LÓ E AS DUAS FILHAS NUMA CAVERNA (Gn 19, 30-38)
“30 Ló subiu de Segor e se estabeleceu na montanha com suas duas filhas, porque não ousava continuar em Segor. Ele se instalou numa caverna, ele e suas duas filhas. 31 A mais velha disse à mais nova: ‘Nosso pai é idoso e não há homem na terra que venha unir-se a nós, segundo o costume de todo o mundo. 32 Vem, façamos nosso pai beber vinho e deitemo-nos com ele; assim suscitaremos uma descendência de nosso pai’. 33 Elas fizeram seu pai beber vinho, naquela noite, e a mais velha veio deitar-se junto de seu pai, que não percebeu nem quando ela se deitou, nem quando se levantou. 34 No dia seguinte, a mais velha disse à mais nova: ‘Na noite passada eu dormi com meu pai; façamo-lo beber vinho também nesta noite e vai deitar-te com ele; assim suscitaremos uma descendência de nosso pai’. 35 Elas fizeram seu pai beber vinho também naquela noite, e a menor deitou-se junto dele, que não percebeu nem quando ela se deitou, nem quando se levantou. 36 As duas filhas de Ló ficaram grávidas de seu pai. 37 A mais velha deu à luz um filho e o chamou Moab; é o pai dos moabitas de hoje. 38 A mais nova deu também à luz um filho e o chamou Ben-Ami; é o pai dos Benê-Amon de hoje”.
Como na tábua etnográfica do capítulo 10 do Livro do Gênesis, o autor sagrado utiliza o sistema dos epônimos (que dá ou empresta o seu nome a alguma coisa) para esclarecer a origem dos povos, e supõe que Moab e Amon foram dois personagens que deram nome a estas respectivas nações. Assim, “este relato se apresenta como uma legenda etnológica que pretende explicar a origem dos dois povos vizinhos dos israelitas, os moabitas e amonitas” (A. Clamer, o. c., p. 297). Para os hebreus, o incesto era uma abominação (cfr. Dt 27, 20.23; Lv 18, 6-18). Por isso, “atribuir uma origem incestuosa a seus inimigos hereditários, os moabitas e amonitas, não podia ser senão uma zombaria” (J. Chaine, o.c., p. 253). São Jerônimo diz que os rabinos do seu tempo diziam que era impossível acreditar nisso: uma sátira, não uma história (La méthode historique p. 207). De certa forma, a anedota é concebível dentro da mentalidade da época. Depois da catástrofe (destruição de Sodoma e Gomorra), as filhas de Ló presumiram não poder encontrar homens, sobretudo, de sua parentela, como era lei na história patriarcal, para casar-se e ter a descendência, e assim, em sua ignorância (devido a rudeza dos costumes da época), consideraram lícito ter descendência de seu próprio pai. Ante o dilema de ficar sem descendência e o vencer a repugnância a ter relações sexuais com seu progenitor, se deixaram levar pelo desejo de ter descendência. Para nós, isso é incompreensível; porém, dada a moralidade sexual, não muito exigente, dos tempos patriarcais (sobretudo por influência do ambiente pagão), é explicável. É um caso semelhante ao gesto de Ló de oferecer a honra de suas filhas para salvar o dever da hospitalidade, que considera mais sagrado. Não obstante, o autor sagrado considera esta união incestuosa como monstruosa, e em seu relato há uma sangrenta ironia contra a suposta origem dos moabitas e amonitas. A etimologia dos amonitas se relaciona com a exclamação de uma das filhas de Ló: “Filho do meu povo” (Bene Ammón), e os LXX, paralelamente, diz a propósito de Moab: “Filho de minha raça” (de Mehabí: “de meu pai”, o mu’abi: água de meu pai: sêmen patris) P. Dhorme: RB (1931) 373. Os lexicólogos demonstram o parentesco de hebreus, moabitas e amonitas, já que as línguas deles são como “formas dialectas” de um cananeu comum. Com este relato tão singular, o autor sagrado nos despede de Ló, o sobrinho de Abraão. A verdade é que sua figura não se nos mostra tão simpática e atraente como a de Abraão. Ao separar-se os dois, o tio se mostra cheio de generosidade, enquanto que o sobrinho se demonstra ao menos pouco delicado em não aprovar a faculdade de eleição a seu tio. Se deixa levar pelas riquezas do vale do Jordão, que se parecia com o vale do Nilo (Gn 13, 5-18), sem atender a condição dos moradores dele. Quando chega a invasão dos reis caldeus, Abraão se distingue por sua decisão e generosidade; porém, de Ló nada se diz, senão que foi resgatado em virtude da vitória de seu tio. Neste último episódio, Abraão se manifesta o amigo de Deus, que aproveita esta amizade para interceder por aqueles a quem a justiça divina tinha ameaçado. De Ló só se fala de sua hospitalidade (cfr. Pe. Alberto Colunga, Bíblia comentada).
