhança da serpente com todas as suas qualidades de animal, mas privando-se do veneno; e no segundo caso, Jesus Cristo, apesar de estar livre do pecado, assumiu a semelhança da carne do pecado. E ao ouvir que era exaltado, deve entender-se suspenso no alto para santificar o ar, aquele que havia santificado a terra andando sobre ela. Entende-se também por exaltação a glória; porque aquela elevação na cruz se converteu em glória de Jesus Cristo... Adão morreu justamente porque pecou; mas o Senhor, que havia sofrido a morte injustamente, venceu aquele que o havia entregue à morte. E foi vencido, porque não pôde obrigar ao Senhor, estando na cruz, a qual aborrecia aos que o crucificavam, mas que mais lhes amava e rogava por eles. Deste modo, a cruz de Jesus Cristo se converteu em sua exaltação e em sua glória” (Teofilacto), e: “E não disse: convém que o Filho do homem não seja dependurado, mas: que seja levantado, porque isto parecia mais prudente... E aprendamos que não se entregou à morte contra sua vontade, e que daqui brotou a saúde para muitos” (São João Crisóstomo, Ut Supra), e também: “Assim como em outro tempo ficaram curados do veneno e da morte todos os que olhavam para a serpente levantada no deserto, assim, agora, o que se conforma com o modelo da morte de Jesus Cristo por meio da fé e do batismo, se livra também do pecado pela justificação, e da morte pela ressurreição. E isto é o que disse: ‘Para que todo aquele que crê n’Ele não pereça, mas que tenha a vida eterna’. E para que necessita que a morte de Jesus Cristo se compare com o batismo de menino, se este ainda não foi envenenado pela mordida da serpente?” (Santo Agostinho, Ut Supra), e ainda: “Vê-se também que quis ocultar sua paixão, a fim de que não entristecessem suas palavras aos que a ouviam. Porém, pôs-se de manifesto o fruto de sua paixão. E se os que crêem no crucificado não perecem, muito menos perecerá o que está crucificado com Jesus Cristo” (São João Crisóstomo, Ut Supra), e: “Há uma diferença entre a figura e a realidade; é que aqueles eram curados somente da morte temporal, voltando a uma vida material, mas estes obtêm a vida eterna” (Santo Agostinho, In Ioannem, Tract., 12).
O Pe. Francisco Fernández-Carvajal COMENTA Jo 3, 14-15. A serpente de bronze era figura de Cristo na Cruz; quem o olha obtém a salvação. Assim o diz Jesus no diálogo mantido com Nicodemos: “Como Moisés levantou no deserto a serpente, assim também importa que o Filho do homem seja levantado, a fim de que todo o que crê nele não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3, 14-15). Desde então, o caminho da santidade passa pela Cruz, e ganham sentido todas essas realidades que tanto precisam dele, como são a doença, a dor, as aflições econômicas, o fracasso..., a mortificação voluntária. Mais ainda: Deus abençoa com a Cruz quando quer conceder grandes bens a um dos seus filhos, a quem trata então com particular predileção. Não são poucos os que fogem em debandada da Cruz de Cristo, e se afastam da verdadeira alegria, da eficácia sobrenatural, da própria santidade; fogem de Cristo. Levemo-la nós sem rebeldia, sem queixas e com amor. “Estás sofrendo uma grande tribulação? Encontras oposição? — Diz, muito devagar, como que saboreando, esta oração forte e viril: ‘Faça-se, cumpra-se, seja louvada e eternamente glorificada a justíssima e amabilíssima Vontade de Deus sobre todas as coisas. — Assim seja. Assim seja. Eu te garanto que alcançarás a paz” (São Josemaría Escrivá, Caminho, n.° 691). “Cruz fiel, tu és a mais nobre de todas as árvores; nenhuma outra pode comparar-se a ti em folhas, em flor, em fruto” (Hino Crux Fidelis). O amor à Cruz produz abundantes frutos na alma. Em primeiro lugar, leva-nos a descobrir Jesus, que sai ao nosso encontro e carrega sobre os seus ombros a parte mais pesada da contradição. A nossa dor, associada à do Mestre, deixa de ser o mal que entristece e arruína, e converte-se em meio de íntima união com Deus. “A Cruz de cada dia é uma grande oportunidade de purificação, de desprendimento, de aumento de glória” (Adolfo Tanquerey, La divinización Del sufrimiento, pág. 18). São Paulo ensina com frequência que as tribulações são sempre breves e suportáveis, e que o prêmio desses sofrimentos acolhidos por amor a Cristo é imenso e eterno. Por isso o Apóstolo alegrava-se nas tribulações, gloriava-se nelas e considerava-se feliz de poder uni-las às de Cristo Jesus e assim completar a Sua paixão para o bem da Igreja e das almas. A única dor verdadeira é afastar-se de Cristo. Os outros padecimentos são passageiros e convertem-se em alegria e paz. “Não é verdade que, mal deixas de ter medo da Cruz, a isso que a gente chama de Cruz, quando pões a tua vontade em aceitar a vontade divina, és feliz, e passam todas as preocupações, os sofrimentos físicos ou morais? É verdadeiramente suave e amável a Cruz de Jesus” (São Josemaría Escrivá, Via-Sacra). O trato e a amizade com o Mestre ensinam-nos, por outro lado, a ver e a enfrentar as dificuldades que se apresentam com um espírito jovem e decidido, sem nenhum assomo de tristeza ou de queixa. À semelhança dos santos, encararemos as contrariedades como um estímulo, como um obstáculo que é preciso transpor neste combate que é a vida. Essa disposição de ânimo alegre e otimista, mesmo nos momentos difíceis, não é fruto do temperamento ou da idade: nasce de uma profunda vida interior, da consciência sempre presente da nossa filiação divina. É uma atitude serena, que cria em todas as circunstâncias, um bom ambiente à nossa volta — na família, no trabalho, com os amigos... — e constitui uma grande arma para aproximarmos os outros de Deus.
