TOCOU-LHE A LÍNGUA

(Mc 7, 31-37)

 

31 Saindo de novo do território de Tiro, seguiu em direção do mar da Galiléia, passando por Sidônia e atravessando a região da Decápole. 32 Trouxeram-lhe um surdo que gaguejava, e rogaram que impusesse as mãos sobre ele. 33 Levando-o a sós para longe da multidão, colocou os dedos nas orelhas dele e, com saliva, tocou-lhe a língua. 34 Depois, levantando os olhos para o céu gemeu, e disse Effatha, que quer dizer ‘Abre-te!’ 35 Imediatamente se lhe abriram os ouvidos e a língua se lhe desprendeu, e falava corretamente.   36 Jesus os proibiu de contar o que acontecera; quanto mais o proibia, tanto mais eles o proclamavam. 37 Maravilhavam-se sobremaneira, dizendo: ‘Ele tem feito tudo bem; faz tanto os surdos ouvirem como os mudos falarem”.  

 

 

Edições Theologica comenta esse trecho da Palavra de Deus.

Com alguma frequência aparece na Sagrada Escritura a imposição das mãos como gesto para transmitir poderes ou bênçãos (cfr Gn 48, 14ss.; 2 Rs 5, 11; Lc 13, 13). De todos é conhecido que a saliva tem certa eficácia para aliviar feridas leves. Os dedos simbolizavam na linguagem da Revelação uma ação divina poderosa (cfr Sl 8, 4; Lc 11, 20). Jesus, pois, emprega sinais que têm certa conaturalidade em relação com o efeito que se pretende produzir, ainda que, como vemos pelo texto, o efeito – a cura imediata do surdo-mudo – exceda completamente o sinal empregado.

No milagre do surdo-tartamudo podemos encontrar, além disso, uma imagem da atuação de Deus nas almas: para crer é necessário que Deus abra o nosso coração a fim de que possamos escutar a Sua palavra. Depois, como os Apóstolos, poderemos anunciar com a nossa língua as magnalia Dei, as grandezas divinas (cfr At 2, 11). Na Liturgia da Igreja (cfr o hino Veni Creator) o Espírito Santo é comparado ao dedo da mão direita de Deus Pai (Digitus paternae dexterae). O Consolador realiza nas nossas almas, na ordem sobrenatural, efeitos comparáveis aos que Cristo realizou no corpo do surdo-tartamudo.

 

Católico, existem muitas pessoas que são “mudas”, isto é, vivem mergulhadas nas trevas do pecado e não pedem a Deus que as tirem dessa lama; não sejamos indiferentes, mas peçamos ao Senhor que as ajudem: “Como o surdo-mudo  não podia falar, pediram por ele naturalmente os amigos e parentes. Assim devemos fazer com relação às almas que desejamos converter. É preciso rezar por elas, porque não sabem rezar. É preciso levá-las a Jesus, recomendando-as à sua infinita misericórdia” (Dom Duarte Leopoldo).

Este homem é a imagem do pecador endurecido “que recusa ouvir  os preceitos e os conselhos paternais de Deus, que se cala para não confessar os seus pecados ao ministro das misericórdias do Senhor. Como a confissão é secreta, Jesus retira o surdo-mudo do meio da multidão e o toma à parte” (Idem.).

Católico, a confissão é o sacramente “da alegria e da paz” (São Josemaría Escrivá); cuidado para não se aproximar de sacerdotes que abusam desse sacramento: “A mim me aconteceu tratar de assuntos de consciência com um (confessor) que tinha todo o curso de teologia, e me fez bastante mal, dizendo que certas faltas não tinham importância... Aconteceu-me com outros dois ou três o mesmo” (Santa Teresa de Jesus, Caminho de perfeição, Cap. 5, 3).

Infeliz do sacerdote que trai a confiança do penitente e revela os seus pecados ao próximo: “O sigilo sacramental é inviolável; por isso, não é lícito ao confessor revelar o penitente, com palavras ou de qualquer outro modo, por nenhuma causa” (Código de Direito Canônico, Cân. 983 – 1); sem dúvida, ele será castigado por Deus.