MENSAGENS DE GÊNESIS 19, 30-38
PRIMEIRA MENSAGEM
O péssimo exemplo das filhas de Ló não deve ser motivo para um católico cometer o gravíssimo pecado de INCESTO. Nem por isso o INCESTO deixou de ser pecado: “O incesto designa relações íntimas entre parentes ou pessoas afins, em grau que proíba entre eles o casamento. São Paulo estigmatiza esta falta particularmente grave: ‘É geral ouvir-se falar de mau comportamento entre vós... um dentre vós vive com a mulher de seu pai... É preciso que, em nome do Senhor Jesus... entreguemos tal homem a Satanás para a perda de sua carne...’ (1 Cor 5,1.3-5). O incesto corrompe as relações familiares e indica como que uma regressão à animalidade” (Catecismo da Igreja Católica, 2388). Muitos aproveitam desse trecho para afirmarem que o INCESTO é agradável a Deus e está liberado. Grande rebeldia! Outros dizem também que Deus é contraditório. Destruiu Sodoma e Gomorra por causa do pecado da imoralidade e agora permite tal aberração. Grande ignorância! Como não houvesse sobreviventes com quem pudessem casar-se, as duas filhas seduziram Ló enquanto se achava embriagado, e deram-lhe filhos. O sentido da estória da origem incestuosa dos povos de Moab e de Amon podia não ser tão repugnante na sua origem quanto o é para o gosto moderno; para um povo mais primitivo, as filhas de Ló poderiam ser heroínas que, contra toda esperança, encontraram uma forma de realizar seu destino como mulheres (cfr. Pe. John L. Mckenzie, Dicionário Bíblico).
SEGUNDA MENSAGEM
Por mais virtuosa que seja uma pessoa, se não fugir das amizades perigosas e imorais, corre grande risco de se corromper: “... o que ama o perigo nele cairá” (Eclo 3, 26), e: “Não vos deixeis iludir: ‘As más companhias corrompem os bons costumes” (1 Cor 15, 33). Ló não foi morar com a sua família numa região de pessoas virtuosas e santas; mas sim, de criminosos e pecadores... as filhas de Ló eram virgens: “... Ló estabeleceu nas cidades da Planície; ele armou suas tendas até Sodoma. Ora, os habitantes de Sodoma eram grandes criminosos e pecavam contra Deus” (Gn 13, 12-13), e: “... tenho duas filhas que ainda são virgens” (Gn 19, 8). Muitos são os que tiram a família de um lugar seguro para colocá-la na lama do pecado; vendo-a, em pouco tempo, completamente destruída. A lepra tem sido sempre considerada figura do pecado, e assim como ela é um mal contagioso, assim o pecado, os maus costumes dos perversos facilmente infeccionam aqueles que os procuram... É próprio da nossa natureza corrompida se deixar impressionar pelo mal do que pelo bem. Não se deve fugir só dos maus, dos escandalosos e dos libertinos, cuja companhia repugna a um coração bem formado, como também daqueles que conhecemos por escravos do vício. Se é toda prudência fugirmos dos homens sem fé, mais cuidado nos é aconselhado, que o tenhamos daqueles que nos vêm em vestido de ovelha, aparentando virtude e honestidade (cfr. Pe. João Batista Lehmann, Euntes... Praedicate!). A carne é fraca! Muitas pessoas virtuosas já caíram por não fugirem de certas amizades e se afeiçoarem a certos ambientes perigosos: “E como ele hesitasse, os homens o tomaram pela mão, bem como sua mulher e suas filhas, pela piedade que Deus tinha dele. Eles o fizeram sair e o deixaram fora da cidade” (Gn 19, 16).
