O AMOR VEM DE DEUS

(1 Jo 4, 7-10)

 

7 Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus. 8 Quem não ama, não chegou a conhecer Deus, pois Deus é amor. 9 Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos vida por meio dele. 10 Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados”.

 

Em 1 Jo 4, 7 diz: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece Deus”.

 

Os atributos divinos, as perfeições que Ele tem em grau máximo, são a causa das nossas virtudes: porque Deus é justo, por exemplo, fez-nos capazes de ser justos. Da mesma maneira, porque Deus é amor, os homens são capazes de amar. O verdadeiro amor, a verdadeira caridade, procede de Deus.

“... amemo-nos uns aos outros”. Aqui não pretende abordar o tema especial do amor fraterno. A ideia central agora é o amor em geral que constitui o sujeito da frase seguinte: “porque o amor...” Sua intenção é estabelecer a LINHA de separação entre os cristãos e os falsários, e essa é o AMOR. O verdadeiro cristão AMA, enquanto que o que pertence ao mundo ODEIA a seu irmão (1 Jo 3, 13; cf. Jo 15, 18; 17, 14). O mundo pode também amar (Jo 15, 19); porém, esse amor é MENTIRA e MORTE para o irmão (1 Jo 3, 12-15; Jo 8, 44).

“... porque o amor vem de Deus”. O verdadeiro amor procede de Deus e somente de Deus; ou melhor, o único amor digno desse nome é divino. Por isso, se o cristão diz que é “o que ama”, é porque ama com um amor especial de origem celeste, e de uma maneira também, particular, inspirado por sentimentos divinos... de Deus.

“... e todo aquele que ama”. Esta expressão geral se compreende na luz desse horizonte amplo.

“... aquele que ama nasceu de Deus”, significa que o renascimento se conhece no amor, como em 1 Jo 2, 9; 5, 1. Logo, a caridade não é um dom divino como outro qualquer, uma graça concedida temporalmente... mas que está intrinsecamente ligada e para sempre a esse renascimento de Deus. O fiel ama porque foi engendrado de Deus. E esse “engendrar” se entende em sentido realista; há algo físico de Deus em nós; somos partícipes de sua natureza e de sua vida. O nascido de Deus recebeu uma faculdade de amar inerente à natureza divina de que participa. A caridade é fruto dessa “semente” divina recebida no batismo. Segundo isso, é o mesmo cristão o que é capaz de amar divinamente; não é o Espírito Santo o que ama em nós, como parece deduzir Rm 5, 5. O cristão pelo mesmo título da sua filiação divina é apto para a caridade.

“... e conhece Deus”. Com o renascer de Deus está intimamente ligado o conhecimento de Deus. Também para esse conhecimento seu critério é o amor.  A caridade é o sinal de que uma pessoa nasceu de Deus e O conhece. Esta expressão é entendida pela maioria dos autores em função de 1 Jo 2, 3-5: só o que escuta a palavra de Deus e guarda seus mandamentos pode afirmar que conhece a Deus; esse conhecimento se consuma e se prova na obediência. Por isso “o que peca... não o conhece” (1 Jo 3, 6). Conhecer, em linguagem bíblica, é chegar a possuir ao seu conhecido. E a caridade é a faculdade de união, a que dá ao fiel a possibilidade de estar com comunhão com Deus e possuí-lO. Tudo procede do “renascimento” de Deus. Os três atos: “nascer, conhecer e amar”, estão em íntima relação. Engendrado por Deus e participante de sua natureza, o fiel é apto para amar e para conhecer divinamente. O fiel tem um “hábito” ou capacidade  de conhecer, da mesma natureza que sua capacidade de amar; e esse conhecer não pode ser outro que o conhecimento de Deus como Pai amoroso (Rm 8, 15; Gl 4, 6). Posto que esse conhecimento não só está impregnado de amor, mas condicionado por ele, a caridade é que mantém na comunhão com Deus: É preciso amar para conhecer a Deus e permanecer unido a Ele.

