O NOSSO PENTECOSTES

(At 1, 8)

 

“Mas recebereis uma força, a do Espírito Santo...”

 

Santa Catarina de Sena escreve: “Porque quem não corta, continua ligado. E quem não foge, continua preso. Deixa de resistir ao Espírito Santo que te chama. Porque será pesado para ti esse resistir a Ele e não te desprenderes das amarras da tibieza de coração, cheio de um amor de compaixão efeminado, muitas vezes colorido com aparências de virtude. Sê um homem forte, virilmente capaz de sair para o campo de batalha e fixar o olhar da inteligência no sangue (de Cristo), derramado numa chama de caridade. Então, livre, entrarás desapegado na luta. Responde, responde filho negligente! Abre a porta do teu coração! Que indelicadeza a tua! Deus está na porta de entrada da tua alma e tu não a abres. Não sejas um mercenário, mas fiel. Lava-te no sangue de Cristo crucificado, onde encontrarás a espada do ódio (pelo pecado) e do amor (pela virtude) com a qual cortarás todo laço contrário à vontade divina e todo impedimento à perfeição. Aí encontrarás a iluminação de que precisas para ver o que precisas cortar”.

“Mas recebereis uma força”. Uma vida cristã tem de ser necessariamente, em algum grau, uma vida heróica. E sempre palpita nela o heroísmo oculto da conquista de si mesmo. Às vezes, pede-nos um heroísmo maior: quando fazer a vontade de Deus acarreta o risco de perder amigos, bens ou saúde. Também temos o heroísmo mais alto dos mártires que sacrificaram a própria vida por amor a Deus. Não é em vão que Deus robustece a nossa debilidade humana com seu dom de fortaleza.

O Batismo fez-nos cristãos; mas foi a CRISMA que nos fez PERFEITOS CRISTÃOS.

Ela é Sacramento de PERFEIÇÃO, de MILÍCIA (que combate) e de CONSAGRAÇÃO.

 

I. Sacramento de perfeição

 

Expliquemo-lo por uma comparação. Uma semente caída em outono na terra arada: germina, está viva, tem as raizinhas e as folhinhas, tem tudo; contudo, está ali quase imóvel à flor da terra por meses e meses. Depois, subitamente, desperta, sacode-se, alonga-se, engrossa, lança ramos, folhas e frutos. Uma força nova penetrou-a e a fez planta perfeita. Foi a primavera com a sua luz vivificadora e com seu cálido vento.

Pois bem: o mesmo processo tem lugar na ordem sobrenatural. O Batismo dá-nos a nova e celeste vida de fé, da esperança e da caridade.

É preciso, porém, a chegada de uma luminosa e cálida (quente) primavera que desenvolva em nós tal vida divina. E eis, na CRISMA, a vinda do ESPÍRITO SANTO com a abundância dos seus sete dons.

Três deles são como uma luz vivificadora que ajuda a nossa inteligência a penetrar e a degustar a verdade da fé: o dom do intelecto, da esperança e da ciência.

Outros três são como um sopro quente que ajuda a nossa vontade a praticar com alegria e prontidão a vontade do Senhor: o dom da fortaleza, da piedade e do temor de Deus.

Para os momentos de incerteza, de obscuridade e de dúvida, resta o dom do conselho que ajuda a nossa prudência e decidir-se sem engano nem pesar pelo maior bem da nossa alma.

Católicos, sobre todos nós já desceu a nossa primavera, o nosso Pentecostes, a CRISMA. Refleti agora: crescemos e nos tornamos católicos robustos e perfeitos?

É triste observar, num campo viçoso de grão, touceiras amareladas onde os talos ficaram como agulhas e não darão espiga. Debalde veio para eles a primavera.

Mais triste, porém, é entrar num hospital de raquíticos: corpos franzinos como de crianças, trazendo em cima um rosto rugoso e lânguido de velhos; mãos e pés enormes, que se destacam de um exíguo busto. Em vão veio para eles a juventude: eles não cresceram, ou só se desenvolveram em alguns membros.

Mais triste ainda é o espetáculo visto pelos anjos e por Deus no campo da Igreja; uma multidão de católicos que ficaram raquíticos e disformes na vida mais preciosa, a vida divina: homens adultos e católicos imperfeitos.

Mas a nossa adolescência espiritual é voluntária: nós podemos fazer reviver em nós o ESPÍRITO SANTO, podemos desenvolver-nos com a energia dos seus dons.

Vem, ó ESPÍRITO SANTO! Irriga o que é árido e cura o que é doente.