Dom Duarte Leopoldo escreve: “A serpente de bronze era a imagem de Jesus crucificado”, e: “A serpente de bronze alçada por Moisés num mastro, era o remédio indicado por Deus para curar aqueles que eram mordidos pelas serpentes venenosas do deserto (cfr. Num 21, 8-9). Jesus Cristo compara este fato com a Sua Crucifixão, para explicar assim o valor da Sua exaltação na Cruz, que é salvação para todos os que O fixem com fé. Neste sentido, podemos dizer que no bom ladrão se cumpre já o poder salvífico de Cristo na Cruz: esse homem descobriu no Crucificado o Rei de Israel, o Messias, que imediatamente lhe promete o Paraíso para aquele mesmo dia (cfr. Lc 23, 39-43). O Filho de Deus tomou a nossa natureza humana para dar a conhecer os mistérios ocultos da vida divina (cfr. Mc 4,11; Jo 1,18; 3,1-13; Ef 3, 9) e para livrar do pecado e da morte aqueles que O fixem com fé e amor (cfr. Jo 19, 37; Gl 3, 1) e aceitem a cruz de cada dia. A fé de que nos fala o Senhor, não se reduz simplesmente à aceitação intelectual das verdades que Ele nos ensinou, mas inclui reconhecê-Lo como Filho de Deus (cfr. 1 Jo 5, 1), participar da Sua própria Vida (cfr. Jo 1, 12), e entregarmo-nos por amor, tornando-nos assim semelhantes a Ele (cfr. Jo 10, 27; 1 Jo 3, 2). Mas esta fé constitui um dom de Deus (cfr Jo 3, 3.5-8), a quem devemos pedir que a fortaleça e acrescente, como fizeram os Apóstolos: Senhor, ‘aumenta-nos a fé’ (Lc 17,5). Sendo a fé um dom divino, sobrenatural e gratuito, é, ao mesmo tempo, uma virtude, um hábito bom, susceptível de ser exercitado pessoalmente e, portanto, robustecido através desse exercício. Daí que o cristão, que já possui o dom divino da fé, ajudado pela graça deve fazer atos explícitos de fé para que esta virtude cresça nele” (Edições Theologica comenta), e também: “Jesus não é somente o revelador e o Mestre, mas é também e, sobretudo, o Redentor e o Salvador do mundo. Quando os judeus no deserto foram atacados por uma onda de serpentes, Moisés suspendeu numa lança uma serpente de bronze; olhando-a, os judeus ficavam curados (cfr. Nm 21, 8-9). Era ela uma figura de Jesus, com a diferença, porém, que quando Ele foi elevado ao alto, isto é, suspenso à cruz, mereceu para os homens a virtude da graça (cfr. Jo 12, 32). A condição essencial para a obtenção da graça é a fé em Jesus” (PIB).
O Pe. Manuel de Tuya COMENTA os versículos 14 e 15 do capítulo 3 de São João. Porém, nesta revelação que Cristo está fazendo, não somente se apresenta Ele como objeto de fé, mas também de vida. E, precisamente esta vida a apresenta fluindo de sua morte redentora. O ensinamento se faz com a referência à cena da serpente de bronze no deserto. Ao protesto dos filhos de Israel no deserto de Farán, Deus envia contra eles serpentes venenosas cujas mordidas eram cáusticas, febris e causadoras de morte. Reconhecendo o povo seu pecado, pede perdão. E Deus ordena a Moisés que faça uma serpente de bronze e a ponha bem à vista, sobre uma haste. E todos os que fossem mordidos e olhassem para ela, ficariam curados (Nm 21, 5-9). Porém, já o autor do livro da Sabedoria comentava: “E quem se voltava para ele era salvo, não em virtude do que via, mas graças a ti, o Salvador de todos!” (Sb 16, 7). Por isso, o mesmo autor chama aquela serpente de bronze “símbolo de salvação” (Sb 16, 6). Aquela imagem era uma “ordenação ‘típica’ feita por Deus, no Antigo Testamento, da plena realidade de Cristo na cruz” (Citando Clamer, Les Nombres, en La Sainte Bible (1946) p. 371). Se a lembrança “típica” da cena mosaica no deserto se faz agora, o é para recordar a passagem e contrastar a superioridade da obra de Cristo, verdadeiro Libertador e Redentor, sobre o primeiro libertador, Moisés (Jo 1, 17; 5, 45). O pecado foi introduzido pela sedução da grande serpente (Gn 3, 1ss), que é o diabo (Jo 8, 44). Os homens se encontram “mordidos” pela Serpente - pecado original -, e estão condenados à morte. Porém, Deus dispõe e prepara o plano salvador deles. Analogamente à serpente de bronze, levantada no alto, assim “é preciso que o Filho do homem seja elevado”. O verbo que se usa, “elevar” (hypsothénai), se emprega por João, seja para expressar a “elevação” à cruz, seja para expressar a “glorificação” de Cristo (Jo 8, 28; 12, 32.34). Porém, em João, a morte de Cristo, sua “elevação” à cruz, é um passo para sua “glorificação”: glorificação na manifestação de sua ressurreição, de sua ascensão e de sua divindade. Por isso, esta “elevação” de Cristo fica redigida em forma elíptica, seguramente, pelo evangelista para deixar a sugestão ampla da necessidade de “ver” a Cristo “elevado”, que é “ver-lhe” como Filho de Deus. Ele mesmo disse: “Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que eu sou” (Jo 8, 28), pela glória de sua ressurreição, o Messias-Filho de Deus. É dizer, pela “elevação” d’Ele à cruz, conhecerão a “elevação” d’Ele onde estava antes “da criação do mundo” (Jo 17, 24), que é de onde Ele “desceu” (Jo 3, 13), do “seio do Pai” (Jo 1, 18). Dados os pré-juízos judeus sobre o Messias, nacional e político, não é improvável que na expressão “assim convém que seja levantado o Filho do homem”, existe certo ênfase, para indicar com ele, que este é o verdadeiro trono de glória do Messias. É, portanto, a Cristo, assim “elevado” na cruz, como é necessário “ver-lhe” e “crer” n’Ele, para ter a “vida eterna”. Para João, “ver” e “crer” são sinônimos (Jo 6, 40). À “visão” da serpente de bronze corresponde aqui outro modo de visão, que é a “fé” n’Ele. Somente esta fé em ver a Cristo elevado na cruz e morto como Messias e Filho de Deus dá a “vida eterna”. É este um mistério essencial (Citando Boismard, Du baptême à Cana (1956) p. 113-115).
