SENHOR, NÃO SOU DIGNO (Mt 8, 8)
“Senhor, não sou digno de receber-te sob o meu teto; basta que digas uma palavra e o meu criado ficará são”.
Quando Jesus Cristo entrou em Cafarnaum, o servo do Centurião estava mal. Se o Centurião fosse hebreu, logo teria recorrido ao grande médico que já ressuscitara a filha de Jairo e curara muitos doentes; mas ele era um pagão e não ousava. Contudo, no seu coração uma força ignota (não conhecida) impelia-o para Nosso Senhor Jesus Cristo, porque só Ele podia consolá-lo. Tendo conhecido o desejo e o temor que agitavam a alma do bom Centurião que à sua custa, e embora sendo estrangeiro, edificara uma bela sinagoga, os anciãos do povo ofereceram a sua mediação e foram ter com Jesus Cristo. Sem se fazer muito rogado, o Salvador consentiu em segui-los. Mas, quando o Centurião soube que Jesus vinha à sua casa, perturbou-se e, logo lhe enviando outros amigos, mandou-lhe dizer assim: “Senhor, não sou digno de receber-te sob o meu teto; basta que digas uma palavra e o meu criado ficará são. Com efeito, também eu estou debaixo de ordens e tenho soldados sob o meu comando, e quando digo a um ‘Vai!’, ele vai, e a outro ‘Vem!’, ele vem; e quando digo ao meu servo: ‘Faze isto’, ele o faz” (Mt 8, 8-9). Edições Theologica comenta: “Centurião’: Oficial do exército romano que tinha o comando sobre cem soldados. A fé exemplar deste homem atravessou os tempos. No momento solene em que o cristão vai receber o próprio Jesus na Santíssima Eucaristia, a Liturgia da Igreja, para avivar a fé, põe na sua boca e no seu coração precisamente as palavras do centurião de Cafarnaum: ‘Senhor, não sou digno...’ Segundo a mentalidade israelita da época, o fato de um judeu entrar na casa de um gentio levava consigo contrair a impureza legal (cfr Jo 18, 28; At 11, 2-3). O centurião tem a atenção de não colocar Jesus numa situação incômoda diante dos Seus concidadãos. Manifesta a sua firme convicção de que a doença está submetida a Jesus. Daí que proponha dar uma simples ordem, uma só palavra, que produzirá o efeito desejado, sem necessidade de entrar em sua casa. O raciocínio do centurião é simples e convincente, tomado da sua própria experiência profissional”. Católico, que belo caráter de homem é este Centurião! De uma parte ele sentia a necessidade de Jesus Cristo para não deixar morrer com dor atroz aquele servo que lhe era precioso como um filho; e, de outra, tremia ao pensamento de ver a Deus com seus olhos impuros, de lhe falar com a sua boca profanada por tantas palavras não justas, não boas; de recebê-Lo na sua casa onde talvez estivesse colocado nos nichos algum ídolo: “O centurião, persuadido de que bastava uma palavra de Cristo, ainda dita à distância, para curar o seu servo, pronuncia estas admiráveis palavras, cheias de fé, humildade e reverência. Implicitamente se confessa pecador, e por isso indigno de que Cristo, santíssimo como o manifestava em sua vida e na sua doutrina, entrasse na casa de um pagão” (Pe. Juan Leal). Estes devem ser os sentimentos de todos os católicos diante de Jesus Sacramentado. O desejo e a necessidade devem impelir-nos continuamente a Ele; o temor de recebê-Lo indignamente deve fazer-nos tremer todas as vezes antes de tocarmos a sagrada mesa. Quem não come deste Pão não tem a vida; mas quem d’Ele come sem estar preparado terá a morte: “Por conseguinte, que cada um examine a si mesmo antes de comer desse pão e beber desse cálice” (1 Cor 11, 28).
Em Berna, em 1287, alguns hebreus deliberaram surpreender e ter nas suas garras um filho de católicos, no qual desafogassem a raiva diabólica que os cozia. Um deles espreitou e atraiu, com dons, da estrada para sua casa, um tenro e cândido jovem de nome Rodolfo, sem que ninguém o percebesse. Bem depressa o conduziu a uma cantina profunda, escura e suja, onde o menino, espavorido, prorrompeu em pranto. Não houve piedade: com um punhal ele o espetou em todas as partes, até que o mísero acabou de destilar sangue e de viver. Quando o bestial algoz tornou a subir, à luz do sol reparou que suas mãos e vestes estavam tintas de sangue. Logo correu a lavar-se, mas, depois de reiteradas lavagens, percebeu que era trabalho inútil: o sangue inocente enrubescia-lhe a mão e a face. Semelhante a este é o crime do homem sacrílego. Não um menino qualquer, porém, o Filho da Virgem Maria é que ele atrai à escura e suja cantina do seu coração. Vai-lhe ao encontro com o sorriso nos lábios, com as mãos postas, no meio de pessoas amigas; e depois, quando O recebe, torna-se réu do Corpo e do Sangue de um Deus.