 

II. Sacramento de milícia (que combate)

 

Quando o ESPÍRITO SANTO desceu sobre os Apóstolos, os fez heróicos combatentes para a difusão do Evangelho. Quando o ESPÍRITO SANTO desce sobre os cristãos, destina-os a uma milícia espiritual. Digamos que, de fato, a CRISMA nos faz soldados.

Mas quem é o comandante: É Jesus Cristo.

Qual é a bandeira? É a cruz. O bispo traça a cruz na nossa fronte para que a tragamos corajosamente na presença de todos.

Por quem devemos combater? Para defender os supremos interesses da Igreja, de Deus e da nossa alma. Para defender a nossa vida eterna, a nossa fé e a nossa inocência.

Onde está o inimigo? É incontável e terrível. Há inimigos internos, e são os mais perigosos: são as nossas paixões, especialmente a avareza e a sensualidade. Há inimigos externos: invisíveis, como os demônios, e visíveis, como o mundo e os seus escândalos, as suas lisonjas e as irrisões, as suas amizades e as sua hostilidades.

Há horas trágicas, na história e na vida, em que nesta milícia espiritual é preciso arriscar tudo por tudo. Pensai nos Apóstolos que se fizeram matar: em São Pedro crucificado, em São Paulo decapitado, em São Tiago passado a fio da espada. Pensai nas multidões dos Mártires que sacrificaram a sua vida. Pensai nos milhões e milhões de corações, desconhecidos de nós, mas conhecidos de Deus, que viveram com heróicos sacrifícios por amor da sua fé ameaçada.

Esta hora que passa sobre o mundo ainda é uma hora trágica.

Em quantas nações a vida cristã pode custar o desemprego, a miséria, a perseguição, a prisão e a morte! Roguemos ao ESPÍRITO SANTO por esses nossos irmãos postos no dilema entre o heroísmo e a deserção (ato ou efeito de desertar). Que a força não lhes falte, mesmo a força de morrer antes que ceder ao mal.

Refleti agora: entre nós, que, no entanto, não somos postos à prova heróica, já não há porventura uns mesquinhos, uns desertores e uns derrotistas?

Mesquinhos são esses católicos CRISMADOS que têm vergonha de mostrar em público a sua fé, de defendê-la das blasfêmias e das calúnias dos ignóbeis (desprezíveis).

Desertores são esses católicos CRISMADOS que, quando a lei de Deus, que governa os corações e as famílias, custa sacrifícios e renúncias, jogam fora as armas e escondem-se nos cômodos refúgios do prazer ou do interesse.

Derrotistas são esses católicos CRISMADOS que, com a sua atitude, com as suas obras e palavras, são impedimento do bem ou causa do pecado. Eles desfazem e não edificam o Reino de Deus.

Volta, ó ESPÍRITO SANTO! Restitui a coragem aos nossos corações covardes.

 

III. Sacramento de consagração

 

Quando se consagra uma igreja, fazem-se cruzes... sinal da posse de Deus. Pois bem: quando o ESPÍRITO SANTO desce em nós, põe na nossa alma a marca indelével da sua posse. O catecismo chama a essa marca “caráter”.

Não se deve, porém, pensar no caráter impresso pelos sacramentos como um selo material, mesmo que seja em forma de cruz. A alma é espiritual e não pode receber sinais sensíveis. Deveis, antes, imaginá-lo como uma fisionomia.

Assim como um pai vê uma fisionomia no filho, no rosto, na voz, e mais ainda na maneira de pensar e de dizer e de fazer, assim também o ESPÍRITO SANTO, no Batismo, imprime no católico uma semelhança  com Jesus Cristo.  Na CRISMA, depois, Ele não imprime um sinal novo e diverso, porém torna mais decidida e vigorosa a fisionomia já dada no Batismo. A qual se tornará ainda mais perfeita em quem recebe o Sacramento da Ordem, tornando-se Sacerdote.

Esta configuração indelével a Jesus Cristo consagra-nos ao amor e à glória de Deus. Nós poderíamos fazer um confronto entre as nossas igrejas e a alma de um CRISMADO, feita templo vivo do ESPÍRITO SANTO.

Há em nós um púlpito do qual desce a verdade: é a nossa razão que nos ensina a fazer o bem e a fugir do mal. Ai de quem se rebela.

Há em nós um tribunal: e é a nossa consciência que nos louva pelo bem e nos remorde pelo mal praticado.

Há um altar; e é o nosso coração, no qual se oferece o sacrifício da nossa vontade, submetendo-a à lei do Senhor.

Há uma lâmpada acesa, que difunde luz e calor: e é a nossa fé que devemos nutrir com os Santos Sacramentos e com a instrução na doutrina cristã.

Nem faltam nela os cânticos e os hinos sagrados e os sons do órgão e os perfumes do incenso que são os nossos devotos afetos e as nossas orações cotidianas.

