COISAS QUE DEVEM ACONTECER

(Ap 1, 1-3)

 

1 Revelação de Jesus Cristo: Deus lha concedeu para que mostrasse aos seus servos as coisas que devem acontecer muito em breve. Ele a manifestou com sinais por meio de seu Anjo, enviado ao seu servo João,  2 o qual atesta tudo quanto viu como sendo a Palavra de Deus e o Testemunho de Jesus Cristo. 3 Feliz o leitor e os ouvintes das palavras desta profecia, se observarem o que nela está escrito, pois o Tempo está próximo”.

 

Antes de mais, fica patente a natureza do escrito: é uma revelação (apocalipse) de Deus, e não simples palavra humana; é palavra de Deus e testemunho de Jesus Cristo (v. 2). É de Deus, o Pai, de quem procede a revelação; esta é dada a conhecer por meio de Jesus, e, para que chegue a todos os seus servos, há também uma mediação, a de São João Evangelista.

Logo de início, proclama-se uma bem-aventurança: a felicidade para quem lê a para quem escuta na assembléia a palavra, mas com a condição de pô-la em prática. Aqui a prática consiste em ter a certeza de que estas palavras proféticas se vão cumprir, e em manter firme a esperança na vitória definitiva de Cristo sobre o mal que ameaça os cristãos. Ao dizer que o tempo está próximo, não se pretende dar a garantia de uma data cronológica, mas apenas de uma certeza escatológica, que mantenha viva a fé e a esperança.

O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica: Revelação: no original “apocalipse”, donde o nome mais usual do livro – que Deus lhe concedeu, porque toda a atividade de Jesus Cristo, Verbo divino humanado, provém de Deus Pai (v. 6; cf. Jo 5, 30; 7, 16; 14, 10). – o que deve acontecer em breve são, em primeiro lugar, as lutas e as perseguições que a Igreja cristã deverá enfrentar sem medo. O intento (intenção) do livro é, de fato, preparar o leitor para essas lutas e perseguições. As consequências (os triunfos e a segunda vinda de Jesus Cristo) estão em segundo e terceiro plano, depois de um espaço de tempo indeterminado.

Deseja o autor que o seu livro seja lido em público, nas assembleias dos fiéis. Um encarregado em voz alta e os outros ouvem. Mas, tanto o primeiro como o segundo, somente serão felizes se tirarem fruto para a vida prática das coisas nele escritas. E isso vale para toda a classe de leitores, em todo o tempo e lugar.

Edições Theologica comenta: “Revelação de Jesus Cristo”: Revelação em grego diz-se apocalipse, e daí que este livro da Sagrada Escritura seja designado com tal nome. A revelação implica sempre o desvelar algo que antes estava oculto; neste caso, o que vai acontecer no futuro. Este o conhece Deus Pai, e, Jesus Cristo, como Filho, participa desse conhecimento que transmite ao autor do livro. Diz-se “revelação de Jesus Cristo” não só porque João a recebe por meio de Jesus Cristo, mas também porque nosso Senhor é o objeto principal, o princípio e o fim desta revelação. Ele é, com efeito, aquele que ocupa o centro dessas visões grandiosas, nas quais se rompem os véus que ocultam o mais além e se dissipam as sombras para dar passagem à Luz, que é o próprio Jesus Cristo (cfr Ap 21, 23; 22, 5).

“Em breve”: Quanto à prontidão com que tudo vai acontecer, há que ter em conta que a noção do tempo na Sagrada Escritura, e em especial no Apocalipse, não coincide exatamente com a nossa, pois tem um valor mais qualitativo que quantitativo. Neste sentido podemos dizer que “para o Senhor um dia é como mil anos, e mil anos como um dia” (2 Pd 3, 8). Ou seja, ao assinalar que algo acontecerá a seguir não se quer precisar uma data imediata, mas simplesmente que acontecerá, e inclusive que em certo sentido está já a acontecer. Por último, deve considerar-se que a proximidade dos fatos anunciados fortalecia quantos sofriam perseguição e enchia-os de esperança e de consolação.