Santo Agostinho escreve: “Caríssimos (dilectissimi), prossegue São João, ‘amemo-nos uns aos outros’ (1 Jo 4, 7). E por quê? Por que simples homem assim nos aconselha? Não! ‘Porque o amor é de Deus’. Mas São João vai ainda mais longe. Escutemos com atenção! Ele acaba de dizer: ‘O amor é de Deus’, acrescenta a seguir: ‘Todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus”.

 

Em 1 Jo 4, 8 diz: “Quem não ama, não chegou a conhecer Deus, pois Deus é amor”.

 

“Deus é amor”. Sem ser propriamente uma definição – em 1 Jo 1, 5 disse: “Deus é luz” -, esta expressão revela-nos um dos atributos divinos mais consoladores: “Ainda que nada mais se dissesse em louvor do amor em todas as páginas desta Epístola; ainda que nada mais se dissesse em todas as páginas da Sagrada Escritura, e unicamente ouvíssemos por boca do Espírito Santo ‘Deus é amor’, nada mais deveríamos buscar” (Santo Agostinho).

O amor de Deus aos homens pôs-se de manifesto na criação e nos dons preternaturais e sobrenaturais concedidos antes do pecado; depois do pecado do homem, o amor de Deus aparece, sobretudo, perdoando e redimindo: “Deus tanto amou (...) que lhe entregou o seu Filho Unigênito (Jo 3, 16), Deus que é amor não pode revelar-se de outro modo senão como misericórdia. Esta corresponde não só à verdade mais profunda desse amor que é Deus, mas também à verdade interior do Homem e do mundo que é a sua pátria temporal” (São João Paulo II).

Agora São João vai muito mais longe. Não apresenta o amor como uma obrigação, nem como uma simples fidelidade a uma ordem, nem sequer como um “espírito”; a ideia que sugere é a de uma exigência da natureza divina. Deus é amor. Os fiéis, nascidos de Deus, participam da sua mesma natureza. Por isso são capazes de amá-lO como seu Pai celestial. O amor ao próximo e o amor a Deus são da mesma natureza, porque a essência de Deus é amar.

Deus é amor: que sentido tem essa afirmação? O texto diz: “Deus é amor”, não como uma qualidade que Deus possui, mas algo que abarca tudo o que Deus é. O sentido imediato que brota é que o amor se refere a Deus, como ao mundo se refere o ódio. E o homem tem que decidir por um ou outro: ou pelo reino da incredulidade e do ódio, ou pelo reino da fé, da obediência e do amor. Aqui o autor busca discernir a natureza dos filhos de Deus e a dos filhos do Diabo. Deus, por natureza, é amor: N’Ele se encontra a caridade em plenitude como em sua fonte. Logo, os fiéis, engendrados por Ele, devem também amar, como Ele. O “ágape” é a revelação mais constante e mais prodigiosa do amor de Deus. O amor do Pai, idêntico e uno com o Filho, se revela generoso até o extremo nos abismos da bondade do Coração de Jesus Cristo, tido benignidade e amor paciente até a consumação total de sua vida na cruz: “Quem vê o Filho vê o Pai” (Jo 10, 30), e: “Como meu Pai me amou, assim eu os amo” (Jo 15, 9-10).

São João não disse: “Em Deus há amor”, mas sim: “Deus é amor”. Ou seja, o amor é uma designação, uma definição do seu ser. Em outras palavras, o amor tem aqui um significado transcendente de “plenitude benfeitora”. Ao contrário de eros, que é mero desejo. Deus é em si mesmo amor, dom e pura comunicação de si desde toda a eternidade; amor perpetuamente em ato, que se comunica totalmente a seu Filho em uma complacência infinita. Esse amor não é uma qualidade abstrata, nem uma propriedade distinta de sua substância, senão um atributo que forma parte da mesma natureza de Deus: a caridade subsistente. E a caridade que o Pai manifesta aos homens não é mais que uma prolongação desse atributo essencial.

