ELE NOS DEU O SEU ESPÍRITO

(1 Jo 4, 13)

 

“Nisto reconhecemos que permanecemos nele e ele em nós: ele nos deu o seu Espírito”.

 

Santo Agostinho comenta: “Nisto reconhecemos que permanecemos nele e ele em nós: ele nos deu o seu Espírito’ (1 Jo 4, 13) Muito bem! Demos graças a Deus! Sabemos que ele habita em nós. É isso mesmo. Mas graças a que sabemos que ele habita em nós? O mesmo João no-lo diz: ‘Porque ele nos deu o seu Espírito’. E como sabemos que ele nos deu o seu Espírito? Interroga o teu coração! Se ele está cheio de caridade, tu tens o Espírito de Deus. E como sabemos que esse é o sinal certo de que o Espírito de Deus habita em ti? Interroga o apóstolo Paulo: ‘O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado’ (Rm 5, 5)”.

O dom do Espírito Santo é o critério para estar seguros da nossa comunhão com Deus. Como o Espírito Santo é o amor do Pai e do Filho, a sua presença na alma em graça é necessariamente dinâmica, ou seja, impele a cumprir todos os mandamentos (cfr 1 Jo 3, 24), e especialmente o do amor fraterno. Esta exigência interna é manifestação de que a terceira Pessoa da Santíssima Trindade está a atuar e, portanto, sinal de união com Deus.

A ação do Espírito Santo na alma é um maravilhoso e profundo mistério: “Esta tal aspiração do Espírito Santo na alma com que Deus a transforma em si, é para ela de tão elevado, delicado e profundo deleite, que não há maneira de o dizer por meio de língua mortal, nem o entendimento humano enquanto tal pode alcançar algo disso” (São João da Cruz).

 

SOMOS TEMPLOS VIVOS DE DEUS... SOMOS FILHOS DE DEUS

 

São João Evangelista escreve numa de suas cartas: “Nisto reconhecemos que permanecemos nele e ele em nós: ele nos deu o seu Espírito”.

Portanto, quem recebeu o Espírito Santo traz Deus dentro de si. Por isto, também nós trazemos Deus na nossa alma.

São Leônidas, o pai de Orígenes, curvava-se sobre o berço onde repousava seu filho e beijava-o no coração, adorando. Algumas pessoas em volta mostraram-se admiradas. E São Leônidas disse: “Não vos admireis! Eu adoro a Deus presente no coração deste pequeno batizado”.

E é belo recordar o gesto de um homem francês, Botrel, que, citado para testemunhar num tribunal, olhou em torno e, não vendo o Crucifixo, gritou: “Vós me obrigais a jurar. Mas diante de quem deverei jurar se aqui não há Deus?”

Mas depois, apertando fortemente o peito, exclamou: “Deus está ao menos aqui!” E jurou com uma mão no coração.

Eis aí porque São Paulo escreve com insistência aos primeiros cristãos: “Vós sois a casa de Deus, vós sois o templo do Deus vivo”.

Se o Espírito Santo, descendo em nós, fez do nosso corpo um tabernáculo e dos nossos membros um pequeno céu em que habita o Deus que nos criou, pensai o quanto nós devemos respeitar ao nosso corpo e aos nossos membros!

O rei da Babilônia, Baltasar (Daniel 5), tendo oferecido aos grandes do seu reino um esplêndido banquete, ordenou que fossem trazidos os vasos sagrados do templo de Jerusalém: e ele e os seus convidados bebiam sacrilegamente neles. Naquele momento apareceu na parece uma mão terrível que escreveu as misteriosas palavras da condenação: Mané – Técel – Faré. Naquela mesma noite o rei era trucidado (assassinado cruelmente) pelo exército de Ciro.

Ai dos que fazem seu corpo servir às paixões mais baixas e imundas! Esses cometem um sacrilégio mais grave do que o de Baltazar.

Ai das mulheres que revestem seu corpo com uma roupa escandalosa, tornando-o um incentivo ao pecado! Também estas renovam o sacrilégio de Baltazar.

Também para estas pessoas uma mão terrível escrever-lhes-á na alma a misteriosa palavra de condenação.

“Esqueceis porventura que eu sou a filha do vosso Rei?” gritou, um dia, para a sua governante, num ímpeto de ira, Luísa de França, filha de Luís XIV, a qual devia mais tarde ingressar no Carmelo (mosteiro carmelita) para expiar as culpas de seu pai.

E a governante replicou: “E vós esqueceis que eu sou a filha do vosso Deus?”

Eis a grande dignidade que nós havemos conquistado com a descida do Espírito Santo: tornamo-nos filhos de Deus. Não apenas de nome, mas também de realidade; porque o Espírito Santo não se contenta em habitar dentro de nós como num templo a Ele consagrado, porém transforma a nossa alma, torna-a bela, torna-a divina e comunicando-lhe algo da sua natureza (2 Pd 1, 4).

