ESPÍRITO SANTO: FORÇA, COMPREENSÃO E AMOR

(Rm 8, 14-15)

 

“Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Com efeito, não recebestes um espírito de escravos, para recair no temor, mas recebestes um espírito de filhos adotivos, pelo qual clamamos: Abba! Pai!”

 

Depois desta advertência que põe aos romanos diante da alternativa de uma morte ou uma vida eterna, retoma São Paulo a descrição da vida cristã. O espírito que habita nos fiéis estabelece entre eles e Deus uma relação tão estreita, que o único termo apropriado para designá-la é o de filiação. Somos verdadeiramente filhos de Deus, e Deus nos trata como tais. Com efeito, disse São Paulo, aqueles que se desejam conduzir pelo espírito de Deus, esses são filhos de Deus.

O Pe. Juan Leal comenta: “O espírito que os romanos receberam no batismo não é espírito de escravidão, não é uma disposição de ânimo própria dos escravos; isto seria cair novamente no temor. Eles receberam um espírito de adoção filial, isto é, um espírito que os faz sentir filhos de Deus, que elimina a angústia do temor e a substitui pela ternura e a confiança em suas relações com Deus, de tal modo que podemos invocá-lo com o doce nome de Pai”.

 

O DOM DA PIEDADE

 

O sentido da filiação divina, efeito do DOM da PIEDADE, move-nos a tratar a Deus com a ternura e o carinho de um bom filho para com seu pai, e a considerar e tratar os outros homens como irmãos que pertencem à mesma família.

O Antigo Testamento manifesta este dom de forma muito variada, especialmente nas preces que o Povo eleito dirige constantemente a Deus: louvores e súplicas, sentimentos de adoração perante a infinita grandeza divina, confidências íntimas em que expõe com toda a simplicidade ao Pai celestial as suas alegrias e angústias, a sua esperança... De modo especial, os Salmos são um compêndio de todos os sentimentos que embargam a alma no seu trato confiante com o Senhor.

Ao chegar a plenitude dos tempos, Jesus Cristo ensinou-nos qual havia de ser o tom adequado para nos dirigirmos a Deus: Quando orardes,

haveis de dizer: Pai... (Lc 11, 2). Em todas as circunstâncias da vida, devemos dirigir-nos a Deus com esta confiança filial: Pai, Abba... É uma palavra — Abba — que o ESPÍRITO SANTO quis deixar-nos em arameu em diversos lugares do Novo Testamento, e que era a forma carinhosa com que as crianças hebréias se dirigiam a seu pai. Este sentimento define a nossa atitude e matiza a nossa oração. Deus “não é um ser longínquo, que contemple com indiferença a sorte dos homens, seus anseios, suas lutas, suas angústias. É um Pai que ama os seus filhos até o extremo de lhes enviar o Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, para que, pela sua encarnação, morra por eles e os redima; o mesmo Pai amoroso que agora nos atrai suavemente a si, mediante a ação do Espírito Santo que habita em nossos corações.

Deus quer que O tratemos com total confiança, como filhos pequenos e necessitados. Toda a nossa piedade alimenta-se desta realidade: somos filhos de Deus. E o ESPÍRITO SANTO, mediante o DOM da PIEDADE, ensina-nos e facilita-nos esse trato confiante de um filho com seu Pai.

Considerai com que amor o Pai nos amou, querendo que sejamos chamados filhos de Deus. E nós o somos de fato (1 Jo 3, 1). É como se depois das palavras que sejamos chamados filhos de Deus, São João tivesse feito uma longa pausa, enquanto o seu espírito penetrava profundamente na imensidade do amor que o Pai nos teve, não se limitando a chamar-nos simplesmente filhos de Deus, mas tornando-nos seus filhos no sentido mais autêntico. Isto é o que faz São João exclamar: E nós o somos de fato. O Apóstolo convida-nos a considerar o imenso bem da filiação divina que recebemos com a graça do Batismo, e anima-nos a secundar a ação do ESPÍRITO SANTO que nos impele a tratar o nosso Pai-Deus com inefável confiança e ternura.

Esta confiança filial manifesta-se, sobretudo, na oração que o próprio ESPÍRITO SANTO suscita em nossos corações. O Espírito Santo ajuda a nossa fraqueza, porque, não sabendo o que devemos pedir nem como convém orar, o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis (Rm 8, 26). Graças a essas moções, podemos dirigir-nos a Deus no tom adequado, numa oração rica e de matizes tão variados como a vida. Umas vezes, falaremos ao nosso Pai-Deus numa queixa familiar: Por que escondes o teu rosto? (Sl 43, 25); outras, exporemos os nossos desejos de maior santidade: Procuro-Te com ardor. A minha alma está sedenta de Ti, e a minha carne anela por Ti como terra árida e sequiosa, sem água (Sl 62, 2); ou a nossa união com Ele: Fora de Ti, nada mais me atrai na terra (Sl 72, 25).