Santo Agostinho escreve: “Aquele que não ama não conheceu a Deus’. Por quê? ‘Porque Deus é amor!’ (1 Jo 4, 8). O que se pode dizer a mais, irmãos? Vedes agora que agir contra a caridade é agir contra Deus. Que ninguém venha dizer: - É contra um homem que eu peco, quando não amo a meu irmão. É pouca coisa ofender um homem, já que não ofendo a Deus. – Como pretendes não pecar contra Deus ao pecar contra a caridade? ‘Deus é amor!’ Acaso somos nós que o dizemos? Se fosse de nós mesmos que o disséssemos, essa linguagem talvez escandalizasse alguém entre vós. Esse exclamaria: - O que disse ele? O que quis dizer ao pretender que Deus é amor? Sim! Deus nos deu a caridade, Deus fez-nos o dom do amor! O amor é de Deus. O próprio Deus é amor. Tendes aí, irmãos, a palavra mesma de Deus. Esta Epístola é canônica. É lida por todos os povos, possui autoridade no mundo todo. Edifica o mundo inteiro. Escutas o Espírito de Deus te dizer aí: ‘Deus é amor’. Ousas agora, opor-te a Deus e recusar amar o teu irmão!”

 

Em 1 Jo 4, 9 diz: “Foi assim que o amor de Deus se manifestou entre nós: Deus enviou o seu Filho único ao mundo, para que tenhamos vida por meio dele”.

 

Deus manifestou o seu amor aos homens enviando o seu próprio Filho: ou seja, não são apenas os ensinamentos de Jesus cristo que nos falam de Deus, mas, sobretudo, a sua presença entre nós: Ele próprio, que é a plena revelação de Deus (cfr Jo 1, 18; Hb 1, 1) e do seu amor aos homens: “A fonte de todas as graças é o amor que Deus nos tem e que nos revelou, não exclusivamente com as palavras: também com os fatos. O amor divino faz que a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Verbo, o Filho de Deus Pai, tome a nossa carne, ou seja, a nossa condição humana, menos o pecado. E o Verbo, a Palavra de Deus é a Palavra da qual procede o Amor” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q. 43, a. 5; citando a Santo Agostinho, De Trinitate, IX, 10).

“... entre nós”. Significa que o amor de Deus se manifestou perante as testemunhas da vida do Senhor – os Apóstolos – e perante os outros cristãos que participam do testemunho apostólico. Mas significa também “dentro de nós”, no nosso interior, enquanto pela graça santificante participamos da mesma vida divina; cada cristão é testemunha de que Jesus Cristo veio para que os homens “tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10, 10).

O amor de Deus se manifesta na encarnação redentora. Seu conteúdo se reduz em duas fórmulas conjuntas: a manifestação do amor de Deus e o envio do seu Unigênito, que unidas nos dão a essência do pensamento de São João: o envio do Filho é a epifania do amor de Deus.

“Deus enviou o seu Filho único ao mundo”. O enviado por Deus não é um mensageiro qualquer, mas o seu próprio Filho, “o Unigênito”.

“... para que tenhamos vida por meio dele”, denota o caráter universal dessa extrema generosidade. Deus envia o seu Filho para todos, especialmente para todos os fiéis, que por Ele vão ter a possibilidade de passar da morte para a vida (1 Jo 3, 14). Com esse fim o Pai consente em separar-se de seu Filho e enviá-lO “ao mundo”. Esta decisão do Pai mostra que a encarnação é um mistério de amor: é o dom do amor de Deus. Ou, se queremos, um raio de luz sobre esse mistério insondável de amor que é Deus.