Assim como um filho se assemelha a seu pai, assim também, por meio da graça que o Espírito Santo difunde nos nossos corações, nós nos tornamos semelhantes a Deus: tornamo-nos verdadeiramente filhos de Deus. Eis aí porque, rezando, nós dizemos: “Pai nosso que estais no céu...”

Pensando nesta verdade, São João Evangelista sentia um frêmito de entusiasmo e de alegria subir-lhe por todas as veias, e, como que fora de si, exclamava: “Ó diletos! Desde agora nós somos filhos de Deus. Olhai com que amor o pai nos amou, dando-nos não somente o direito de sermos chamados, mas de sermos em realidade filhos de Deus”.

O mundo não sabe destas coisas, não as quer saber: não pode compreendê-las. Paciência com o mundo! Ao menos nós, porém, que nos dizemos católicos, compreendamos que somos filhos de Deus.

Observai os mundanos com quanto orgulho ostentam os seus títulos vãos: duque, marquês, comendador... E nós, que somos filhos de Deus, não sabemos apreciar a nossa dignidade: “Ó homem! Reconhece a tua grandeza!” (São Leão Magno).

Estais lembrados da história de Esaú e de Jacó? O primeiro amava a vida da caça e a aventura nas selvas; ao outro agradava a quietude das tendas. Uma vez Esaú volta faminto, e, vendo que Jacó mandara cozinhar uma sopa de vermelhas lentilhas, disse:

“Dá-me um pouco dela, que eu te vendo a primogenitura”.

“Jura-o!” respondeu Jacó.

“Juro-te!” respondeu Esaú.

Nós, católicos, trememos de indignação e falamos: “Louco Esaú! Vendeste todos os direitos de primogenitura por um punhado de rubras lentilhas!”

Nós, porém, frequentemente, somos mais loucos que Esaú: renunciamos a ser filhos de Deus por menos ainda do que por um punhado de rubras lentilhas cozidas. Pelo prazer de uma hora; por uma paixão imunda; por trintas moedas... por um litro de bebida alcoólica e por uma roupa imoral.

No Evangelho, o Espírito Santo aparece sob três sinais diversos: sob a aparência de nuvem na Transfiguração, no Tabor; sob a aparência de pomba no Batismo, no Jordão; sob a aparência de fogo no cenáculo onde a Virgem Maria e os Apóstolos rezavam reunidos.

O primeiro sinala nuvem cheia de água – ensina-nos como o Espírito Santo vem a nós: por meio das águas do Santo Batismo.

O segundo sinala pomba cândida – ensina-nos como o Espírito Santo permanece em nós: pela candura de uma vida pura, afastada de todo pecado.

O terceiro sinalo fogo – ensina-nos como o Espírito Santo volta a nós (se desgraçadamente o houvéssemos expulsado por uma culpa grave) mediante o amor de Deus que nos impele a confessar-nos e a chorar os nossos pecados; Ele é amor de Deus que, como fogo, queima toda impureza.

Se alguém considerando a sua alma percebesse já não ser mais templo de Deus, não ser mais filho de Deus, por haver o pecado mortal entrado em si, reacenda no seu coração o fogo do amor de Deus, aproxime-se da Sagrada Confissão, purifique-se.  Depois diga com a Santa Igreja:

Vinde, ó Espírito Santo, e tornai a consagrar-me templo de Deus!

Vinde, ó Espírito Santo, e tornai a fazer-me filho de Deus!

 

Oração

 

Ó Espírito Santo, habitais com o Pai e com o Filho em nosso íntimo e o vivificais; somos vosso templo... Vossa escola é interior, é no íntimo que vos dais a perceber... Quem poderia falar neste nosso íntimo senão Aquele que o enche e que nele opera e o dirige para onde quer? Quem senão Deus? Ó Espírito Santo, sois Deus, operais como Deus, quando falais e vos fazeis sentir na mais íntima profundeza do coração humano... A vós são reservadas as verdades mais sublimes e ocultas; a vós também compete aumentar nossas forças para nos tornarmos capazes delas... Sois aquele Espírito que faz os profetas, inspira-os interiormente, que lhes descobre o futuro, porque tudo sabeis, mesmo o que é unicamente reservado a Deus... Não ouvistes diferentemente do que ouviu o Filho de Deus, ouvistes o que recebestes em vossa eterna processão, como o Filho ouviu o que recebeu em seu eterno nascimento.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 19 de junho de 2014

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

São Leão Magno, Escritos

J. B. Bossuet, Meditações

Edições Theologica

São João da Cruz, Cântico Espiritual, canção 39

Pe. José Salguero, Bíblia comentada

Santo Agostinho, Comentário da Primeira Epístola de São João

Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura

Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as festas do Senhor e dos Santos

 

 

 

 

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