PÔS-SE A AJUSTAR CONTAS COM ELES (Mt 25, 14-30)
“14 Pois será como um homem que, viajando para o estrangeiro, chamou os seus próprios servos e entregou-lhes os seus bens. 15 A um deu cinco talentos, a outro dois, a outro um. A cada um de acordo com a sua capacidade. E partiu. Imediatamente, 16 o que recebera cinco talentos saiu a trabalhar com eles e ganhou outros cinco. 17 Da mesma maneira, o que recebera dois ganhou outros dois. 18 Mas aquele que recebera um só tomou-o e foi abrir uma cova no chão. E enterrou o dinheiro do seu senhor. 19 Depois de muito tempo, o senhor daqueles servos voltou e pôs-se a ajustar contas com eles. 20 Chegando aquele que recebera cinco talentos, entregou-lhe outros cinco, dizendo: ‘Senhor, tu me confiaste cinco talentos. Aqui estão outros cinco que ganhei’. 21 Disse-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei. Vem alegrar-te com o teu senhor!’ 22 Chegando também o dos dois talentos, disse: ‘Senhor, tu me confiaste dois talentos. Aqui estão outros dois talentos que ganhei’. 23 Disse-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei. Vem alegrar-te com o teu senhor!’ 24 Por fim, chegando o que recebera um talento, disse: ‘Senhor, eu sabia que és um homem severo, que colhes onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste. 25 Assim, amedrontado, fui enterrar o teu talento no chão. Aqui tens o que é teu’. 26 A isso respondeu-lhe o senhor: ‘Servo mau e preguiçoso, sabias que eu colho onde não semeei e que ajunto onde não espalhei? 27 Pois então devias ter depositado o meu dinheiro com os banqueiros e, ao voltar, eu receberia com juros o que é meu. 28 Tirai-lhe o talento que tem e dai-o àquele que tem dez, 29 porque a todo aquele que tem será dado e terá em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem será tirado.30 Quanto ao servo inútil, lançai-o fora nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes!”
Em Mt 25, 14 diz: “Pois será como um homem que, viajando para o estrangeiro, chamou os seus próprios servos e entregou-lhes os seus bens”.
São João Crisóstomo escreve: “Esta parábola se apresenta contra aqueles que não só com dinheiro, nem ainda com palavras, nem de nenhum outro modo querem ser úteis ao próximo. Por isso disse: ‘Assim, pois, como um homem que foi para muito longe” (Homiliae in Matthaeum, hom. 78, 2), e: “Este homem que caminha para longe é nosso Redentor que subiu ao céu, com aquela carne que havia tomado, a qual tem seu lugar próprio na terra, e é levada como em peregrinação, quando é colocada no céu por nosso Redentor” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 9, 1).
Edições Theologica comenta Mt 25, 14-30. O talento não era propriamente uma moeda, mas uma unidade contável que equivalia aproximadamente a uns cinquenta quilos de prata. Nesta parábola, o Senhor ensina-nos principalmente a necessidade de corresponder à graça de uma maneira esforçada, exigente e constante durante toda a vida. Importa fazer render todos os dons de natureza e de graça recebidos do Senhor. O importante não é o número, mas a generosidade para os fazer frutificar. A vocação cristã não se pode esconder, nem esterilizar; deve ser comunicativa, apostólica e entregada. São Josemaría Escrivá escreve: “Não percas a tua eficácia; pelo contrário, aniquila o teu egoísmo. A tua vida para ti? A tua vida para Deus, para o bem de todos os homens, por amor ao Senhor. Desenterra esse talento! Torna-o produtivo” (Amigos de Deus, n° 47). A um fiel cristão correto não pode passar despercebido o fato de que Jesus tenha querido explicar a doutrina da correspondência à graça, servindo-se como figura do trabalho profissional dos homens. Não é isto recordar-nos que a vocação cristã se dá no meio das ocupações ordinárias da vida? “Há uma única vida, feita de carne e espírito, e essa é que tem de ser – na alma e no corpo – santa e cheia de Deus, deste Deus invisível, que nós encontramos nas coisas mais visíveis e materiais. Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar o Senhor na nossa vida corrente, ou nunca O encontraremos” (Idem., Temas Atuais do Cristianismo, n° 114).