O Apocalipse é um convite urgente a tomar a sério a vida cristã, guardando fielmente quanto o Senhor quis mostrar-nos através dos escritos apostólicos, neste caso, por meio de São João Evangelista.

O livro é destinado, segundo parece, às reuniões litúrgicas, nas quais alguém lê e os outros escutam. Reflete assim o lugar preferente da Sagrada Escritura na Liturgia. A Igreja sempre venerou a Sagrada Escritura, como o fez com o Corpo de Cristo, pois, sobretudo, na sagrada Liturgia nunca cessou de tomar a repartir aos seus fiéis o pão da vida que oferece a mesa da palavra de Deus e do Corpo de Cristo. Daqui que na celebração litúrgica, a importância da Sagrada Escritura é sumamente grande. Pois dela se tomam as leituras que a seguir se explicam na homilia, e os salmos que se cantam; as preces, orações e hinos litúrgicos estão penetrados do seu espírito, e dela recebem o seu significado as ações e os sinais.

As circunstâncias do momento reclamavam as exortações e avisos deste escrito. São palavras que exigem uma resposta decidida e pronta, que apague dúvidas e hesitações. Por outro lado, constituem uma séria ameaça para quantos põem obstáculos ao Reino de Deus que há de vir, e que em certo modo já chegou.

O Pe. Miguel Nicolau explica: A revelação. A palavra Apocalipse significa “manifestação de algo oculto”, e equivale, quanto ao sentido, a “remover um véu” ou revelação. O substantivo tem um sentido real e metafórico (Plutarco). Na versão grega do Antigo Testamento (LXX), o sentido verbal se aplica à revelação de segredos de ordem natural e também aos que não podem conhecer-se por meio naturais, se não os manifesta Deus. No Novo Testamento, Apocalipse significa manifestação de verdades sobrenaturais (Lc 2, 32; Rm 16, 25; Ef 1, 17), revelações especiais feitas por Deus (Ap 1, 1; Gl 1, 12; 2, 2; Ef 3, 3; 2 Cor 12, 1) ou a aparição última de Jesus Cristo ou parusia (Rm 2, 5; 1 Cor 1, 7; 2 Ts 1, 7; 1 Pd 1, 7. 13; 4, 13).  De fato, a palavra passou a indicar a revelação das coisas ocultas, especialmente de segredos divinos, comunicados aos homens diretamente por Deus ou por meio dos seus anjos. Consequentemente com esse nome se designou aos livros que contém revelações divinas, verdadeiras ou supostas, que tratavam de diversos temas, muito particularmente do futuro. É muito próprio, pois, esse nome, aplicado ao último livro da Sagrada Escritura.

De Jesus Cristo. Na literatura apocalíptica judeu-cristã, o encarregado de levar ao termo na história os decretos de Deus para bem temporal se seu povo ou fim da humanidade é o Messias, de traços mais ou menos vagos. Assim, São João Evangelista, com uma só palavra composta, dá o sentido transcendente de todo o seu livro. O Messias ou Cristo é Jesus, o personagem histórico que nasceu de Maria Santíssima em Belém, viveu em Nazaré, pregou na Palestina, foi crucificado, ressuscitou ao terceiro dia e fundou a Igreja perpétua. Ao dizer-se neste prólogo que a revelação é de Jesus Cristo, se dá ao genitivo um valor subjetivo: Cristo é o sujeito que comunica esta revelação de segredos a São João (cf. 2 Cor 12, 1). Porém, este genitivo tem também valor objetivo, enquanto que esses segredos revelados sobre o futuro da Igreja possuem como centro dinâmico o mesmo Jesus Cristo. D’Ele se darão notas importantes sobre sua essência, atuação e dignidade.