O Pe. Juan Leal COMENTA os versículo 14 e 15 do capítulo 3 de São João. Levantou alude a Nm 21, 8s. A serpente de bronze era símbolo de salvação e vida, segundo Sb 16, 5-7. É necessário no plano da atual providência. Deus tem escolhido este meio para salvar o mundo. Seja levantado, em João é sinônimo de “crucificar” (Jo 8, 28;12, 32-34). Que aqui se alude e prediz a futura crucifixão do Senhor como instrumento de redenção, com certeza. Menciona também à exaltação e glorificação do Senhor, por sua ressurreição e ascensão? Assim acreditam hoje muitos e tem um fundamento em João. A morte e a glorificação se consideram como um todo, como uma mesma hora. A obra da salvação está vinculada a esta hora, pela que Jesus suspira (Jo 17,1-2). A vida eterna está vinculada à hora da glorificação de Jesus, como pode se ver em toda a oração sacerdotal. A verdade da serpente de bronze está em Cristo Redentor, por sua morte e glorificação. Expõe-se o fim soteriológico da obra de Cristo. Todo: universalidade da redenção. Acredite, é a única condição limitativa. A fé equivale o olhar dos israelitas sobre a serpente de bronze. A fé é o olhar a Cristo. A fé neste passo tem um sentido particularmente intelectual. Jesus tem notado a ignorância de Nicodemos (Jo 3,10), tem insistido na sua ciência de testemunha e tem se queixado da resistência ao seu testemunho (Jo 3,11). Trata-se de fé à palavra de Cristo (Jo 3,12-13), que Deus exige, mas somente a fé não dá a vida eterna. A vida eterna é obra do alto, do Espírito (Jo 3, 3. 5-8). Vida eterna aparece até dezessete vezes em São João e seis em 1 Jo. O adjetivo eterna, especifica e concretiza o sentido do substantivo. Dá-lhe um sentido de transcendência, divindade e eternidade, de verdade e realidade, como tudo o que é de Deus. Não deve se restringir à linha do temporal. Pode se traduzir a nossa linguagem por outro substantivo: vida divina. Nos Sinóticos e Paulo, se acentua o sentido de eternidade. Em João a vida eterna se verifica já no tempo, porque é a participação do crente na mesma vida do Filho. Nele tem um sentido complexo de causa e de meio. Como o sarmento vive na videira e pela videira, assim o crente vive em Cristo e por Cristo. Mesmo que não se expressa em quem há de acreditar, se subtende o suficiente. Em Cristo e na sua palavra, João e seus leitores não pensam senão na fé em Cristo. Veja bem o processo para chegar à vida: Cristo fala, nós aceitamos sua palavra, nos unimos a Ele e então o Espírito de Cristo nos engendra à vida divina . A fé em João, o mesmo que em Paulo, nem é pura confiança nem pura luz intelectual; é também amor e entrega da vontade a Cristo. Nunca é a causa principal da regeneração. A principal é sempre o mesmo Deus, seu Espírito, como tem sublinhado intensamente João. A Vulgata acrescenta non pereat.
