FAZEI TUDO PARA A GLÓRIA DE DEUS

(1 Cor 10, 31)

  

“Portanto, quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus”.

 

 

I. Efeitos perigosos da vanglória

 

A vanglória estraga tudo. Quantos, no fim da vida, depois de ter trabalhado muito, se encontrarão de mãos vazias! Dirão: “Como se explica isto, se labutamos tanto?” Sim, trabalhastes, mas não para Nosso Senhor. “Já receberam a sua recompensa” (Mt 6, 2).

Se trabalharmos sem pensar em Deus, sem oferecer-Lhe as nossas ações, não recolheremos nada ou quase nada; ao invés, se trabalharmos com Ele, unidos a Ele, por meio da reta intenção, conquistaremos grandes merecimentos.

 

Já ouviste falar do famoso Lamennais? Era jovem sacerdote. Tomou a caneta e escreveu, e o mundo inteiro saudou-o como novo e invencível defensor da Santa Igreja. Que estilo enérgico e brilhante!  Que lógica severa e contundente!  Que eloquência magnífica e vigorosa! Parecia que o gênio de Tertuliano se levantava  do túmulo  para condenar com  punção  de ferro os erros do século dezenove.

O Papa quis conhecer aquele jovem cuja fama mil trombetas apregoavam. Lamennais pôs-se a caminho. Ao atravessar a Suíça passou uma noite num convento de Padres Redentoristas, e  falou-lhes,  com  aquela  palavra  que  seduzia  e  fascinava,  de seus  planos   de   defesa   da   Igreja  Católica...   Ouviam-no  com assombro.

No  dia  seguinte,  depois  da partida  do  famoso  peregrino, o Reitor da Comunidade, que era um santo, perguntou a seus  religiosos:

— Que pensam os senhores desse jovem sacerdote?

— É um sábio, é um novo atleta da fé — responderam.

— Ai! — replicou o ancião, movendo tristemente a cabeça — um sábio, é verdade; mas me causa medo.

— Medo? De quê?

— De que se perca.      

— De que se perca?  Como assim?

E o santo religioso, em tom de profunda convicção, exclamou:

— Estuda muito, mas... não reza... não reza!

Alguns dias depois, Lamennais conversava com o Papa, o qual,  após  a entrevista, disse  aos  Cardeais:   “Que  homem! É uma inteligência de demônio!”

E  que  demônio!   Levantou  a  voz  contra  a  autoridade da Igreja, julgou-se mais sábio que o próprio Deus, e os raios da excomunhão   caíram-lhe   sobre   a   cabeça.   Retorceu-se   o  herege como Lúcifer, mas humilhar-se, nunca. Infeliz!

De sua sombria solidão lançava todos os dias aos quatro ventos páginas ímpias em que derramava todo o veneno de sua alma orgulhosa. Morreu como morreria Lúcifer, se a morte pudesse feri-lo com sua foice. “Não coloque sobre o meu túmulo uma cruz; pesa-me demasiado!” dizia agonizando.

 

Católico, a vanglória é um terrível veneno.

O profeta Eliseu mandou uma pobre viúva pedir emprestados aos vizinhos todos os vasos que pudesse e lhe disse que o pouco azeite ainda restante havia de correr tanto até enchê-los todos. Isto nos mostra que Deus quer corações que estejam bem vazios, para os encher de sua graça pela unção do seu espírito; e é de nossa própria glória que os devemos esvaziar.

Diz-se que um certo passarinho, por nome tataranho, tem uma virtude secreta, no seu grito e nos seus olhos, de afugentar as aves de rapina e crê-se ser esta a razão da simpatia que as pombas lhe dedicam. Assim nós também podemos dizer que a humildade é o terror de Satanás, o rei do orgulho, que ela conserva em nós a presença do Espírito Santo e de seus dons e que por isso foi tão apreciada dos santos e santas e tão querida dos Corações de Jesus e de sua Mãe.

