ESPÍRITO DE ADOÇÃO

(Jo 3,5)

 

“Em verdade, em verdade te digo: quem não nasce da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus”.

 

Santo Agostinho escreve: “Portanto, Jesus confia-se aos que nascem de novo. Todos os catecúmenos acreditaram em Jesus, mas Jesus não se confiava a eles. Aquelas palavras de Jesus aplicavam-se aos catecúmenos. Ora, prestai atenção. Se perguntarmos a um catecúmeno: Acreditas em Cristo? Ele responde: acredito, e faz o sinal da cruz. Já traz na fronte a cruz de Cristo, e não se envergonha da cruz do seu Senhor. Já acreditou no seu nome. Perguntemos ainda: Comes a carne e bebes o sangue do Filho do homem? Ele não sabe o que lhe perguntamos, porque Jesus ainda se lhe não confiou”. E o mesmo Santo diz: “Como se dissesse: você acredita que me refiro à geração carnal; porém, me refiro ao nascimento que tem lugar por meio da água e do Espírito, por meio do qual nasce o homem para o reino de Deus. Se um nasce já das entranhas de sua mãe carnal, de um modo temporal para obter a herança do pai, nasce das entranhas da Igreja para a eterna herança de Deus Pai. Como o homem consta de duas substâncias, a saber: do corpo e da alma, deve ter duas classes de geração: a da água que é visível se aplica para a limpeza do corpo, e a do Espírito que é invisível, para a purificação da alma, que é invisível”. O Santo ainda diz: “E como não disse: se alguém não nascesse da água e do espírito não poderia obter a salvação ou a vida eterna, mas: ‘Não entrará no reino de Deus’, dizem alguns sobre isso: os meninos devem ser batizados para que possam entrar com Cristo no reino de Deus”.

São João Crisóstomo escreve: “Nicodemos estava pensando num nascimento carnal, segundo se acontece na vida material, pelo que Jesus Cristo lhe revela mais claramente que se refere ao nascimento espiritual: ‘Em verdade, em verdade te digo: quem não nasce da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus’”. E o mesmo Santo diz: “Mas se alguém perguntar: como pode nascer o homem da água? Eu lhe perguntaria: E como pôde Adão nascer da terra? Assim como no princípio tudo era terra e todo o mérito da obra pertencia ao Criador, assim agora, servindo-se do elemento da água, a obra é do Espírito da graça. Então lhe deu o Paraíso para que vivesse nele, mas agora nos abre as portas do céu. Porém, que necessidade de água tem aqueles que recebem o Espírito Santo? Explicarei este mistério, pois sagradas figuras se realizam por meio da água: a sepultura e a morte, a ressurreição e a vida. Porque, enquanto submergimos a cabeça na água, como numa espécie de sepulcro, o homem velho é sepultado e, submergido, é ocultado; logo, desde o lugar baixo sobe o homem novo. Sirva isso para que aprendamos que a virtude do Pai, do Filho e do Espírito Santo o enche todo, e que Jesus Cristo esperou três dias para ressuscitar”. O Santo ainda diz: “O que é o útero para o feto, é a água para o fiel, porque na água se forma e se figura. Mas o que no útero se forma necessita de tempo; enquanto que na água não sucede assim, mas tudo acontece num momento. Tal é a natureza dos corpos que necessitam de tempo para chegar à perfeição. Mas nas coisas espirituais não acontece o mesmo, mas o que se faz já se faz com perfeição desde o princípio. Desde que o Senhor subiu do Jordão, a água já não produz répteis de almas viventes, mas almas espirituais e racionais”.

 

O ESPÍRITO SANTO CRIA O HOMEM NOVO

 

“Em verdade, em verdade te digo: quem não nasce da água e do Espírito, não pode entrar no Reino de Deus” (Jo 3,5). É o Espírito Santo quem, do homem natural, cria o homem novo, o filho de Deus. Ele, que promoveu a encarnação do Filho do altíssimo, promove também o renascer espiritual do homem, como filho adotivo de Deus. Ele, que guiou a Cristo, o Filho por natureza do Pai, ao cumprimento de sua missão, forma e guia os filhos adotivos para que vivam segundo a adoção recebida.