Santo Agostinho escreve: “Nisto se manifestou o amor de Deus entre nós...’ (1 Jo 4, 9). Temos aí uma forte exortação para amarmos a Deus. Poderíamos amá-lo, se primeiro ele não nos tivesse amado? Se éramos preguiçosos para amá-lo, não sejamos preguiçosos para retribuir-lhe o amor. Ele nos amou em primeiro lugar, mas conosco não acontece o mesmo. Amou-nos a nós pecadores, mas apagou-nos a iniquidade. Amou-nos pecadores, mas não nos congregou para cometermos o pecado. Amou-nos doentes,  mas visitou-nos para nos curar. Portanto, ‘Deus é amor’. Nisto se manifestou o amor de Deus entre nós: Deus enviou o seu Filho unigênito ao mundo para que vivamos por ele’ (1 Jo 4, 9). Como o próprio Senhor declarou: ‘Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos’ (Jo 15, 13). E aí está a prova do grande amor de Cristo por nós: morreu por nós. E qual a prova do amor do Pai por nós? Esta: enviou seu Filho único para morrer por nós. Assim diz o apóstolo Paulo: ‘Quem não poupou o seu próprio Filho e o entregou por todos nós, como nos haverá de agraciar em tudo, junto com ele?’ (Rm 8, 32)”.

 

Em 1 Jo 4, 10 diz: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de reparação pelos nossos pecados”.

 

Visto que o amor é um atributo divino (v. 8), os homens – enquanto participam das qualidades de Deus – têm capacidade de amar. Portanto, sempre é Deus quem toma a iniciativa.

São João, explicando em que consiste o amor, assinalada a sua manifestação suprema: “Enviou o seu Filho como vítima propiciatória pelos nossos pecados”. Ao longo da carta apareceram expressões semelhantes: Jesus Cristo é “a vítima propiciatória pelos nossos pecados” (1 Jo 2, 2); o Filho de Deus manifestou-se “para destruir as obras do Diabo” (1 Jo 3, 8), “deu a sua vida por nós” (1 Jo 3, 16). Todas elas põem de manifesto: 1) Que a morte de Jesus Cristo é um sacrifício em sentido estrito, o mais sublime ato de reconhecimento da sabedoria de Deus. 2) Que é um sacrifício propiciatório, pois com ele alcança o perdão divino dos pecados dos homens. 3) Que é o ato supremo do amor de Deus, até ao ponto de que São João pode assegurar que “nisto consiste o amor”.

O mais assombroso, ensina Santo Afonso Maria de Ligório, “é que tendo-nos podido salvar sem padecer nem morrer,  escolheu vida trabalhosa e humilhada, e morte amarga e ignominiosa, até morrer na cruz, patíbulo infame reservado aos malfeitores. E por quê, podendo-nos redimir sem padecer, quis abraçar a morte na Cruz? Para nos demonstrar o amor que nos tinha”.

Segue aprofundando cada vez mais no mistério do amor de Deus manifestado aos homens em seu Filho. “Nisto consiste o amor”: à luz do versículo anterior, quer dizer: “Nisto consiste a manifestação do amor” ou “eis aqui a economia do amor”. “Ágape” conserva seu sentido bíblico de manifestação de afeto, de caridade efetiva (cf. Jo 15, 13). Porém, São João não se limita a repetir a sentença; sempre vai mais além. Deus nos manifestou sua caridade não só em enviar seu Filho ao mundo, mas em enviá-lO para a morte e em expiação de nossos pecados. Os três grandes mistérios de nossa salvação: encarnação, redenção e graça, se apresentam aqui como concebidos e realizados pelo amor infinito de Deus.

“... enviou o seu Filho como vítima”. Deus não limitou em enviar o seu Filho unigênito à terra; mas O enviou com a missão de morrer como vítima por nossos pecados, para que os mesmos que O ofenderam, possam viver da própria vida divina (1 Jo 4, 9). Ou seja, o amor de Deus se revelou na forma mais alta: a misericórdia espontânea e desinteressada... pura gratuidade. A caridade de Deus entrega nas mãos dos pecadores e abandona à morte o Ser mais amado. Essa encarnação redentora revela ao máximo a imensidade da caridade divina e sua santidade: purifica para poder unir-nos a Si mesmo.

