AS ENFERMIDADES
(Jó 2, 10)

 

“... se recebemos de Deus os bens, não deveríamos receber também os males?”

 

 

I. As enfermidades são favoráveis

 

Não nos revoltemos contra as enfermidades, mas as suportemos por amor a Deus, por maiores e dolorosas que sejam: “Se a ocasião exigir, o homem sábio aceitará prontamente as enfermidades do corpo e até mesmo o oferecerá à morte, por amor a Cristo... Este homem não é afetado em espírito nem sucumbe às dores do corpo caso sua saúde titubeie. Ele é consolado por sua batalha nas virtudes, rumo à perfeição” (Santo Ambrósio), e: “Não devemos temer nenhum mal humano salvo o pecado; nem a pobreza, nem as doenças, nem os insultos, nem as malícias e nem a morte” (São João Crisóstomo).

CALVÁRIO DE UMA MÃE    

Foi sempre boa aquela senhora. Nascera na pobreza e nos trabalhos dos campos passara os anos da juventude. Quando estava para completar vinte e cinco anos casou-se com um moço bom como ela, e, como ela, lavrador de pobres campos, que era toda a sua fazenda.

Tiveram cinco filhos: três meninos e duas meninas. Estavam todos ainda na infância, quando morreu o pai. A pobre viúva pôs a sua confiança naquele Senhor que nos livros sagrados se chama a si mesmo “consolo e amparo das viúvas”. E não esperou em vão. Trabalhou muito a pobre mãe; mas afinal teve a consolação de ver que seus filhos cresciam fortes e bons. Naquela casa não faltava o pão ganho com o trabalho honesto e comido em paz e graça de Deus.

O mais velho dos filhos disse um dia à mãe: “Mãe, vou a N. para ver se ganho algum dinheiro para nós”. Foi a N. e, poucos dias depois de lá chegar, morreu.

Disse o segundo filho: “Mãe, eu não vou a N.; vou à capital à procura de uma colocação para que não tenhas de trabalhar tanto”. E foi à Capital; mas apenas lá chegou, pereceu num incêndio.

O terceiro filho disse um dia à mãe: “Mãe, eu não vou nem a N. nem à Capital; ficarei em casa cultivando nossos pobres campos. Deus jamais nos negará um pedaço de pão”. E um dia subiu a um morro em companhia de um amigo; e este, ao experimentar uma arma, sem querer desfechou-lhe um tiro e o matou; e o pobre ali ficou no meio do caminho estendido e banhado no próprio sangue.

A filha mais velha, derramando lágrimas sobre os finados irmãos, disse à mãe: “Mãe, que pecado teremos cometido para que Deus no prove tanto? Vou para o convento”. E para o convento foi; e oito dias depois a levaram ao cemitério.

Por fim, a última filha, que contaria uns dezesseis anos, disse à mãe: “Mãe, não chores; enquanto eu viver, não te faltará um pedaço de pão. Vou para a cidade aprender costura e corte”. E foi para a cidade; mas, no primeiro motim comunista, uma bala perdida varou-lhe a cabeça e ela caiu morta.

A mãe não tinha mais lágrimas nos olhos. Inclinava a cabeça, chorava e rezava. Por fim, ficou doente, acamou-se, onde, durante anos, dores horríveis não lhe deram descanso. Contudo, a providência divina não a desamparou: nunca faltaram almas boas que cuidassem dela.

Um missionário, que por ali pregava, foi um dia visitá-la. Sentou-se à cabeceira e ela contou-lhe a sua trágica história. Quando terminou, chorava e soluçava.

- Filha – disse-lhe o Padre Missionário – estás agora conformada com a vontade de Deus?

- Padre – respondeu – já sou velha; já completei oitenta e quatro anos. Oitenta e quatro anos, Padre, dizendo muitas vezes ao dia: “Faça-se a sua vontade, assim na terra como no céu”.

Virou a cabeça e fixou o crucifixo pendurado à parede. Era ele a sua esperança.

Aí tendes uma mulher simples, uma mulher camponesa, que aprendeu, na sua fé e no seu amor a Deus, a lição dificílima da paciência e da conformidade nas penas e dores da vida.

 

Os santos consideram sempre as enfermidades como insignes favores: “Se conhecêssemos o tesouro nelas oculto, aceitá-las-íamos como favores” (São Vicente de Paulo).

São Francisco de Assis estava uma vez atacado de vivas dores; o irmão assistente disse-lhe compadecido: “Pai, pedi a Deus que vos trate com mais brandura, porque a sua mão parece pesar demais sobre vós”. A estas palavras, o santo levantou-se do leito, pôs-se de joelhos, beijou a terra, e, dando graças a Deus, protestou, dizendo serem as enfermidades benefícios inapreciáveis.

Católico, você possui semelhante sentimento quando Deus te prova por alguma dor ou enfermidade corporal? É preciso agir com paciência diante das enfermidades... é preciso ter paciência na dor: “Todos os santos foram mártires ou pela espada ou pela paciência. Nós podemos ser mártires sem a espada, se guardarmos a paciência” (São Gregório Magno), e: “Todas as chagas do redentor são outras tantas palavras que nos ensinam como devemos sofrer por ele. Esta é a sabedoria dos santos, sofrer constantemente por Jesus; assim ficaremos logo santos” (São Francisco de Sales).

Infeliz do católico que se revoltar diante das enfermidades; esse viverá em contínua amargura. Diante dos sofrimentos é preciso fazer jorrar do coração a prece de Santo Agostinho: “Senhor, faze-me sentir toda a tua dor e todo o amor que experimentaste na tua paixão: toda a dor, para que eu aceite toda a minha dor neste mundo; e todo o amor para que eu recuse todo amor mundano”.

