SEDE PERFEITOS

(Mt 5, 48) 

 

“Portanto, deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”.

 

 

I. Em que consiste a perfeição

 

“... deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48).

Em sentido estrito é impossível que a criatura tenha a perfeição de Deus: “Portanto, o Senhor quer dizer aqui que a perfeição divina deve ser o modelo para o qual há de tender o fiel cristão, sabendo que há uma distância infinita em relação ao seu Criador. Isto, porém, não rebaixa nada a força deste mandamento, mas, pelo contrário, ilumina-o. Juntamente com a exigência deste mandato de Jesus Cristo, há que considerar  a magnitude da graça que promete, para que sejamos capazes de tender, nada menos, que à perfeição divina. De qualquer modo, a perfeição que havemos de imitar não se refere ao poder e à sabedoria de Deus, que superam por completo as nossas possibilidades, mas nesta passagem, pelo contexto, parece referir-se, sobretudo, ao amor e à misericórdia” (Edições Theologica).

Deus quer que sejamos perfeitos... santos... grandes santos: “Porquanto, é esta a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Ts 4, 3).

Ser santo não é uma conveniência, é uma necessidade. Ser santo não é um conselho que nos seja lícito seguir ou não; mas é uma lei divina, um dos muitos preceitos que Jesus Cristo nos deixou no Evangelho.

O Céu é a nossa Pátria. Para nela entrar é preciso a inocência da alma e a pureza do coração: é preciso ser santos! Somente os santos entrarão no Céu: “Procurai a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12, 14).

Duas coisas são necessárias à verdadeira santidade: o hábito e a solidez das virtudes. O hábito adquire-se pela repetição dos atos, e é indispensável à perfeição. Não se diz que alguém é sábio por haver dito uma palavra de ciência, nem que é virtuoso por ter feito uma ação santa; é o hábito de falar sabiamente e de agir santamente que lhe merece os títulos de sábio e santo. Os atos passageiros deixam-nos sempre fracos e inconstantes, mas o hábito enraíza em nós a virtude, torna-a firme e perseverante, transforma-a, por assim dizer, numa segunda natureza.

A santidade estará então consumada numa alma? Não, deve ainda passar pela prova da adversidade e da humilhação. Quando as almas começam a trabalhar na sua santificação, Deus as auxilia sensivelmente, e elas produzem então, com facilidade, atos de humildade, caridade, penitência e devoção. Mais tarde, quando já adquiriram mais alto grau de virtude, que faz o Senhor? Tira-lhe sua assistência sensível, deixa-as entregues ao desgosto, às dores do espírito, às tentações; dá-lhes frequentes ocasiões de fazer atos generosos de abnegação, confiança, paciência e abandono à vontade divina. Assim são elas purificadas, exercitadas, trabalhadas como a estátua pelo estatuário até à perfeita semelhança com seu divino modelo, Jesus crucificado.

Vós que desejais santificar-vos, aprovais quando o Senhor vos humilha, vos prova e mortifica? Quantas repugnâncias, tristezas, abatimentos e queixas, por causa de uma leve contrariedade! É isso acaso virtude sólida que se não perturba com coisa alguma e nada teme porque só Deus é a sua força, o seu tesouro e a sua felicidade?

Ninguém chega à santidade só em marcar metas, fazer propósitos, contemplar o horizonte... para ser santo é preciso se levantar da “poltronice”, lutar contra os vícios, crescer no amor a Deus, sacudir a “poeira” da preguiça, carregar a cruz sem arrastá-la... para ser santo é preciso querer.

Uma irmã de Santo Tomás de Aquino, tendo sabido da fama de santidade e de sabedoria que circundava seu irmão, escreveu-lhe uma carta na qual lhe pedia indicar-lhe o modo seguro para se tornar santa. Para experimentar o desejo dela, Santo Tomás não respondeu. A irmã escreveu-lhe uma segunda e uma terceira vez. Finalmente ele lhe enviou um bilhete com duas palavrinhas de resposta: Se quiseres!

As pessoas que tendem à perfeição podem ser distinguidas em três classes.