Agora compreendemos o profundo sentido da expressão: “Nisto consiste o amor”. Aqui, amor, significa não simplesmente amor, mas AMOR de DEUS. O que São João quer definir não é o amor em geral nem o conceito do amor, mas essa realidade concreta que pertence à essência divina e se chama “ágape”. Realidade divina que não admite comparação com nenhum afeto humano. Entre o amor humano e o divino não há diferença de grau ou de extensão, mas de natureza. Deus ama até o extremo, porque tal é a sua natureza. E só Deus pode amar desse modo.

Santo Agostinho escreve: “Nisto se manifestou o amor de Deus entre nós: Deus enviou o seu Filho unigênito ao mundo para que vivamos por ele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele quem nos amou’ (1 Jo 4, 9-10). Não fomos nós que o amamos primeiro, porque ele amou-nos para podermos amá-lo. ‘ E enviou-nos o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados’. Onde encontrou a vítima? Onde encontrou a hóstia pura que queria oferecer? Não encontrou outra senão oferecer-se a si mesmo”.

 

DEVEMOS AMAR APAIXONADAMENTE A DEUS

 

No amor de Deus está a perfeição do homem. Amar a Deus é amar o bem por excelência, e quem ama a Deus de coração odeia o mal maior do mundo que é o pecado.

O amor une, estreita e assemelha. – O amor de Deus une a criatura ao seu Criador, e quanto mais cresce o amor mais se estreitam os laços desta divina amizade. Da união de afetos resulta a semelhança nas obras, e, portanto, a perfeição.

Quem não ama a Deus está ainda muito longe de ser aquilo que a natureza racional o inclina. O homem deve procurar em Deus o único objeto do seu amor, pois a razão lhe apresenta Deus como o centro de todos os bens, e como o único bem digno de ser amado sobre todos os mais.

A caridade é o vínculo da perfeição. Toda a virtude aperfeiçoa o homem: nenhuma, porém, o aperfeiçoa tanto como a caridade, pois, diz São Paulo, falando das virtudes teologais, que a maior delas é a caridade (1 Cor 13,13).

A caridade é tudo no homem. Sem ela, os seus dias são perdidos, as suas boas obras não têm valor e os seus padecimentos na têm recompensa.

A caridade é fogo que abrasa e sol que alumia. Quando este fogo se extingue, quando este sol se apaga, cessa o progresso na virtude, e a alma entra na sua quadra de inverno em que não crescem as flores da santidade nem amadurecem os seus frutos.

O amor de Deus é um preceito. Quem não ama a Deus está fora da lei e não vai pelo caminho da salvação.

E como se há de amar a Deus? “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito” (Mt 22, 37).

Amamos a Deus de todo o coração quando Lhe entregamos todo inteiro, sem O dividir com as criaturas. Deus, só, quer ser o objeto do nosso amor. Só Ele é o Senhor do nosso coração; a Ele pertence, pois, e n’Ele deve reinar como em propriedade sua. Qualquer parcela de amor que demos às criaturas, que não seja por amor de Deus, é um roubo que praticamos, é uma injustiça que lhe fazemos. Todas as perfeições que encontramos nas criaturas são revérberos (resplendores) da infinita beleza do Criador. A Ele, pois, devemos amar como centro de toda a perfeição e como oceano de toda a graça e formosura.

Amar a Deus com todo o nosso espírito é viver atuando na sua divina presença, meditando com frequência nos divinos atributos e recordando os mil favores de que nos tem cumulado.

Amar a Deus com toda a alma é empregar todas as faculdades e potências em testemunhar que é Ele só o objeto do meu amor; recordando com a memória os seus benefícios, aprofundando com o entendimento os seus divinos atributos, e vivendo unido a Ele pela vontade, pondo de parte todos os outros afetos que não encaminhem para o seu amor.

Amar a Deus com todas as forças é aplicar ao seu serviço não só as potências da alma, mas todo o vigor do corpo. É não dar um passo que não se encaminhe a conhecê-lO; é não fazer obra que não tenha por alvo a sua maior glória e não proferir palavra que não convenha à sua divina presença...  é não usar dos sentidos que não seja para admirar e louvar as maravilhas do seu poder.

