LEMBRA-TE, HOMEM...

(Lc 7, 12)

 

“Ao se aproximar da porta da cidade, coincidiu que levavam a enterrar um morto...”

 

 

Às portas de Naim, Jesus Cristo encontra-se com um enterro; levava-se à sepultura o filho único de uma viúva. Numa padiola descoberta transparecia das ataduras em que estava envolto, a pequena figura de um adolescente.

O caso doloroso despertava compaixão em toda a cidade, e o concurso da gente àqueles funerais redundara extraordinário.

Mas, nessas ocasiões a simpatia e a presença dos homens bem pouco adiantam; só Cristo Jesus pode dar conforto ao coração. E, dessa vez, Ele o deu mediante um milagre grandíssimo.

“Jovem, eu te ordeno, levanta-te!” (Lc 7, 14).

O morto levantou-se na padiola e começou a falar. Jesus entregou-o à sua mãe.

Esse trecho da Palavra de Deus apresenta-nos duas cenas: uma ordinária e outra extraordinária. Extraordinária é a ressurreição de um morto; e, nesta vida, talvez o Senhor não nos faça a graça de vê-la. Ordinária, ao invés, é a cerimônia do sepultamento. Firmemos a nossa consideração sobre a ordinária (cerimônia do sepultamento).

Um enterro não é coisa rara; e quem sabe quantas vezes temos topado com um cortejo fúnebre! Tirando o chapéu, parados à margem do caminho com tantos outros curiosos e contado o número das coroas de flores. Assim, para nós e para muitos, o enterro tornou-se um espetáculo de curiosidade e tapamos os ouvidos para a advertência solene que do féretro nos vem: Lembra-te, homem...

O Pe. Alexandrino Monteiro escreve: “O aviso de que havemos de  morrer é nos dado por toda a criação. – Olha como tudo nela tem fim! Vê como as árvores, chegando a certa idade enfraquecem, perdem a folha e a seiva que as alimentava e aí ficam no meio dos campos, no fundo dos vales, no cume dos montes, como esqueletos sem vida, como despidos mastros do navio a quem a tempestade rasgou as velas. – Vê os animais, como se vão uns após outros despedindo da vida! – Vê como os teus semelhantes, hoje um, amanhã outro, vão deixando a tua companhia para se irem associar aos que dormem o sono da morte!”

Milhões de católicos não pensam na morte, a ignoram e até zombam da mesma.

“Eu me lembrar da morte? Não tenho tempo! Tenho os interesses em que pensar, tenho uma questão a ganhar, tenho a família, os divertimentos... e, se esse melancólico pensamento me surgir na mente, estou sempre alerta para afogá-lo num copo de vinho”.

Contudo, a morte vem a passos largos: já está próxima.

“Eu me lembrar da morte? Mas eu tenho vinte anos, tenho trinta, tenho apenas quarenta...” Não deves dizer: eu tenho. Mas sim: eu não tenho... já não tenho esses vinte anos a viver; esses trinta, esses quarenta não os tenho mais.

A morte está próxima e ninguém pensa nela.

Uma embarcação fazia rota para Társis. Sob a cobertura dormia um homem profundamente. Era o profeta Jonas que dormia, embora sobre a sua alma pesasse o pecado de uma grande desobediência ao Senhor. No mar, imprevisto como uma vingança, estalou a tempestade. O vento sopra, ruge a água, range o flanco da embarcação... e Jonas dorme. Os marinheiros remam desesperadamente e joga ao mar tudo o que pesa... e Jonas dorme. Um monstro de dorso enorme aflora entre onda e onda, em ronda à embarcação, escancarando a boca ansiosa das vítimas... e Jonas dorme.

“Acorda! Acorda! – berrava o piloto dando-lhe safanões. – Levanta-te e invoca o teu Deus para que Ele queira lembrar-se de nós e não nos deixe afundar” (Jn 1, 1-6).

Católico, não somos um outro Jonas? Estamos na frágil embarcação da vida; de todos os lados nos apertam as doenças, as desgraças, os perigos... e nós dormimos, tendo talvez na alma algum pecado grave. De um momento para outro podemos afundar no abismo da eternidade... e nós dormimos em meio aos nossos divertimentos e aos nossos afazeres diários. Já em torno está o monstro infernal, o demônio, com a sua boca para tragar a nossa alma desventurada; e nós dormimos nesse hábito pecaminoso, nessa relação ilegítima e nesse relaxamento de todo dever cristão.

Acordemos! – Levantemos e invoquemos o nosso Deus para que Ele nos livre da morte imprevista, para que nos deixe o tempo de pensarmos frequentemente no nosso fim, antes de descermos à região tenebrosa envolta pela escuridão da morte.

