COMO ÉS BELA, MINHA AMADA

(Ct 4, 1-16)

 

1 Como és bela, minha amada, como és bela!... São pombas teus olhos escondidos sob o véu. Teu cabelo... um rebanho de cabras ondulando pelas faldas de Galaad. 2 Teus dentes... um rebanho tosquiado subindo após o banho, cada ovelha com seus gêmeos, nenhuma delas sem cria. 3 Teus lábios são fita vermelha, tua fala melodiosa; metades de romã são teus seios mergulhados sob o véu. 4 Teu pescoço é a torre de Davi, construída com defesas; dela pendem mil escudos e armaduras dos heróis. 5 Teus seios são dois filhotes, filhos gêmeos de gazela, pastando entre açucenas. 6 Antes que sopre a brisa e as sombras se debandem, vou ao monte da mirra, à colina do incenso.7 És toda bela, minha amada, e não tens um só defeito! — 8 Vem do Líbano, noiva minha, Vem do Líbano e faz tua entrada comigo. Desce do alto do Amaná, do cume do Sanir e do Hermon, esconderijo dos leões, montes onde rondam as panteras. 9 Roubaste meu coração, minha irmã, noiva minha, roubaste meu coração com um só dos teus olhares, uma volta dos colares. 10 Que belos são teus amores, minha irmã, noiva minha; teus amores são melhores do que o vinho, mais fino que os outros aromas é o odor dos teus perfumes. 11 Teus lábios são favo escorrendo, ó noiva minha, tens leite e mel sob a língua, e o perfume de tuas roupas é como a fragrância do Líbano. 12 És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada. 13 Teus brotos são pomar de romãs com frutos preciosos: 14 nardo e açafrão, canela, cinamomo e árvores todas de incenso, mirra e aloés, e os mais finos perfumes. 15 A fonte do jardim é poço de água viva que jorra, descendo do Líbano! 16 Desperta, vento norte, aproxima-te, vento sul, soprai no meu jardim para espalhar seus perfumes. Entre o meu amado em seu jardim e coma de seus frutos saborosos!”

 

Em Ct 4, 1-7 diz: “Como és bela, minha amada, como és bela!... São pombas teus olhos escondidos sob o véu. Teu cabelo... um rebanho de cabras ondulando pelas faldas de Galaad. Teus dentes... um rebanho tosquiado subindo após o banho, cada ovelha com seus gêmeos, nenhuma delas sem cria. Teus lábios são fita vermelha, tua fala melodiosa; metades de romã são teus seios mergulhados sob o véu. Teu pescoço é a torre de Davi, construída com defesas; dela pendem mil escudos e armaduras dos heróis. Teus seios são dois filhotes, filhos gêmeos de gazela, pastando entre açucenas. Antes que sopre a brisa e as sombras se debandem, vou ao monte da mirra, à colina do incenso. És toda bela, minha amada, e não tens um só defeito!”

 

Com belíssimas metáforas, o ESPOSO descreve o aspecto físico de sua AMADA: seus olhos são doces e ingênuos como os de uma pomba; seu cabelo, abundante e negro, se assemelha a um rebanho de cabras ondulantes pelas colinas de Galaad, famosas por seus abundantes pastos, na alta Transjordânia; seus dentes, pareados e brancos, são semelhantes a um rebanho de ovelhas recém saídas do banho, cada ovelha com seus gêmeos, nenhuma delas sem cria, sem que falte alguma delas; seus lábios de cor vermelha destacam em seu rosto; metades de romã são teus seios mergulhados sob o véu. Teu pescoço é a torre de Davi, construída com defesas; dela pendem mil escudos e armaduras dos heróis. Teus seios são dois filhotes, filhos gêmeos de gazela, pastando entre açucenas. Antes que sopre a brisa e as sombras se debandem, vou ao monte da mirra, à colina do incenso. És toda bela, minha amada, e não tens um só defeito! Tudo isso resulta estranho à nossa imaginação ocidental e moderna; porém, tem especial encanto pela sua ingenuidade e primitivismo dentro do módulo arcaico bíblico.