O Pe. Luis Maria Jimenez Font COMENTA sobre Jo 3, 14-15. A nosso parecer, é fácil descobrir o laço de união deste verso com o precedente. Dizemos que Cristo quis mostrar quão necessário era que acreditassem n’Ele os que quisessem ser salvos; e agora o prova com a serpente de bronze, e o confirma. Da maneira que então só saravam das mordeduras da serpente de fogo os que olhassem a serpente de bronze, assim, ninguém agora pode se salvar se não acredita em Cristo. Acreditar é olhar para Cristo. São João Crisóstomo, Teofilacto e Eutimio o juntam ao precedente de outra maneira. Grande, dizem, é a semelhança que existe entre o batismo e a paixão, pelo que São Paulo as junta de ordinário. Cristo estaria dividido? Paulo teria sido crucificado em vosso favor? Ou fostes batizados em nome de Paulo? (1 Cor 1,13). Ou não sabeis que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, é na sua morte que fomos batizados? (Rm 6, 3). Pois havendo o Salvador falado até aqui do batismo, começa agora a falar da paixão. São Cirilo junta assim estes versículos: Havendo experimentado Cristo que Nicodemos não podia compreender as coisas celestiais e divinas, lhe propõe figuras do Antigo Testamento para trazê-lo com mais facilidade à fé. De maneira que em outra oportunidade diz: Vós perscrutais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna; ora, são elas que dão testemunho de mim (Jo 5, 39). Outros pensam que dá aqui a razão de ter descido do céu, para ser levantado como a serpente de bronze e salvar aos que o olhassem. Poderia perguntar alguém a razão pela qual, tendo tantas figuras da paixão no Antigo Testamento, quis Cristo usar desta precisamente. Quem segue a nossa interpretação achará a resposta em seguida. As demais figuras significavam, na verdade, que Cristo havia de padecer; mas que houvesse de salvar aos homens, em nenhuma tão claro como nesta. Pois como falávamos, queria Cristo ensinar que era necessário que os homens acreditassem n’Ele, se quisessem ser salvos, da mesma maneira que foi necessário que para os mordidos pelas serpentes, olhassem àquela serpente de bronze. Surgem muitas perguntas que se fazem a respeito daquela serpente de bronze, que mais próprias são da passagem de Nm 21, 9 que do presente. Lá remetemos ao leitor, porque não queremos misturar os comentários ou fazer recheios de matérias. Somente direi o necessário para a explicação da presente passagem. Naquele deserto foram mordidos mortalmente os hebreus, pois aquela região produzia naturalmente serpentes de fogo, ou seja, que com a mordedura queimassem e inflamassem, como diz Solino de muitas na África, que com suas mordeduras inflamadas e venenosas matavam aos soldados de Catón; o porquê, como alguns dizem, Deus as criou de tal natureza milagrosamente para castigar aquele povo endurecido. Neste mundo, os homens tinham sido mordidos pelo primeiro homem, ou seja, induzidos ao pecado por ele. Pois quis Deus que aqueles mordidos pelas serpentes, fossem curados pelas serpentes, para que parecesse maior o milagre, e de alguma maneira a origem do mal. Costumam diminuir o veneno da víbora e o do escorpião com um grande medicamento tirado da mesma víbora e do escorpião. Da mesma sorte quis Deus que os homens todos, que pelo primeiro homem tinham sido feitos pecadores, fossem livres do pecado por um homem, como diz Eutimio. Com efeito, visto que a morte veio por um homem, também por um homem vem a ressurreição dos mortos (1 Cor 15,21). Por conseguinte, assim como pela falta de um só resultou a condenação de todos os homens, do mesmo modo, da obra de justiça de um só, resultou para todos os homens, justificação que traz a vida (Rm 5,18 ). Fez, pois, uma serpente de bronze, ou seja, que pela figura parecesse uma serpente, mas que não tivesse o veneno da serpente, se fez Cristo em semelhança do pecado de morte, como diz São Paulo; ou seja, que verdadeiramente fosse homem, mas que não tivesse o pecado do homem (Ammonio, Teofilacto, Ruperto). Aquela serpente se fez de bronze, e não de outra maneira, segundo dizem alguns hebreus, para que aos mordidos pelas serpentes em geral e aquelas em particular, não lhes fosse mortal olhar para o bronze (ao dinheiro). Coisas de judeus. Melhor o interpretam outros, dizendo que era de bronze, porque assim se assemelhava melhor na cor àquelas serpentes de fogo, vermelhas como o bronze. Outros, para significar mais adequadamente o corpo de Cristo, concebido do Espírito Santo, assim como aquela serpente não foi nascida por lei geral, mas sim fabricada ao fogo. Ou porque, como diz Eutimio, o corpo de Cristo não era frágil e exposto ao pecado como os nossos, mas sim sólido e forte . Por último, da maneira que aquela serpente foi suspensa no alto, assim também Cristo; e do mesmo jeito que ela curava os que a olhavam, assim também cura os pecadores a fé em Cristo, ou seja, o olhá-Lo crucificado. Mas, cuidado leitor com o erro dos protestantes, de que somente a fé nos justifica, do jeito como os hebreus, só em olhar a serpente de bronze se curavam. Porque a figura não tem sido proposta nem aludida por Cristo para significar que somente a fé n’Ele salva os homens, mas sim, para nos indicar que é impossível se salvar sem a fé em Cristo. Já sabemos por outros lugares da Escritura, que somente a fé não justifica (1 Cor 13,2-3; Gl 5,6). O fato de que só com olhar a serpente de bronze os homens ficavam curados, ou não se significa nada em nosso caso, ou só que sem nenhum remédio humano e por divino beneficio foram curados. O qual nos concede de boa vontade o que acontece em nossa justificação. Porque, mesmo não só com a fé, mas também com as nossas obras, nos justificamos, porém, inclusive nossas obras que provêm da graça de Deus são divinas, ou seja, têm virtude divina de curar, não humana nem natural. Também costuma se perguntar por que utilizou Cristo a palavra exaltar. Não vamos negar que o herege sustenta que nela não há alusão nenhuma à cruz, porque é verdade que existe, pois usa do mesmo verbo, falando da cruz expressamente, em Jo 8, 28: Disse-lhes, então, Jesus: Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que EU SOU; e em Jo 12, 32: E, quando eu for elevado da terra, atrairei tudo a mim; e no v. 34: Como dizes: É preciso que o Filho do Homem seja elevado? Da maneira que Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado ou crucificado o Filho do homem. A