 Imitemos o exemplo de Santa Adelaide para não sermos surpreendidos. Pensemos que os prazeres terminarão depressa, ao passo que as penas do inferno não terão fim.

 Santa Adelaide, viúva de Lotário, rei da Itália, e depois do imperador Otão, o Grande, passou seus últimos anos de vida no mosteiro de Sely. Três dias antes de falecer, terminou a confecção de sua veste mortuária e disse ao seu confessor: “Eu a fiz toda com as minhas mãos, cada dia um pouco. Convinha que eu aparecesse em público com toda a magnificência imperial, com um longo manto de seda cintilante de ouro e prata; mas, regressando aos meus aposentos, trabalhava nesta veste para lembrar-me do meu fim último e não me deixar cegar pelo mundo. Vendo-a, tocando-a, dizia: ‘Adelaide, pensa no caixão, na sepultura e nos vermes do cemitério!”

 

1 - Lembra-te, homem, de que és peregrino.

 

Quem é peregrino está de passagem. A nossa vida é realmente uma passagem pela terra: “Mais breve como um sonho que ao alvorecer do dia se desvanece; inconsciente como uma sombra que não se deixa apertar pelas mãos; veloz como uma ave que atravessa o céu e desaparece sem deixar vestígio; leve como o pó que o vento levanta num instante em torvelinho e depois deposita; delicada como o orvalho que aos primeiros raios do sol se evapora e caduca  como a rosa que dura poucas horas e depois se desfolha” (São Gregório Nazianzeno).

Se assim tão breve é a nossa passagem pela terra, não vale a pena apegar corpo e coração às coisas desse mundo. Se um viajante, viajando de trem, se pusesse a pintar o seu compartimento, e ali gastasse as suas posses para adorná-lo de objetos preciosos, e com toda a paixão do seu coração o namorasse, certamente diríamos que estamos diante de um louco. Pois bem, o mundo está cheio desses loucos que esbanjam toda a vida, todos os afetos e suores somente pelas coisas materiais, das quais não poderão fruir mais do que aquilo que um viajante de trem goza do seu compartimento. Mais uns poucos anos, mais uns poucos meses, mais uns poucos dias, e depois a morte apitará e teremos de deixar o nosso trem e de descer. Descer? Mas onde? Na eternidade.

“Eu me consumi para comprar aquele terreno...” Está bem: consumiste por teu irmão que o herdará.

“Consumi-me dia por dia e também de noite para ter aquela casa...”  Está bem: consumiste por teus filhos, aos quais a abandonarás.

“Tirei o bocado da boca para juntar aquele dinheiro para arredondar a cifra no livro das economias...” Está bem: mortificaste pelos teus herdeiros, os quais gozarão das tuas fadigas, sem escrúpulos e sem agradecimentos.

“E, então, de muitos anos de esforços que é que me resta?” O túmulo.

De tantas posses; não foi também só isto que ficou a Alexandre Magno? A Sagrada Escritura diz que ele possuía a Grécia; e depois conquistou a terra dos Persas, a terra dos Medos; e depois tomou as fortalezas de todos os reinos e as chaves de todas as cidades. E depois lançou-se até o extremo limite do mundo, apossou-se das riquezas das nações; o universo emudeceu diante dele. E depois... depois o senhor dos reis e dos povos ficou acamado e morreu (1 Mac 1, 1-8).

Católico, de que adianta abandonar os preceitos de Deus e da Igreja para se enriquecer com injustiça e com fraude? Trabalhando aos domingos e dias santos de guarda para entesourar tesouros aqui na terra? Sendo que depois ficará acamado e morrerá?

Tome cuidado católico... lembre-se continuamente de que és um peregrino aqui nesse mundo: “Porque não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da cidade que está para vir” (Hb 13, 14).

Edições Theologica comenta: “A vida do cristão é um êxodo (cfr Hb 4, 1-11) porque se trata de sair do pecado e viver em união com Deus, participando da Cruz do Senhor. É um êxodo porque teremos que sair desta terra para entrar no Céu. A morte, que é castigo do pecado (cfr Rm 6, 23), é a condição necessária para a nossa definitiva identificação com Cristo (cfr Rm 6, 10-11)”.

Jorge Manrique escreve: “O Senhor não nos criou para construirmos aqui uma Cidade definitiva (cfr Hb 13, 14), porque este mundo é o caminho para o outro que é morada sem pesar”.

 

2 - Lembra-te, homem, de que és cinza.

