MAL... BEM (Rm 12, 9)
“Detestai o mal, apegai-vos ao bem”.
Não basta renunciar o MAL, mas é preciso DETESTÁ-LO, isto é, ter aversão, antipatia e horror do mesmo. O MAL não é senão a privação do bem. Por isso, ele é como um parasita de uma coisa boa. Não pode apegar-se a uma coisa sumamente boa, porque esta é por natureza incorruptível e imutável por si. O sumo BEM é Deus. Santo Agostinho escreve: “O problema do MAL no mundo tem-me atormentado desde quando eu era ainda jovem e, cansado, empurrou-me para a heresia. Com isso fiquei a tal ponto prejudicado e sufocado por um grande número de fábulas vazias, que, se a paixão por chegar à verdade não me tivesse obtido a ajuda divina, não teria conseguido voltar à tona e respirar de novo. Agora acredito que todas as coisas existentes provêm de um só Deus; no entanto, Deus não é autor dos pecados. Confio naquilo em que creio. Não há nada que seja melhor objeto de fé, mesmo se a causa da razão e da maneira de ser permaneça oculta. Ter um ótimo conceito de Deus é o princípio mais razoável de religiosidade; e ninguém tem um ótimo conceito de Deus, se não crê: ele é onipotente e em nenhuma partícula mutável, criador de todos os bens aos quais ele próprio é superior; governador justíssimo de todas as coisas que criou. E quando procedeu à criação, não foi ajudado por nada na natureza, como se não fosse capaz de agir sozinho”. Devemos vencer o MAL. Perigos há por toda a parte! Se por causa dos perigos abandonamos o campo de ação, os MAUS invadirão tudo! Perigos há por toda a parte! Se, por causa dos perigos, nunca tivermos a iniciativa de nada, nunca empreenderemos nada, os MAUS terão sempre a liderança. Perigos há por toda a parte! Se, por causa dos perigos, temermos as críticas e, não querendo errar, vivermos na indecisão, os MAUS multiplicarão ainda mais os perigos. A atitude cristã deve ser a de tomar as precauções da prudência e a de ser dócil à vontade de Deus. Se, portanto, as circunstâncias nos levam a ações, ambientes ou companhias onde haja perigo, devemos intensificar a oração, fortificarmo-nos com os sacramentos e... enfrentar os perigos. Nesta vida, sempre estaremos em contato com o MAL, há MAL já dentro de nós. O que é preciso é vencer o MAL, limpar-se do MAL e neutralizar o MAL. Devemos apegar ao BEM... a serviço do BEM. Há muitas pessoas inteligentes que usam a sua boa cabeça a serviço do MAL, justamente porque são más e estão eivadas de maus propósitos. Uma boa mente é como uma arma de último tipo, a mais aperfeiçoada que se possa imaginar. Esta arma em si não é boa nem má. Se cair nas mãos de um assassino será terrivelmente prejudicial. Se for colocada nas mãos de um patriota, terá toda a eficiência na defesa do BEM. A diferença, pois, não está na arma, está na atitude moral, na direção que se dá à vida, no sentido que se dá ao próprio eu. Não se nega, pois, que entre os maus, há muita gente inteligente, até genial. Porém, o que diferencia os homens não é tanto o seu poder mental. O decisivo é a boa ou má vontade. O decisivo é usar a inteligência a serviço de uma vontade moralmente intencionada, de uma vontade impregnada de BEM. Todo o cuidado do homem deve, pois, consistir em purificar as próprias intenções e afeições, em progredir na vida moral, em ganhar o hábito das virtudes. É preciso contribuir para o BEM espiritual e material dos outros. Não é raro observar como, na vida social, muitos adotam uma atitude de meros espectadores perante problemas que os afetam, às vezes profundamente, a eles próprios, aos seus filhos ou ao seu ambiente social... Têm a impressão errada de que são “os outros” que deveriam tomar iniciativas para conter o MAL e fazer o BEM, e não eles próprios; contentam-se com um lamento ineficaz. Um católico não pode adotar essa linha de conduta, porque sabe muito bem que deve exercer dentro da sociedade o papel de FERMENTO. No meio das realidades humanas, “o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo”. Esse