É preciso tomar muito cuidado com sacerdotes tagarelas e vazios.

Um sacerdote renegado, excomungado e apóstata, anunciou que, no teatro Lírico de Santiago do Chile, revelaria os mais interessantes segredos de confissão dos tempos de seu sagrado ministério. Era 18 de maio de 1905.

No momento exato em que o desgraçado ia abrir a boca para começar a falar, desabaram estrepitosamente as galerias do teatro, ficando sepultadas debaixo de suas ruínas 600 pessoas. Assim Deus os castigou, não permitindo que se violasse o segredo da Confissão.

 

O surdo-mudo do Evangelho representa um grande número de almas pecadoras. Essas almas não ouvem a Palavra de Deus, não sabem mais falar a Deus, nem falar de Deus, e são mudas porque são surdas: “Como se formou esta surdez? Pelo orgulho. Cheias de si mesmas, dos seus pensamentos e da sua ciência, não querem ouvir a Deus nem aos homens de Deus. E o Demônio, que as entretém nesta surdez espiritual, as torna também mudas para que não falem a Deus. Como poderiam elas rezarem, se não sentem a necessidade da oração? Como poderiam proferir uma palavra de fé, se não têm pensamento de fé? Só Jesus as pode curar, só Jesus pode fazer que elas ouçam e falem. É preciso, pois, lavá-las a Jesus. O Divino Mestre as tocará com o dedo, isto é, com a graça do Espírito Santo que é o dedo de Deus; ungindo-as com a sua saliva, lhes dará a sabedoria e o gosto das coisas de Deus. E depois, levantando os olhos para o céu, isto é, rezando por elas, pronunciará o Effatha, que quer dizer – Abre-te! Jesus por onde passa, vai abrindo tudo; abre as consciências, abre os corações, abre as torrentes da graça, e, no último dia, nos abrirá as portas da eternidade” (Dom Duarte Leopoldo).

 

Esse trecho da Palavra de Deus é comentado pelo Pe. Francisco Fernández-Carvajal.

O trecho do Evangelho narra a cura de um surdo-mudo. O Senhor levou-o a um lugar à parte, pôs os dedos nos seus ouvidos e tocou-lhe a língua com saliva. Depois olhou para o céu e disse: “Effatha”, que quer dizer, “abre-te”. E imediatamente se lhe abriram os ouvidos e se lhe soltou a prisão da língua, e falava claramente.

Os dedos significam a poderosa ação divina, e a saliva evoca a eficácia que lhe era atribuída  para aliviar as feridas. Ainda que a cura tenha resultado das palavras de Cristo, o Senhor quis utilizar nesta ocasião, como, aliás, em outras, elementos materiais visíveis para dar a entender de alguma maneira a ação mais profunda que os sacramentos iriam efetuar nas almas. Desde os primeiros séculos e durante muitas gerações, a Igreja serviu-se desses mesmos gestos do Senhor para administrar o Batismo, enquanto rezava sobre a criança que era batizada: O Senhor Jesus, que fez ouvir os surdos e falar os mudos, te conceda que a seu tempo possas escutar a sua Palavra e proclamar a fé.

Nesta cura que o Senhor realizou, podemos ver uma imagem da sua ação nas almas: ela livra o homem do pecado, abre-lhe os ouvidos para que escute a Palavra de Deus e solta-lhe a língua para que louve e proclame as maravilhas divinas. É uma ação que tem início no momento do Batismo – por intervenção do Espírito Santo, Digitus paternae dexterae, o dedo da destra de Deus Pai, como o chama a liturgia -, mas que se prolonga pelo resto da nossa vida.

