CARTA À IGREJA EM LAODICÉIA (Ap 3, 14-22)
“14 Ao Anjo da Igreja em Laodicéia, escreve: Assim fala o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de Deus. 15 Conheço tua conduta: não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! 16 Assim, porque és morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar de minha boca. 17 Pois dizes: sou rico, enriqueci-me e de nada mais preciso. Não sabes, porém, que és tu o infeliz: miserável, pobre, cego e nu! 18 Aconselho-te a comprar de mim ouro purificado no fogo para que enriqueças, vestes brancas para que te cubras e não apareça a vergonha da tua nudez, e um colírio para que unjas teus olhos e possas enxergar. 19 Quanto a mim, repreendo e educo todos aqueles que amo. Recobra, pois, o fervor e converte-te! 20 Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo. 21 Ao vencedor concederei sentar-se comigo no meu trono, assim como eu também venci e estou sentado com meu Pai em seu trono. 22 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”.
Em Apocalipse 3, 14 diz: “Ao Anjo da Igreja em Laodicéia, escreve: Assim fala o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira, o Princípio da criação de Deus”.
Laodicéia, fundada no século III a. C. por Antíoco II (261-246), encontra-se nos confins da Frígia, a uns 60 quilômetros a sudeste de Filadélfia. Foi sacudida por terremotos destruidores de 60 a 61 d. C., e para sua reconstrução lhe foi concedido exenção de impostos. É mencionada também por São Paulo quando recomenda aos de Colossos que permutem as cartas que lhes escreveu a eles e aos de Laodicéia: “Depois que esta carta tiver sido lida entre vós, fazei-a ler também na Igreja de Laodicéia. Lede vós também a que escrevi aos de Laodicéia” (Cl 4, 16). A igreja local foi fundada provavelmente por Epafras de Colosas. Jesus Cristo recebe o título de “Amém”. É uma denominação que encontramos em Is 65, 16 aplicada a Yahwéh. Com uma expressão semelhante fala São Paulo de Cristo: “Todas as promessas de Deus encontraram nele o seu sim: por isto, é por ele que dizemos ‘Amém” ( 2 Cor 1, 20). Em ambos os textos se trata de um nome divino que, aplicado a Cristo, supõe uma afirmação da sua natureza divina. O “Amém” faz referência à verdade, e está em relação com o título de “Veraz” da carta anterior. Sobressai a condição estável e firme, leal e imutável do Senhor. Por isso o que se segue, “a testemunha fiel e veraz”, é um aposto que esclarece o significado genuíno do apelativo “Amém”: “E da parte de Jesus Cristo, a Testemunha fiel, o Primogênito dos mortos, o Príncipe dos reis da terra. Àquele que nos ama, e que nos lavou de nossos pecados com seu sangue” (Ap 1, 5). A interpretação mais adequada da frase “o princípio das criaturas” é a que vê nela uma expressão do papel que Jesus Cristo tem na criação: pois “tudo foi feito por Ele” (Jo 1, 3), e, portanto, é o criador do céu e da terra junto com o Pai e o Espírito Santo.
Em Apocalipse 3, 15-16 diz: “Conheço tua conduta: não és frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Assim, porque és morno, nem frio nem quente, estou para te vomitar de minha boca”.