é “lugar que Deus lhes fixou e não lhes é lícito desertar dele” (Apostolicam actuositatem). Existe uma obrigação positiva de COOPERAR para o BEM, que deve levar todo o católico a contribuir com o máximo das suas forças para informar todos os campos da sua atividade com a mensagem de Cristo, fugindo de atitudes que se limitem a não praticar pessoalmente obras más. A cooperação para o BEM inclui, logicamente, que não se coopere para o MAL, no muito ou no pouco que esteja ao nosso alcance: não comprar revistas, jornais, livros... que, pelo seu caráter sectário anticristão ou imoral, fazem MAL às almas; não comprar o jornal naquela banca e sim em outra, ainda que tenhamos que andar um pouco mais, porque a primeira distribui publicações que atacam a nossa Mãe a Igreja ou ofendem a moral; não ser cliente de uma farmácia que anuncia anticoncepcionais...; ou não admitir determinado produto – talvez de melhor qualidade – lançado por uma empresa que patrocina um programa imoral na televisão ou no rádio ou que publica anúncios imorais... O católico deve cooperar para o BEM pesquisando e oferecendo soluções positivas para os problemas de sempre e para os que vão aparecendo pelas condições particulares da sociedade atual. A sua pior derrota seria calar-se e inibir-se, como se se tratasse de assuntos que não lhe dissessem respeito. Em Gênesis 1, 31 diz: “E Deus contemplou tudo que havia feito; e viu que era muito bom”. Jesus Cristo, contudo, para apressar a vinda do reino escatológico, nos faz pedir no Pai Nosso: “Livrai-nos do mal”(Mt 6, 13). A oposição dessas fórmulas suscita para o fiel de nossos dias um problema para o qual a própria Bíblia oferece elementos de solução: donde vem o mal neste mundo que foi criado bom? Quando e como será vencido?
I. O BEM e o MAL no mundo
1. Para quem as vê ou experimenta, certas coisas são subjetivamente boas ou más. A palavra hebraica tôb traduzida indiferentemente pelos termos gregos kalos e agathos, BELO e BOM (cf. Lc 6, 27. 35) designa primitivamente as pessoas ou os objetos que provocam sensações agradáveis ou a euforia de todo o ser: uma boa refeição (Jz 19, 6-9; 1 Rs 21, 7; Rt 3, 7), uma bela jovem (Est 1,11), pessoas benfazejas (Gn 40, 14), em suma, tudo que proporciona felicidade ou facilita a vida na ordem física ou psicológica (Dt 30, 15); pelo contrário, tudo que conduz à doença, ao sofrimento em todas suas formas, e, sobretudo, à morte, é MAU (hb. ra’; gr. poneros e kakos). 2. Pode-se também falar duma bondade objetiva das criaturas no sentido em que entendiam os gregos? Estes imaginavam para cada coisa um arquétipo a imitar ou a realizar; propunham ao homem um ideal, o kalos-kagathos que, possuindo em si mesmo todas as qualidades morais, estéticas e sociais, é plenamente desenvolvido, agradável e útil à cidade. Nessa ótica particular, como conceber o MAL? Como uma imperfeição, uma pura negatividade, uma ausência de BEM? Ou, ao contrário, como uma realidade que tem sua existência própria e provém do tal princípio mau que desempenhava importante papel no pensamento irânico? (pensamento irânico: esboço de pensamento religioso). Quando a Bíblia atribui uma real bondade às coisas, não a entende assim. Ao dizer: “Deus viu que era bom” (Gn 1, 4...), ela mostra que essa bondade não se mede em função dum BEM abstrato, mas em relação com o Deus criador que, somente, dá às coisas a bondade das mesmas. 3. A bondade do homem constitui um caso particular. Com efeito, ela depende, em parte, dele próprio. Desde a criação, Deus o colocou diante da “árvore do conhecimento do BEM e do MAL”, deixando-lhe a possibilidade de obedecer e de usufruir da árvore da vida, ou de desobedecer e de ser arrastado à morte (Gn 2, 9.17), prova decisiva da liberdade que se repete para todo homem. Se ele rejeita o MAL e faz o BEM (Is 7, 15; Am 5, 14; cf. Is 1, 16s), observando a lei de Deus e conformando-se à sua vontade (cf. Dt 6, 18; 12, 28; Mq 6, 8), senão, será mau e lhe desagradará. Responsável que é, ele fará em consciência a sua opção que determinará a sua qualificação moral e, em consequência, o seu destino. 