CARTA À IGREJA EM ÉFESO

(Ap 2, 1-7)

 

1 Ao Anjo da Igreja em Éfeso, escreve: Assim diz aquele que segura as sete estrelas em sua mão direita, o que anda em meio aos sete candelabros de ouro. 2 Conheço tua conduta, tua fadiga e tua perseverança: sei que não podes suportar os malvados: puseste à prova os que se diziam apóstolos – e não são – e os descobriste mentirosos. 3 És perseverante, pois sofreste por causa do meu nome, mas não esmoreceste. 4 Devo reprovar-te, contudo, por teres abandonado teu primeiro amor. 5 Recorda-te, pois de onde caíste, converte-te e retoma a conduta de outrora. Do contrário, virei a ti e, caso não te convertas, removerei teu candelabro de sua posição. 6 Tens de bom, contudo, o detestares a conduta dos nicolaítas, que também eu detesto. 7 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas: ao vencedor, conceder-lhe-ei comer da árvore da vida que está no Paraíso de Deus”.

 

 

Em Apocalipse 2, 1 diz: “Ao Anjo da Igreja em Éfeso, escreve: Assim diz aquele que segura as sete estrelas em sua mão direita, o que anda em meio aos sete candelabros de ouro”.

 

Éfeso era uma cidade portuária com grande atividade comercial: “Éfeso possuía um grande porto, território muito fértil... era um grande centro comercial entre o Oriente e o Ocidente. Nela convergiam as grandes estradas romanas que vinham da Galácia, da Mesopotâmia e de Antioquia” (Pe. José  Salguero).

Era considerada, naquela época, a maior metrópole da Ásia Menor. Entre as cidades do próximo Oriente, só Alexandria a ultrapassava em população. No aspecto religioso distinguia-se pelo culto à deusa Ártemis ou Diana: “Por esta ocasião, houve um  tumulto bastante grave a respeito do Caminho. Certo Demétrio, que era ouvires, era fabricante de nichos de Ártemis, em prata, proporcionando aos artesãos não pouco lucro. Tendo-os reunido, bem como a outros que trabalhavam no mesmo ramo, disse: ‘Amigos, sabeis que é deste ganho que provém o nosso bem-estar. Entretanto, vedes e ouvis que não somente em Éfeso, mas em quase toda a Ásia, este Paulo tem desencaminhado, com suas persuasões, uma multidão considerável: pois diz que não são deuses os que são feitos por mãos humanas. Isto não só traz o perigo da nossa profissão cair em descrédito, mas também o próprio templo da grande deusa Ártemis perderá todo o seu prestígio, sendo logo despojada de sua majestade aquela que toda a Ásia e o mundo veneram’. Ouvindo isto, ficaram cheios de furor e puseram-se a gritar: ‘Grande é a Ártemis dos efésios!’ A cidade foi tomada de confusão, e todos à uma se precipitaram para o teatro, arrastando consigo os macedônios Gaio e Aristarco, companheiros de viagem de Paulo. Este queria enfrentar o povo, mas os discípulos não lho permitiram. Também alguns dos asiáticos, seus amigos, mandaram rogar-lhe que não se expusesse, indo ao teatro” (At 19, 23-31).

 

A Igreja de Éfeso foi fundada por São Paulo Apóstolo na sua terceira viagem apostólica: “Isto se prolongou pelo espaço de dois anos, de sorte que todos os habitantes da Ásia, judeus e gregos, puderam ouvir a palavra do Senhor” (At 19, 10), e: “Vigiai, portanto, lembrados de que, durante três anos, dia e noite, não cessei de exortar com lágrimas a cada um de vós” (At 20, 31).

Ele chegou a Éfeso pelos anos 53-56 e pregou ali durante quase três anos com notável êxito. Conta São Lucas que ali “a palavra do Senhor se propagava com força e se robustecia” (At 19, 20). Ele teve que abandonar essa cidade por causa da revolta daqueles que fabricavam estátuas da deusa Diana ou Ártemis.

