ESPÍRITO DE TEMOR (Is 11, 1-2)
“Nascerá um rebento do tronco de Jessé... Sobre ele repousará o espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de inteligência, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e de temor de Deus”.
O TEMOR “é um dom que nos faz reverenciar a Deus, e ter receio de ofender a sua Divina Majestade, e que nos afasta do mal, incitando-nos ao bem” (São Pio X). Esse trecho do Profeta Isaías fala da chegada ao trono de um novo rei, nascido da mesma estirpe de Davi; humilde como indica a imagem do tronco, porém com a vitalidade de um broto. Refere-se ao rei que virá e não ao monarca reinante. O novo rei gozará de qualidades excepcionais para governar graças ao Espírito do Senhor que virá sobre ele. O Espírito divino é uma força interior, um dom concedido por Deus aos personagens mais notáveis da história da salvação para cumprir uma missão arriscada e difícil: a Moisés (cfr Nm 11, 17), aos juízes (cfr Jz 3, 10; 6, 34), a Davi (1 Sm 16, 13). Aqui, as qualidades ou dons do Espírito são seis, enumerados de dois em dois: a SABEDORIA e INTELIGÊNCIA e referem à habilidade e prudência para não errar no julgamento, a exemplo de Salomão (cfr 1 Rs 5, 26); o CONSELHO e FORTALEZA são próprias de Davi; o CONHECIMENTO e o TEMOR de DEUS são religiosos, para que o rei não deixe de representar a Deus no povo. São Justino vê cumprida a plenitude destes sete dons no batismo de Jesus Cristo... que, segundo ele, foi o único que teve todos os sete. Santo Irineu, seguindo a versão grega, admite os dons que aplica a Cristo, ainda que o aplique também às almas dos justos, porém não insiste no número de dons... sete. Tertuliano aplica o texto de Isaías a Jesus Cristo, ao que só lhe compete a plenitude destes dons. Santo Hilário considera como base de todos estes dons o “temor” de Deus. São Jerônimo o aplica a Jesus Cristo. Orígenes supõe em Jesus Cristo dez dons, acrescentando aos tradicionais o do “poder”, do “amor” e da “prudência”. Santo Ambrósio e Santo Agostinho insistem em que o número sete tem aqui um valor de plenitude, isto é, o cúmulo de dons desejáveis moravam no Messias.
TEU DESEJO SEJA VER A DEUS
“Nascerá um rebento do tronco de Jessé... Sobre ele repousará o espírito do Senhor, espírito de sabedoria e de inteligência, espírito de conselho e de fortaleza, espírito de ciência e de temor de Deus” (Is 11, 1-2). Isaías apresenta o futuro Messias como aquele sobre quem se derramará a plenitude do Espírito de Deus com todos os seus dons. Baseando-se nesse texto, a tradição católica fala dos sete dons do Espírito Santo, desdobrando o último em dois – de temor e de piedade – dons outorgados pelo batismo a todos os fiéis. Mais útil que nos determos na distinção dos dons, é considerarmos sua unidade, pois, em substância, não são mais que um único dom, ao mesmo tempo luz para a inteligência, amor e força para a vontade, ciência e sabedoria, espírito de adoção e de temor filial, e pode tomar matizes e aspectos infinitos segundo o divino beneplácito. “Mas todos estes dons são produzidos por um único e mesmo Espírito que os distribui a cada qual, como quer” (1 Cor 12,11). Esta unidade nos dons explica como o espírito de TEMOR pode juntar-se com o do amor e da adoção sem nenhuma contradição. Pois o dom do TEMOR de DEUS, inspirado pelo Espírito Santo, não é propriamente temor do castigo – ainda que este não seja excluído – mas é, sobretudo, o temor reverencial para com a infinita majestade de Deus, existente também na humanidade Santíssima de Cristo, habitualmente abismada em adoração do Verbo, ao qual está hipostaticamente unida. Quanto mais profundo sentido da grandeza infinita de Deus tem uma criatura, tanto mais espontaneamente toma, diante dele, atitude humilde e reverente, de modo algum em contradição com o amor! Antes, é proporcionada a ele. “Por isso, quando chega a alma a possuir com perfeição