Chamamos vanglória aquela que nos atribuímos ou por coisas que não estão em nós, de todo, ou por coisas que estão em nós, mas não são nossas, nem procedem de nós, ou por muitas outras que estão em nós, são nossas, mas não merecem que delas nos gloriemos. A nobreza do nascimento, o favor dos grandes, o aplauso do povo são coisas que estão fora de nós, em nossos antepassados ou na estima de outros homens; por que gloriarmo-nos disso? Há pessoas que se sentem grandes por causa de suas riquezas, de seus vestidos pomposos, do brilho da sua elegante equipagem, da beleza dos seus móveis, de seus cavalos; quem não vê nisso a loucura incrível dos homens? Muitos se comprazem duma maneira vã em si próprios, por ter belos cabelos, belos dentes ou belas mãos... Mas que baixeza de espírito e coração ir procurar a sua honra em coisas tão frívolas! Muitos outros encantam-se com sua pretensa beleza; outros, cheios de si por um pouco de ciência, unida a muita vaidade, tanto se ridicularizam, aos olhos daqueles por quem se querem fazer respeitar, que o nome de pedante é todo o louvor que recebem. Na verdade, tudo isso é vão, baixo e arrogante. Entretanto, é destas coisas que procede a vanglória.

O verdadeiro bem se conhece pela mesma prova que o verdadeiro bálsamo. Deste faz-se a prova em o destilando em água; se vai ao fundo, julga-se que é puro, finíssimo e dum grande valor; se fica à tona da água, conclui-se que é alterado e falsificado. Queres, pois, saber se certa pessoa é sábia, prudente, nobre e generosa? Examina se estas qualidades são acompanhadas da humildade, da modéstia e da submissão para com os seus superiores; se assim for, são verdadeiros bens; mas, se descobrires nela afetação de fazer aparecer o que tem por bem, julga que essa pessoa é superficial e que esses bens são tanto mais fúteis quanto mais os quer ostentar. As pérolas formadas numa estação de ventos tempestuosos e trovões só têm de pérola uma casca sem a substância; assim, todas as virtudes e as mais excelentes qualidades de um homem, que delas se ensoberbece, só têm uma aparência do bem, sem nenhuma solidez.

Com razão compara-se a honra ao açafrão, que se torna mais forte e mais abundante quando calcado aos pés. Uma pessoa que tem vaidade de sua beleza perde-lhe a glória; e outra que pouco se dá disso aumenta-lhe o brilho. A ciência que nos enche de nós mesmos desonra e degenera numa ridícula pedanteria.

Se desejamos sempre o primeiro lugar, a precedência e títulos, além de expormos as nossas qualidades ao exame e ao pesar de vê-las contestadas, fazemo-nos vis e desprezíveis; pois, assim como nada há de mais belo que o louvor espontâneo, também nada é mais feio que o que se exige, como um direito; é como uma linda flor, que não devemos tocar nem apanhar, se não queremos que murche. Diz-se que a mandrágora de longe exala um odor agradabilíssimo; mas quem a cheira de perto e por muito tempo respira uma essência maligna que causa modorra muito perigosa. Deste modo, a honra faz uma grave impressão em quem a recebe, como se apresenta, sem cobiça ou afeição; mas quem a procura e se afeiçoa a ela exala um cheiro maligno que sobe à cabeça e torna insensato e desprezível.

O amor e o desejo da virtude começam a nos fazer virtuosos; mas a paixão e a cobiça da glória começam a nos fazer desprezados. As almas grandes não se entretêm com essas bagatelas de primazia, distinções e cumprimentos; disto só se ocupam os espíritos mesquinhos e ociosos; aquelas empregam o seu tempo em coisas mais nobres.

Quem pode fazer um rico comércio de pérolas não faz caso das conchinhas; assim quem se entrega à prática das virtudes não tem desejos destas manifestações de apreço. É verdade que todos podem conservar o  posto honroso sem ofender a humildade, contanto que o façam sem afetação e contenda; pois como os que trazem do Peru navios carregados de ouro e prata, trazem também macacos e papagaios, porque o frete é tão insignificante como a carga, assim os que cultivam a virtude podem receber as honras que lhes são devidas, contanto que não exijam muita atenção e cuidado e que as inquietações ordinariamente anexas não encham a alma de seu peso.

Diz Santo Tomás de Aquino: “O orgulho é o amor desregrado do nosso valor pessoal ou da nossa própria excelência”. Procurar a estima dessa excelência junto às criaturas, eis a vanglória ou o amor desregrado do louvor. Esse vício é um veneno que tende a insinuar-se em todas as nossas ações, mesmo nas mais santas. Introduz-se, secretamente, nas potências da nossa alma, e atua sobre o nosso coração, os nossos pensamentos, nossa imaginação, mesmo antes que tenhamos tempo de notá-lo. Quantos pensamentos inúteis e nocivos não nos sugerem! Quantos méritos não nos roubam!