A oração atrai para nós, sem dúvida, as bênçãos celestes. Mas que melhor oração podemos fazer do que a de resignação nos sofrimentos? A paciência, mais do que a oração, faz violência ao Coração divino. Por que, pois, atormentarmos o espírito quando a enfermidade nos impede de ir à igreja, de assistir a missa e de comungar? Obteremos mais socorros espirituais resignando-nos à vontade divina do que exercendo as devoções que nos agradam: “É mais perfeito carregar corajosamente a cruz, do que abundar em boas obras” (São Boaventura), e: “Nas doenças procuremos resignar-nos inteiramente à vontade do Senhor; com isso  agradar-lhe-emos mais do que com qualquer outra prática de piedade. Se   então não pudermos meditar, olhemos para o crucifixo e ofereçamos a Jesus nossos sofrimentos em união com os que ele sofreu por nós na cruz” (Santo Afonso Maria de Ligório).

Os sofrimentos corporais são ocasiões contínuas de merecimentos. O Pe. Abaltasar Álvares viu um dia a grande recompensa preparada no céu a uma boa religiosa que suportara resignadamente uma enfermidade. Afirmou haver ela merecido mais em oito meses de dores físicas do que outras almas fervorosas em vários anos de ações santas. A dor, com efeito, faz-nos morrer aos nossos vícios e nos impulsiona a exercer as mais elevadas virtudes.

“Meu Deus, dai-me o amor ao sofrimento, que é bem mais precioso do que todos os tesouros da terra. Por um momento de pena, mereço uma eternidade de alegrias; por uma gota de amargura, um oceano de delícias inefáveis. Preservai-me da desgraça de ser delicado nas enfermidades, queixoso e falto de resignação e coragem. Inspirai-me, ao contrário, a paciência e a calma que convém aos vossos servos, verdadeiros discípulos de Jesus Cristo crucificado” (Pe. Luis Bronchain).

II. Meios de aproveitar as enfermidades

 “É o Senhor quem tira a vida e a dá, leva à habitação dos mortos e tira dela” (1 Rs 2, 6), e: “Tem o poder de vida e de morte” (Sb 16, 13). Certos doentes, esquecidos destas máximas, caem no abatimento, porque, em vez de elevar a Deus, causa primária de todas as coisas, atribuem seus males a mil causas parciais e secundárias, perdem de vista a verdade de que tudo sucede pela vontade ou pela direção sapientíssima e santíssima daquele que procura tão somente a nossa salvação.

Foi pelo sofrimento que Jesus operou a nossa Redenção. Colocaram uma vez nas mãos de um enfermo a imagem de Jesus crucificado, aconselhando-lhe que pedisse a sua cura. “Como quereis, respondeu ele, que eu peça para descer da cruz, vendo nela pregado o meu Redentor? Ah! Prefiro sofrer com Ele que tanto sofreu por mim”.

Meditando as dores e o amor de Jesus na sua paixão, poderemos facilmente resignar-nos nas enfermidades espirituais; longe de desejarmos a libertação delas, sentir-nos-emos felizes de poder uni-las aos tormentos do Homem-Deus e assim participar de seus méritos: “Antes, na medida em que participais dos sofrimentos de Cristo, alegrai-vos, para que também na revelação da sua glória possais ter uma alegria transbordante” (1 Pd 4, 13), e: “Jesus Cristo, nosso irmão mais velho, suportou tribulações infinitas: a fadiga, o desprezo, a calúnia, a traição, a flagelação, os escarros e a cruz. Quem foi que o sustentou no atroz martírio? Quem foi que lhe deu ânimo para beber até às últimas gotas o cálice amaríssimo? Foi o pensamento de que aquele cálice quem lho dava de beber era seu Pai” (Pe. João Colombo).

A esperança do céu é mais um motivo: “Devemos entrar no reino de Deus por meio de muitas tribulações” (At 14, 21). A última enfermidade, entre outras, como foi mostrado a Santa Lidvina, remata a coroa preparada para cada um de nós na assembleia dos eleitos. Se sofrermos, pois, pacientemente, com Jesus, neste vale de misérias e de lágrimas, seremos felizes com Ele na mansão da glória e das delícias: “Se com ele sofremos, com ele reinaremos” (2 Tm 2, 12).

Católico, quão animador é este pensamento no meio dos cansaços, desgostos e privações causadas pelas enfermidades corporais! É de molde a mover-nos a mortificar o nosso temperamento, a abafar as queixas e as tristezas, e a dar-nos assim a força de nos submetermos às prescrições dos médicos e de nos mostrarmos reconhecidos para com todos os que nos prestam serviços. Tomemos, pois, a resolução: 1. De não falar de nossas dores físicas senão aos encarregados de curá-las; 2. De oferecê-las ao Pai em união com as de Jesus, de Maria Santíssima e dos mártires, e de suplicar-Lhe instantemente uma paciência perfeita para torná-las salutares à nossa alma, aos fiéis defuntos e aos infelizes pecadores, sobretudo aos que estão em agonia.

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 16 de novembro de 2009

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

São Gregório Magno, Homilia

São Francisco de Sales, Escritos

Santo Agostinho, Escritos

São Boaventura, Escritos

Santo Afonso Maria de Ligório, A prática do amor a Jesus Cristo

Pe. Francisco Alves, Tesouro de exemplos

Santo Ambrósio, Escritos

Pe. Luis Bronchain, Meditações para todos os dias do ano

Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as Festas do     Senhor e dos Santos

 

 

 
 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “As enfermidades”
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