TERCEIRA MENSAGEM
Será que Ló pecou gravemente? A Santa Igreja Católica Apostólica Romana, ÚNICA IGREJA FUNDADA por Jesus Cristo, ensina: “Para que um pecado seja mortal requerem-se três condições ao mesmo tempo: ‘É pecado mortal todo pecado que tem como objeto uma matéria grave, e que é cometido com plena consciência e deliberadamente’. A matéria grave é precisada pelos Dez mandamentos, segundo a resposta de Jesus ao jovem rico: ‘Não mates, não cometas adultério, não roubes, não levantes falso testemunho, não defraudes ninguém, honra teu pai e tua mãe’ (Mc 10,19). A gravidade dos pecados é maior ou menor: um assassinato é mais grave que um roubo. A qualidade das pessoas lesadas é levada também em consideração. A Violência exercida contra os pais é mais grave que contra um estranho. O pecado mortal requer pleno conhecimento e pleno consentimento. Pressupõe o conhecimento do caráter pecaminoso do ato, de sua oposição à lei de Deus. Envolve também um consentimento suficientemente deliberado para ser uma escolha pessoal” (Catecismo da Igreja Católica, 1857-1859). Será que Ló consentiu? Será que ele sabia o que estava acontecendo? “Elas fizeram seu pai beber vinho, naquela noite, e a mais velha veio deitar-se junto de seu pai, que não percebeu nem quando ela se deitou, nem quando se levantou. No dia seguinte, a mais velha disse à mais nova: ‘Na noite passada eu dormi com meu pai; façamo-lo beber vinho também nesta noite e vai deitar-te com ele; assim suscitaremos uma descendência de nosso pai’. Elas fizeram seu pai beber vinho também naquela noite, e a menor deitou-se junto dele, que não percebeu nem quando ela se deitou, nem quando se levantou” (Gn 19, 33-35). Ló estava embriagado: “A embriaguez priva o homem do uso da razão e o rebaixa a um nível inferior ao dos animais que sempre conservam expedido o instinto para se governarem” (Santo Tomás de Aquino).
QUARTA MENSAGEM
É preciso usar de prudência na convivência com o próximo: familiares, amigos e estranhos: “Maldito o homem que confia no homem” (Jr 17, 5). Muitas pessoas são abusadas sexualmente e até assassinadas depois de serem amordaçadas, embriagadas e dopadas por outras pessoas. O coração do homem é um abismo. Feliz daquele que confia somente em Deus e usa de prudência no relacionamento com o próximo. Existem muitas “filhas” de Ló nesse mundo; é preciso agir prudentemente. Prudência é uma virtude pela qual escolhemos e tomamos os meios mais próprios para bem desempenhar nossos deveres. A prudência humana diferencia o bem do mal, o falso do verdadeiro, procede com tino e acerto no uso das coisas da vida. A prudência cristã, alumiada pela luz de Deus, procura conselhos, foge dos perigos, evita as ocasiões perigosas, acautela-se contra a presunção e a leviandade: norteia seguramente todos os nossos atos e todos os nossos passos (cfr. Monsenhor Cauly, Curso de Instrução religiosa).