A primeira classe é dos que têm uma grande ideia da perfeição, conhecem sua necessidade, inclusive alimentam muitos desejos de possuí-la, mas ficam nisso, não usam os meios para alcançá-la. Ora, saber é uma coisa, fazer é outra; uma coisa é conhecer a necessidade da perfeição, outra — cuidar de atingi-la; uma coisa é o desejo, outra — a realidade. É certo que Santa Teresa de Jesus nos exorta a  alimentar grandes desejos, mas ela fala de desejos eficazes, vivificados pelas obras. O inferno está cheio de desejos efêmeros e de propósitos de se converter mais tarde... Há certos indivíduos que não fazem progresso na vida espiritual, se mantêm sempre no mesmo grau de virtude, ou melhor, de falta de virtude. Alimentavam desejos de perfeição na juventude...

Entretanto, são sempre os mesmos, com os mesmos defeitos de soberba, preguiça, falta de mortificação; não são, certamente, de exemplo às pessoas, que os suporta, e não se lamenta quando morrem. Passam a vida sem aproveitar das inúmeras graças que a acompanham e chegam ao fim de mãos vazias, com uma terrível prestação de contas a dar. Assemelham-se à figueira estéril de que fala o Evangelho, ou à terra que não produziu fruto, apesar de receber o orvalho e as chuvas.

A segunda classe é dos que não se contentam com simples desejos, fazem alguma coisa, dão algum passo no caminho da perfeição, mas não vão além. Tratam de se aperfeiçoar a seu modo, procurando pactuar com Deus; não respondem com generosidade aos apelos divinos, não sacrificam certas inclinações, não se desapegam das pessoas, vivem presos a pequenas comodidades, não carregam a cruz.... Jesus rejeita estas meias medidas, não gosta destas reservas e se afasta deles. Consequência: não gozam de paz verdadeira durante a vida e acumulam muito material para o Purgatório.

A terceira classe é formada pelos que aceitam todos os meios de santificação, não adiam e lutam sem descanso. Santo Inácio de Loiola falando deles, declara: “Põem todo seu zelo e esforço no serviço de Deus, com grande ânimo e generosidade”. Sacrificam-lhe tudo, especialmente a própria vontade. Eis como se formam os santos! Afinal, não é tão difícil; é suficiente dar o primeiro passo com coragem.

São Roberto Belarmino, em referência a estas três classes, afirma: “Os primeiros são doentes que não querem tomar remédios; os segundos aceitam somente remédios doces e gostosos; os terceiros, para sarar, não rejeitam nada de amargo”.

“Meu Deus, quão longe estou desse feliz estado! Para eu lá chegar, concedei-me a coragem de vencer-me e aproveitar todas as ocasiões de virtudes, a fim de conseguir o seu hábito. Disponde-me pela oração aos sacrifícios e às dificuldades de cada dia, e comunicai-me a força de aceitar o que contraria os meus gostos, idéias e inclinações no cumprimento dos meus deveres” (Pe. Luís Bronchain).

 

II. Como santificar-nos

 

A verdadeira santidade pode adquirir-se pela oração e pela paciência. A oração põe-nos em comunicação com Deus, atrai-nos suas luzes e suas graças. Como o ramo unido ao tronco da árvore recebe abundante seiva e produz flores e frutos, assim a alma unida a Deus pela oração obtém os socorros de que necessita para nutrir a vida espiritual, produzir as flores dos bons desejos e os atos de santas virtudes. Além disso, a oração torna-nos vigilantes, atentos e fiéis às inspirações divinas; daí o progresso rápido das almas verdadeiramente piedosas, na humildade, abnegação, obediência, mansidão e outras virtudes.

Quem não reza não se santificará nem se salvará: “...quem reza, certamente se salva e quem não reza, certamente será condenado. Todos os bem-aventurados, exceto as crianças, salvaram-se pela oração. Todos os condenados se perderam, porque não rezaram. Se tivessem rezado, não se teriam perdido. E este é e será o maior desespero no inferno: o poder ter alcançado a salvação com facilidade, pedindo a Deus as graças necessárias. E, agora, esses miseráveis não têm mais tempo de rezar” (Santo Afonso Maria de Ligório).

Mas, seremos santificados somente pela oração? Não, é necessária a provação da paciência segundo o pensamento de São Tiago: “Bem-aventurado  o homem que suporta com paciência a provação!” (1, 12). A oração, diz também Santa Teresa, ajuda-nos a sofrer com paciência, mas é a paciência que termina a obra da nossa santificação. A doçura da contemplação, segundo Santo Afonso, desapega-nos do que é criado, mas não basta; é necessário o sofrimento para nos fazer morrer a nós mesmos. Queremos santificar-nos? Armemo-nos de coragem a fim de suportarmos sem queixa as provações interiores e exteriores que Deus nos envia.