As circunstâncias prósperas em que vivia Laodicéia, puderam contribuir para a situação de lassidão e de tibieza recriminadas. Recorda a atitude que tinha adotado também Israel nos momentos de prosperidade: quando tudo corria bem, o povo esquecia-se de Yahwéh e caía numa vida relaxada e mole (cfr Dt 31, 20; 32, 15; Jr 5, 7). A existência de águas termais, próximas da cidade, dá ocasião a essa comparação tão expressiva, que é uma séria ameaça contra a tibieza. Assim se manifesta a repugnância divina perante a mediocridade e o aburguesamento. Como observa Cassiano, um dos fundadores do monaquismo ocidental, é preciso sacudir com energia esses princípios de tibieza: “Ninguém atribua o seu extravio a um repentino derrubamento, mas (...) a ter-se afastado da virtude pouco a pouco, por uma preguiça mental prolongada. Desse modo é como começam a ganhar terreno insensivelmente os maus hábitos, e sobrevém uma situação extrema. ‘O derrubamento vem precedido por uma deterioração e esta por um mau pensamento’ (Pr 16, 18). Acontece o mesmo que com uma casa: vem abaixo um bom dia só em virtude de um antigo defeito nos fundamentos ou por uma indolência prolongada dos seus moradores”. Tibieza e mediocridade espirituais são muito afins. Em qualquer caso não são caminho de vida cristã. Com palavras de São Josemaría Escrivá: “No meio está a virtude, diz o sábio provérbio, para nos afastar do extremismo. Mas não caias no erro de converter esse conselho em eufemismo para encobrir o teu comodismo, as tuas manhas, a tua tibieza, o teu atrevimento, a tua falta de ideais e a tua vulgaridade. Medita aquelas palavras da Sagrada Escritura: ‘Oxalá fosses frio ou quente! Mas, porque és tíbio e nem frio nem quente, vou vomitar-te da minha boca”.
Em Apocalipse 3, 17-19 diz: “Pois dizes: sou rico, enriqueci-me e de nada mais preciso. Não sabes, porém, que és tu o infeliz: miserável, pobre, cego e nu! Aconselho-te a comprar de mim ouro purificado no fogo para que enriqueças, vestes brancas para que te cubras e não apareça a vergonha da tua nudez, e um colírio para que unjas teus olhos e possas enxergar. Quanto a mim, repreendo e educo todos aqueles que amo. Recobra, pois, o fervor e converte-te!”
A Igreja de Laodicéia não se dava conta da sua perigosa situação espiritual. O florescimento da sua indústria e comércio, assim como a falta de perseguições, fazia-a crer rica e sem necessidade de nada, unindo à tibieza o orgulho e a soberba. Os fiéis daquela Igreja tinham caído no perigo da auto-suficiência que toda a riqueza leva consigo, e que moveu o Senhor a dizer que dificilmente entrarão no Céu: “Então Jesus disse aos seus discípulos: ‘Em verdade vos digo que um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus” (Mt 19, 23), destacando a miúdo o perigo de apegamento aos bens materiais: “Cumulou de bens a famintos e despediu os ricos de mãos vazias” (Lc 1, 53). Envaidecidos pela sua boa posição econômica não caíam na conta da necessidade da graça divina, em comparação da qual todos os bens do mundo não valem nada. Neste sentido diz São Paulo: “Tudo isso que era para mim um proveito, considerei-o, por causa de Cristo, um prejuízo. E até considero todas as coisas como prejuízo, perante o que tem de excelso o conhecimento de Cristo Jesus, Senhor meu; por Ele sacrifiquei tudo, e tudo considero como cisco, a fim de ganhar a Cristo...” (Fl 3, 7-8). Em Laodicéia existia uma importante indústria têxtil, dedicada em especial à fabricação de tecidos de lã negra. Em lugar de porem esses tecidos, hão de vestir-se das vestes brancas, que só o Senhor pode facilitar e que são o distintivo dos eleitos: “Estavam de pé diante do trono do Cordeiro, trajados com vestes brancas e com palmas na mão” (Ap 7, 9). Por outro lado, Laodicéia era famosa também pelos seus oculistas, tais como Zeuxis e Filetos, que tinham conseguido um colírio de grande eficácia. Jesus Cristo oferece um colírio ainda melhor: com ele perceberão os laodicenses a gravidade do seu estado. Esta séria ameaça não provém da ira de Deus, mas do seu amor de Pai que, precisamente porque ama, repreende e corrige: “Àquele que Yahwéh ama corrige-o, e aflige o filho que lhe é mais querido” (Pr 3, 12). Depois de citar estas palavras, a Epístola aos Hebreus acrescenta: “O que sofreis serve para a vossa correção. Deus trata-vos como filhos, e que filho há a quem o seu pai não corrija? Se vos privassem da correção que todos receberam, seríeis bastardos e não filhos” (12, 7-8). “Tem, pois, zelo”: Equivale a dizer: sai, portanto, da tibieza e entra no fervor da caridade, no zelo ardente pela glória de Deus.