meu parecer, só fez ênfase, em que, como aquela serpente foi publicamente levantada para todos num lugar elevado e conhecido, da mesma maneira Ele havia de ser levantado na cruz patente e descoberto a todo o mundo, para que quantos quisessem o pudessem ver e ser salvos. A palavra convém, se há de entender adaptada ao que tratava. Pretendia, segundo dizemos, demonstrar a necessidade de acreditar n’Ele quantos quisessem se salvar, e esta era a maneira de consegui-lo: para que os homens pudessem se salvar era necessário que o Filho do homem fosse exaltado. Expõe o motivo pelo qual é necessário que o Filho do homem seja exaltado e se aplica a si próprio a figura da serpente. Da maneira que todos os que olhavam à serpente não pereciam, nem os que n’Ele acreditassem. Em vão cantam vitória, neste lugar, os hereges, porque, segundo eles, não pode Cristo dizer de maneira mais clara que só com a fé nos justificamos: Todo o que crê n’Ele não perecerá, mas terá a vida eterna. Mas, vamos ver o peso desta sentença, e suponhamos que todos os que acreditam em Cristo se salvam sem exceção nenhuma, coisa que demonstraremos ser totalmente absurda; mas mesmo nesse caso, segue-se daqui que se justificaram só pela fé? É o mesmo que eu falasse: Tudo o que tem entendimento é homem, logo o homem não é mais que entendimento. Ou para falar em linguagem teológica: Tudo o que tem caridade se salva (não o negam os hereges ), logo a justificação se faz só pela caridade. Com o mesmo argumento nós podemos provar que somente com as obras se justifica o homem, exatamente como eles demonstram que o homem se justifica só pela fé. Argumentaremos desta maneira: Todo aquele que tiver boas obras será salvo, e eles não o negam; logo, só com as obras nos justificamos. E onde fica a fé? E não podem nos contestar, dizendo que não podem realizar boas obras sem fé, portanto, é impossível que justifiquemos as boas obras por si só. Porque eles ensinam do mesmo jeito que tampouco pode possuir fé sem caridade e boas obras, e também argumentam que, se todo aquele que tem fé em Cristo se salva, a fé se justifica por si só. Vejam, pois, em que precipício caem por sua maneira de polemizar: que com o mesmo argumento com que querem nos provar, que a fé por si só, sem obras, se justifica, se vendo na obrigação de nos conceder que as obras e a caridade sem fé justificam; retrocedendo ao ver sua sandice e cegueira. Agora vamos ver se todo aquele que acredita em Cristo, sem exceção possível, se salva. Em primeiro lugar, se não há exceção, não se deve pôr limitação alguma à sentença; seguindo logo necessariamente que aquele que acreditou uma vez em Cristo não pode jamais perder a fé, ou, senão, que pode se salvar sem ter ainda fé. Porque todo aquele que acredita é salvo, mesmo que perca a fé, pois se há de respeitar a sentença geral, ou, se isto é impossível, como o está sendo (que se salve alguém sem fé), também é impossível que o que teve uma vez fé a perca. Ambas as coisas são absurdas; mas a primeira nega e a segunda concede os hereges. Por onde se vê que a sua opinião é um disparate, que não pode se defender sem admitir tão grosseiras contradições. Constatando ela verdadeira, resulta que nenhum que foi cristão por algum tempo pode se fazer apóstata, herege nem ateu. Onde deixamos então a conveniência de que haja hereges? Ao herege, depois de uma ou duas advertências, afugenta-o (Tt 3,10). Como é possível o que diz São Paulo: naufragaram quanto à fé? (1 Tm 1,19). Mas, tem havido heresia, por velha que fosse que eles não tenham ressuscitado. Replicarão que os cristãos que, deixando a fé, se fizeram hereges, na realidade nunca tiveram fé, mesmo que o aparentassem. Ensinam que aquele que tem fé está convencido de que a tem e de que lhe são perdoados os pecados. Mas é assim que vemos a muitos dos calvinistas, que diziam estar certos de ter a fé verdadeira e de ter recebido o perdão dos pecados, que pouco depois se fizeram católicos, que é o mesmo que ser hereges, na opinião daqueles senhores. Logo, perderam na opinião de ditos senhores, a verdadeira fé. Mentiam, dizem, quando estavam entre nós e diziam que professavam a verdadeira fé. Eu acredito muito bem que mentiam quando diziam que tinham a verdadeira fé, mas não mentiam quando diziam que professavam essa vossa fé. Que tem de particular que mintam os que quase nunca dizem a verdade, mas sim, quando acreditam no que são, ou seja, quando se dizem hereges? Temos, pois, que pôr surdina àquela sentença, sem a qual não somente nossa fé católica, mas nem mesmo a destes hereges pode subsistir. Porque resulta claro de outros lugares da Escritura, que a fé sozinha nem é o bastante para a salvação. Que coisa mais clara que a que diz Paulo em 1 Cor 13, 2: Ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse a caridade, eu nada seria. Dizem eles que é uma hipótese, pois não significa que possa existir a fé sem a caridade, mas sim, no caso de que pudesse ser, de nada aproveitaria. Tamanha teimosia a refutaremos no devido lugar. Mas agora admitamos que, de fato, trata-se de uma locução hiperbólica. Isto nos é suficiente para desfazer seu erro. Porque se a fé se justifica só por si, e nisso não participa a caridade, mesmo que a fé não pudesse estar sem a caridade, contudo, se estivesse com ela, também justificaria. Todavia isto é o que nega precisamente São Paulo. Também costumam responder que não se está tratando aqui da fé justificante, mas sim da fé dos milagres. Que é outro monstro refutado por nós em Mt 9, 2 , e desfeito também pelo dito lugar de São Paulo. Que coisa mais clara que a que diz São Tiago no capitulo 2 de sua epistola, sobretudo o verso 24: Estais vendo que o homem é justificado pelas obras e não simplesmente pela fé. Exprimam o que puderem este testemunho. Digam que não se trata da verdadeira fé, mas sim da simulada. Responderá por nós o Apóstolo que não só se refere à verdadeira fé, mas sim, àquela insigne de Abraão: Abraão nosso pai, não se justificou porventura pelas obras? Respondam que não se trata da verdadeira justificação, mas sim, da amostra da justificação que aparece nas obras. Responderá por sua vez o Apóstolo que se refere exatamente àquela justificação que se fala: Acreditou Abraão em Deus e lhe foi concedida a justiça. Usa o Apóstolo este texto (Gn 15, 6), no qual trata-se de uma verdadeira justificação, que estes não podem negar.
