VI UM GRANDE TRONO BRANCO (Ap 20, 11-15)
“11 Vi depois um grande trono branco e aquele que nele se assenta. O céu e a terra fugiram de sua presença, sem deixar vestígios. 12 Vi então os mortos, grandes e pequenos, em pé diante do trono, e abriram-se livros. Também foi aberto outro livro, o da vida. Os mortos foram então julgados conforme sua conduta, a partir do que estava escrito nos livros. 13 O mar devolveu os mortos que nele jaziam, a Morte e o Hades entregaram os mortos que neles estavam, e cada um foi julgado conforme sua conduta. 14 A Morte e o Hades foram então lançados no lago de fogo. Esta é a segunda morte: o lago de fogo. 15 E quem não se achava inscrito no livro da vida foi também lançado no lago de fogo”.
Afastado o Demônio, raiz de todos os males, é apresentada – como depois do combate anterior – a cena da ressurreição e o juízo, desta vez universal. O TRONO BRANCO é símbolo do poder de Deus que julga os vivos e os mortos. Noutros textos do Novo Testamento, o Juiz supremo é Cristo por encargo do Pai (Mt 16, 27; 25, 31-46; At 17, 31; 2 Cor 5, 10). A fuga do céu e da terra significa o seu desaparecimento – visto que também as criaturas irracionais foram afetadas pelo pecado (Rm 8, 19 ss.) -, para dar passagem aos novos céus e à nova terra (Rm 8, 23). O autor contempla então a ressurreição universal, em que todos os homens serão julgados por Deus segundo as suas obras. O juízo é descrito com a imagem de dois livros: num estão consignadas as ações dos homens, como em Daniel 7, 10 e outras passagens do Antigo Testamento (Is 65, 6; Jr 22, 30). No livro segundo estão contidos os nomes dos predestinados para a vida eterna: concepção inspirada também em Daniel 12, 1. Desta forma é significado que o homem não pode conseguir a salvação pelas suas próprias forças, é Deus quem o salva, mas ao mesmo tempo é necessário que as suas obras correspondam ao destino que Deus lhe marcou, pois, de outro modo, corre o perigo de que o seu nome seja apagado do livro da vida (Ap 3, 5), ou seja, de ser condenado. Desta forma, com a imagem dos dois livros no Juízo Final, o autor do Apocalipse ensina-nos duas verdades cuja relação sempre fica no âmbito do mistério: a graça da predestinação e a liberdade. Quanto ao Hades ou Inferno, há que esclarecer que não se trata do Inferno propriamente dito, mas do Sheol, nome que os Judeus davam ao lugar tenebroso para onde iam os mortos. Sobre a verdade do Juízo Final ensina o Bem-aventurado Paulo VI: Subiu para o Céu e virá de novo, desta vez com glória, para julgar os vivos e os mortos, cada um segundo os seus méritos: aqueles que tenham correspondido ao Amor e à Piedade de Deus irão para a vida eterna; aqueles que o tenham rejeitado até ao fim, para o fogo inextinguível (...). Cremos na vida eterna. Cremos que as almas de quantos morrem na graça de Cristo, tanto os que ainda devem ser justificados no Purgatório, como as que desde o instante em que deixam os corpos são levadas por Jesus para o Paraíso como fez com o Bom Ladrão, constituem o Povo de Deus para além da morte, a qual será definitivamente vencida no dia da Ressurreição, quando essas almas se unirem de novo aos seus corpos. O Pe. José Salguero comenta: O autor sagrado (São João Evangelista) põe com esta cena ponto final a todas as lutas e agitações terrestres. Toda oposição contra Jesus Cristo e sua Igreja é afastada para sempre. Assim poder-se-á voltar a uma paz e uma felicidade, e superarão a paz e a felicidade dos nossos primeiros pais no paraíso terrestre (comenta J. H. Michael). Será a felicidade ininterrompida no céu. São João Evangelista contempla a Jesus Cristo sentado num trono com disposição para julgar o mundo. É o Juízo Final, com o qual se põe termo ao drama terrestre. Deus vai dar a cada um a sorte que tem merecido suas obras por toda a eternidade. Deus mesmo é o que vai julgar (Mt 16, 27; 25, 31-46). O Juiz supremo aparece sobre um trono. Diante da sua presença se produz um desastre ambiental, pois o céu e a terra fugiram de sua presença sem deixar vestígios (versículo 11). O profeta Isaías também apresenta uma imagem bastante parecida: todo o exército dos céus se desfaz; os céus se enrolam como um livro, todo o seu exército fenece, como fenecem as folhas da videira, como fenecem as folhas