Dom Duarte Leopoldo comenta sobre essa parábola. Jesus é o homem que parte para uma viagem, isto é, para o céu, deixando a todos e a cada um de nós, conforme a vocação de cada um, certo número de graças de cujo emprego dependerá a nossa salvação.
Em Mt 25, 15-18 diz: “A um deu cinco talentos, a outro dois, a outro um. A cada um de acordo com a sua capacidade. E partiu. Imediatamente, o que recebera cinco talentos saiu a trabalhar com eles e ganhou outros cinco. Da mesma maneira, o que recebera dois ganhou outros dois. Mas aquele que recebera um só tomou-o e foi abrir uma cova no chão. E enterrou o dinheiro do seu senhor”.
São Jerônimo escreve: “Convocados, pois, os apóstolos, lhes entregam a doutrina evangélica; distribuindo-a, dando a uns mais e a outros menos; porém, não segundo sua generosidade ou mesquinhez, senão segundo a capacidade e força de cada um dos que a recebiam. Assim como disse o Apóstolo, que os que não podiam digerir um alimento sólido, os alimentava com leite. Daqui segue: ‘E a um deu cinco talentos e a outro…’ Nos cinco, nos dois e no único talento, entendemos que a cada um foram dadas diversas graças”, e: “Ou de outro modo: os cinco talentos denotam os dons dos cinco talentos, ou seja, a ciência das coisas exteriores; entretanto que os dois talentos significam a inteligência e o realizar; e um talento indica tão só o dom da inteligência. Segue: ‘E partir em seguida” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 9, 1), e também: “Não mudando de lugar, mas deixando-os em liberdade para realizar a seu arbítrio. Segue: Foi, pois, o que havia recebido cinco talentos e conseguiu outros cinco” (Glosa), e ainda: “O servo, aquele que recebeu cinco talentos, é o povo crente que vindo da lei, partindo dela duplicou seu mérito cumprindo a obra da fé evangélica. Segue: ‘Igualmente o que havia recebido dois talentos aumentou outros dois” (Santo Hilário, In Matthaeum, 27), e: “Aquele servo a quem foi confiado dois talentos é o povo gentil justificado pela fé e pela confissão do Filho e do Pai; isto é, pela confissão de nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e homem de espírito e carne. Estes são os dois talentos que lhe foram confiados” (Idem., In Matthaeum, 27), e também: “Esconder na terra o talento, é empregar o talento em assuntos terrenos” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 9, 1), e ainda: “Quando alguém tem a habilidade para ensinar em proveito das almas, mas oculta este valor, ainda que no trato manifeste certa religiosidade, não duvide em dizer que esse tal recebeu um talento e ele mesmo o enterrou” (Orígenes, In Matthaeum, 33), e: “Este servo que recebeu um talento e o escondeu na terra, é o povo que persiste na lei judia, que por inveja e por não querer salvar as nações, escondeu na terra o talento recebido” (Santo Hilário, In Matthaeum, 27).
O Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena comenta a parábola dos talentos. Narrando a parábola dos talentos, o Evangelho (Mt 25, 14-30) fala justamente do servo fiel que não desperdiça a vida em passatempos ou ociosidade, mas negocia com amor inteligente os dons recebidos de Deus. Deus distribui seus talentos a todos os homens: o dom da vida, a capacidade de compreender e querer, de amar e agir. A graça, a caridade, as virtudes infusas, a vocação pessoal. Não pratica injustiça ao distribuir, em medidas diversas, seus dons, já que dá a cada um o suficiente para a salvação. O importante não é receber muito ou pouco, e, sim, negociar com diligência o dom recebido. É falsa humildade não reconhecer os dons de Deus. Pusilanimidade e preguiça é deixá-los inativos. Assim fez o servo mau que enterrou o talento recebido e foi duramente reprovado pelo patrão.