Santo Agostinho, ao comentar esta passagem do Evangelho, diz que a língua de quem está unido a Deus “falará do bem, porá de acordo os que estão desavindos, consolará os que choram... Deus será louvado, Cristo será anunciado”. É o que faremos se tivermos o ouvido atento às contínuas moções do Espírito Santo e a língua preparada para falar de Deus sem respeitos humanos.

Existe uma surdez da alma que é pior que a do corpo, porque não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir. São muitos os que têm os ouvidos fechados à Palavra de Deus, e são também muitos os que se vão endurecendo cada vez mais ante as inúmeras chamadas da graça. O nosso apostolado paciente, tenaz, cheio de compreensão, acompanhado de oração, fará com que muitos dos nossos amigos ouçam a voz de Deus e se convertam em novos apóstolos que a apregoem por toda a parte.

Não podemos ficar mudos quando devemos falar de Deus e da sua mensagem sem constrangimento algum, antes vendo nisso um título de glória. 

Os motivos para falar da fé, da alegria incomparável de possuir a verdade de Cristo são muitos. Mas dentre todos eles destaca-se a responsabilidade recebida no Batismo de não deixar que ninguém perca a fé ante a avalanche de idéias e de erros doutrinais e morais que inunda o mundo e perante os quais muitos se sentem indefesos.    

São Josemaría Escrivá escreve: “Os inimigos de Deus e da Igreja, manipulados pelo ódio imperecível de Satanás, mexem-se e organizam-se sem tréguas. Com uma constância ‘exemplar’, preparam os seus quadros, mantêm escolas, dirigentes e agitadores, e, com uma ação dissimulada – mas eficaz -, propagam as suas idéias e levam – aos lares e aos lugares de trabalho - a sua semente destruidora de toda a ideologia religiosa”.

Não permaneçamos impassíveis diante dos perseguidores, mas sejamos fortes e corajosos.

Santo Agostinho aconselha-nos: “Se amais a Deus, atraí para que o  amem todos os que se reúnem convosco e todos os que vivem na vossa casa. Se    amais o Corpo de Cristo, que é a unidade da Igreja, estimulai a todos para que gozem de Deus e dizei-lhes com Davi: Engrandecei comigo o Senhor e louvemos todos juntos o seu santo nome; e nisto não sejais parcos nem tímidos, mas conquistai para Deus todos os que puderdes e por todos os meios possíveis, conforme a vossa capacidade, exortando-os, suportando-os, suplicando-lhes,  conversando com eles e falando-lhes com toda a mansidão e suavidade da razão de ser das coisas que dizem respeito à fé”. Não fiquemos calados quando tantas são as coisas que Deus quer dizer através das nossas palavras.

 

O Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena comenta Mc 7, 31-37.

O Evangelho apresenta a execução das promessas messiânicas. As prodigiosas curas de Jesus arrancam da multidão o grito: “Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem”. Tais milagres atestam não serem as profecias palavras vãs, e ao mesmo tempo eles são “sinais” de outra obra mais profunda de salvação: a renovação do homem em seu íntimo. São “sinais” do perdão dos pecados, da graça, da vida nova comunicada por Cristo. Em particular, a cura do surdo-mudo narrada no Evangelho foi assumida, desde os primórdios da Igreja, como símbolo do batismo em cujo rito se repete o gesto de Jesus – o toque no ouvido e na boca – enquanto suplica o celebrante: “O Senhor Jesus que fez ouvirem os surdos e falarem os mudos te conceda ouvir pressuroso sua palavra e professar tua fé” (Batismo de crianças). Libertando o homem do pecado, abre-lhe o batismo os ouvidos para escutar a palavra de Deus; e a língua para confessar e louvar o Senhor. Se a surdez, a mudez física e tantas outras doenças continuam a afligir a humanidade, o cristão regenerado em Cristo já não é interiormente surdo nem mudo, nem cego ou coxo; é seu espírito aberto à fé, e capaz de conhecer a Deus e de correr pelos seus caminhos. 

 

  

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 02 de setembro de 2009

                   

         

Vide também:

Abre-te!

        

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Tocou-lhe a língua”

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