GRANDE RIQUEZA

(Tb 4, 21)

 

“Tens uma grande riqueza se temes a Deus, se evitas toda espécie de pecado e se fazes o que agrada ao Senhor teu Deus”.

 

A VERDADEIRA e GRANDE RIQUEZA não consiste em possuir BENS MATERIAIS; mas sim, em TEMER a Deus, EVITAR o PECADO e AGRADAR ao Senhor em tudo.

 

I. TEMER A DEUS

 

Não se trata aqui do MEDO de Deus que, à lembrança dos nossos pecados, nos inquieta, nos entristece ou nos agita. Nem tão-pouco se trata do temor do inferno, que basta para iniciar uma conversão, mas não para consumar a nossa santificação. Trata-se do TEMOR REVERENCIAL e FILIAL que nos leva a ter HORROR a qualquer OFENSA a Deus.

O verdadeiro TEMOR aperfeiçoa juntamente as virtudes da ESPERANÇA e da TEMPERANÇA: a virtude da ESPERANÇA fazendo-nos TEMER desagradar a Deus e ser d’Ele separado; a virtude da TEMPERANÇA, desapegando-nos dos falsos prazeres que nos poderiam separar de Deus.

Compreende três atos principais: a) Um vivo sentimento de grandeza de Deus, e, por conseguinte, um extremo horror dos menores pecados que ofendem a sua infinita Majestade. b) Uma viva contrição das  menores faltas cometidas, por haverem ofendido um Deus infinito e infinitamente bom; donde nasce um desejo ardente e sincero de as reparar, multiplicando atos de sacrifício e amor. c) Um cuidado vigilante de evitar as ocasiões de pecado, como se foge duma serpente.

O TEMOR é necessário para evitar a demasiada familiaridade com Deus. Pessoas há que são tentadas a esquecer a grandeza de Deus e a infinita distância que nos separa d’Ele, e a tomar com Ele e com as coisas santas liberdades inconvenientes, a falar-lhe com excessiva ousadia, a tratar com Ele como de igual para igual. É certo que o próprio Deus convida certas almas a uma doce intimidade, a uma familiaridade estupenda; mas é a Ele que compete tomar a dianteira, e não a nós. O temor filial, aliás, de forma alguma impede aquela terna familiaridade que se vê em alguns Santos.

 

Meios de cultivar o TEMOR.

 

A) Importa meditar frequentemente a infinita grandeza de Deus, os seus atributos, a sua autoridade sobre nós; e considerar, à luz da fé, o que é o pecado que, por mais leve que seja, é ainda uma ofensa à infinita majestade de Deus. B) Para alimentar este sentimento, é bom fazer com cuidado os exames de consciência, excitando-nos ainda mais à compunção (pesar profundo) do que ao exame minucioso das próprias faltas.

O verdadeiro TEMOR de Deus obriga o homem a preocupar-se com o que Deus lhe ordena; seria falta de respeito para com Deus não se  importar com o que Ele prescreve.

 

Excelência do TEMOR.

 

1. Preserva-nos do pecado. O temor de Deus foi por São João Crisóstomo comparado àquele forte armado que está diante do átrio e não deixa passar ninguém sem o matar: assim, no átrio de uma alma o santo temor de Deus mata toda tentação que quer penetrar, e afugenta todos os pecados.

2. Alcança-nos muitas graças. Assim como uma bordadeira se serve da agulha para introduzir no pano os belos fios de ouro ou de prata ou de seda variegada, assim também Deus serve-se do agulhão do temor para bordar com belas graças a nossa alma. E, no “Magnificat”, Nossa Senhora disse que para os que temem o Senhor há grande misericórdia de século em século, de geração em geração.

3. Dá-nos a tranquilidade na morte. De toda a vida humana, os momentos mais terríveis são os da agonia: estar às portas da eternidade, já sentir na fronte soprar a aragem do outro mundo, já ouvir os passos de Deus juiz, que vem. Pois bem: os que viveram no santo temor achar-se-ão bem naqueles instantes supremos, e no dia da sua morte serão benditos.

