CARTA À IGREJA EM SARDES (Ap 3, 1-6)
“1 Ao Anjo da Igreja em Sardes, escreve: Assim diz aquele que tem os sete Espíritos de Deus e as sete estrelas. Conheço tua conduta: tens fama de estar vivo, mas estás morto. 2 Torna-te vigilante e consolida o resto que estava para morrer, pois não achei perfeita a tua conduta diante do meu Deus. 3 Lembra-te, portanto, de como recebeste e ouviste, observa-o, e converte-te! Caso não vigies, virei como um ladrão, sem que saibas em que hora venho te surpreender. 4 Em Sardes, contudo, há algumas pessoas que não sujaram suas vestes; elas andarão comigo vestidas de branco, pois são dignas. 5 O vencedor se trajará com vestes brancas e eu jamais apagarei seu nome do livro da vida. Proclamarei seu nome diante de meu Pai e dos seus Anjos. 6 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”.
Em Apocalipse 3, 1 diz: “Ao Anjo da Igreja em Sardes, escreve: Assim diz aquele que tem os sete Espíritos de Deus e as sete estrelas. Conheço tua conduta: tens fama de estar vivo, mas estás morto”.
Sardes se localizava a uns 50 quilômetros ao sudeste de Tiatira, era um importante nó de comunicações e famosa pela sua acrópole inexpugnável. Heródoto descreve os seus habitantes como gente imoral e licenciosa. Provavelmente este ambiente teria influído também nos cristãos. Cristo apresenta-se agora como Aquele que possui a plenitude do Espírito para atuar e transformar as Igrejas, santificando-as a partir de dentro. Também se apresenta como Senhor e Soberano da Igreja universal, mostrando assim sempre disposto a infundir nova vida: “Jesus Cristo se apresenta aqui como o que tem os sete Espíritos de Deus e as sete estrelas. O autor sagrada quer significar com essas expressões o poder absoluto que Cristo tem sobre as igrejas e sobre todos os cristãos” (Pe. José Salguero). À Igreja de Sardes recrimina-lhe que vive de nome, mas de fato está morta, significando que, ainda que mantenha aparências cristãs mediante práticas exteriores, todavia a maioria dos seus membros – não todos (cfr v. 4) – estão afastados de Cristo, sem vida interior, em situação de pecado. Quem vive desta forma está morto. Já nosso Senhor tinha descrito a situação do filho pródigo como uma morte: “Este meu filho – exclama o pai da parábola – estava morto e voltou à vida” (Lc 15, 24); e o próprio São Paulo convida os cristãos a oferecer-se a Deus “como aqueles que, mortos, voltaram à vida” (Rm 6, 13). Agora, nesta passagem do Apocalipse, diz-nos que esta situação de morte, espiritual, mas real, se deve a que as obras daquela Igreja não eram boas diante de Deus (v. 2); eram obras que produziam a morte interior, o que chamamos pecado mortal: “Seguindo a tradição da Igreja, chamamos pecado mortal ao ato, mediante o qual um homem, com liberdade e conhecimento, rejeita Deus, a Sua lei, a aliança de amor que Deus lhe propõe, preferindo voltar-se para si mesmo, para alguma realidade criada e finita, para algo contrário à vontade divina (...). O homem sente que esta desobediência a Deus rompe a união com o seu princípio vital: é um pecado mortal, ou seja, um ato que ofende gravemente a Deus e termina por voltar-se contra o próprio homem com uma obscura e poderosa força de destruição” (João Paulo II). “Conheço tua conduta: tens fama de estar vivo, mas estás morto”. O juízo que o Senhor faz sobre a vida religiosa da Igreja de Sardes é triste. Suas obras não são boas, pois, “tens fama de estar vivo, mas estás morto”. Com isso quer significar que a vida religiosa da Igreja de Sardes é fraca e não possui a caridade de Cristo, e está como morta. O pecado matou nela a graça de Jesus Cristo.
Em Apocalipse 3, 2-3 diz: “Torna-te vigilante e consolida o resto que estava para morrer, pois não achei perfeita a tua conduta diante do meu Deus. Lembra-te, portanto, de como recebeste e ouviste, observa-o, e converte-te! Caso não vigies, virei como um ladrão, sem que saibas em que hora venho te surpreender”.
A vigilância é necessária sempre, mas especialmente em determinadas circunstâncias. Assim acontece em Sardes, onde ainda há um grupo que não caiu na morte do pecado. Perante essa situação é preciso reagir e confirmar na fé os que estão em perigo. Convém recordar quanto no princípio se aprendeu, relembrar os ensinamentos recebidos e tratar de conformar com eles a própria vida. Aqui não só se exorta à conversão, mas concretiza-se o modo de realizá-la: confrontando e adequando a vida com a Palavra de Deus: “E ninguém está seguro se deixa de lutar consigo mesmo. Ninguém pode salvar-se isoladamente. Todos na Igreja precisamos desses meios concretos que nos fortalecem: da humildade que nos dispõe a aceitar a ajuda e o conselho; das mortificações que nos removem o coração para que nele reine Cristo; do estudo da Doutrina segura de sempre que nos leva a conservar em nós a fé e a propagá-la” (São Josemaría Escrivá). A exortação à vigilância, servindo-se da imagem do ladrão (v. 3), é frequente nos sinóticos. O conselho de vigiar convinha de modo particular à cidade de Sardes, por causa das desastrosas consequências que tiveram para a cidade ao longo de sua história. Ciro, o Grande, tentou apoderar-se da cidade em 546 a. C. mediante um ataque executado de surpresa, e o mesmo fez mais tarde Antíoco III, o Grande (218 a. C). A recordação dessas tentativas de invasão podia servir aos cristãos para meditarem sobre a vida religiosa deficiente que levavam, para se arrependerem e voltarem à vida fervorosa do início. “Virei como um ladrão”. Esta imagem acha-se também em outros escritos do Novo Testamento: “Vigiai, portanto, porque não sabeis em que dia vem o vosso Senhor. Compreendei isto: se o dono da casa soubesse em que vigília viria o ladrão, vigiaria e não permitiria que sua casa fosse arrombada. Por isso, também vós, ficai preparados, porque o Filho do homem virá numa hora que não pensais” (Mt 24, 42-44), e: “Para que, vindo de repente, não vos encontre dormindo” (Mc 13, 36). Não se quer dizer que o Senhor está à espreita para surpreender desprevenido o homem, como um caçador que trata de abater a sua presa. Trata-se simplesmente de uma advertência para que vivamos na graça de Deus, preparados para prestar contas ao Senhor. Desse modo, não correremos o risco de nos encontrar com as mãos vazias no momento da morte: “Há de chegar também para nós esse dia, que será o último e nos causa medo. Confiando firmemente na graça de Deus, estamos dispostos desde este momento, com generosidade, com fortaleza, pondo amor nas pequenas coisas, a acudir a esse encontro com o Senhor, levando as lâmpadas acesas, porque nos espera a grande festa do Céu” (São Josemaría Escrivá).