Em Jo 3, 16-17 diz: “Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”.
São João Crisóstomo escreve: “Como havia dito: ‘Convém que seja levantado o Filho do homem’, no que dá a conhecer ocultamente sua morte. E para que o que ouvia não se entristecesse por estas palavras, crendo que era humano quanto a Ele se referia, e para que não cressem que sua morte não seria saudável, disse, como para retificar, quando havia insinuado que o Filho de Deus seria entregue à morte, que sua morte seria a que alcançaria a vida eterna. Por isso disse: ‘Porque de tal modo amou Deus ao mundo, que deu o seu Filho Unigênito’. Não admireis que eu deva ser levantado para que vocês se salvem, porque isso agradou ao Pai que tanto os amou, e que por estes servos ingratos e indiferentes deu seu mesmo filho. E ao dizer: ‘De tal maneira amou Deus ao mundo’, indicou a imensidade de seu amor, havendo necessidade de reconhecer aqui uma distância infinita. Ele que é imortal, Ele que não tem princípio, Ele que é a grandeza infinita, amou aos que estão no mundo, que são de terra e cinza, e estão cheios de infinitos pecados. O que coloca em continuação, demonstra a qualidade de seu amor; porque não deu um servo, nem um anjo, nem um arcanjo, mas seu próprio Filho. Por isso acrescenta: ‘Unigênito” (Ut Supra), e: “As coisas de grande valor são as que dão a conhecer a grandeza do amor e as coisas grandes se estimam pelas coisas grandes. O Senhor, amando o mundo, deu a seu Unigênito e não um filho adotivo. Era seu Filho próprio por geração e verdade. Não há criação, não há adoção nem falsidade. Aqui há fé de predileção e de amor em favor da salvação do mundo, dando um Filho que era seu e que era Unigênito” (Santo Hilário, De Trin. 1. 6), e também: “E na realidade, o mundo conseguirá a vida eterna pelo Filho de Deus, porque para isto precisamente veio ao mundo. E assim segue: ‘Porque não enviou Deus a seu Filho” (Alcuino), e ainda: “Porque é chamado Salvador do mundo, senão para que salve o mundo? Logo um médico veio para curar o enfermo. A si mesmo se mata, o que não quer cumprir os preceitos do médico ou os despreza” (Santo Agostinho, In Ioannem, Tract., 14), e: “E porque disse isso, muitos dos que vivem afundados em toda classe de pecados e em grande negligência, abusando da infinita misericórdia divina, dizem que não há inferno nem castigo, e que o Senhor nos perdoa todos os pecados. Porém, deve ter-se em conta que há duas vindas de Jesus Cristo: a que já se realizou e a que haverá de realizar-se. A primeira não foi para julgar o que havíamos feito, mas para nos perdoar. Mas a segunda será não para perdoar, mas para julgar. A respeito da primeira disse: ‘Não veio para julgar o mundo’, porque é compassivo, não julga, mas que perdoa os pecados por meio do batismo e depois pela penitência. Porque se não houvesse feito assim, todos estariam perdidos, pois que todos pecaram e necessitam da graça de Deus (Rm 34, 23)” (São João Crisóstomo, In Ioannem, hom., 27).
O Papa Paulo VI comenta: “De tal maneira Deus amou o mundo que lhe entregou Seu Filho Unigênito para a sua salvação. Toda a nossa religião é uma revelação da bondade, da misericórdia, do amor de Deus por nós. ‘Deus é amor’ (cfr. 1 Jo 4, 16), isto é, amor que se difunde e se prodigaliza; e tudo se resume nesta grande verdade que tudo explica e tudo ilumina. É necessário ver a história de Jesus a esta luz. ‘Ele amou-me’, escreve São Paulo, e cada um de nós pode e deve repeti-lo a si mesmo: Ele amou-me, e sacrificou-Se por mim (Gl 2, 20)” (Homilia de Corpus Christi), e: “Mas Deus não se contentou em dar-nos estas belas criaturas. Além disso, para cativar todo o nosso amor, Ele deu-se a nós em todo o seu ser. Deus Pai chegou ao extremo de nos dar seu próprio Filho: ‘Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu seu Filho único’. Vendo-nos mortos e privados de sua graça por causa do pecado, o que fez o Eterno Pai? Pelo amor imenso, ou melhor, pelo amor excessivo que nos tinha, mandou seu querido Filho que pagasse por nossos pecados. Devolveu-nos assim a vida tirada de nós pelo pecado. Como diz São Paulo: ‘Mas Deus que é rico em misericórdia, pelo excessivo amor com que nos amou, quando estávamos mortos por nossos pecados, nos vivificou juntamente com Cristo’. Dando-nos o Filho, não o perdoando para nos perdoar, deu-nos todos os bens: sua graça, seu amor, o céu. Todos esses bens são certamente menores que o Filho de Deus! ‘Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas que o entregou por todos nós, como não nos dará também com Ele todas as coisas?’. O Filho de Deus, pelo amor que nos tem, deu-se também todo a nós: ‘Amou-nos e se entregou a si mesmo por nós’. Fez-se homem, vestiu-se de carne, como nós. ‘O Verbo se fez carne’ para nos remir da morte eterna, recuperar-nos a graça divina, o paraíso perdido. Eis aqui um Deus aniquilado! ‘Esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo tomando a semelhança humana’. O Senhor do mundo humilhou-se até tomar a forma de servo. Sujeita-se a todas as misérias que os homens padecem” (Santo Afonso Maria de Ligório, A Prática do amor a Jesus Cristo, Capítulo I), e também: “Se Deus nos criou, se nos redimiu, se nos ama ao ponto de entregar por nós o Seu Filho Unigênito (Jo 3, 16), se nos espera – todos os dias! – como aquele pai da parábola esperava o filho pródigo (cfr Lc 15, 11-32), como não há de desejar que O tratemos com amor? O que seria estranho era não falar com Deus, afastar-se d’Ele, esquecê-Lo, dedicar-se a atividades estranhas a esses toques ininterruptos da graça” (São Josemaría Escrivá, Amigos de Deus, n.° 251).