O Pe. Manuel de Tuya comenta esse trecho. 1. O senhor que viaja e que voltará é Jesus Cristo. 2. Esta ausência será longa – “muito tempo” – e terá retorno: é Jesus Cristo em sua parusia final. 3. Os bens que confia a seus servos são os valores religiosos que são dados aos homens (Ef 4, 7. 13. 16). 4. O repartir talentos, quantidade excessiva, pode indicar a generosidade dos dons celestiais.
Em Mt 25, 19-30 diz: “Depois de muito tempo, o senhor daqueles servos voltou e pôs-se a ajustar contas com eles. Chegando aquele que recebera cinco talentos, entregou-lhe outros cinco, dizendo: ‘Senhor, tu me confiaste cinco talentos. Aqui estão outros cinco que ganhei’. Disse-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei. Vem alegrar-te com o teu senhor!’ Chegando também o dos dois talentos, disse: ‘Senhor, tu me confiaste dois talentos. Aqui estão outros dois talentos que ganhei’. Disse-lhe o senhor: ‘Muito bem, servo bom e fiel! Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei. Vem alegrar-te com o teu senhor!’ Por fim, chegando o que recebera um talento, disse: ‘Senhor, eu sabia que és um homem severo, que colhes onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste. Assim, amedrontado, fui enterrar o teu talento no chão. Aqui tens o que é teu’. A isso respondeu-lhe o senhor: ‘Servo mau e preguiçoso, sabias que eu colho onde não semeei e que ajunto onde não espalhei? Pois então devias ter depositado o meu dinheiro com os banqueiros e, ao voltar, eu receberia com juros o que é meu. Tirai-lhe o talento que tem e dai-o àquele que tem dez, porque a todo aquele que tem será dado e terá em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem será tirado. Quanto ao servo inútil, lançai-o fora nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes!”
Orígenes escreve: “Observa nesta passagem que não são os servos que aproximam do Senhor para serem julgados, mas que é o Senhor quem vem a eles no devido tempo. Por isso disse: ‘Depois de muito tempo” (In Matthaeum, 33), e: “Nota que o Senhor não exige imediatamente a conta, para que admire sua longanimidade” (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum, hom. 78, 2), e também: “Disse, pois: passado muito tempo, porque longo é o tempo entre a ascensão do Salvador e sua segunda vinda” (São Jerônimo), e ainda: “Esta passagem do Evangelho chama nossa atenção, porque aqueles que neste mundo receberam mais que os outros hão de sofrer um juízo severo ante o autor do mundo. Porque na proporção que se aumentam os dons, cresce a obrigação da conta” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 9, 1), e: “A confiança deu valor àquele que havia recebido cinco talentos para se aproximar primeiro do Senhor: ‘E aproximando o que havia recebido cinco talentos” (Orígenes, In Matthaeum, 33), e também: “O servo que multiplicou os talentos é elogiado pelo Senhor e levado à eterna recompensa. Por isso acrescenta: ‘Disse o Senhor’: alegra-te” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 9, 2), e ainda: “Alegra-te, é uma interjeição, pela qual o Senhor indica seu gozo, que convida à eterna felicidade ao servo que trabalhou bem; pelo qual disse o Profeta, ‘nos inundará o gozo de tua presença’ (Sl 15, 11)” (Rábano), e: “Servo bom, porque se refere à caridade com o próximo; e fiel, porque não se apropriou de nada que pertencia a seu Senhor” (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum, hom. 78, 2), e também: “Foste fiel no pouco, porque tudo o que temos no presente, ainda que pareça grande e abundante, entretanto, é pouca coisa em comparação com os bens futuros” (São Jerônimo), e ainda: “Então o servo fiel será posto sobre o muito; porque livre de toda corrupção, gozará no céu de eterno gozo. Então entrará no perfeito gozo de seu Senhor, quando arrebatado àquela eterna pátria, e reunido aos coros dos anjos” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 9, 2), e: “Que maior prêmio pode dar ao servo fiel que estar e desfrutar no gozo de seu Senhor?” (São Jerônimo), e também: “Esta