Este afeto filial do DOM da PIEDADE manifesta-se também nas súplicas que dirigimos ao Senhor, pedindo-lhe as coisas de que precisamos como filhos necessitados, até que no-las conceda. E uma atitude de confiança no poder da oração que nos faz sentir seguros, firmes e audazes, que afasta a angústia e a inquietação daqueles que somente se apóiam nas suas forças.

O cristão que se deixa conduzir pelo espírito de piedade sabe que seu Pai-Deus quer o melhor para cada um dos seus filhos e que nos preparou todas as coisas para o nosso maior bem. Por isso sabe também que a felicidade consiste em ir conhecendo o que Deus quer de nós em cada momento e em realizá-lo sem dilações (demora) nem atrasos. Desta confiança na paternidade divina nasce a serenidade, mesmo no meio das coisas que parecem um mal irremediável, pois contribuem para o bem dos que amam a Deus (Rm 8, 28). O Senhor nos mostrará um dia por que foi conveniente aquela humilhação, aquele revés econômico, aquela doença...

Este DOM do ESPÍRITO SANTO permite ainda que se cumpram os deveres da justiça e os ditames da caridade com presteza e facilidade. Ajuda-nos a ver os demais homens como filhos de Deus, criaturas que têm um valor infinito porque Deus os ama com um amor sem limites e os redimiu com o Sangue do seu Filho derramado na Cruz. Anima-nos a tratar com imenso respeito os que estão ao nosso redor, a compadecer-nos das suas necessidades e a procurar remediá-las; a julgá-los sempre com benignidade, dispostos também a perdoar-lhes facilmente as ofensas que nos façam, pois o perdão generoso e incondicional é um bom distintivo dos filhos de Deus. Mais do que isso, o ESPÍRITO SANTO faz-nos ver nos outros o próprio Cristo: Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos menores, foi a mim mesmo que o fizestes (Mt 25, 40).

O DOM da PIEDADE move-nos ao amor filial à nossa Mãe do Céu, a quem procuramos tratar com o mais terno afeto; à devoção aos anjos e santos, especialmente aos que exercem um especial patrocínio sobre nós; à oração pelas almas do purgatório, como almas queridas e necessitadas dos nossos sufrágios; ao amor ao Papa, como Pai comum de todos os cristãos...

A virtude da piedade, que é aperfeiçoada por este dom, move-nos também a prestar honra e reverência a todos os que estão constituídos legitimamente em autoridade, às pessoas mais velhas (como Deus premiará a nossa solicitude para com os idosos!), e em primeiro lugar aos pais. A paternidade humana é uma participação e um reflexo da de Deus, da qual, como diz o Apóstolo, procede toda a paternidade no céu e na terra (Ef 3, 15). Eles nos deram a vida, e deles se serviu o Altíssimo para nos comunicar a alma e o entendimento. Eles nos instruíram na religião, no relacionamento humano e na vida civil, e nos ensinaram a manter uma conduta íntegra e santa.

O DOM da PIEDADE estende-se aos atos da virtude da religião e ultrapassa-os. Mediante este dom, o ESPÍRITO SANTO dá vigor e impulso a todas as virtudes que de um modo ou de outro se relacionam com a justiça. A sua ação abarca todas as nossas relações com Deus, com os anjos, com os homens e mesmo com as coisas criadas, consideradas como bens familiares da Casa de Deus; o DOM da PIEDADE anima-nos a tratá-las com respeito pela sua relação com o Criador.

Movido pelo ESPÍRITO SANTO, o cristão lê com amor e veneração a Sagrada Escritura, que é como uma carta que seu Pai lhe envia do Céu: Nos livros sagrados, o Pai que está nos céus vem amorosamente ao encontro dos seus filhos para conversar com eles. E trata com carinho as coisas santas, sobretudo, as que se prendem com o culto divino.

Entre os frutos que o DOM da PIEDADE produz nas almas dóceis às graças do Paráclito, contam-se, enfim, a serenidade em todas as circunstâncias; o abandono cheio de confiança na Providência, porque, se Deus cuida de todas as coisas criadas, muito maior ternura manifestará para com os seus filhos; a alegria, que é uma característica própria dos filhos de Deus: Que ninguém leia tristeza nem dor na tua cara, quando difundes pelo ambiente do mundo o aroma do teu sacrifício: os filhos de Deus têm que ser sempre semeadores de paz e de alegria.