Éfeso foi a cidade cristã mais importante desta zona na antiguidade, sobretudo depois da queda de Jerusalém, no ano 70. São João viveu seus últimos anos em Éfeso, e ali se venera seu túmulo: “Salve, bem-aventurado João, apóstolo e evangelista, glória da virgindade, mestre da honestidade, exterminador de toda fraude diabólica, destruidor do templo de Diana, porto e defesa de Éfeso, conforto dos pobres, refúgio dos aflitos, refrigério e descanso da cidade e de seus moradores. Salve, vaso puríssimo da temperança! A ti virgem, confiou, na cruz, nosso Senhor Jesus Cristo a Mãe de Deus, sempre virgem!” (São Cirilo de Alexandria).

Além dos templos dedicados a Diana ou Ártemis, “existia em Éfeso também templos dedicados aos imperadores Cláudio, Nero, Adriano e Severo” (Pe. Miguel Nicolau).

Nas cartas do livro do Apocalipse, Cristo apresenta-se a cada Igreja com alguns atributos determinados, que têm certa relação com a situação em que vive tal Igreja. À Igreja de Éfeso, Cristo apresenta-se com os símbolos descritos na visão do capítulo anterior: “Voltei-me para ver a voz que me falava; ao voltar-me, vi sete candelabros de ouro... Na mão direita ele tinha sete estrelas, e de sua boca saía uma espada afiada, com dois gumes. Sua face era como o sol, quando brilha com todo seu esplendor” (Ap 1, 12. 16). As sete estrelas na mão direita do Senhor significam o Seu domínio sobre toda a Igreja, já que Ele é quem pode dar ordens aos Anjos que regem o destino de cada uma delas. Cristo ao caminhar no meio dos candelabros manifesta a Sua vigilância e cuidado amoroso sobre as Igrejas, simbolizadas no candelabro pela sua oração e vida litúrgica. Visto que a Igreja de Éfeso era a principal das sete, Cristo apresenta-se a esta Igreja como o Senhor de todas elas.

 “Ao Anjo da Igreja em Éfeso”. “Ao Anjo”, nas passagens sobre as sete Igrejas, “muito provavelmente simboliza ao bispo de cada uma das Igrejas(Pe. José  Salguero). Assim entendem os Padres latinos.

Em Apocalipse 2, 2-3 fala sobre CONDUTA... FADIGA... PERSEVERANÇA... FORTALEZA... Fica muito difícil a explicação se admitirmos que se trate dos Anjos tutelares de cada igreja. Falar sobre conduta, fadiga, perseverança e fortaleza a um Anjo? Tudo indica, se trata do bispo de cada Igreja.

 

Em Apocalipse 2, 2-3 diz: “Conheço tua conduta, tua fadiga e tua perseverança: sei que não podes suportar os malvados: puseste à prova os que se diziam apóstolos – e não são – e os descobriste mentirosos.  És perseverante, pois sofreste por causa do meu nome, mas não esmoreceste”.

 