é a expressão de toda bem-aventurança” (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum, hom. 78, 3), e ainda: “Este será nosso gozo pleno, que maior não pode haver; gozar de Deus na Trindade, a cuja imagem fomos feitos” (Santo Agostinho, De Trinitate, 1, 8), e: “O Pai de família felicita com o mesmo louvor aos dois servos, ao que havia dobrado em dez os cinco talentos, e ao que de dois fez quatro: ambos, pois, recebem igual prêmio, não por consideração da grandeza do lucro, mas pela solicitude de sua vontade. Segue: ‘Aproximou o que havia recebido dois talentos” (São Jerônimo), e também: “No qual disse que, aproximando um que havia recebido cinco, e o outro dois, entende por acesso a passagem deste mundo ao outro, e nota que são as mesmas palavras que dirige aos dois, para que não creia que aquele que recebeu menos e que empregou tudo o que havia recebido, havia de merecer de Deus menos prêmio que o outro que teve maiores meios. O único que se busca é que o homem empregue na glória de Deus tudo quanto d’Ele recebeu” (Orígenes, In Matthaeum, 33), e ainda: “O servo que não quis negociar com o talento, o devolveu ao Senhor com desculpas: ‘Acercando-se, pois” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 9, 3), e: “Isto sucede a este servo, acrescentando o pecado de soberba aos de preguiça e negligência” (São Jerônimo), e também: “Pelo que esse servo se atreveu a dizer: ‘Colhe onde não semeaste’, entendemos que o Senhor aceita as virtudes, ainda dos gentios e filósofos” (Idem.), e ainda: “Muitos na Igreja se parecem com esse servo, que temendo entrar no caminho de uma vida melhor, não se atrevem a sacudir a preguiça de seu corpo” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 9, 3), e: “Também se entende por este servo o povo judeu preso à sua lei. Alega como pretexto de seu afastamento da lei evangélica, o medo, e diz: aqui está o que é teu, ou como se houvesse observado tudo aquilo que foi mandado pelo Senhor” (Santo Hilário, In Matthaeum, 27), e também: “Respondendo, disse seu Senhor: ‘Servo mal’. O chama servo mal, porque caluniou ao Senhor; preguiçoso, porque não quis multiplicar o talento, e o condenou tanto pela soberba como pela preguiça” (São Jerônimo), e ainda: “Ouçamos a sentença que o Senhor proferirá contra o servo preguiçoso: ‘Tirai o talento que lhe foi dado e dai àquele que tem dez talentos” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 9, 4), e: “Pode o Senhor, certamente, em força de seu divino poder tirar a suficiência ao preguiçoso que abusa dela, e dá-la àquele que a multiplicará” (Orígenes, In Matthaeum, 33), e também: “Se dá o talento àquele que havia negociado outros dez talentos, para que entendamos quão grande é o gozo do Senhor no trabalho de um e outro; a saber, aquele que duplicou os dois e os que duplicou os cinco, entretanto, mereceu maior prêmio o que mais trabalhou em favor de seu Senhor” (São Jerônimo), e ainda: “Geralmente se cita alguma vez a sentença: ‘A todo o que tem se lhe dará’, etc. Quem, pois, tem caridade, recebe, além disso, outros dons; assim como o que não tem, ainda o que não recebeu, o perderá” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 9, 6), e: “O que possui o dom da pregação e da doutrina para ser útil, perde esses dons se não usa deles; porém os que os cultivam, atrai outros maiores” (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum, hom. 78, 3), e também: “O servo mal não só é castigado com o dano, mas também com a pena intolerável e a acusação e denúncia. Por isso segue: ‘Jogue o servo inútil nas trevas exteriores” (Idem.), e ainda: “Isto é, onde não há nenhuma luz, nem sequer corporal, nem há visão de Deus, senão como pecadores indignos da presença divina, são condenados para expiação às que se chamam trevas exteriores” (Orígenes, In Matthaeum, 33), e: “Adverte que não somente é castigado com a última pena o que rouba o alheio e realiza o mal, mas também o que não praticou o bem” (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum, hom. 78, 3).
O Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena comenta esse trecho da parábola dos talentos. Deus exige na proporção do que deu. E o que deu há de ser usado a serviço de Deus e dos irmãos. Aliás, a quem mais deu, mais pedirá. Por conseguinte, na prestação de contas, cada um será tratado conforme as próprias obras. Castigo tremendo para o servo mau; louvor e prêmio para os fiéis. Recebem estes, recompensa imediatamente superior aos méritos! Às palavras: “Porque foste fiel no pouco, dar-te-ei poder sobre muito”, que exprimem a recompensa à fidelidade de cada um, acrescentou Deus: “Entra na alegria do teu Senhor”. Eis o prêmio da liberalidade de Deus! Admite os servos fiéis à comunhão de sua vida e felicidade eternas! Tal recompensa, embora exigindo a diligência do homem, é sempre infinitamente superior a seus méritos.
Dom Duarte Leopoldo comenta sobre esse trecho. O primeiro servo ganhou cinco talentos a mais, o que era uma soma considerável. Entretanto, diz-lhe o senhor: “Foi fiel no pouco”, porque nossas obras, por maiores que pareçam, são sempre pequenas aos olhos de Deus. O outro servo que só lucrou dois talentos, recebe os mesmos elogios e a mesma recompensa, porque trabalhou tanto quanto o primeiro. Entra na alegria do teu senhor – A alegria entra em nós, diz Santo Agostinho, quando é medíocre. Nós entramos na alegria, quando ela excede a capacidade da nossa alma, quando transborda e nos absorve por completo; é a felicidade perfeita dos bem-aventurados. Este servo mau e preguiçoso tem, entretanto, uma boa qualidade: é honesto. Ele não defraudou o seu senhor, antes lhe restituiu, integralmente, todo o dinheiro recebido. O seu crime foi a preguiça, quando o dever lhe impunha a obrigação de fazer frutificar o talento que lhe fora confiado. Assim, pois, ninguém se esqueça de que não lhe basta evitar o pecado, mas é ainda preciso praticar a virtude. Quantos no dia do Juízo, dirão ao Senhor: “Eu não matei, não roubei. Não quero mal a ninguém, não murmuro da vida alheia; rezo quando posso e dou esmola quando tenho!” – “Servo mau e preguiçoso! Não pecaste, dizes tu; mas onde estão as tuas virtudes? Qual o fruto que recolheste das minhas graças? Não cumpriste o teu dever; por isso não tens direito à alegria da minha glória!” Dir-se-ia que a graça está neste mundo em movimento perpétuo. Quando não acha abrigo num coração, passa além e vai beneficiar a outro. Rigorosamente falando, nenhuma graça se perde no mundo, porque cada benefício que recebemos é uma gota do sangue preciosíssimo do Salvador que não se pode perder. Deste modo, recebem os bons os que recusaram os maus. Ao preguiçoso, diz o texto, será tirado ainda o que parece ter. Toda alma estéril parece ainda virtuosa, quando considerada por um certo lado. Conserva muitas vezes algum sentimento religioso, pratica um ou outro dever de religião, é talvez caridosa para com os pobres, tem um coração sensível; mas é como uma cisterna que não conserva as águas do céu. Preguiçosa no cumprimento do dever, as suas virtudes não lhe aproveitarão, porque são incompletas. Parece que foi Nosso Senhor quem primeiro empregou a palavra talento em sentido figurado. Diz-se de um homem que tem talento, mas não se diz que esta ou aquela alma tem talento, mas virtude. E assim é, porque a virtude é o fruto da graça.
