DEUS A NINGUÉM TENTA

(Tg 1, 13)

 

“… pois Deus não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta”.

 

A narração das tentações interiores e exteriores de Santa Catarina de Sena é surpreendente e instrutiva. Ela diz ter tido, certa vez, um combate espiritual longo e terrível.

As imaginações feias desfilavam-lhe, uma após outra, na mente, provocadas pelo demônio.  E, quanto mais ela as enxotava, tanto mais elas passavam. O seu coração tremia de espanto. Parecia-lhe que uma água suja a penetrava e a submergia toda; só a sua vontade inabalável ficava emersa.

Esta provação durou vários dias; finalmente apareceu-lhe o Senhor, a quem ela disse: “Senhor! Onde estáveis quando eu me afundava nas trevas e na impureza?” “Minha filha, eu estava no teu coração”.

Deus não tenta, mas permite que a pessoa seja tentada.

A tentação entende-se como pôr à prova a fidelidade de uma pessoa; neste sentido, poderia dizer-se que Deus “tenta” alguns homens, como fez com Abraão (Gn 22, 1 ss). Não obstante, em Tg 1, 13 fala-se da tentação em sentido estrito, como incitação ao pecado; assim Deus não tenta ninguém, porque jamais incita ao mal (cf. Eclo 15, 11-20). Portanto, nunca se pode atribuir a Deus a nossa inclinação para o pecado. Tampouco se poderia dizer que, ao dar-nos a liberdade, é causa do nosso pecado. Pelo contrário, todos os dons naturais e sobrenaturais que recebemos são outras tantas possibilidades de agir com bondade moral.

As tentações, porém, impelem a pecar, a separar-se de Jesus Cristo e, por isso, são muito mais amargas do que todos os outros sofrimentos: “É preciso, porém, notar que todas as tentações que impelem para o mal não vêm de Deus, mas do demônio ou das más inclinações” (Santo Afonso Maria de Ligório). Contudo, Deus permite, às vezes, que as almas que lhe são mais caras, sejam tentadas mais fortemente. Primeiramente, para que conheçam melhor a sua fraqueza e a necessidade que têm do auxílio de Deus para não caírem. Quando uma pessoa se encontra interiormente consolada por Deus, pensa ser capaz de vencer todas as tentações e realizar qualquer trabalho pela glória de Deus. Vendo-se, porém, duramente tentada, à beira do precipício e quase caindo, é então que reconhece melhor sua miséria e sua incapacidade para resistir, se Deus não a socorre. Em segundo lugar, Deus permite as tentações para que vivamos mais desapegados deste mundo e desejemos mais ardentemente ir vê-Lo no céu.

As pessoas de bom coração, vendo-se tentadas nesta vida dia e noite, enfastiam-se de viver e dizem: “Ai de mim, meu desterro se prolonga”, suspirando pela hora em que poderão dizer: “A cadeia se rompeu e nós ficamos livres” (Sl 123, 7). A alma quer voar, mas enquanto vive neste mundo, está presa por uma cadeia que a segura aqui na terra, onde é atormentada continuamente pelas tentações. Essa cadeia não se rompe senão com a morte. Por isso, as almas que amam o Senhor suspiram pela morte que as tire do perigo de perderem a Deus.

Em terceiro lugar, Deus permite as tentações para nos enriquecer com méritos, como disse o anjo a Tobias: “Porque eras aceito a Deus, foi necessário que a tentação te provasse” (Tb 12, 13).

Portanto, não devemos recear de estar sem a graça de Deus pelo fato de sermos tentados; pelo contrário, então devemos esperar ser mais amados por Deus. É engano do demônio fazer certas almas fracas acreditarem que as tentações são  pecados que mancham a alma. Não são os maus pensamentos que nos fazem perder a Deus, mas sim, os maus consentimentos. Por fortes que sejam as tentações do demônio, por mais vivas que sejam as imaginações impuras assaltando o nosso espírito, se nós não as queremos, não mancham a alma, mas a torna mais forte e mais querida de Deus.

Diz São Bernardo de Claraval que todas as vezes que vencemos as tentações ganhamos um novo mérito: “Quantas vezes vencemos, tantas vezes somos coroados”. Não nos espantemos com o mau pensamento que não sai da nossa cabeça e continua a nos atormentar; basta que o detestemos e procuremos afastá-lo.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 15 de junho de 2011

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura: texto e comentário

Edições Theologica

Santo Afonso Maria de Ligório, A prática do amor a Jesus Cristo

São Bernardo de Claraval, In Quadragésima, sermo 5, n.° 3

Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as festas do Senhor e dos Santos

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Deus a ninguém tenta”

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