Em Apocalipse 3, 4-6 diz: “Em Sardes, contudo, há algumas pessoas que não sujaram suas vestes; elas andarão comigo vestidas de branco, pois são dignas. O vencedor se trajará com vestes brancas e eu jamais apagarei seu nome do livro da vida. Proclamarei seu nome diante de meu Pai e dos seus Anjos. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”.
No meio daquele ambiente corrompido existem cristãos que não se contaminaram com os cultos e costumes imorais dos pagãos, e que mantêm, portanto, a sua fidelidade cristã, simbolizada no vestido branco: “São João afirma que na Igreja de Sardes, ao lado das almas mortas e das que gozavam de vida fraca, havia, todavia, outras de vida perfeita. Estas pessoas não mancharam suas vestes, e por isso caminharão com o Senhor vestidas de branco” (Pe. José Salguero). Desta forma, os cristãos poderão seguir a Cristo no seu triunfo e fazer parte da Igreja dos santos. Em mais uma ocasião as visões de São João falarão dos bem-aventurados vestidos com túnicas brancas: “Depois disso, eis que vi uma grande multidão, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam de pé diante do trono e diante do Cordeiro, trajados com vestes brancas e com palmas na mão... Um dos Anciãos tomou a palavra e disse-me: ‘Estes que estão trajados com vestes brancas, quem são e de onde vieram?” (Ap 7, 9. 13), e: “Os exércitos do céu acompanham-no em cavalos brancos, vestidos com linho de brancura resplandecente” (Ap 19, 14). Com esta cor simboliza-se não só a pureza, mas também a alegria do triunfo. O Pe. Miguel Nicolau comenta: “As vestes brancas são o corpo espiritualizado na ressurreição da vida”. O símbolo do “livro da vida”, frequente no Apocalipse: “Adoraram-na, então, todos os habitantes da terra cujo nome não está escrito desde a fundação do mundo no livro da vida do Cordeiro imolado” (Ap 13, 8), é também uma imagem tomada do Antigo Testamento, onde se afirma que os que pertencem ao povo de Israel são registrados no “livro da vida”, chamado também “o livro de Deus”: “Sejam riscados do livro da vida, e com os justos não sejam inscritos!” (Sl 69, 29). Os que estão inseridos nele terão parte nas promessas de salvação (cfr Is 4, 3), enquanto aqueles que não forem fiéis à Lei serão excluídos do Povo de Deus e apagados do “livro da vida”. Além do Apocalipse, esta imagem utiliza-se também noutros livros do Novo testamento (cfr Lc 10, 20; Fl 4, 3). O nome dos vencedores permanecerá escrito no “livro da vida”, onde figuram os que foram fiéis a Cristo, tal como figuravam aqueles que pertenciam ao povo de Israel. Por último, no dia do juízo, os cristãos que tenham permanecido fiéis, gozarão do testemunho de Cristo em seu favor: “Todo aquele, portanto, que se declarar por mim diante dos homens, também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos Céus” (Mt 10, 32), e: “Eu vos digo: todo aquele que se declarar por mim diante dos homens, o Filho do homem também se declarará por ele diante dos Anjos de Deus” (Lc 12, 8). “Proclamarei seu nome diante de meu Pai e dos seus Anjos”. Aos cristãos fiéis de Sardes que saírem vencedores na luta moral e espiritual contra os inimigos de Deus, Cristo lhes promete o prêmio escatológico da vida eterna. Em primeiro lugar, os vencedores se vestirão de roupas brancas, que representam a vitória final e a glória de que serão revestidos os eleitos no céu. Depois lhes promete que jamais será apagado o nome do livro da vida. “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”. O Pe. Miguel Nicolau escreve: “O mesmo provérbio de sempre para mover o interesse de todos os cristãos a entender as palavra de Cristo e tirar bons resultados para o seu comportamento religioso”, e: “São João termina a carta à Igreja de Sardes com as palavras ‘quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas’, como para incitar os fiéis a escutar as admoestações de Cristo e colocá-las em prática” (Pe. José Salguero).
Pe. Divino Antônio Lopes FP. Anápolis, 07 de setembro de 2010
Bibliografia
Sagrada Escritura Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura, texto e comentário E. B. Allo, o. c. p. 47 Heródoto, História 1, 55 São Josemaría Escrivá, Cristo que passa, n.° 81; Amigos de Deus, n.° 40 João Paulo II, Reconciliatio et Paenitentia, n.° 17 Pe. José Salguero, Bíblia comentada Edições Theologica
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