QUINTA MENSAGEM
Muitas pessoas, para conseguirem algo na vida, cometem loucuras: assassinam, cometem incestos, roubam, caluniam, escravizam... contanto que os seus ideais sejam realizados. Atropelam a Lei de Deus, a Lei da Igreja... pisam nas virtudes... “assassinam” a consciência... tudo para conseguirem uma “descendência”, isto é, para realizarem os ideais. Será que Deus fica feliz com o procedimento dessas pessoas? “Vou cantar o amor e o direito, a ti, Deus, eu quero tocar; vou andar na integridade: quando virás a mim? Andarei de coração íntegro dentro da minha casa; não porei uma coisa vil diante dos meus olhos. Odeio a ação dos apóstatas: ela não me atrairá; longe de mim o coração pervertido, eu ignoro o perverso. Quem calunia seu próximo em segredo eu o farei calar; olhar altivo e coração orgulhoso eu não suportarei. Meus olhos estão nos leais da terra, para que habitem comigo; quem anda no caminho dos íntegros, este será o meu ministro. Em minha casa não habitará quem pratica fraudes; o que fala mentiras não permanecerá diante dos meus olhos. A cada manhã eu farei calar todos os ímpios da terra, para extirpar da cidade de Deus todos os malfeitores” (Sl 100, 1-8).
SEXTA MENSAGEM
Ló e suas filhas numa caverna... muitos irmãos de sangue, rapazes e moças, dormem no mesmo quarto ou na mesma cama... muitos pais acariciam excessivamente suas filhas... tios falam assuntos imorais com suas sobrinhas... sobrinhos e tias se abraçam exageradamente... É preciso evitar as OCASIÕES de PECADO. Procurar voluntariamente o pecado, não evitando as ocasiões que constituem um grande perigo, é expor-se à queda certa, é um verdadeiro suicídio espiritual. Já está morto aquele que se mete na ocasião com o propósito de cometer pecado. Embora não tenha ainda consumado a obra, com o desejo já a consumou (cfr. Pe. João Batista Lehmann, Euntes ... Praedicate!).
SÉTIMA MENSAGEM
Não se pode consentir nas tentações, mas é preciso perseverar na luta até vencê-las: “Vem, façamos nosso pai beber vinho e deitemo-nos com ele” (Gn 19, 32). É preciso resistir à tentação. a) Prontamente, sem discutir com o inimigo, sem hesitação (vacilação) alguma: “Foge do pecado como de uma serpente, porque, se te aproximares, morder-te-ás” (Eclo 21, 2). b) Energicamente, não com moleza e como de má vontade, o que pareceria convidar a tentação a voltar; mas com força e vigor, testemunhando o horror que tal proposição nos causa: “Vai-te, Satanás…” (Mt 4, 10). c) Com constância (firmeza de ânimo): é que às vezes a tentação, vencida por um instante, volta com novo furor, e o demônio reconduz do deserto sete espíritos piores do que ele. A esta pertinácia do inimigo é mister opor resistência não menos tenaz; quem combate até o fim é que sairá vitorioso. d) Com humildade: é ela, efetivamente, que atrai a graça, e a graça é que nos dá a vitória. O demônio que pecou por orgulho foge diante dum ato sincero de humildade.
OITAVA MENSAGEM
Infeliz daquele que induz uma pessoa a pecar: “No dia seguinte, a mais velha disse à mais nova: ‘Na noite passada eu dormi com meu pai; façamo-lo beber vinho também nesta noite e vai deitar-te com ele’” (Gn 19, 34). O escandaloso, com semblante de amigo, se acerca de nós e à nossa resistência ele opõe suas blandícias, e não desiste dos seus maus intentos enquanto não os tiver realizado (cfr. Pe. João Batista Lehmann, Euntes ... Praedicate!).
NONA MENSAGEM
A filha mais nova de Ló aceitou o convite da irmã mais velha: “Elas fizeram seu pai beber vinho também naquela noite, e a menor deitou-se junto dele” (Gn 19, 35). Jamais aceitemos o convite de alguém para praticar o mal: “Meu filho, se pecadores quiserem te seduzir, não consintas! Se disserem: ‘Vem conosco, façamos emboscadas mortais... Meu filho, não os acompanhes em seu caminho, afasta os teus passos dos seus trilhos; porque os seus pés correm para o mal, apressam-se para derramar sangue” (Pr 1, 10-11. 15-16).
Pe. Divino Antônio Lopes FP. Anápolis, 15 de julho de 2012
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