O Pe. Manuel de Tuya comenta esse trecho. 1.O senhor que volta, julga, dá prêmios e castigos é Jesus Cristo, Juiz do mundo, em sua parusia. 2. O prêmio de “entrar no gozo de teu senhor” é o prêmio da felicidade eterna, cuja descrição alude ao gozo de participar no banquete messiânico celestial (Mt 8, 12. 13; 22, 8-10; Lc 22, 30), forma com que se expressava frequentemente a felicidade messiânica. 3. O rendimento máximo, em sua apreciação literária, dos talentos confiados aos dois primeiros servos, indica a obrigação de desenvolver os dons de Deus (1 Cor 15, 10) e o mérito dos mesmos, como se vê pelo elogio e prêmio que dá aos dois primeiros servos. No reino de Cristo, as ações têm verdadeiro mérito, que Deus premia e cuja omissão castiga. A “fé sem obras” é condenada nesta parábola de Jesus Cristo. 4. A inatividade de não render com os dons de Deus é culpa: pecado de omissão. 5. Todos esses dons aparecem sempre como dons de Deus. 6. O fato de mandar acrescentar este talento ao que tinha dez, é o mesmo que a frase “porque ao que tem se lhe dará em abundância; porém, ao que não tem, ainda o que tem lhe será tirado”. 7. O lançar esse “servo inútil” às “trevas exteriores, ali haverá pranto e ranger de dentes” é, nesse contexto, o castigo do inferno e fórmula dos evangelhos.
O Pe. Francisco Fernández Carvajal comenta esse trecho da parábola. Passado algum tempo, o senhor voltou da sua viagem e pediu contas aos seus servidores. Os que tinham recebido cinco e dois talentos puderam devolver o dobro. Haviam aproveitado o tempo para fazer render os bens recebidos e tiveram a grande felicidade de ver a alegria do seu senhor; fizeram-se merecedores de um elogio e de um prêmio inesperado: Está bem, servo bom e fiel – disse o dono da verdade a cada um deles –, já que foste fiel em poucas coisas, dar-te-ei a intendência de muitas; entra no gozo do teu senhor. O significado da parábola é claro. Nós somos os servos; os talentos são as condições com que Deus dotou cada um de nós (a inteligência, a capacidade de amar, de fazer os outros felizes, os bens temporais…); o tempo que dura a ausência do senhor é a vida; o regresso inesperado, a morte; a prestação de contas, o juízo; entrar no gozo do senhor, o Céu. Não somos donos, mas – como o Senhor repete constantemente ao longo do Evangelho – administradores de uns bens dos quais teremos de prestar contas. Hoje podemos examinar na presença de Deus se realmente temos mentalidade de administradores e não de donos absolutos, que podem dispor a seu bel-prazer do que possuem. Podemos indagar-nos sobre o uso que fazemos do nosso corpo e dos sentidos, da alma e das suas potências. Servem realmente para dar glória a Deus? Pensemos se fazemos o bem com os talentos recebidos: com os bens materiais, com a nossa capacidade de trabalho, com as amizades… O Senhor deseja ver o seu patrimônio bem administrado. O que Ele espera é proporcional àquilo que recebemos. Porque a todo aquele a quem muito foi dado, muito lhe será pedido, e a quem muito foi entregue, muito lhe será reclamado. Está bem, servo bom e fiel, já que foste fiel em poucas coisas, diz o Senhor àquele que recebeu cinco talentos. O “muito” – cinco talentos – que recebemos nesta vida é considerado “pouco” por Deus. Entrar no gozo do Senhor, isso é o muito…: Nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que o amam. Vale a pena sermos fiéis aqui, enquanto aguardamos a chegada do Senhor, aproveitando este curto espaço de tempo com sentido de responsabilidade. Que alegria quando nos apresentarmos diante d’Ele com as mãos