DESEJO E TEMOR DA SAGRADA COMUNHÃO
1. Desejo da Comunhão para obter a força de suportar as tribulações e as fadigas.
Em Josué 3, 14-17 diz: “Ora, quando o povo deixou suas tendas para passar o Jordão, os sacerdotes que levavam a Arca da Aliança estavam à frente do povo. Assim que os transportadores da Arca chegaram ao Jordão e que os pés dos sacerdotes que transportavam a Arca se molharam nas bordas das águas – pois o Jordão transborda pelas suas margens durante toda a ceifa - , as águas que vinham de cima pararam e formaram uma só massa a uma grande distância, em Adam, cidade que fica ao lado de Sartã; ao passo que as águas que desciam em direção ao mar de Arabá, o mar Salgado, ficaram inteiramente separadas. O povo atravessou defronte de Jericó. Os sacerdotes que transportavam a Arca da Aliança de Deus detiveram-se no seco, no meio do Jordão, enquanto todo o Israel passava pelo seco, até que toda a nação acabou de atravessar o Jordão”. Católico, também nós devemos atravessar o rio violento da vida: são as águas da labuta cotidiana, são as águas das tribulações que neste mundo se sucedem sem nunca acabar, são as águas das doenças que nos ferem a nós ou aos nossos entes queridos, e da morte que, pouco a pouco, faz um vácuo em torno do nosso pobre coração. Não desesperemos; se os soldados e a gente de Josué tiveram a arca, nós temos algo infinitamente maior e mais divino: a Sagrada Comunhão. Com ela o homem atravessa seguro a vida e toca a margem bem-aventurada da terra prometida: o Céu. São João Crisóstomo escreve: “Jesus nos dá o seu Corpo sob a espécie de pão, a fim de nos tornarmos com Ele uma coisa só”, e: “Aquele que é eternamente, dá-se a comer a Si próprio, a fim de que recebendo-O em nós mesmos, nos tornemos o que Ele é” (São Gregório de Nissa), e também: “Aquele que comunga, une-se a Jesus Cristo como sucede com dois pedaços de cera fundidos de modo a formarem um só todo” (São Cirilo de Alexandria).
A Comunhão dá força.
Estava a avozinha no terreiro, assentada à sombra de uma viçosa parreira. - Vovozinha!!! A avó levanta os olhos, um pouco surpreendida, pois até àquela hora a netinha não lhe mostrara muito amor; era atenta, mas não afetuosa. - Que queres, filha? - Vovó, eu queria saber por que tens uma perna de pau. Andaste a combater? - Não, Lina; mas isso não é pergunta para a tua idade. Não foi uma bala de canhão que me cortou a perna, nem mesmo um acidente. - Então, o que foi? - Simplesmente a enfermidade: um tumor no joelho. Um dia o médico declarou que era preciso cortar a perna. - Nossa! Vovó, eu quisera antes morrer. - Eu também. - Por que, então, te deixaste cortar? - Lina, não era possível; não vivia só para mim. Morrer quando se quiser é luxo... e algumas vezes é covardia. Tinha de olhar para quatro filhinhos que necessitavam de mim. - Mas, para cortar, fizeram-te dormir? - Não, não quis; tinha muito medo de não acordar e abandonar meus filhos. E, afinal, se se tem de sofrer é porque Deus o quer ou permite. - Cortaram-te a perna, assim, viva? A boa velhinha, só com o recordar o que se passara, ficou pálida. - Filhinha, antes da dolorosa operação, pedi o Pão dos fortes, recebi a Santa Comunhão e pedi a Jesus Sacramentado paciência e coragem...Teu pai segurava a minha mão e até ele, pobrezinho, quase desfaleceu. - Vovozinha, foi a Comunhão que te deu forças. Como Jesus é bom!