 

Santo Efrém, muitas vezes, ao pôr do sol, andava por entre as sepulturas, a meditar. Triste e pensativo ia de túmulo em túmulo lendo as inscrições e os títulos dos defuntos: príncipes da cidade, magistrados da província, ricos fidalgos, sábios admirados pelo mundo... Às vezes o santo os chamava pelo nome em voz alta, mas ninguém respondia. Onde estão aquelas soberbas figuras de homens, de mulheres, a quem todos se sujeitavam? Aquela língua que não falava senão dos seus próprios méritos, senão dos defeitos alheios, onde ela está? Onde estão aqueles ouvidos que não queriam ouvir senão o próprio louvor? Tudo virou cinza. Lembra-te, homem soberbo, de que és cinza! Então Santo Efrém voltava para casa mais humilde e mais paciente.

São Luiz Gonzaga também meditava muito sobre a morte. Por que foi que ele depôs as vestes de cetim e de veludo para envergar o hábito jesuíta? Por que foi que recusou a glória do marquesado, a honra de palácios soberbos, a obediência de muitas populações para se esconder em pobres conventos e se aplicar aos serviços dos servos? Deste fato nunca saberíeis dar uma explicação satisfatória se não observásseis aquela caveira que os pintores costumam representar junto a ele. São Luiz Gonzaga lembrou-se de que era cinza!

Do mesmo modo, nunca saberíeis explicar-vos por que razão São Carlos Borromeu, rico de família, cardeal aos 22 anos, amado pelo Papa seu tio, tornou-se tão humilde... se não vos lembrardes de que no seu arcebispado ele mandara pintar a imagem da morte. Toda vez que passava por ela, São Carlos lhe sorria, como para dizer: “Bem sei, bem sei que dentro em pouco virás reduzir-me a cinza”.

Católico, agora você poderá compreender por que razão somos orgulhosos: Em casa, não queremos observações, não queremos ordens; na rua, desejamos que os outros nos olhem; em companhia, aborrecemo-nos se outros não discorrem sobre nós; em toda parte queremos parecer mais do que somos; a todos queremos impor as nossas opiniões... Por que essa soberba em nós? Porque não nos lembramos de que somos cinza.

 

3 - Lembra-te, homem, de que és podridão.

 

Na História Sagrada há um exemplo terrível.

Jezabel era uma mulher corrupta e amante dos prazeres. Adorava o seu corpo, cercava de negro os olhos e adornava-se sem modéstia. Pois bem: pela manhã ficava à janela, perfidamente sedutora... Ainda não havia posto o sol, e alguns homens acharam debaixo daquela janela o cadáver da desgraçada, horrivelmente mutilado pelos cães, com o crânio, os pés, as mãos separados do tronco. Horrorizados, aqueles homens fugiram exclamando: “Os cães comeram a carne de Jezabel, e o seu corpo é uma podridão na face da terra” (2 Rs 9, 36- 37).

A aplicação é clara. Essa mulher que hoje profana a beleza do seu rosto com artifícios; essa jovem que adora o seu corpo e se veste não como convém a uma cristã; esse jovem e esse homem que, escravos da sua carne, se abandonam aos instintos mais desonestos e brutais... dentro em pouco que serão? Pela manhã perfumados e alinhados como ídolos, e à noite, talvez, podridão e vermes: “Digo à cova: “Tu és meu pai!’; ao verme: ‘Tu és minha mãe e minha irmã!” (Jó 17, 14).

Católico, se pensássemos na morte toda vez que os olhos quisessem olhar imoralidades e o corpo desejasse o prazer, quantos pecados seriam evitados. Perder a alma para satisfazer esta carne que dentro em pouco virará podridão e vermes... não é loucura? “Quanto sois insensatos! Podeis adquirir bens eternos e só pensais nas coisas miseráveis e passageiras, condenando-vos a penas eternas na outra vida!” (São Filipe Néri).

A São Filipe Néri apresenta-se um dia um jovem dissoluto e já um tanto corrompido. “Padre! – diz ele, pondo-se de joelhos diante do amável santo. – Padre, quero converter-me, mas não consigo. As tentações são mais fortes       do que eu, não consigo”. Levantando-o e abraçando-o paternalmente, São Filipe Néri    lhe diz: “Coragem, todos os dias dirás a Salve Rainha e pensarás na morte: imaginarás o teu corpo enterrado, os teus olhos apodrecidos, a tua carne podre, a tua boca cheia de vermes, e dirás: eis porque perdi o céu”. O jovem aceita e parte. Consegue manter-se puro por uma vez, por duas, sempre.

Façamos também o mesmo.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 02 de agosto de 2010

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Francisco Alves, Tesouro de exemplos

São Gregório Nazianzeno, Or., X

Edições Theologica

Jorge Manrique, Coplas, V

Pe. Alexandrino Monteiro, Raios de luz

Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a morte

Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as Festas do Senhor e dos Santos

 

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Lembra-te, homem...”
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