4. Ora, seduzido pelo MALIGNO, o homem, desde a origem, escolheu o MAL. Buscou seu BEM nas criaturas “boas de comer e sedutoras à vista” (Gn 3, 6), mas fora da vontade de Deus, o que é a própria essência do pecado. Não encontrou aí senão os frutos amargos do sofrimento e da morte (Gn 3, 16-19). Em consequência do seu pecado, o MAL, portanto, se introduziu no mundo, em seguida aí proliferou. Os filhos de Adão se tornaram tão maus que Deus se arrepende de havê-los feito (Gn 6, 5ss): não há nem um que faça o BEM aqui no mundo (Sl 14, 1ss; Rm 3, 10ss). Essa é a experiência do homem: sente-se frustrado em seus desejos insaciáveis (Ecl 5, 9ss; 6,7), impedido de gozar plenamente dos bens da terra (Ecl 5, 14; 11, 2-6), incapaz mesmo de “fazer o bem sem jamais pecar” (Ecl 7, 20), pois o MAL sai do seu próprio coração (Gn 6, 5; Sl 28, 3; Jr 7, 24; Mt 15, 19ss). É atingido na sua liberdade (Rm 7, 19), escravo do pecado (Rm 6, 17); é atingida a sua própria razão: viciando a ordem das coisas, ele chama ao BEM, MAL, e ao MAL, BEM (Is 5, 20; Rm 1, 21-25). Finalmente, desgostoso e decepcionado, se apercebe de que “tudo é vaidade” (Ecl 1, 2); experimenta duramente que “o mundo inteiro jaz em poder do Maligno” (1 Jo 5, 19; cf. Jo 7, 7). O MAL, com efeito, não é uma simples ausência de BEM, é uma força positiva que sujeita o homem e corrompe o universo (Gn 3, 17ss). Deus não o criou, mas agora que ele apareceu, se lhe opõe. Começa uma guerra incessante que há de durar tanto quanto a história: para salvar o homem, o Deus onipotente deverá triunfar do MAL e do MALIGNO (Ez 38-39; Ap 12, 7-17).
II. Só Deus é BOM
1. A bondade de Deus é uma revelação capital do Antigo Testamento. Tendo conhecido o MAL em seu paroxismo na escravidão do Egito, Israel descobre o BEM em Deus seu libertador. Deus o arranca da morte (Ex 3, 7ss; 18, 9), depois o conduz à Terra prometida, a “terra excelente” (Dt 8, 7-10) “onde corre o leite e o mel”, e “sobre a qual Deus tem constantemente os olhos”. Israel aí encontrará a felicidade (cf. Dt 4, 40), se ficar fiel à Aliança (Dt 8, 11-19; 11, 8-12. 18-28). 2. Deus põe condição para seus dons. – Israel, como Adão no paraíso, se vê colocado diante duma opção que determinará seu destino. Deus põe diante dele a bênção e a maldição (Dt 11, 26ss), pois o BEM físico e o BEM moral estão igualmente ligados a Deus: se Israel “esquecesse Deus”, deixasse de amá-lo, não mais observasse os mandamentos e rompesse a Aliança, seria imediatamente privado desses bens terrestres (Dt 11, 17) e reenviado à servidão, enquanto a sua terra se tornaria um deserto (Dt 30, 15-20; 2 Rs 17, 7-23; Os 2, 4-14). Israel experimentará a verdade dessa doutrina fundamental da aliança no decurso da sua história: como no drama do paraíso, a experiência da desgraça é sequela da do pecado. 3. A felicidade dos ímpios e a infelicidade dos justos. – Ora, eis que num ponto capital a doutrina parece mostrar-se falha: não parece Deus favorecer os ímpios e deixar os bons na desgraça? Os justos sofrem, o Servo de Deus é perseguido, os profetas são mortos (cf. Jr 12, 1ss; 15, 15-18; Is 53; Sl 22; Jó 23-24). Dolorosa e misteriosa experiência do sofrimento, cujo sentido não aparece de imediato. Por ela, não obstante, os pobres de Deus aprendem pouco a pouco a desapegar-se dos “bens deste mundo”, efêmeros e instáveis (Sf 3, 11ss; cf. Mt 6, 19ss; Lc 12, 33ss), para encontrar a sua força, a sua vida e o seu BEM em Deus que, somente, lhes resta, quando tudo está perdido, e ao qual se apegam por uma fé e uma esperança heróicas (Sl 22, 20; 42, 6; 73; 25; Jr 20, 11). É verdade, eles estão ainda sujeitos ao mal, mas têm consigo o seu Salvador que triunfará no dia da salvação; então receberão aqueles bens que Deus prometeu aos seus fiéis (Sl 22, 27; Jr 31, 10-14). Em toda verdade, “só Deus é bom” (Mc 10, 18).