O versículo 6 interrompe a descrição física da ESPOSA e tem tudo para ser uma incrustação de um escriba que quer preparar os ingredientes aromáticos para as festas dos desposórios que se cantam no poema. Poeticamente finge a existência de um monte de mirra ou de uma colina de incenso no qual pode abastecer com abundância dos melhores perfumes balsâmicos. Tudo no Cantar resume aroma nupcial e majestade régia. Nada na ESPOSA suja sua beleza deslumbrante, porque no seu físico não existe nenhum defeito, apesar de se apresentar “morena” e queimada pelo sol, e de se definir modestamente como um “lírio” do campo.

O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica Ct 4, 1-3: “Como és bela, minha amada, como és bela!... São pombas teus olhos escondidos sob o véu. Teu cabelo... um rebanho de cabras ondulando pelas faldas de Galaad. Teus dentes... um rebanho tosquiado subindo após o banho, cada ovelha com seus gêmeos, nenhuma delas sem cria. Teus lábios são fita vermelha, tua fala melodiosa; metades de romã são teus seios mergulhados sob o véu”. Para este retrato da ESPOSA as cores são ainda tomadas em grande parte da vida campestre e carregadas de gosto oriental.

Franco, Abade, explica sobre Ct 4, 1: “Como és bela, minha amada, como és bela!... São pombas teus olhos escondidos sob o véu” E com isso se entende por que razão o Espírito Santo louvou tanto a beleza desta sua Esposa, aludindo aos olhos de pomba que tinha (Ct 4, 1). É que Maria, olhando para Deus com olhos de humilde e simples pombinha, tanto o cativou da sua beleza que com vínculos de amor o fez prisioneiro do seu seio virginal. Assim, portanto, na Encarnação do Verbo, como temos visto desde o princípio, não pôde Maria humilhar-se mais do que humilhou.

O Frei Luis de León explica Ct 4, 1: “Como és bela, minha amada, como és bela!...” Como costumam os amantes celebrar os louvores dos que se amam, e celebram muitíssimo o que se refere à elegância do corpo e à formosura do rosto dela, assim Deus falando da Igreja, como de mulher dotada de forma elegante, recorda cada uma das partes de seu rosto e corpo.

Santo Afonso Maria de Ligório comenta Ct 4, 1: “Como és bela, minha amada, como és bela!...” É tão bela aos olhos de Deus a alma em estado de graça, que Ele próprio lhe faz o elogio: Como és bela, minha amada, como és bela!... (Ct 4, 1). Parece que Deus não pode apartar dela os olhos, nem fechar os ouvidos a nenhum dos seus pedidos. Dizia Santa Brígida que nenhum homem poderia ver a beleza de uma alma na graça de Deus sem morrer de alegria. E Santa Catarina de Sena, tendo visto uma alma assim, afirmou que de boa mente daria a vida para que nunca aquela alma perdesse tamanha beleza.

O mesmo Santo explica Ct 4, 4: “Teu pescoço é a torre de Davi, construída com defesas; dela pendem mil escudos e armaduras dos heróis”. Quanta força possuem os servos desta grande Rainha para vencer todas as tentações do inferno! É Maria aquela decantada torre dos Sagrados Cânticos: Teu pescoço é como a torre de Davi que foi a armadura dos esforçados (Ct 4, 4). Para os que a amam e a ela recorrem nos combates, é como uma torre forte cingida de todas as armas na luta contra o inferno.