Estes versículos constituem um louvor à Igreja de Éfeso por ter tido paciência na provação e por resistir aos falsos apóstolos. Duas atitudes, a paciência ou constância e a santa intransigência, que são virtudes básicas para um cristão. Com efeito, a paciência é a firme constância no bem, sem ceder diante do mal; esta virtude faz que os cristãos sejam “perfeitos e íntegros, sem defeito algum” (Tg 1, 4). Mais ainda, “gloriarmo-nos nas tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência; a paciência, a virtude provada; a virtude provada, a esperança” (Rm 5, 3-4). Na Epístola aos Hebreus lemos: “Pois necessitais de paciência para conseguir os bens prometidos cumprindo a vontade de Deus” (Hb 10, 36). A paciência, por outro lado, é a primeira manifestação que São Paulo assinala ao falar da caridade: “A caridade é paciente” (1 Cor 13, 4) e uma das notas que adornam o verdadeiro apóstolo: “Ao contrário, em tudo recomendamo-nos como ministros de Deus: por grande perseverança nas tribulações, nas necessidades, nas angústias” (2 Cor 6, 4) e: “Os sinais que distinguem o apóstolo realizaram-se entre vós: paciência a toda prova, sinais milagrosos, prodígios e atos portentosos” (2 Cor 12, 12). O Senhor afirma que mediante a paciência chegaremos a salvar as nossas almas: “É pela perseverança que mantereis vossas vidas!” (Lc 21, 19). Como dizia São Cipriano, a paciência “é a que proporciona à nossa fé um fundamento firmíssimo; permite que a nossa esperança cresça ao mais alto; dirige os nossos atos para que possamos manter-nos no caminho de Cristo enquanto avançamos com a Sua ajuda; enfim, faz que perseveremos sendo filhos de Deus”, e: “Avalia-se o bom soldado de cavalaria no campo de batalha. Também vossa alma tem de ser experimentada na luta das grandes dores. Se vossa alma se mostrar bastante paciente, se não desanimar nem se revoltar, se não se escandalizar diante dos acontecimentos que Deus permite, poderá rejubilar-se, alegrar-se e, contente, esperar a vida eterna” (Santa Catarina de Sena).

Outra qualidade da Igreja de Éfeso, que se repete no v. 6, é resistir com fortaleza aos falsos apóstolos. Por outros escritos do Novo Testamento, em especial pelos de São Paulo: “Começaremos de novo a nos recomendar? Ou será que, como alguns, precisamos de cartas de recomendação para vós ou da vossa parte?” (2 Cor 3, 1), e: “Não que haja outro, mas há alguns que vos estão perturbando e querendo corromper o Evangelho de Cristo” (Gl 1, 7), e também: “Tomai cuidado para que ninguém vos escravize por vãs e enganosas especulações da ‘filosofia’, segundo a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo Cristo” (Cl 2, 8) e de São João: “Eles saíram de entre nós, mas não eram dos nossos” (1 Jo 2, 19), sabemos que alguns falseavam a mensagem cristã interpretando-a torcidamente, por detrás da aparência de piedade ou de preocupação pelos pobres. No nosso caso, fala-se dos nicolaítas, seita herética difícil de determinar. De qualquer forma, o importante é destacar a energia dos cristãos de Éfeso em rejeitar aquele erro. Se isto falta, dá-se lugar a uma falsa tolerância que “é sinal certo de se não possuir a verdade. – Quando um homem transgride em questões de ideal, de honra, ou de Fé, esse homem é um homem... sem ideal, sem honra e sem Fé” (São Josemaría Escrivá).

 

Em Apocalipse 2, 4 diz: “Devo reprovar-te, contudo, por teres abandonado teu primeiro amor”.

 

São Francisco de Sales escreve: “Não o acusou de falta de caridade, mas de que não era como no princípio, tão fervoroso, tão disposto, tão fecundo, assim como costumamos declarar dum homem que de valente, jovial e galhardo se tornou abatido, triste e decaído”. O Senhor, portanto, queixa-se de que se esfriou no amor da primeira época.

Para evitar este perigo, ao qual todos estamos expostos, é preciso vigiar, retificar cada dia, voltar uma e outra vez a Deus nosso Pai. O amor divino, a caridade, não pode apagar-se, há de permanecer ardendo cada vez mais aceso.

 

Em Apocalipse 2, 5 diz: “Recorda-te, pois de onde caíste, converte-te e retoma a conduta de outrora. Do contrário, virei a ti e, caso não te convertas, removerei teu candelabro de sua posição”.