Em breve. É próprio do apocalipse afirmar que os fatos que aconselham sucedem imediatamente. É preciso evitar com cuidado projetar sobre esta expressão nossas maneiras de pensar. Para um profeta semita, os dias podem ser presentes, passados ou futuros, e significam espaços longos de tempo (Jl 1, 2). Sobre a visão do profeta que se cumprirá depois de muito tempo (Dn 8, 26; 10, 14). Os tempos messiânicos são chamados às vezes de os últimos dias (Dn 10, 14; Ez 38, 16-23; Jr 31, 31-34).

Seu anjo. Parece muito conveniente que Deus comunique com as suas criaturas por meio de criaturas de distinta ordem e dignidade. Porém, por ser dono e Senhor absoluto de toda a criação, sempre é livre de se comunicar imediatamente com quem quer e como quer. Tanto no Antigo Testamento  como no Novo Testamento, é frequente o trabalho dos anjos entre Deus e os homem. Aqui a palavra anjo é para se tomar mais em sentido etimológico que filosófico-teológico, e mais em sentido genérico que individual; concreto ou pessoal. O mensageiro pode ser o mesmo Messias (Ml 3, 1). É frequente que o mensageiro leve ou explique uma revelação (Zc 1, 9; Dn 7, 9; 8, 15-26), e costuma ser geralmente um anjo em sentido estrito. No Apocalipse fala a São João o mesmo Jesus Cristo (Ap 1, 17), ou uma voz imprecisa (Ap 4, 1; 10, 4.8), ou uma voz dos anciãos (Ap 5, 5; 7, 13-17), ou um anjo (Ap 22, 6-9), que, além disso, o arrebata às visões reveladoras (Ap 21, 9).

O versículo 3 diz: Feliz o leitor e os ouvintes das palavras desta profecia, se observarem o que nela está escrito, pois o Tempo está próximo. Este versículo contém um macarismo. O macarismo é uma aclamação habitual no povo judeu e não rara na antiguidade clássica, pelo que se proclama feliz a alguém por causa de uma qualidade, virtude ou boa ação e pelos bens ou recompensas que dela foram conquistadas. Aqui, o que guarda o espírito e observa a mensagem do Apocalipse vencerá, e a recompensa de Jesus Cristo será grande pela vitória do vencedor.

Os três primeiros versículos do Apocalipse estão logicamente divididos em três partes. 1.ª A fonte dessas revelações é primordialmente Deus, o Pai, que as comunica a Jesus Cristo. Logo, Cristo, por si ou pelo seu anjo, as notifica a São João. Finalmente, São João as manifesta aos cristãos, entre os quais estamos nós. São os três agentes, em seu grau distinto, da revelação. 2.ª O objeto desta revelação é uno e triforme. A palavra do Pai a faz sua Jesus Cristo; e a vê em visões e a narra fielmente São João. 3.ª Por parte dos destinatários, feliz é o que dá a conhecer a palavra de Deus, o que a aceita e o que a observa; porém, aqui é preciso advertir que é única e totalmente feliz o que a conhece, a aceita e a observa individualmente.

O Pe. José Salguero ensina: O termo apocalipse é muito apropriado para designar (nomear) o último livro da Bíblia, que contém a revelação divina comunicada ao seu servo São João, por meio de um anjo, sobre as coisas que estão para se realizar.

É o próprio Jesus Cristo que se comunica com São João Evangelista os segredos desta revelação divina (Ap 1, 9). De fato, se trata de uma revelação que tem por objeto o mesmo Jesus Cristo. Jesus Cristo é o centro de todo o Apocalipse. Toda a revelação comunicada a São João gira em torno da manifestação de Jesus Cristo na história da Igreja e do mundo. E o conteúdo dessa revelação é o que deve acontecer rápido, isto é, os juízos de Deus sobre o mundo. São João, imitando os profetas do Antigo testamento, considera a execução dos juízos de Deus já próxima.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 01 de maio de 2015

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Edições Theologica

Concílio Vaticano II, Dei Verbum, 21; Sacrosanctum Concilium, 24

Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura

Pontifício Instituto Bíblico de Roma

Pe. Geraldo Morujão, Apocalipse

Pe. José Salguero, Bíblia Comentada

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Coisas que devem acontecer”

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