Em Apocalipse 3, 20-22 diz: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo. Ao vencedor concederei sentar-se comigo no meu trono, assim como eu também venci e estou sentado com meu Pai em seu trono. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas”.
A imagem de Cristo a chamar à porta é das mais belas e enternecedoras da Bíblia. Recorda o Cântico dos Cânticos, onde o esposo exclama: “Abre-me, irmã minha, amada minha, imaculada minha! Que está a minha cabeça coberta de orvalho e os meus cabelos de geada da noite” (5, 2). É um modo de expressar o afã divino que nos chama a uma intimidade maior, e o faz de mil formas ao longo da nossa vida. Há que estar à escuta e abrir as portas a Cristo. Poeticamente evoca a cena de um escritor do século de Ouro espanhol: “Quantas vezes o Anjo me dizia: ‘Alma, assoma-te agora à janela; verás com quanto amor chamar porfia!’ E, quantas, Formosura soberana, ‘amanhã lhe abriremos’, respondia, para o mesmo responder amanhã!” (Lope de Vega). O Senhor espera a nossa correspondência ao seu apelo, e quando nos esforçamos em responder reavivando a vida interior, chega a produzir-se o gozo inefável da intimidade com Ele: “A princípio custará. É preciso esforçar-nos por dirigir-nos ao Senhor, por agradecer a sua piedade paternal e concreta para conosco. A pouco e pouco, o amor de Deus torna-se palpável – embora isto não seja coisa de sentimentos -, como se se recebesse uma estocada na alma. É Cristo que nos persegue amorosamente: Eis que estou à porta e chamo (Ap 3, 20). Como anda a tua vida de oração? Não sentes às vezes, durante o dia, desejos de falar devagar com Ele? Não Lhe dizes: logo vou contar-te isto e aquilo; logo vou conversar sobre isso contigo? (...). A oração torna-se contínua, como o bater do coração, como as pulsações. Sem essa presença de Deus não há vida contemplativa. E sem vida contemplativa de pouco vale trabalhar por Cristo, porque em vão se esforçam os que constroem, se Deus não segura a casa” (São Josemaría Escrivá). Jesus Cristo afirma que os que vencerem se sentarão com Ele no seu trono. Uma resposta parecida tinha dado a São Pedro quando prometeu aos Apóstolos que se sentariam em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel (cfr Mt 19, 28; 20, 20 ss.). Por “trono” entende-se o poder soberano que Cristo recebeu do Pai. Portanto, a promessa de sentar-se nele é um modo de expressar a participação no triunfo e realeza de Cristo por parte daqueles que Lhe são fiéis: “Então não sabeis que os santos julgarão o mundo? E se é por vós que o mundo será julgado, seríeis indignos de proferir julgamentos de menor importância? Não sabeis que julgaremos os Anjos? Quanto mais então as coisas da vida cotidiana?” (1 Cor 6, 2-3).
Pe. Divino Antônio Lopes FP. Anápolis, 09 de setembro de 2010
Bibliografia
Sagrada Escritura Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada escritura, texto e comentário São Josemaría Escrivá, Sulco, n.° 541; Cristo que passa, n.° 8 Cassiano, Collationes, VI, 17 Lope de Vega, Rimas sacras, Soneto 18 Tácito, Anales 14, 27 Pe. José Salguero, Bíblia comentada Edições Theologica
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