 

Exorta-se à conversão, a uma mudança de atitude que comporta três momentos. Primeiro é preciso o reconhecimento da própria culpa, a humildade de saber-se pobre, um pobre pecador: “Reconhecer o próprio pecado, mais ainda – indo ao fundo da consideração da própria personalidade – reconhecer-se pecador, capaz de pecado e inclinado para o pecado, é o princípio indispensável para voltar a Deus” (João Paulo II). A seguir vem a “dor de amor” ou contrição, que nos move a mudar de conduta. E por último estão as obras de penitência, que nos levam a uma vida mais próxima de Deus, em intimidade entranhável com nosso Senhor.

O apelo à conversão é constante na tarefa evangelizadora: “Suscitar no coração do homem a conversão e a penitência e oferecer-lhe o dom da reconciliação é a missão conatural da Igreja, que continua a obra redentora do seu divino Fundador” (Idem.). A ameaça consiste em que, se não muda de conduta, a Igreja de Éfeso perderá a sua preeminência entre aquelas Igrejas ou, quem sabe, desaparecerá.

 

Em Apocalipse 2, 6 diz: “Tens de bom, contudo, o detestares a conduta dos nicolaítas, que também eu detesto”.

 

Não sabemos com segurança quem eram estes nicolaítas. Na antiguidade, muitos escritores ligavam equivocadamente esta seita com o diácono Nicolau (At 6, 5). Não se conhece com certeza nem seu autor nem seus ensinamentos errôneos, que deverão ser de ordem moral. Segundo Clemente de Alexandria, os nicolaítas permitiam comer as carnes sacrificadas aos ídolos depois de fazer sobre elas o exorcismo, e afirmavam que a fornicação não era pecado. Também autores modernos viram nos nicolaítas um jogo de palavras: os nicolaítas se identificam com os baalamitas da Igreja de Pérgamo e com a Jezabel de Tiatira, pois refletem os mesmos vícios.

 

Em Apocalipse 2, 7 diz: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas: ao vencedor, conceder-lhe-ei comer da árvore da vida que está no Paraíso de Deus”.

 

A imagem da árvore da vida: “No meio da praça, de um lado e do outro do rio, há árvores da vida que frutificam doze vezes, dando fruto a cada mês; e suas folhas servem para curar as nações” (Ap 22, 2) alude a Gn 2, 9: “Deus fez crescer do solo toda espécie de árvores formosas de ver e boas de comer, e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal”, e: “Depois disse Deus: ‘Se o homem já é como um de nós, versado no bem e no mal, que agora ele não estenda a mão e colha também da árvore da vida, e coma e viva para sempre!” (Gn 3, 22), onde aparece aquela árvore no meio do Paraíso, fora do alcance do homem, como símbolo da imortalidade. Agora é Cristo quem dispõe do fruto daquela árvore e o promete a quem consiga a vitória. É a promessa de uma felicidade sem fim, mais que a ameaça do castigo, o que constitui um estímulo na luta de cada dia, procurando vencer a batalha presente, pois não sabemos se essa batalha, quem sabe pequena, será a última e definitiva: “Não podemos parar. O Senhor pede-nos uma luta cada vez mais rápida, cada vez mais profunda, cada vez mais ampla. Somos obrigados a superar-nos, porque nesta competição a única meta é a chegada à glória do céu. E se não chegássemos ao céu, nada teria valido a pena” (São Josemaría Escrivá).

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 03 de setembro de 2010

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

São Josemaría Escrivá, Caminho, n.° 394; Cristo que passa, n.° 77

São Cipriano, De bono patientiae, XX

Santa Catarina de Sena, Carta 1, 2

João Paulo II, Reconciliatio et Paenitentia, n.° 13; n.° 23

Clemente de Alexandria, Stromata 2, 20, 118; 3, 4, 25: PG 8, 1062s. 1130s; cf. Santo Hipólito, Filosofumena 8, 36

Pe. José Salguero, Bíblia comentada

São Francisco de Sales, Tratado do amor de Deus, liv. 4, cap. 22

São Cirilo de Alexandria, Discurso pronunciado no Concílio de Éfeso, P.L. 77, 1029-1040

Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura, texto e comentário

Edições Theologica

 

 

 

 

 

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