O Pe. Manuel de Tuya COMENTA os versículos 16 e 17 do capítulo 3 de São João. Ante a “elevação” de Cristo na cruz, como “antítipo” da serpente de bronze, no deserto, o evangelista vê nela a obra suprema do amor do Pai pelo “mundo”. Este tem dois sentidos em João. O “mundo” é a universalidade étnica contraposta a Israel (Jo 4, 42; 6, 33. 51; 12, 47); porém, frequentemente leva um matiz pessimista: os homens maus (Jo 1, 10; 12, 31; 16, 11; 1 Jo 2, 16; 4, 4ss; 5, 19). Aqui, pois, o contraste está entre o “amor” (agápesen) profundo que o Pai demonstrou ao “mundo” mau com a prova suprema que lhe deu. Pois “entregou” a seu Filho unigênito. Este não somente se “encarnou”, não somente foi “enviado”, mas o deu, que no contexto é: o entregou à morte. Acaso está subjacente em João a tipologia do sacrifício de Isaac. Porém, a morte deste Filho unigênito tem uma finalidade salvadora para esse “mundo” mau. E é que todo o que “crê n’Ele”, que é na teologia Joanina louvado como Filho de Deus, porém, entregando-se como tal (Jo 6, 26ss; 15, 5), “tenha a vida eterna”. O evangelista ressalta que o Pai não enviou a seu Filho para que “condenasse” o mundo, mas para este fosse salvo por Ele.
O Pe. Juan Leal COMENTA os versículo 16 e 17 do capítulo 3 de São João. Pode se duvidar se os versículos 16 a 21, são um comentário de João. Filho Unigênito, acreditar no nome, realizar a verdade só aparecem no prólogo (Jo 1, 14-18) e na 1 Jo 1, 6; 3, 23; 4, 9; 5, 13, onde João fala por sua conta. O tempo pretérito dos verbos favorece esta opinião, o mesmo que a ausência de todo diálogo. Parece que temos entrado aqui numa meditação e reflexão do evangelista (Lagrange, Braun, Wikenhauser ). Outros acreditam que tudo é de Cristo (Till, Knab, Orbiso). Cabe também que João tenha transportado aqui palavras pronunciadas por Cristo em outro contexto histórico (Durand, Dourado). O que não se pode negar é que toda esta parte tem um colorido cristão grande, e um sentido de profunda reflexão, muito próprio de João. Mundo significa aqui, todos os homens em estado de condenação, como se deduz do fim da missão do unigênito. Sem a fé no enviado de Deus, o mundo perece. Com a fé no enviado, o mundo obtém a vida eterna. Amou de tal maneira. Trata-se de um amor extraordinário e supremo, pois consiste no dom Máximo que podia fazer Deus. Entrega ou envia ao mundo ao seu Unigênito, o único Filho em quem tem todas suas complacências (cf. Jo 1, 14). Esta mesma reflexão profunda se faz Paulo, mas pensando no amor de Cristo, que se entregou por ele (Gl 2, 20). João pensa no amor do Pai. Esta forma é mais primitiva. O pensamento de Paulo é mais cristão, embora seja anterior no tempo. Entregou, tem um sentido expiatório e sacrifical mais explícito que “enviou”, e serve para acentuar o amor (cf. Gn 22, 2; Hb 11, 17; Mt 21, 33-46; Mc 12, 1-12; Lc 20, 9-19). Entregar é mais que enviar como legado, com missão autêntica, e mais que encarnar. A encarnação e a missão ficam aqui orientadas para a redenção. O unigênito não foi entregue à morte em cruz, e sim, em razão de sua humanidade. Comunicação de idiomas. O fim desta encarnação histórica é a redenção. Maldonado conclui com Santo Tomás (3 q.I a. 3) que sem o pecado do homem não teria existido a encarnação. A encarnação de que falam as fontes da revelação é a dolorosa. Que tivesse feito Deus se o homem não tivesse pecado, não o sabemos pela revelação. Tem enviado, corresponde entregou do v.16. Corresponde melhor à função de juiz, para condenar. Este aspecto negativo da missão serve para acentuar o caráter específico e direto dos planos de Deus. O Messias é Salvador (Jo 4, 42; 1Jo 4, 14), Jesus ou salvação (Mt 1,21; Lc 1, 31.69.71.77 ), expiação pelos pecados (1 Jo 2,2), cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo (Jo 1,29). Cf. Jo 5, 22.27; 9, 39, que tratam do poder judicial de Cristo.