Só assim cumpriremos o preceito do amor de Deus sobre todas as coisas. Quem o guarda, cumpre toda a lei, como diz São Paulo: O amor é a plenitude da lei (Rm 13,10).

O primeiro e último preceito é o amor de Deus. É um preceito a que não marcam limites. Não é, portanto, preceito que se cumpra uma vez por ano nem uma vez por dia; mas obriga a todo o instante, pois a todo o instante devemos evitar as ofensas a Deus que se opõem ao seu amor.

O amor de Deus nunca diz – basta! – mas, como fogo, propende (pende) sempre para aumentar e subir.

A justa medida para amar a Deus, diz São Bernardo de Claraval, é amá-lO sem medida.

O amor de Deus é fundamento de toda a santidade, assim como é a plenitude de toda a lei.

Quem mais ama a Deus, mais santo se torna; porque, quanto maior for o nosso amor para com Ele, mais perfeita será em nós a observância da sua lei. Quanto mais amarmos a Deus, mais longe estaremos do pecado e mais adiantados na virtude.

O amor de Deus é fogo. Purifica os nossos corações de todas as impurezas, queimando até as raízes do pecado e fazendo com seu calor germinar as virtudes.

Ame a Deus se queres chegar a ser santo.

Ame a Deus se queres conseguir a tua salvação. O amor de Deus extinguirá em teu coração o amor desordenado às criaturas que são um perigo para te conservares na graça de Deus.

Ame a Deus, ainda quando te visita com trabalhos e tentações, pois é com elas que Ele deseja provar o teu amor.

Ame a Deus no gozo e na prosperidade, pois é Ele o Autor de toda a santa e pura alegria, e quem faz que os negócios te corram prósperos.

 

Oração

 

Verbo Eterno, gastastes trinta e três anos de suores e privações. Destes o sangue e a vida para salvar os homens, nada poupando para vos fazerdes amados por eles. Como pode haver homens que, sabendo disto, ainda não vos amam? Ó Deus, eu me encontro no número destes ingratos. Compreendo o mal que fiz. Jesus, tende piedade de mim. Ofereço-vos este meu coração: ingrato, mas arrependido. Arrependo-me, sobretudo, caro Redentor, de vos haver desprezado. Arrependo-me e vos amo com toda minha alma.

Minha alma, ama a um Deus amarrado como um réu por ti, flagelado como escravo por ti, feito rei e escárnio por ti, um Deus finalmente morto na cruz como um criminoso por ti. Sim, meu Salvador e meu Deus, eu vos amo, eu vos amo. Recordai-me sempre o que sofrestes por mim, para que não mais me esqueça de vos amar.

Cordas que amarrastes a Jesus, prendei-me com Jesus. Espinhos que coroastes Jesus, feri-me de amor para com Jesus. Pregos que transpassastes Jesus, pregai-me na cruz de Jesus... afim de que eu viva e morra unido com Jesus. Sangue de Jesus, inebriai-me de santo amor. Morte de Jesus, fazei-me morrer a todo afeto terreno. Pés trans-passados do meu Senhor, eu vos abraço; livrai-me do inferno que tenho merecido. Jesus, no inferno não poderei vos amar, mas eu quero vos amar sempre. Querido Salvador, salvai-me, uni-me a vós e não permitais que eu vos perca!

Maria, refúgio dos pecadores, Mãe do meu Salvador, ajudai a um pecador que deseja amar a Deus e se recomenda a vós. Socorrei-me pelo amor que tendes a Jesus Cristo.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 05 de junho de 2014

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Edições Theologica

São João Paulo II, Dives in misericórdia, 13

Santo Afonso Maria de Ligório, A prática do amor a Jesus Cristo, cap. 1

Pe. Alexandrino Monteiro, Raios de luz

V. Warnack, Escritos

Santo Agostinho, Comentário da Primeira Epístola de São João

Pe. José Salguero, Bíblia comentada

Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “O amor vem de Deus”

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