Por vezes, inebria certos homens a ponto de fazê-los esquecer os seus deveres mais essenciais. Quantas quedas profundas têm sido causadas pela vanglória! Ela mata como o verme que rói surdamente as raízes das árvores mais robustas e chega a dessecá-las, a dar-lhes a morte. Nem os próprios santos foram livres dos seus pérfidos assaltos. São Gregório Magno, ao escrever seus livros, notava, às vezes, diz ele, uma vã complacência a insinuar-se em seu coração, qual pérfida serpente. Santo Agostinho faz idêntica confissão.

Com grande cuidado, pois, devemos velar sobre nós mesmos, nós que somos tão fracos e sensíveis ao menor elogio. Quantas vezes somos expostos a pecar: 1.° Por jactância, gabando-nos ou louvando nossas boas qualidades, talentos e ações; 2.° Por singularidade, distinguindo-nos dos outros para provocar o assombro ou a admiração; 3.° Por hipocrisia, com atos falsos ou pouco sinceros, para captar a estima e a benevolência! Esses três efeitos, segundo Santo Tomás de Aquino, nascem diretamente da vanglória. Há mais quatro que dela dimanam indiretamente; são: a teimosia que não quer ceder aos outros; a discórdia que recusa renunciar-se por amor da paz; a contenda que se obstina a prevalecer pela disputa; a desobediência que se envergonha de submeter-se a outrem.

 

II.  Remédios para a vanglória

 

O primeiro remédio é considerar amiúde o nosso nada, os nossos defeitos e a nossa miséria, e quão pouco merecemos a estima e o louvor das criaturas: “Que coisa possuís que não tenhais recebido de Deus? E se a tendes recebido, por que vos gloriais como se a tivésseis de vós mesmos?” (1 Cor 4, 7). Não é isso uma injustiça de ridícula pretensão? “Se as nuvens se gloriassem da chuva que nos dão, quem não se riria?” (São Bernardo de Claraval).

Aliás, de que nos servem os juízos humanos? “Torna-se alguém mais estimado, somente porque os homens o têm em alta opinião? Cada qual é na realidade o que é diante de Deus. Os que o louvam são como o nada, cegos, fracos e mortais como nós. De que nos adiantam, pois, os seus elogios que passam como os sons das suas palavras?” (Tomás de Kempis).

É preciso referir tudo a Deus, reconhecendo que Ele é o autor de todo bem e que, sendo o primeiro princípio das nossas ações, deve ser o seu último fim.

Como, porém, a nossa natureza nos leva constantemente a buscar-nos a nós mesmos, é necessário para reagir contra esta tendência, lembrar-nos que de nós mesmos não somos mais que nada e pecado. Há em nós, sem dúvida, boas qualidades naturais e sobrenaturais, que soberanamente devemos estimar e cultivar; mas, como estas qualidades vêm de Deus, não é porventura a Deus que por causa delas devemos glorificar?

De nós mesmos, não temos mais que o nada: O que éramos  de toda a eternidade; e o ser, de que Deus nos revestiu, não é de nós, é de Deus: e, posto que nos tenha sido dado, não cessa contudo de ser ainda dom de Deus, pelo qual quer ser honrado.

De nós mesmos somos pecado, neste sentido, que pela concupiscência tendemos para o pecado, de tal modo que, segundo Santo Agostinho, se não cometemos certos pecados, é à graça de Deus que o devemos.

Ainda mais, comprazendo-nos nos louvores, cometemos injustiça contra Deus e contra nós mesmos. Contra Deus, cuja glória roubamos; contra nós, cujos méritos subtraímos. Jesus diz: “Não façais as vossas ações diante dos homens para deles serdes vistos; do contrário não recebereis recompensa alguma de vosso Pai que está nos céus” (Mt 6, 1); teremos somente a dos escribas e fariseus, isto é, os vãos louvores das criaturas, e de que servirão eles, se Deus nos reprovar? Virão os nossos aduladores defender-nos diante do divino tribunal, desculpar-nos quando Ele nos acusar, e absolver-nos, quando Ele nos condenar? Eles serão os primeiros a censurar a nossa fraqueza, a nossa loucura e a maldizer-nos na eternidade.