4. É a verdadeira beleza da alma. Não pela forma do seu rosto ou do seu corpo, pois isto é vaidade, mas pelo temor de Deus, é que a mulher será louvada (Pr 31, 30).

5. É a verdadeira riqueza da alma. Tanta pobre gente consome a vida para juntar um pouco de bens, um pouco de dinheiro, para adquirir uma honraria ou um diploma. Tudo isto a morte fará desvanecer como o sol dissipa a neve. O temor de Deus, este é o verdadeiro tesouro! (Is 33, 6).

6. É a verdadeira força da alma. Era a Epifania do ano 372. Na catedral de Cesaréia o bispo São João Crisóstomo celebrava solenemente, firme no altar como uma coluna de bronze no templo do Senhor. E eis que entra o imperador Valente, que, naqueles dias, com ódio ariano, perseguia os católicos. No momento oportuno, com os outros fiéis, o imperador também se apresentou para receber a Comunhão. O bispo achava-se entre o poder do céu e o poder da terra: oferecer ao indigno imperador o Corpo de Cristo era desprezar a Deus com o sacrilégio; negar-lho era oferecer-se à perseguição.

São João Crisóstomo temeu o Senhor, e francamente recusou ao imperador o pão dos anjos.

No dia seguinte, um edito imperial bania da cidade o bispo: viram-no então deixar o palácio episcopal e tomar o caminho do exílio. Estava sem medo.

 

Necessidade do TEMOR.

 

1. Temamos a Deus que está presente em todo lugar e em todo momento. Alguns povos bárbaros haviam escolhido como seu deus o sol, para que ao menos de noite – quando o sol está ausente – inobservados e impunemente eles pudessem fazer tudo o que quisessem. Ingênuos, mas lógicos! Ao contrário, pensemos na nossa desfaçatez quando, pecando, ofendemos a Deus na sua presença. Toda blasfêmia, todo furto, toda desonestidade, até mesmo todo pensamento e desejo ilícito, Deus vê e se cala. Mas não se calará sempre: virá o seu dia, para Ele falar, e será no juízo final.

2. Temamos a Deus que virá julgar-nos. Três coisas farão angústia aos condenados naquele momento em que aparecer a majestade do Filho de Deus: a primeira, a de terem ofendido um Senhor tão bom; a segunda, a de perceberem haver perdido aquele esplendor imenso e aquela alegria sem fim em que os eleitos serão envolvidos; a terceira, a de estar aberto por debaixo deles, para tragá-los inexoravelmente, o abismo infernal.

 

II. EVITAR O PECADO

 

Feliz da pessoa que vive na presença de Deus e EVITA o PECADO.

O maior mal do mundo, o mal que entre todos os males merece verdadeiramente o nome de mal – é o pecado. A sua fealdade não tem semelhante; a sua gravidade é, em certo modo, infinita; os seus castigos são eternos!

O maior mal que nos pode acontecer neste mundo, nem é a doença, com todas as suas dores, nem a perda da fazenda, nem a morte prematura – mas sim o pecado.

O pecado é pior mal que a doença, porque a doença nos faz padecer por alguns dias dores que terminarão com a morte; ma o pecado, se nele morremos, lança-nos em um leito de fogo, onde os sofrimentos, sobre serem mais agudos, serão eternos.

O pecado é pior mal que a perda da fazenda, pois o que nesta se perde é um bem finito, que, cedo ou tarde, teremos de abandonar; mas o pecado priva-nos do maior dos bens que é Deus.

O pecado é pior mal que a morte, porque a morte nos rouba a vida do corpo, e o pecado a da alma. A morte põe termo a esta vida terrestre, cheia de inúmeros percalços e contrariedades; mas o pecado extingue em nós a vida celeste, que é a divina graça, penhor da felicidade eterna.

EVITAR o pecado é obrigação que mais onera a nossa consciência.

EVITAR o pecado é o dever que mais nos impõe, se desejamos ser fiel a Deus e às promessas que fizemos no batismo, de renunciar ao demônio e às suas obras.

Mas, para EVITÁ-LO, a primeira condição é conhecer-lhe toda a malícia.