Se considerarmos muitas vezes ao dia que somos filhos de Deus, o ESPÍRITO SANTO irá fomentando em nós, cada vez mais, este trato filial e confiante com o nosso Pai do Céu.

O Papa Francisco escreve: É preciso esclarecer logo que este dom (piedade) não se identifica com ter compaixão de alguém, ter piedade do próximo, mas indica a nossa pertença a Deus e a nossa ligação profunda com Ele, uma ligação que dá sentido a toda a nossa vida e que nos mantém sadios, em comunhão com Ele, mesmo nos momentos mais difíceis e conturbados. Esta ligação com o Senhor não deve ser entendida como um dever ou uma imposição. É uma ligação que vem de dentro. Trata-se de uma relação vivida com coração: é a nossa amizade com Deus, dada a nós por Jesus, uma amizade que muda a nossa vida e nos enche de entusiasmo, de alegria. Por isso, o dom da piedade suscita em nós antes de tudo a gratidão e o louvor. É este, na verdade, o motivo e o sentido mais autêntico do nosso culto e da nossa adoração. Quando o Espírito Santo nos faz perceber a presença do Senhor e todo o seu amor por nós, aquece-nos o coração e nos move quase naturalmente à oração e à celebração. Piedade, então, é sinônimo de autêntico espírito religioso, de intimidade filial com Deus, daquela capacidade de rezar a Ele com amor e simplicidade que é própria das pessoas humildes de coração. Se o dom da piedade nos faz crescer na relação e na comunhão com Deus e nos leva a viver como seus filhos, ao mesmo tempo nos ajuda a dirigir este amor também para os outros e a reconhecê-los como irmãos. E então sim seremos movidos por sentimentos de piedade – não de pietismo! – nos confrontos com quem está próximo a nós e com aqueles que encontramos todos os dias. Por que digo não de pietismo? Porque alguns pensam que ter piedade é fechar os olhos, fazer uma cara de imagem, fazer de conta que é um santo... Este não é o dom da piedade. O dom da piedade significa ser realmente capaz de alegrar-se com quem está na alegria, de chorar com quem chora, de estar próximo a quem está sozinho ou angustiado, de corrigir quem está no erro, de consolar quem está aflito, de acolher e socorrer quem está precisando. Há uma relação muito estreita entre o dom da piedade e a mansidão. O dom da piedade que nos dá o Espírito Santo nos faz mansos, nos faz tranquilos, pacientes, em paz com Deus, a serviço dos outros com mansidão. Queridos amigos, na Carta aos Romanos o apóstolo Paulo afirma: “Todos aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Porquanto não recebestes um espírito de escravidão para viverdes ainda no temor, mas recebestes o espírito de adoção pelo qual clamamos: Aba! Pai” (Rm 8,14-15). Peçamos ao Senhor que o dom do seu Espírito possa vencer o nosso temor, as nossas incertezas, também o nosso espírito inquieto, impaciente, e possa nos tornar testemunhas alegres de Deus e do seu amor, adorando o Senhor em verdade e também no serviço ao próximo com mansidão e com sorriso que sempre o Espírito Santo nos dá na alegria. Que o Espírito Santo dê a todos nós este dom da piedade (Catequese do dia 04 de junho de 2014 – quarta-feira, Praça de São Pedro – Vaticano).

 

Oração

 

Espírito Santo, Espírito do Filho, que nunca deixastes de animar os corações do Senhor e da sua Santíssima Mãe com o mais puro amor ao Pai enquanto peregrinaram nesta terra, dignai-me também a mim com esse mesmo amor terno e filial. Ó Vós, por meio de quem nos é concedida a mercê de chamar a Deus com o doce nome de Pai e de sermos de verdade seus filhos, fazei que nos esforcemos por ser cada vez menos indignos de um Pai tão bom e tão misericordioso, e que, depois de o termos amado com todo o nosso coração neste mundo, possamos continuar por meio de Vós a glorificá-lo por toda a eternidade no seu Filho único. Amém.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 07 de agosto de 2014

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Francisco Fernández Carvajal, Falar com Deus

Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica

B. Perquin, Abba, padre, Rialp, Madri

Papa  Francisco, Catequese

Alexis Riaud, A ação do Espírito Santo na alma

Catecismo Romano III, 5, 9

Concílio Vaticano II, Constituição Dei Verbum, 21

São Josemaría Escrivá, Escritos

M. M. Philipon, Los dones del Espíritu Santo

Benoit, Escritos

A. Rolla, Escritos

Bonnetain, Escritos

Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Espírito Santo: Força, Compreensão e Amor”

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