cheias! Olha, Senhor – dir-lhe-emos –, procurei fazer render os talentos que me deste. Não tive outro fim a não ser a tua glória. Mas o que tinha recebido um talento foi, cavou na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. Quando este lhe pediu contas, tentou desculpar-se e arremeteu contra quem lhe tinha dado tudo o que possuía: Senhor, disse-lhe, sei que és um homem austero, que colhes onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste; por isso fiquei receoso e fui esconder o teu talento na terra; eis o que é teu. Este último servo revela-nos como é que o homem se comporta quando não vive uma fidelidade ativa em relação a Deus. Prevalecem o medo, a auto-estima, a afirmação do egoísmo que procura justificar a sua conduta com as injustas pretensões do senhor, que deseja colher onde não semeou. Servo mau e preguiçoso, é como o senhor o chama ao ouvir as suas desculpas. Esqueceu uma verdade essencial: que o homem foi criado para conhecer, amar e servir a Deus neste mundo e assim merecer a vida com o próprio Deus para sempre no céu. Quando se conhece a Deus, é fácil amá-lo e servi-lo. Quando se ama, servir não só não é custoso nem humilhante: é um prazer. Uma pessoa que ama nunca considera uma humilhação ou indignidade servir o objeto do seu amor; nunca se sente humilhada por prestar-lhe serviços. Pois bem: o terceiro servo conhecia o seu senhor; pelo menos, tinha tantos motivos para conhecê-lo como os outros dois servidores. Contudo, é evidente que não o amava. E quando não se ama, custa muito servir. Este servo não só não gostava do seu senhor, como se atreveu a chamá-lo homem austero, que queria colher onde não tinha semeado. Não serviu o seu senhor porque lhe faltou amor. O contrário da preguiça é justamente a diligência, uma palavra proveniente do verbo latino diligere, que significa amar, escolher depois de um estudo atento. O amor dá asas para servir a pessoa amada. A preguiça, fruto da falta de amor, leva a um desamor muito maior. Nesta parábola, o Senhor condena os que não desenvolvem os dons que Ele lhes deu e os que os empregam a serviço do seu comodismo pessoal, ao invés de servirem a Deus e aos seus irmãos, os homens, num serviço de amor. A nossa vida é breve. Por isso temos que aproveitá-la até o último instante para crescer no amor e no serviço a Deus. A Sagrada Escritura alerta-nos, com frequência, para a brevidade da nossa existência aqui na terra. Ela é comparada à fumaça, à sombra, à passagem das nuvens e ao nada. Que pena se perdemos o tempo ou o empregamos mal, como se não tivesse valor! Que pena viver matando o tempo, que é um tesouro de Deus! Que tristeza não tirar proveito, autêntico rendimento, de todas as faculdades, poucas ou muitas, que Deus concedeu ao homem para que se dedique a servir as almas e a sociedade! Quando o cristão mata o seu tempo na terra, coloca-se em perigo de matar o seu Céu: quando por egoísmo se retrai, se esconde, se desinteressa. Aproveitar o tempo é levar a cabo o que Deus quer que façamos em cada momento. Às vezes, aproveitar uma tarde será “perdê-la” aos pés da cama de um doente ou dedicando-a a um amigo para que se prepare para uma prova. Tê-la-emos perdido para os nossos planos, muitas vezes para o nosso comodismo, mas tê-la-emos ganho para essas pessoas necessitadas de ajuda ou de consolo e para a eternidade. Aproveitar o tempo é viver plenamente o momento presente, empenhando a cabeça e o coração naquilo que fazemos, ainda que humanamente pareça ter pouca importância, sem nos preocuparmos excessivamente com o passado nem nos