2. Desejo da Comunhão para vencer as tentações.
Era noite de batalha. Os Madianitas e os Amalecitas e todos os povos do Oriente armados contra Israel jaziam espalhados pelo vale como uma multidão de gafanhotos; os camelos eram inúmeros como a areia que há na praia do mar. Gedeão, com Fará, seu servo, descia cautelosamente, no fosco lampejo dos fogos moribundos, para espiar o campo inimigo. O vento traz-lhe um sussurro humano: ele para e escuta. Era um soldado inimigo que contava ao seu vizinho um sonho misterioso que o perturbava: “Escuta-me, tive um sonho e parecia-me ver que um pão de cevada cozido sob a cinza rolar contra nós. Ele fazia tombarem os soldados, fazia vacilarem as tendas, todos morriam. Gedeão voltou ao seu acampamento e gritou: ‘Levanta-vos! O Senhor deu-nos em mãos todos os inimigos” (Jz 7, 13-15). Católico, a nossa vida é uma batalha, muitos inimigos nos combatem a todo o momento. O DEMÔNIO com suas tentações, o MUNDO com o seu mau exemplo, seus escândalos e seus prazeres, e a nossa CARNE com as suas paixões. Há um Pão misterioso com o qual poderemos derrubar todos os enganos e vencer o terrível combate espiritual de que depende a nossa salvação: a Sagrada Comunhão.
3. Desejo da Comunhão para a salvação eterna.
Dia terrível foi aquele da destruição de Jericó (Js 6, 1-25). As sete trombetas ressoavam, o povo inteiro já não era mais senão uma única boca para gritar o anátema contra a cidade que Deus queria abater. E eis que os muros e as torres e os palácios desabam com fragor, numa imensa nuvem de pó: todos os habitantes, homens ou mulheres, velhos ou crianças, eram mortos; até os bois e as ovelhas e os jumentos eram passados a fio da espada. Entretanto, no céu ascendia, rubra como uma medonha mancha de sangue, a aurora de um novo dia. Naquela ruína uma mulher foi salva: Raab, a pecadora... ela e sua família. Por haver recebido bem em sua casa dois exploradores de Israel, naquele dia foi usada misericórdia para com ela. Católico, quando soar as trombetas angélicas e este velho mundo desabar na ruína final, e todos os homens morrerem, e vier a terrível justiça de Deus... certamente Deus terá misericórdia daqueles que O receberam bem na Sagrada Comunhão. Ele que salvou da ruína de Jericó a pecadora Raab, somente por haver dado agasalho a dois exploradores, salvará também os que O receberam bem. Espantoso é o que se narra na Sagrada Escritura (Lv 10, 1-6). Nadab e Abiú, filhos de Aarão, tomando os turíbulos, puseram neles fogo profano e incenso, e com isso, contra a proibição de Deus, entraram para exalar perfumes no tabernáculo santo. Foi um segundo: um fogo que se desprendeu do altar investiu contra eles e abrasou-os. Os seus cadáveres, assim como estavam, foram atirados fora; foi proibido descobrir a cabeça em sinal de luto e rasgar as vestes em sinal de pranto por eles. Terrível castigo! Mas quão mais tremendo será o castigo dos católicos que ousam aproximar-se da Comunhão indignamente. Os dois filhos de Aarão haviam profanado o lugar santo que Deus, com sinais especiais, abençoara; mas aqueles que com fogo profano, ou seja, com o pecado e com a irreverência no coração, recebem a Eucaristia, esses profanam o Corpo e o Sangue do próprio Deus. Para se aproximar da sarça ardente onde estava Deus, foi imposto a Moisés que tirasse o calçado; mas aos Apóstolos, antes de receberem a Comunhão, foi imposto não somente que tirassem o calçado, mas deixarem lavar os pés pelo próprio Jesus Cristo, para significar a limpeza que Deus quer de nós quando nos aproximamos do banquete dos Anjos. Como estão longe desta pureza os que comungam depois de uma confissão feita sem dor e sem propósito! Como estão longe dela os que comungam sem recolhimento nem fé.
Pe. Divino Antônio Lopes FP. Anápolis, 26 de julho de 2010
Bibliografia
Sagrada Escritura Pe. Francisco Alves, Tesouro de exemplos São João Crisóstomo, Hom. 61 São Cirilo de Alexandria, Lib. 10, in Jo. capítulo. 13 Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura, texto e comentário São Gregório de Nissa, Hom. 8, in Eclesiast. VOGEL, Vida de São Rodolfo Edições Theologica Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as Festas do Senhor e dos Santos
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