Longe deste templo as sacrílegas profanações: seja todo santo o nosso ser.

 

TODOS FICARAM CHEIOS DO ESPÍRITO SANTO

 

Pentecostes: memória do passado. Dez dias após a Ascensão, num domingo de manhã, os Apóstolos e a divina Mãe ainda estavam recolhidos juntos num mesmo lugar, rezando e evocando no seu coração a última promessa de Jesus Cristo: “Mas recebereis uma força, a do Espírito Santo...” (At 1, 8).

E eis, com céu sereno, um fragor de trovão repentino, e depois uma ventania que fazia tremer toda a casa, e depois um grande fulgor de fogo: sobre cada um dos presentes pousara uma chama.  Todos ficaram cheios do ESPÍRITO SANTO e começaram a falar em várias línguas, consoante o ESPÍRITO lhes dava de exprimir-se.

Esse dom das línguas não foi o único, nem o mais importante: os Apóstolos tornaram-se sábios na pregação, desinteressados  até ao esquecimento de si mesmos e corajosos até o ponto de desafiarem a morte.

Jerusalém, cidade cosmopolita, naqueles dias, estava cheia de estrangeiros. Estes ficaram pasmados escutando-os pregar na sua própria fala as magnificências de Deus, e diziam entre si: “Que é isto que sucede?” Mas havia também quem ridicularizasse os Apóstolos, acusando-os de estar embriagados de vinho doce.

Pentecostes: memória do presente. A festa de Pentecostes é a lembrança daquela maravilhosa e ardente descida do ESPÍRITO SANTO. Mas tenha-se bem cuidado: não é apenas uma memória do passado que nós celebramos, mas, sobretudo, uma realidade do presente, uma realidade de todos os dias. O ESPÍRITO SANTO ainda está com a Igreja.

A 3 de setembro de 1510, Santa Catarina de Gênova, olhando pela janela, do leito de sua agonia viu um rio de fogo cair do céu e inflamar o mundo. Receando iludir-se ou sonhar, pediu que lhe escancarassem a janela: ondas e ondas de fogo, sem rumor, ainda se precipitaram do alto para inundar a terra.

Aquilo que a Santa pôde ver, nós o sabemos pela fé. Tal como no domingo de Pentecostes, o ESPÍRITO SANTO ainda se comunica à Igreja: é um rio ardente de caridade que do céu se entorna perenemente sobre ela para vivificá-la.

Aquele ESPÍRITO SANTO divino que então deu a São Paulo força e luz para exprobrar a pérfida dureza dos judeus, hoje dá força e lume (fogo) ao pontífice contra a impiedade do Comunismo e a irreligiosidade de algumas concepções políticas. Assim como então Ele impelia os Apóstolos por todos os caminhos à conquista do mundo, assim também agora impele os missionários por todos os continentes e por todos os oceanos. É o mesmo ESPÍRITO que sagra os Bispos e não deixa faltar os Sacerdotes; que ilumina os Doutores da fé, que conforta os que sofrem pela justiça, que povoa os conventos de corações virginais, que enche o mundo de obras de caridade e que santifica todo o povo fiel por meio dos santos sacramentos.

E, assim como outrora houve quem ridicularizasse os Apóstolos, dizendo-os embriagados, ainda hoje há quem ridicularize, calunie e odeie o Papa, os sacerdotes e os católicos. Porque o mundo será sempre solicitado por dois espíritos opostos: o ESPÍRITO SANTO e o ESPÍRITO MALIGNO.

Pentecostes: nossa realidade pessoal. Também cada um de nós tem tido o seu Pentecostes, e é a santa Crisma. Então sobre cada um de nós desceu o ESPÍRITO SANTO. Fez-nos perfeitos católicos, soldados de Jesus Cristo e imprimiu-nos o caráter deste.

É oportuníssimo, do dia de hoje, meditarmos o nosso Pentecostes: a nobreza que adquirimos e os compromissos que assumimos na Crisma.

 

Oração

 

Espírito Santo, concedei-me o dom da ciência para que eu conheça cada vez mais as minhas próprias misérias e fraquezas, a beleza da virtude e o valor inestimável da alma; e para que sempre veja claramente as ciladas do demônio, da carne e do mundo, afim de poder evitá-las. Amém.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 23 de junho de 2014

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as festas do Senhor e dos Santos

Frei Ambrósio Johanning, Alimento da alma devota, ano de 1910

Edições Theologica

Pe. Leo J. Trese, A fé explicada

Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura

Pe. Lorenzo Turrado, Bíblia comentada

Santa Catarina de Sena, Carta 205

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “O nosso Pentecostes”

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