da figueira (Is 34, 4). À abertura do sexto selo (Ap 6, 12-14) se produz uma cena muito semelhante, na qual se deve de inspirar nossa passagem bíblica. Quando Deus intervém na história, os elementos do cosmos se comovem diante da presença do soberano Senhor. A magnitude do desastre ambiental presente – o céu e a terra fugiram sem deixar rastro de si – indica a importância da intervenção divina. O trono sobre o qual aparecia sentado Deus, o Juiz supremo, era alto, para significar de algum modo a alta dignidade de quem se senta nele (Is 6, 1). Sua cor era branca, própria dos personagens celestes, e que simboliza a vitória, a santidade, a justiça e ao mesmo tempo a misericórdia (Ap 6, 2; 19, 8). A majestade do que se senta no trono é tão grande que os céus e a terra não podem suportá-la e desaparecem sem deixar nenhum vestígio. Serão substituídos por um novo céu e uma nova terra (Ap 21, 1). São João vê depois diante do trono os mortos que haviam de ser julgados (versículo 12). Eram os homens que haviam morrido, porém, que agora voltaram à vida. A multidão estava composta de personagens que no mundo foram socialmente poderosos e grandes; porém, muito menos faltavam os humildes e de condição baixa. Todos estavam de pé diante do trono esperando a sentença do Juiz supremo. Quando todos se reuniram, foram abertos vários livros. Em uns livros estavam escritas as boas obras e más de cada um dos homens que haviam de ser julgados; pois, como disse o Livro de Henoc, todo pecado é anotado dia por dia no céu na presença do Altíssimo. Segundo o que resulta desses livros, receberá cada um a sentença. Para uns será a bem-aventurança, para outros a condenação eterna. A Sagrada Escritura nos fala com frequência dos livros de Deus, como para indicar que no juízo divino se saberão todas as coisas que fizeram os mortais. Santo Agostinho diz: Deus não necessita de livros nem memória para recordar do que fez cada um. Sua presciência divina conhece tudo e nada poderá escapar ao seu juízo infalível. Todos serão julgados segundo suas obras. Está claro que não basta a fé para se salvar, mas é preciso realizar boas obras. Em outro livro, isto é, no livro da vida (Ap 3, 5; 13, 8; 17, 8; 21, 27), estão escritos os nomes dos predestinados para a vida eterna. Os que não estão inscritos neste livro serão lançados no lago de fogo (versículo 15). Todos os mortos terão que comparecer no juízo. Ninguém ficará livre dele. Porque tanto o Mar, como a Morte e o Inferno ou Sheol entregarão os mortos que tinham em seu seio para que sejam julgados segundo suas obras (versículo 13). O Mar, o Sheol (Inferno) e a Morte estão aqui personificados como três monstros insaciáveis ((Ap 1, 18; Pr 27, 20) ou como poderosos carcereiros que tinham os mortos presos em prisões. Entretanto, diante da ordem de Deus, tem que entregar docilmente as presas que consideravam suas. No Salmo 139, 8-9, o céu, o mar e o sheol são símbolos dos lugares mais secretos e inacessíveis. Aqui significa que não há lugar, por mais oculto que seja, que não tenha que restituir todos os mortos. Ninguém ficará livre do juízo de Deus. O Sheol, que frequentemente se traduz por inferno, não designa o lugar onde os condenados serão atormentados por toda a eternidade. O Sheol, no Antigo Testamento, designava uma região tenebrosa, uma espécie de caverna aonde iam as almas de todos os homens, bons e maus, depois da morte. Nele não se davam prêmios nem castigos. Os mortos viviam no sheol num estado de semiconsciência e eram considerados como sombras da existência terrena. Por conseguinte, o sheol na passagem do Apocalipse que estamos comentando, designa um lugar provisório que há de desaparecer quando Deus chamar a juízo os mortos. A Morte e o Sheol, personificados, são castigados como culpáveis: foram lançados no tanque de fogo (versículo 14). Este castigo significa a ruína de seu poder sobre a humanidade restaurada, isto é, sobre os eleitos. Sua tirania não se exercitará já mais sobre os predestinados, mas sobre os condenados. A vitória de Jesus Cristo sobre o pecado leva a vitória sobre a morte que nasceu do pecado (Rm 5, 12). São Paulo nos disse que o último inimigo reduzido a nada será a morte (1 Cor 15, 26. 