DOIS HOMENS

(Lc 18, 10)

 

Dois homens foram ao templo para rezar.

 

São Lucas apresenta-nos no Evangelho dois homens que subiram ao Templo para rezar: “Um era fariseu, o outro publicano. Os fariseus consideravam-se puros e perfeitos cumpridores da Lei; os publicanos, que se encarregavam de arrecadar os impostos, eram tidos por homens que amavam mais os seus negócios do que o cumprimento da Lei” (Pe. Francisco Fernández Carvajal).

Estes dois homens tão diferentes um do outro pela posição, pela educação e modo de vida, se encontram no mesmo templo: “São iguais num ponto: que nem um nem outro sabem o que é oração. Ambos vieram para rezar” (Pe. João Batista Lehmann).

Sondemos um pouco os sentimentos de um e de outro.

O fariseu reza de pé: “O fariseu, de pé, orava” (Lc 18, 11).

Astério escreve: “Agora, o Senhor nos ensina pelo fariseu publicano o modo de dirigir-Lhe nossas súplicas, para que não seja sem resultado a oração. O fariseu foi condenado por que rezava sem intenção. E prossegue: ‘O fariseu estando de pé, rezava em seu interior desta maneira”, e: “O rezar de pé indica o orgulho de sua alma; porque se mostra muito orgulhoso em seu comportamento” (Teofilacto).

O fariseu reza interiormente: “… orava interiormente” (Lc 18, 11).

São Basílio escreve: “Disse também: ‘Orava em seu interior’, como se não orasse diante de Deus; porque se voltava para si pelo pecado de orgulho”.

O fariseu veio, cheio de si, sem humildade e amor; porque conhece a lei e sabe que é obrigação rezar no templo. Veio àquela hora porque é pontual no cumprimento das prescrições mínimas da lei; reputar-se-ia pecador pior que publicano se se descuidasse de vir ele mesmo e na hora exata, e se desse escândalo de não comparecer no templo para fazer oração. Este é um perfeito fariseu, vai ao templo já por hábito. Sente-se tão feliz e tão satisfeito na observância estrita da lei! Sua fronte não está anuviada por aquela tristeza companheira inseparável de toda oração humana. Não se sente oprimido pela majestade do templo onde habita o Altíssimo; não desanima diante da glória imaculada de Deus nem diante de sua própria pequenez ou diante das suas precisões. Pequenez? Não! Sente-se grande aos olhos de Deus; a consciência atesta-lhe sua virtude; é contente de si próprio. Não lhe falta nada… nada precisa pedir.

Será que em cada católico não existe um pouco desse fariseu? Milhões não querem enxergar o comportamento orgulhoso do fariseu aninhado no coração: “Quanto aos traços do fariseu em nós, iludimo-nos facilmente; não o queremos ver, embora não reste dúvida que também o há no fundo do coração. Certamente não temos a desfaçatez e petulância do fariseu, talvez não tenhamos a jactância de exaltar as nossas virtudes reais ou imaginárias” (Pe. João Batista Lehmann).

A atitude do fariseu não é a de um homem suplicante, mas sim, de um homem satisfeito: “Ele é o centro dos seus próprios pensamentos e o objeto da sua estima” (Pe. Francisco Fernández Carvajal).

O fariseu fala com segurança e convicção… dirige-se diretamente à divindade; nenhuma palavra de gratidão… para quê? Se não é como o resto dos homens, se não é ladrão nem como aquele publicano!

Disse o fariseu: “Não sou como os outros” (Lc 18, 11); e faz seu mais completo panegírico. Feito este, pode voltar para casa com a mesma vaidade: orgulhoso, altivo, com ar de desprezo à pobre humanidade… mostrando-se a todos como a dizer: “Eis aqui um homem como deve ser”.

Que Nosso Senhor afaste o orgulho do nosso coração: “Nas relações com os outros, o amor próprio faz-nos suscetíveis, inflexíveis, soberbos, impacientes, exagerados na afirmação do próprio eu e dos direitos pessoais, indiferentes, frios, injustos nos juízos e nas palavras. Compraz-se em falar escusadamente das suas ações, das luzes e das experiências interiores, das dificuldades e sofrimentos. Nas práticas de piedade, deleita-se em olhar os outros, em observá-los e julgá-los; gosta de se comparar para se julgar melhor do que os outros, para lhes descobrir somente os defeitos e negar-lhes as boas qualidades, chegando até a desejar-lhes o mal” (B. Baur).

Também o publicano veio ao templo. Para que? “De certo não por fidelidade a práticas religiosas que não conhece; ninguém acreditaria na sua piedade improvisada... todos bem o conhecem” (Pe. João Batista Lehmann).

Acostumado a enganar e oprimir o próximo na cobrança da taxa, levando uma vida impiedosa, não trata de Deus nem da alma, vive só aos seus negócios: ganhar dinheiro e ganhá-lo de qualquer maneira é seu único interesse; pouco se lhe dá com o desprezo e o ódio dos seus compatrícios.