É preciso perseverar até o fim, principalmente quando surgirem inúmeras dificuldades.

Quem retrocede condena-se voluntariamente a jamais atingir a meta: é um fraco, um vil, um desertor; enquanto deve o cristão ser forte, intrépido e perseverante.

Peçamos ao Senhor que nos dê paciência... paciência para enfrentarmos todas as provações com serenidade: Concedei-me, ó Deus eterno, ser constante, perseverante na virtude, a fim de que não volte para trás a olhar o arado, mas com perseverança siga o caminho da verdade. Feliz da alma que corre e consume a vida na verdadeira e santa virtude, porque neste mundo já goza do penhor da vida eterna!  

Peçamos a Ele paciência e perseverança: Ó Senhor, serei certamente salvo se perseverar até o fim, mas há de ser virtuosa esta perseverança, para merecer a salvação; de vós me vem a virtude que me salva; sois Vós que me fazeis perseverar até obter a salvação.

Santo Afonso Maria de Ligório escreve: “O dia compõe-se de luz e trevas; se houvesse somente dia ou constantemente noite, tudo pereceria na natureza; assim compreendemos que nossa vida deve ser um misto de consolações e dores, como a tela é um tecido de fios cruzados. Os santos, que conheciam o valor da oração, a ela se dedicaram, não em procura da própria satisfação, mas para agradar a Deus”.

Adolfo Tanquerey cita alguns meios para adquirir a perfeição: internos e externos.

 

I. Entre os meios internos, quatro se impõem à nossa atenção:

 

1.° O desejo da perfeição, que é o primeiro passo para  frente e nos dá o impulso necessário para triunfar dos obstáculos.

2.° O conhecimento de Deus e de nós mesmos: uma vez que se trata de unir a alma com Deus, quanto melhor se conhecerem estes dois termos, tanto mais fácil será aproximá-los. 

3.° A conformidade com a vontade divina, que, submetendo a nossa vontade à de Deus, é o sinal mais autêntico de amor e o meio mais eficaz de nos unir à fonte de toda a perfeição.

4.° A oração, considerada no sentido mais lato, como adoração e petição, mental ou vocal, privada ou pública; por ela unimos a Deus todas as nossas faculdades internas, memória e imaginação, entendimento, vontade, e até os nossos atos externos, enquanto exprimem o nosso espírito de oração.

 

II. Os meios externos podem também reduzir-se a quatro principais:

 

1.° A direção: assim como Deus instituiu uma autoridade visível, para governar externamente a sua Igreja, assim quis também que as almas no foro interno fossem conduzidas por um guia espiritual experimentado, que lhes possa fazer evitar escolhos, ativar e dirigir os esforços.

2.° Um regulamento de vida, que, aprovado pelo diretor, prolongue a sua ação nas almas.

3.° As conferências, exortações ou leituras espirituais que, bem escolhidas, nos põem em contato com a doutrina e exemplos dos Santos e nos arrastam em seu seguimento.

4.° A santificação das relações sociais de parentesco, amizade ou negócios, que nos permite orientar para Deus não somente os nossos exercícios de piedade, mas todas as ações e, sobretudo, os nossos deveres de estado.

“Jesus, meu adorável modelo, destes-me os mais tocantes exemplos de oração e resignação. Inspirai-me a força de seguir as Vossas pegadas. Quero doravante: 1.° Empregar todos os momentos livres na reflexão e na prece, a fim de aumentar em mim os desejos da minha santificação; 2.° Armar-me de coragem nas contrariedades para me calar e pedir-Vos interiormente a calma e a paciência” (Pe. Luís Bronchain).

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 06 de fevereiro de 2009

 

 

Bibliografia

 

Bíblia Sagrada

Pe. Luís Bronchain, Meditações para todos os dias do ano

Pe. Alexandrino Monteiro, Raios de Luz

Santo Afonso Maria de Ligório, A Oração

Adolfo Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística

Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina

Santo Agostinho, Comentário sobre o Salmo 139

Bem-aventurado José Allamano, A Vida Espiritual

Santa Catarina de Sena, Epistolário

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. "Sede perfeitos"

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