Na vigília pascal, a Igreja, ao benzer a água batismal, ora: “Pai... infundi nesta água, por obra do Espírito Santo, a graça do vosso Filho, a fim de que, com o sacramento do batismo, seja o homem lavado da mancha do pecado, e na água e no Espírito Santo, renasça nova criatura” (Missal Romano). A virtude do Espírito Santo justifica o homem: liberta-o do pecado e o faz renascer “nova criatura”, em perfeita inocência. Mas não é tudo. Fazendo sua morada no batizado, o Espírito Santo derrama nele o espírito de ADOÇÃO, ou seja, forma nele um coração de filho, dá-lhe o senso de sua filiação divina e da paternidade de Deus. Sob o influxo do Espírito Santo e sustentado pela sua graça, é o cristão capaz de dirigir-se a Deus, dizendo: “Pai!”, não só com os lábios, mas com uma convicção que brota do mais profundo do seu ser. E está certo de não ser temeridade chamá-lo assim, porque é o Espírito Santo mesmo que suscita nele esse grito: “Como sois filhos, Deus enviou a vossos corações o Espírito do seu filho que clama: Abba, Pai!” (Gl 4,6). “O mesmo Espírito se une a nosso espírito para dar testemunho que somos filhos de Deus” (Rm 8,16). Este grito vivifica toda a oração do cristão, é sua alma e conteúdo essencial. Quando ensinava Jesus seus discípulos a orar, previa que jamais poderiam dizer “Pai nosso” com verdadeiro espírito filial, sem a intervenção de seu Espírito, o Espírito Santo que Ele lhes enviara.

“Vede que grande amor nos mostrou o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus. E de fato o somos!” (1 Jo 3,1). Justamente porque a graça de ADOÇÃO é obra de amor, atribui-se especialmente ao Espírito Santo, Espírito de amor. Quer Ele formar no cristão uma verdadeira consciência de filho de Deus, de modo que o seja não só de nome, mas de fato, na vida concreta. Ensina-lhes a comportar-se “não com espírito de escravos”, mas com “espírito de filhos” (Rm 8,15), emulando os sentimentos de Jesus para com o Pai: amor, confiança e entrega absoluta.

“Todos os que se deixam guiar pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus”. Não se trata de um guia exterior, mas interior, que transforma o homem, move-o, impele-o intimamente, infundindo-lhe novos sentimentos, afetos e desejos novos. Isto é possível justamente porque o Espírito Santo foi dado aos fiéis e neles habita (Rm 5,5; 8,9). Possuir o Espírito a morar em nossos corações e não nos deixar conduzir por Ele, não acolher suas inspirações, significa paralisar o nosso crescimento de filhos de Deus e nos condenar a uma espécie de raquitismo espiritual.

A ADOÇÃO de filhos é uma graça destinada a penetrar a vida toda dos fiéis, o que exige fidelidade contínua ao Espírito Santo. De outro lado, a adoção é um dom outorgado como primícias de frutos que amadurecerão plenamente só na glória eterna: “Também nós que possuímos as primícias do Espírito, também nós gememos em nosso íntimo, esperando a redenção do nosso corpo”. Enquanto vive na terra, o cristão espera a redenção total que se realizará quando também seu corpo participar da glória dos filhos de Deus. Antes disso, jamais poderá considerar-se completo e perfeito filho, e, sim, filho sempre em formação, em via de ser regenerado e renovado cada vez mais profundamente pelo Espírito Santo. Se se abrir totalmente ao seu influxo, infundir-lhe-á o Espírito de ADOÇÃO este instinto sobrenatural, fruto de seus dons, que o tornará atento e pronto a pensar e agir como verdadeiro filho de Deus.

 

Oração

 

Ó Amor infinito, que procedeis do Pai e do Filho, dai-me o espírito de ADOÇÃO, ensinai-me a agir sempre como verdadeiro filho de Deus. Permanecei em mim e dai-me permanecer em vós, para amar-vos como me amais. Sem vós, nada sou... nada valho! Mas conservai-me unido a vós, e enchei-me do vosso amor, para que, por vós, permaneça unido ao Pai e ao Filho.

Concedei-me estar sempre pronto a ser movido pelo vosso toque divino! Fazei que me deixe guiar por vós, para que possais verter plenamente em mim esta graça divina da adoção sobrenatural que o Pai quis e que o Filho obteve para mim. Que alegria tão profunda e que liberdade interior tão grande saboreia a alma que se entrega deste modo à vossa ação! Vós, ó Espírito divino, lhe concedeis produzir frutos de santidade agradáveis a Deus. Com vossos toques profundamente delicados, consumais nela a obra de Jesus, ou melhor, formais Jesus nela... a fim de, por vós, reproduzir em si, para a glória do Pai, os traços dessa filiação divina que temos em Cristo Jesus.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 10 de junho de 2014

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina

Santo Agostinho, Escritos

São João Crisóstomo, Escritos

Bem-aventurado Columba Marmion, Escritos

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Espírito de adoção”

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