O que é o pecado? – É uma transgressão da lei de Deus. Grande insolência a do homem que peca e se atreve a negar obediência às ordens de seu Deus e Senhor! É preciso que este ser tão miserável, que ousa ofender a Deus, esteja enfatuado de orgulho para não reconhecer o seu nada, a sua completa dependência do Criador, e, portanto, uma obrigação inalienável de regular o seu proceder com a lei divina.

O pecado é a máxima desordem: quem o comete tem o justo por injusto, a beleza por fealdade, o mal por bem, Deus por inimigo, e prefere à felicidade do céu o fogo e tormentos do inferno!

O pecador aborrece o que só deveria amar, ama o que deveria odiar, busca o seu gozo no que há de causar a maior tristeza, procura a alegria no que lhe há de arrancar sentidas lágrimas.

O pecado é uma insubordinação! Quem peca diz a Deus que não O quer servir e põe-se ao lado de Lúcifer, que soltou contra Deus o primeiro grito de revolta.

O pecado é uma degradação! O homem, enquanto está em graça, é semelhante aos anjos; mas quando o pecado se lhe alojou no coração, nivelou-se aos brutos, pois, com eles, pôs o seu fim último na satisfação dos apetites.

O pecado é a mesma fealdade! É tão grande a fealdade do pecado, que a alma que o comete, envergonhada de si mesma, tem de fazer um esforço violento para confessá-lo, ainda no segredo da intimidade a um só homem, pois sente que o pecado a convence de covarde, de fraca, infiel e desleal.

É tão feio o pecado que o homem quase sempre foge de se ver a si mesmo no ato de cometê-lo, procurando a escuridão, o ermo e a noite, para se não ver e não ser visto.

 

III. AGRADAR AO SENHOR

 

Santa Teresa de Jesus sentiu em sua alma, certa vez, como se Jesus lhe dissesse: Tudo o que não me AGRADA, é vaidade. Como seria bom que todos entendessem esta verdade: Uma só coisa é necessária. Não é necessário ser rico neste mundo, ganhar a estima dos outros, levar vida cômoda, ter dignidades e passar por sábio. A única coisa necessária é amar a Deus e fazer sua vontade. Só para este fim Ele nos criou e nos conserva a vida; somente assim podemos ser admitidos no céu. A toda a alma que deseja ser sua esposa, o Senhor diz: Coloca-me como um selo sobre teu coração, como um selo sobre teus braços... para que dirijas a mim todos os teus desejos e ações; sobre teu coração a fim de que não entre em ti outro amor senão o meu, sobre teu braço para que não tenhas em vista senão a mim em tudo que fazes. Como corre rapidamente na perfeição quem só olha Jesus Crucificado em todas suas ações e só a Ele procura AGRADAR!

Assim, se alguém tivesse uma fé tão grande ao ponto de deslocar as montanhas, como se conta de São Gregório Taumaturgo, mas não tivesse a caridade, nada lhe valeria. Se distribuísse todos os seus bens aos pobres, se sofresse voluntariamente o martírio, mas sem a caridade, isto é, por outra finalidade que não a de AGRADAR a Deus, tudo isso nada lhe valeria.

Persuadamo-nos que neste vale de lágrimas não pode ter a verdadeira paz interior senão quem recebe e abraça com amor os sofrimentos, tendo em vista AGRADAR a Deus. Essa é a condição a que estamos reduzidos em consequência da corrupção do pecado. A situação dos justos na terra é de sofrer amando. A situação dos santos no céu é de se alegrar amando.

Observemos, portanto, que não basta fazer boas obras, mas é preciso fazê-las bem. Para que as nossas obras sejam boas e perfeitas é necessário fazê-las com pura intenção de AGRADAR a Deus.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 13 de novembro de 2014

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Adolfo Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética e Mística

Bem-aventurado Columba Marmion, Jesus Cristo: ideal do monge

Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as Festas do Senhor e dos Santos

Pe. Alexandrino Monteiro, Raios de luz

Santo Afonso Maria de Ligório, A prática do amor a Jesus Cristo

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Grande riqueza”

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