III. Deus vence o MAL
Revelando-se como Salvador, Deus já anunciava a sua futura vitória sobre o MAL. Mas era ainda preciso que esta se afirmasse duma forma definitiva, tornando o homem bom e subtraindo-o ao poder do MALIGNO (1 Jo 5, 18ss), “príncipe deste mundo” (Lc 4, 6; Jo 12, 31; 14, 30). 1. Por certo, Deus já tinha dado a Lei, que era boa e destinada à vida (Rm 7, 12ss): se praticasse os mandamentos, o homem faria o BEM e obteria a vida eterna (Mt 19, 16ss). Mas essa Lei ficava por si mesma ineficaz, enquanto o coração do homem, prisioneiro do pecado, não fosse mudado. Querer o bem está ao alcance do homem, mas não realizá-lo: ele não faz o BEM que quer, faz o MAL que não quer (Rm 7, 18ss). A concupiscência o arrasta como que contra sua vontade, e a Lei, feita para seu BEM, acaba sendo para seu MAL (Rm 7, 7.12ss; Gl 3, 19). Essa luta interior o faz infinitamente infeliz; quem, pois, o libertará? (Rm 7, 14-24). 2. Só “Jesus Cristo nosso Senhor” (Rm 7, 25) pode atingir o MAL na sua raiz, vencendo-o no próprio coração do homem (cf. Ez 36, 26ss). Ele é o novo Adão (Rm 5, 12-21), sem pecado (Jo 8, 46), sobre o qual Satanás não tem poder algum. Fez-se obediente até a morte da Cruz (Fl 2, 8), deu a sua vida a fim de que as suas ovelhas encontrem pastagem (Jo 10, 9-18). Fez-se “maldição por nós a fim de que pela fé recebêssemos o Espírito prometido” (Gl 3, 13ss). 3. Os frutos do Espírito – Assim foi que, renunciando à vida e aos bens terrestres (Hb 12, 2) e enviando-nos o Espírito Santo, Cristo nos obteve os “bens” que devemos pedir ao Pai (Mt 7, 11; cf. Lc 11, 13). Já não se trata dos bens materiais, como os que outrora eram prometidos aos hebreus; trata-se dos “frutos do Espírito” em nós (Gl 5, 22-25). Doravante, transformado pela graça, pode o homem “fazer o bem” (Gl 6, 9ss); “fazer boas obras” (Mt 5, 16; 1 Tm 6, 18ss; Tt 3, 8.14); “vencer o mal pelo bem” (Rm 12, 21). Para se tornar capaz desses bens novos, tem que passar pelo despojamento, “vender os seus bens” e “seguir a Cristo” (Mt 19, 21), “renunciar a si próprio e carregar a sua cruz com ele” (Mt 10, 38ss; 16, 24ss). 4. A vitória do BEM sobre o MAL – Escolhendo assim viver com Cristo para obedecer aos impulsos do Espírito Santo, o cristão se dessolidariza da opção de Adão. Pelo que o MAL moral vem a ser nele verdadeiramente vencido. É verdade, suas consequências físicas e psicológicas permanecem enquanto durar o mundo presente, mas ele se gloria das suas tribulações, conquistando por elas a paciência (Rm 5, 4), estimando que “os sofrimentos do tempo presente não se comparam com a glória que deverá revelar-se” (Rm 8, 18). Assim ele já está, pela fé e pela esperança, na posse das riquezas incorruptíveis (Lc 12, 33ss) que são concedidas pela mediação de Jesus Cristo, “Sumo Sacerdote dos bens futuros” (Hb 9, 11; 10, 1). É apenas um começo, pois crer não é ver; mas a fé garante os bens esperados (Hb 11, 1), os da pátria melhor (Hb 11, 16), os do mundo novo que Deus irá criar para os seus eleitos (Ap 21, 1ss).
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C) Anápolis, 03 de fevereiro de 2015
Bibliografia
Sagrada Escritura Santo Agostinho, Escritos Pe. Xavier Léon- Dufour, Vocabulário de Teologia Bíblica Pe. Roberto Sabóia de Medeiros, Meditações Pe. Francisco Fernández Carvajal, Falar com Deus Carta a Diogneto, 5 Concílio Vaticano II, Decreto Apostolicam Actuositatem, 16
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