inquietarmos muito com o futuro. O Senhor advertiu-nos claramente: Não queirais andar inquietos pelo dia de amanhã. Porque o dia de amanhã cuidará de si; a cada dia basta o seu cuidado. Viver plenamente o momento presente, de olhos postos em Deus, torna-nos mais eficazes e livra-nos de muitas ansiedades inúteis, que nada mais fazem do que paralisar-nos. Conta Santa Teresa de Ávila que ao chegar a Salamanca, acompanhada de outra freira, chamada Maria do Sacramento, para ali fundar um novo convento, encontrou uma casa desmantelada, da qual tinham desalojado uns estudantes algumas horas antes. As viajantes entraram na casa já de noite, exaustas e congeladas pelo frio. Os sinos da cidade dobravam a finados, pois era véspera do dia dos fiéis defuntos. Na escuridão, somente quebrada pela chama oscilante do candeeiro, as paredes enchiam-se de sombras inquietantes. Apesar de tudo, deitaram-se cedo sobre uns molhos de palha que tinham trazido com elas. Depois de se acomodarem naquelas camas improvisadas, Maria do Sacramento, cheia de grandes temores, disse à Santa: “Madre, estou pensando que, se eu morresse agora, o que faríeis vós sozinha?” “Aquilo, se viesse a acontecer, parecia-me coisa dura”, comentava anos mais tarde a Santa; “fez-me pensar um pouco nisso e mesmo chegar a ter medo, porque os corpos mortos sempre me enfraquecem o coração, ainda que não esteja sozinha”. “E como o dobrar dos sinos ajudava, pois como disse era noite de almas, bom começo tinha o demônio para fazer-nos perder o pensamento com ninharias”. “Irmã – disse-lhe –, se isso acontecer, então pensarei no que fazer; agora deixe-me dormir”. Em muitas ocasiões, quando nos assaltarem preocupações sobre acontecimentos futuros que nos roubem a paz ou o tempo, e em relação aos quais nada pudermos fazer no momento presente, será muito útil dizermos, como a Santa: “Se isso acontecer, então pensarei no que fazer”. Então contaremos com a graça de Deus para santificar o que Ele dispõe ou permite. Quando uma vida chega ao seu fim, não podemos pensar só numa vela que se consumiu, mas numa tapeçaria que se acabou de tecer. Tapeçaria que nós vemos pelo avesso, cheio de fios soltos e em que só se pode observar uma figura sem contornos. O nosso Pai-Deus contemplá-la-á pelo lado certo, e sorrirá e ficará feliz com a obra acabada, resultado de termos aproveitado bem o tempo todos os dias, hora a hora, minuto a minuto.
Oração: “Ó Redentor do mundo, que subistes ao céu e distribuístes vossos dons aos homens, repartindo entre os discípulos graças e vários talentos, para o bem deles e da vossa Igreja; dai-me o Espírito que de vós procede! Pelo vosso Espírito é que conhecerei os dons que me fizestes. E se não souber que talentos me destes, não vo-los poderei agradecer nem fazê-los render. Dai-me, pois, graça para os conhecer, mas com humildade, de modo que não me engane pensando que sejam mais e maiores do que realmente são. Fazei que me contente com que me destes, a fim de não desprezar, por soberba, os que têm menos do que eu, em invejar os que têm mais. Só cuide em vos servir com o pouco ou com o muito que me destes. Dai-me lembrar sempre vossa vinda, para negociar fielmente aquilo que então eu desejaria ter negociado… e, colhendo-me a morte em tal atividade, me recebais em vosso reino… Ó gozo imenso, alegria eterna, gozo digno de Deus! Ó feliz diligência! Contigo, quem é fervoroso, conquista as alegrias do céu!” (L. da Ponte, Meditações III, 58, 1.3).
Pe. Divino Antônio Lopes FP. Anápolis, 13 de novembro de 2008
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