o espírito de temor já tem com perfeição o espírito de amor, porquanto aquele amor... é filial, e o perfeito temor de filho nasce do perfeito amor para com o Pai” (São João da Cruz). No homem, sempre exposto, enquanto vive nesta terra, a triste possibilidade de pecar, o Espírito Santo, junto com a reverência a Deus, e como consequência dela, infunde o temor de ofender ao Senhor, Pai amantíssimo, temor de desagradar-Lhe e contristá-lO. Não exclui Jesus este SANTO TEMOR da oração confidencial que ensinou aos seus discípulos: “E não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal” (Mt 6,13). Não é concebível que Deus tente ao homem para induzi-lo ao pecado, porque, como disse São Tiago: “Deus a ninguém tenta” (Tg 1,13). As provas, porém, Deus as permite! A própria fé, exigindo fidelidade, ainda quando o crer é duro e obscuro, implica uma prova. De outro lado, aí estão as tentações que provêm das paixões, do mundo e do Maligno. Segundo São Mateus, o texto original do Pai Nosso diz propriamente: “livrai-nos do Maligno”. O Espírito de TEMOR, dom do Espírito Santo, despoja o cristão de toda presunção e auto-suficiência. Dá-lhe humildade, dá-lhe consciência de sua debilidade e, portanto, de sua necessidade de recorrer à ajuda do Pai celestial, não tanto para se livrar das provas e tentações da vida, quanto para ser protegido e não faltar na fidelidade a Ele. Como não temer se neste exílio terreno está o pecado sempre de emboscada, e há o contínuo perigo de perdermos a Deus e o seu amor? Entretanto, não produz o temor filial medo ou angústia, porque está sempre acompanhado de plena confiança no Pai celestial. A manifestação mais própria do temor filial é “uma verdadeira e eficaz determinação de nada fazer, por mínimo que seja, que ofenda a Deus... nem deixar de fazer o que lhe parece coisa de seu serviço” (São João da Cruz). Eis porque leva este dom a uma particular delicadeza de consciência inspirada no amor. Escreve Santa Teresa de Jesus: “Teu desejo seja ver a Deus; teu temor, se o hás de perder; tua dor, que o não gozas; tua alegria, o que te pode levar ao céu; e viverás sempre com grande paz”. O temor filial vai sempre unido ao desejo e ao amor de Deus, porque procede do mesmo e único espírito de amor que é o Espírito Santo.
Oração
Embora, Senhor, nos favoreçais com muitos gostos e grandes provas de amor, jamais podemos andar seguras a ponto de não temer as recaídas e de não evitar as ocasiões... Sendo assim, que havemos de fazer, ó Pai eterno, senão recorrer a vós e suplicar-vos que não nos metam em tentação estes nossos adversários? Assaltos públicos venham: com vosso favor, melhor nos livraremos. Mas essas traições, quem as entenderá, Deus meu? Sempre temos necessidade de vos pedir remédio e socorro. Dizei-nos, Senhor, alguma palavra que nos esclareça e dê segurança. Dai-nos, nosso bom Mestre, algum remédio para vivermos sem muito sobressalto em guerra tão perigosa! O amor nos fará apressar o passo; o temor nos fará olhar bem onde pomos os pés para não cair.
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C) Anápolis, 10 de junho de 2014
Bibliografia
Sagrada Escritura EUNSA São Justino, Diálogo com Trifão. 87: PG 6, 683 Santo Irineu, Contra haer. 3, 9, 17: PG 7, 871. 920.930 Tertuliano, Adv. Marcionem 3, 17: PL 2, 373 Santo Hilário, Tract. in Ps. 118, 38: PL 9, 541 São Jerônimo, In Isaiam 4, 11: PL 24, 149 Orígenes, In Isaiam 10, 13: PG 13, 549 São João da Cruz, Escritos Santa Teresa de Jesus , Escritos Santo Ambrósio, De Spiritu Sancto 1, 159: PL 16, 771 Santo Agostinho, De civ. Dei: PL 41, 344-345 Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina
|
Este texto não pode ser reproduzido sob
nenhuma forma; por fotocópia ou outro meio qualquer sem autorização por
escrito do autor Pe. Divino Antônio Lopes FP. www.filhosdapaixao.org.br/escritos/comentarios/escrituras/escritura_0445.htm |