O Pe. Luis Maria Jimenez Font COMENTA sobre Jo 3, 16-17. Poderia parecer estranho a Nicodemos, o que acabava de dizer Cristo: que a maneira que Moisés havia levantado a serpente de bronze, assim convinha que o Filho do homem fosse levantado. Mostra-lhe que não é maravilhoso, por que isso se devera o amor de Deus para com os homens (São João Crisóstomo, Anfiloquio), tão grande que não perdoou a seu Filho unigênito, mas sim, o entregou por todos (Rm 8, 32). Exagera Cristo o amor de Deus para com os homens com cada palavra. Primeiro, porque Ele foi o primeiro a amá-los como diz o mesmo São João (1Jo 4, 10.19). Segundo, porque amava aos homens, dois termos não semelhantes que não podem unir ao amor. Terceiro, porque Deus, ofendido com tantos pecados, aos mesmos pecadores, seus ofensores, amou. Este é o mundo que diz São João que está sob o poder do maligno, pelo qual Cristo, não disse homens, mas sim, mundo; talvez São Paulo faz uso do mesmo argumento do divino amor (Rm 5, 8): Recomenda Deus sua caridade para conosco, porque quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós. Além disso, não só amou aos judeus, com os quais pelo menos tinha como uma obrigação por razão da aliança, mas sim, a todos os homens. Por causa disso, disse mundo, como nota São João: Ele é a expiação por nossos pecados, não só pelos nossos, mas sim pelos do mundo inteiro. Logo, porque, movido deste amor, fez, não qualquer coisa, senão dar o seu próprio filho. E não a qualquer Filho, um dentre muitos, mas sim, o unigênito, no qual tinha colocado todas as suas complacências. Por último, que não o deu de qualquer maneira, e sim ao modo como foi exaltada a serpente no deserto, ou seja, para ser crucificado. Isto é o que quis provar e isto é o que significa dar, entregar nas mãos dos pecadores, para que fizessem com ele o que quisessem (São João Crisóstomo, Teofilacto). Três dogmas tiram-se destas palavras. Primeiro, que Cristo é verdadeiro Deus, pois é chamado de Filho, e não de qualquer jeito, mas sim, o Unigênito do Pai, e tal não pode ser, segundo diz São Cirilo, senão Filho por natureza, ou seja, verdadeiro Deus. E não teria feito Deus coisa digna de si de haver-nos dado uma mera criatura. Pelo qual com este testemunho contestavam os Padres aos arianos (São Cirilo, Idacio, Claro, Santo Hilário, Ammonio, Teofilacto). Respondiam os arianos (dizem Ammonio e Teofilacto) que Cristo se chama Unigênito de Deus, porque era a única criatura feita por ele com aquela perfeição. E os Padres replicavam dizendo que isso poderia passar se se lhe chamasse somente de Unigênito, mas não Filho Unigênito. O segundo dogma é contra os que se chamaram predestinacianos, como dizem o Pseudo-Arnobio e Hinemaro, autor antigo, num livro contra eles, segundo os quais Cristo não havia sido morto geralmente pelos homens, mas sim pelos predestinados. No presente texto se fala não dos predestinados, e sim, de todo o mundo. Precisamente dos erros dos calvinistas de agora. O terceiro dogma é de que Cristo não teria vindo a este mundo se os homens não tivessem pecado. Só Ele, a Escritura e todos os Padres dá a causa de sua vinda: o livrar aos homens do pecado. Com razão deduz daqui Santo Ambrósio, contra os novacianos, que negavam a penitência aos grandes pecadores. “Nós não podemos negar a penitência aos que Deus amou de tal maneira que deu-lhes a seu Unigênito Filho”. Que outra coisa podiam pensar os homens pecadores, ao ouvir que Deus tinha enviado seu Filho ao mundo, senão fosse que o fazia para castigá-los por seus crimes e vingar as injúrias feitas ao seu Pai? Total, o que já tinha falado: que Deus havia amado tanto o mundo, que lhe havia entregue seu Filho Unigênito, para que quantos n’Ele acreditassem, não perecessem, e sim, alcançassem a vida eterna, não se contentou com dizer uma vez, e torna a repetir, e lhes tira a opinião temerosa, que nasceu da sua má consciência, de que talvez viesse para julgar o mundo. Pouco diferente, mas São João Crisóstomo e Eutimio vêm a dizer o mesmo que Cristo confirma com estas palavras o que acaba de dizer com outro argumento de seu amor. Que não havia enviado Deus seu Filho Unigênito para que todos os que n’Ele acreditassem tivessem vida eterna, e sim, de certa maneira, lhe havia proibido que julgasse a alguém naquele primeiro advento. Segundo o modismo dos hebreus, julgar significa o mesmo que castigar: Se nós nos julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados...Aos fornicadores e adúlteros julgará Deus. Ou seja, que contrapõe os dois verbos julgar e salvar. Retamente deduzem este lugar Santo Agostinho, São Beda e Teofilacto, que Cristo, enquanto é de sua parte, morreu por todos e desejava que todos se salvassem, e que a culpa de se condenar está nos próprios homens. “No que depende do médico, diz Santo Agostinho, veio para curar ao enfermo. Ele se suicida se não quer fazer o que o médico manda. Veio o salvador ao mundo. Por que é chamado salvador do mundo? Por que vem salvar o mundo e não condená-lo. Tu não queres que te salve, pois te condenas por tua culpa”.
Pe. Divino Antônio Lopes FP. Anápolis, 11 de setembro de 2008
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