Ele, o publicano, por ser publicano, é tido por excomungado e evitado por todos. Ele veio ao templo à hora habitual do fariseu. Por quê? Certamente, não tendo vindo por motivos humanos, deve se crer que o pobre obedeceu a um impulso do coração. Quem sabe que nos raros momentos de reflexão ele sentiu o vazio da alma e o abandono do seu Deus!

Talvez o coração procurando paz o fez dirigir os passos ao templo… talvez  se recordou de um trecho bíblico das misericórdias de Deus… talvez veio lhe à mente um verso dos salmos e da penitência: “Deus está perto dos corações contritos, ele salva os espíritos abatidos” (Sl 33, 19).

Foi ao templo para rezar; mas é o coração descontente e já contrito que impele. O coração… só o coração que o guia… que o faz procurar um cantinho escondido; e ali, fixar os olhos na terra, bater no peito e lhe põe nos lábios esta oração: “Senhor, tende piedade de mim pecador!” (Lc 18, 13). Breve e simples oração… verdadeira oração: “O publicano dirige a Deus uma oração humilde e não confia nos seus méritos, mas na misericórdia divina” (Pe. Francisco Fernández Carvajal).

Em comparação como a oração do fariseu que é uma despudorada glorificação de si próprio; esta é a oração com que se humilha, reconhece e pede.

O fariseu não sente nem a sua pequenez, nem as suas faltas e nem a grandeza de Deus. Se se conhecesse ao menos a necessidade da graça divina para se elevar àquela grandeza moral de que se gaba! Se ainda pedisse a continuação desta graça! Mas nada…

O publicano disse só duas coisas: que é pecador e que Deus é misericordioso. É em poucas palavras a verdade das relações entre Deus e o homem. O pecado se encontra com a misericórdia… o abraço que segue, é o perdão… e o magnífico efeito, é a justificação.

Estes dois homens que vieram ao templo para rezar e que fizeram uma oração tão diferente uma da outra, saem do tempo mais desiguais que antes: o fariseu mais vazio ainda, se isto fosse possível… e o publicano com as condições de vida anterior completamente mudada. Dupla vantagem trouxe-lhe a breve oração: da parte de Deus saiu justificado; quanto a si próprio achara no templo a paz e o bem estar da alma: “O publicano manteve-se à distância, e por isso Deus se aproximou dele mais facilmente... Que Ele esteja longe ou não, depende de ti. Ama, e Ele se aproximará; ama, e Ele morará em ti” (Santo Agostinho).

Quem podia imaginar que o coração destes dois homens tivesse efeitos tão opostos? Sob o exterior bem diverso dos dois… quem podia discernir a verdade?

Os dois homens vão ainda ao templo para rezar. São dois homens que se renovam perpetuamente e enquanto o mundo é mundo, assim será sempre. Em todos os tempos haverá quem reze: cristãos levianos, soberbos, fiéis observadores de qualquer exercício menos incômodo, pontuais à missa há tal hora… pontuais à esta ou àquela função religiosa.

Esses crêem que mais nada lhes resta a fazer… para eles, a vida religiosa e moral já estão completas. Não estão dispostos a olharem com sinceridade para a alma, a fazerem um exame que descubra um grande defeito e a se esforçarem com humildade e sinceridade para realizarem generosos propósitos. Nada disto!

Da prática estereotipada (fixa, inalterável), outro proveito não tira senão o magro consolo de ouvirem dizer: É “católico praticante”… é “um devoto”.

Mas sua vida religiosa permanece oca e anêmica; saem do templo sem mudança alguma… têm-se em conta de homens de bem: julgam-se bons cristãos… estão satisfeitos e nesta ilusão fatal vivem até o dia em que qualquer golpe da providência lhe abra os olhos e faça desaparecer aquele verniz da religião.

Mas também não faltam almas que vão ao templo levadas pelo desconforto e pela dor… fartas e enjoadas das misérias do mundo procuram a paz de Deus. Não vão por hábito… não têm respeito humano; vão porque o espírito as impele e elas obedecem.

São almas contritas, se humilham, choram e resolvem mudar. Essas saem do templo dispostas a viverem santamente… não tardam a entrar plenamente nos desígnios da Providência e na prática integral do cristianismo.

Não desprezemos essas almas e não as julguemos insensatamente! Suas orações penetram as nuvens, ao passo que o estulto murmúrio dos fariseus se arrasta pela terra e se esvai.

Eis dois homens… duas preces que ninguém deve perder da memória. Sua lembrança é salutar; abate a vaidade e não permite o desânimo.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 11 de junho de 2011

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Francisco Fernández Carvajal, Falar com Deus

Pe. João Batista Lehmann, Euntes… Praedicate!

Astério, In Cat. graec. Patr.

Teofilacto, Escritos

São Basílio, Escritos

B. Baur, A vida espiritual

Santo Agostinho, Sermão 9, 21

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Dois homens”

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