“Jesus e Maria, fazei-me compreender que a vanglória é uma paixão cega que me causa, todos os dias, imenso mal; proponho-me combatê-la com cuidado: 1.° Meditando os motivos que me persuadem a odiá-la; 2.° Purificando as minhas intenções, para banir todo o respeito humano, todo o desejo de ser estimado, toda complacência comigo mesmo, a fim de glorificar e contentar somente o Coração do Pai celestial, a quem pertencem a honra de toda obra boa, perfeita e justa, e mesmo de todo pensamento meritório” (Pe. Luís Bronchain).

Rezemos, todos os dias, a Ladainha da Humildade. Ladainha que o Bem-aventurado Columba Marmion e o Servo de Deus, o Cardeal Merry Del Val, entre outros, costumavam recitar frequentemente.

 

Senhor, tende piedade de nós

Cristo, tende piedade de nós               

Senhor, tende piedade de nós 

            

Jesus, manso e humilde de coração, ouvi-nos

Jesus, manso e humilde de coração, atendei-nos

Jesus, manso e humilde de coração, fazei o nosso coração semelhante ao Vosso.

 

Do  desejo de ser estimado, livrai-me, Jesus!

Do  desejo de ser amado, livrai-me, Jesus!

Do  desejo de ser buscado, livrai-me, Jesus! 

Do  desejo de ser louvado, livrai-me, Jesus!

Do  desejo de ser honrado, livrai-me, Jesus!

Do  desejo de ser preferido, livrai-me, Jesus!

Do  desejo de ser consultado, livrai-me, Jesus!

Do  desejo de ser aprovado, livrai-me, Jesus!

Do  desejo de ser adulado, livrai-me, Jesus!

 

Do  temor de ser humilhado, livrai-me, Jesus!

Do  temor de ser desprezado, livrai-me, Jesus!

Do  temor de ser rejeitado, livrai-me, Jesus!

Do  temor de ser caluniado, livrai-me, Jesus!

Do  temor de ser esquecido, livrai-me, Jesus!

Do  temor de ser ridicularizado, livrai-me, Jesus!

Do  temor de ser escarnecido, livrai-me, Jesus!

Do  temor de ser injuriado, livrai-me, Jesus!

 

Que os outros sejam mais amados do que eu: Ó Jesus, concedei-me a graça de desejá-lo!

Que os outros sejam mais estimados do que eu: Ó Jesus, concedei-me a graça de desejá-lo!

Que os outros possam crescer na opinião do mundo e que eu possa diminuir: Ó Jesus, concedei-me a graça de desejá-lo!

Que aos outros seja concedida mais confiança no seu trabalho e que eu seja deixado de lado: Ó Jesus, concedei-me a graça de desejá-lo!

Que os outros sejam louvados e eu esquecido: Ó Jesus, concedei-me a graça de desejá-lo!

Que os outros possam ser preferidos a mim em tudo: Ó Jesus, concedei-me a graça de desejá-lo!

Que os outros possam ser mais santos do que eu, contanto que eu pelo menos me torne santo como puder: Ó Jesus, concedei-me a graça de desejá-lo!

 

Ó Maria, Mãe dos humildes, rogai por nós!

São José, protetor das almas humildes, rogai por nós!

São Miguel,  que fostes o primeiro a lutar contra o orgulho e o primeiro a abatê-lo, rogai por nós!

Ó justos todos, santificados a partir do espírito de humildade, rogai por nós!

 

Ó Deus que, através do ensinamento e do exemplo do Vosso Filho Jesus, apresentastes a humildade como chave que abre os tesouros da graça e como fundamento de todas as outras virtudes - caminho certo para o Céu - concedei-nos, por intercessão da Bem-Aventurada Virgem Maria, a mais humilde e a mais santa de todas as criaturas, aceitar agradecendo todas as humilhações que a Vossa Divina Providência nos oferecer. Por Nosso Senhor Jesus Cristo que convosco vive e reina na unidade do Espírito Santo. Amém.

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 07 de fevereiro de 2009

 

 

Bibliografia

 

Bíblia Sagrada

Pe. Luís Bronchain, Meditações para todos os dias do ano

Tomás de Kempis, Imitação de Cristo

São Francisco de Sales, Introdução à Vida Devota

Adolfo Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística

Pe. Francisco Alves, Tesouro de Exemplos

J. J. Olier, Cat. chrét., P., leç. XV

Bem-aventurado José Allamano, A Vida Espiritual

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. "Fazei tudo para a glória de Deus"

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