54-56). No mundo futuro não existirá a morte (Ap 21, 4; Is 25, 8). E, sem a morte, o sheol não terá mais razão de existir. O tanque de fogo, onde foram lançados a morte e o sheol, é identificado com a segunda morte, isto é, a condenação eterna. É chamada de segunda morte em contraposição à primeira morte, que se dá quando o homem sai deste mundo. Esta segunda morte, que supõe a condenação eterna, é o mesmo que o inferno ou tanque de fogo. Nele serão lançados todos os homens culpáveis e nele padecerão eternos suplícios os que não estão inscritos no livro da vida (versículo 15). São todos aqueles que não quiseram aproveitar das graças que Jesus Cristo e sua Igreja lhes ofereceram. Esses tais serão lançados no lago de fogo e enxofre, no fogo eterno, onde haverá choro e ranger de dentes (Mt 8, 12; 13, 42. 50; 22, 13), fogo reservado para o Diabo e para quantos o seguirem (Ap 20, 9 ss.). Com isto termina a história do mundo. O Pe. Miguel Nicolau explica (Ap 20, 11): São João Evangelista tem uma nova visão. Vê o julgamento do mundo que narrará brevemente. Deus mesmo é quem vai julgar. Segundo outras passagens do Novo Testamento, Jesus Cristo é juiz do mundo (Mt 16, 27; 25, 31ss; Jo 5, 24; At 17, 31; 2 Cor 5, 10), e realiza esta ação em nome e autoridade de Deus, O Pai (Jo 5, 24; At 17, 31). Deus só é o juiz (Mt 18, 35; Rm 14, 10). São João vê um trono judicial, grande, para indicar de algum modo a dignidade daquele que nele se assenta. A cor branca é símbolo celeste de santidade (Ap 19, 8) e vitória (Ap 6, 2). Como em outras ocasiões nada se diz do que está sentado nele, que é Deus (Ap 4, 3). Ap 20, 12: São João vê os que serão julgados. São todos os mortos, exceto talvez os que na primeira ressurreição estavam com Jesus Cristo (Mt 25, 22; Jo 5, 28; 2 Cor 5, 10). Trata-se de mortos ressuscitados em seus corpos de carne. Estão ali os socialmente grandes, isto é, os que tiveram influência nos acontecimentos da história por seu poder político ou militar, por suas riquezas ou por sua sabedoria. Não escaparão do juízo os de condição social baixa. Estão de pé diante do trono como numa audiência judicial. Existem duas categorias de livros: 1.ª O grupo dos que contém todas as obras dos homens, boas e más. Delas serão pedido contas e receberão o que merecem (Dn 7, 10; Is 65, 6; Jr 22, 30; Ml 3, 16; Sl 139, 16). 2.ª A segunda categoria está formada não pelos livros das ações, mas por outro livro, chamado o livro da vida. Contém os nomes dos que viverão eternamente (Ap 3, 5). Alguém pode ser apagado desse livro por sua má conduta (Ap 3, 5), e os que não estão nele inscritos serão condenados eternamente (Ap 20, 15; 21, 27). É um tema constante no pensamento bíblico (Lc 10, 20). Nada pode escapar do juízo. Os mortos serão julgados pelas coisas escritas... serão julgados conforme as suas obras. Não basta só a fé para salvar-se. Ap 20, 13: Ninguém evitará o juízo. Os lugares mais inacessíveis entregarão seus mortos para esse momento supremo. São o céu, o mar e o hades (Sl 139, 8-9). Ap 20, 14: O último inimigo do homem é a morte (1 Cor 15, 26). A morte veio ao mundo pelo pecado (Rm 5, 12). Onde não há pecado não existe a morte. Onde há pecado existe ali a morte. O mundo futuro não terá a morte, como o céu (Ap 21, 4). Sem a morte o hades não tem razão de existir. A segunda morte é o lago de fogo e o enxofre, isto é, o inferno. Nele serão lançados a morte e o hades, também os homens culpados. Ali só pode reinar a morte onde haverá perpetuamente a segunda morte, que é a petrificação no pecado... o ódio a Deus. Ap 20, 15: Aqueles cujo nome não está inscrito no livro da vida são lançados no lago de fogo, eternamente condenados (Mt 25, 41. 46). O livro da vida é o do Cordeiro imolado (Ap 13, 8). Ele só dá possibilidade de vida eterna para os que querem aproveitar de sua doutrina e de suas graças na Igreja, que é sua obra.
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C) Anápolis, 25 de junho de 2015
Bibliografia
Sagrada Escritura Edições Theologica Bem-aventurado Paulo VI, Credo do Povo de Deus, 12 e 28 J. H. Michael, A Vision of the Final Judgement, Ap 20, 11-15: ExpTim 63 (1951-1952) 199-201 Livro de Henoc, 98, 7 Santo Agostinho, De civitate Dei 20, 14-15 Pe. José Salguero, Bíblia Comentada Pe. Miguel Nicolau, A Sagrada Escritura
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