São João da Cruz comenta Ct 4, 1: “São pombas teus olhos escondidos sob o véu”. Dá à alma o nome de branca pombinha, pela brancura e pureza que recebeu da graça achada em Deus. Chama-a de pomba, assim como é chamada a ESPOSA do Cântico dos Cânticos, por causa da simplicidade e mansidão de sua índole, e pela amorosa contemplação de que goza. Com efeito, a pomba não é somente simples, mansa, e sem fel, mas também é de olhos claros e amorosos; por isto, querendo manifestar o ESPOSO esta propriedade de contemplação amorosa que possui a ESPOSA para olhar a Deus, disse igualmente no Cântico dos Cânticos que seus olhos eram de pombas (Ct 4, 1).

O mesmo Santo explica Ct 4, 6: “Antes que sopre a brisa e as sombras se debandem, vou ao monte da mirra, à colina do incenso”. Não poderá ela ver-se na formosura de Deus, se não for transformada na sabedoria de Deus que então lhe dará a posse de tudo quanto há no céu e na terra. A este monte, e a esta colina, desejava subir a ESPOSA quando disse: vou ao monte da mirra, à colina do incenso (Ct 4, 6). Pelo monte de mirra, compreende a clara visão de Deus, e pela colina do incenso, o conhecimento dele nas criaturas; porque a mirra no monte é mais preciosa do que incenso na colina.

EUNSA comenta Ct 4, 7: “És toda bela, minha amada, e não tens um só defeito!” ISRAEL já está purificado, não possui nenhuma mancha e oferece sua integridade a Deus, o ESPOSO. Os dois motivos, o amor esponsal e a entrega de Deus ao seu povo, se atualizarão depois no Novo Testamento para descrever as relações entre Jesus Cristo e a Igreja, o novo povo de Deus: E vós, maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de purificá-la com o banho da água e santificá-la pela Palavra, para apresentar a si mesmo a Igreja, gloriosa, sem mancha nem ruga, ou coisa semelhante, mas santa e irrepreensível. Assim também os maridos devem amar as suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo, pois ninguém jamais quis mal à sua própria carne, antes alimenta-a e dela cuida, como também faz Cristo com a Igreja, porque somos membros do seu Corpo. Por isso deixará o homem o seu pai e a sua mãe e se ligará à sua mulher, e serão ambos uma só carne. É grande este mistério: refiro-me à relação entre Cristo e a sua Igreja. Em resumo, cada um de vós ame a sua mulher como a si mesmo e a mulher respeite o seu marido (Ef 5, 25-33).

Santo Afonso Maria de Ligório comenta Ct 4, 7: “És toda bela, minha amada, e não tens um só defeito!” Foi Maria a única que, no dizer do Pseudo-Agostinho, mereceu ser chamada Mãe e Esposa de Deus. Com efeito, assevera Eádmero, o Espírito Santo veio corporalmente a Maria, enriqueceu-a de graça sobre todas as criaturas e nela repousou, fazendo-a sua Esposa, Rainha do céu e da terra. Veio corporalmente a Maria, diz ele, quanto ao efeito; pois veio formar de seu corpo imaculado o imaculado corpo de Jesus. Assim lhe predisse o arcanjo: O Espírito Santo descerá sobre ti (Lc 1, 35). Chama-se por isso Maria templo do Senhor, sacrário do Espírito Santo, porque por virtude dele se tornou Mãe do Verbo Encarnado, observa Santo Tomás de Aquino. Suponhamos que um excelente pintor tivesse que desposar uma noiva, formosa ou feia, conforme os traços que lhe desse. Que diligência não empregaria, então, para torná-la a mais bela possível! Quem poderá, pois, dizer que outro tenha sido o modo de agir do Espírito Santo, relativamente a Maria? Podendo criar uma Esposa toda formosa, qual lhe convinha, tê-lo-ia deixado de fazer? Não; tal como lhe convinha a fez, como atesta o próprio Senhor, celebrando os louvores de Maria: És toda formosa, minha amiga, em ti não há mancha original (Ct 4, 7). Desde que teve o uso da razão, isto é, no primeiro instante da sua Imaculada Conceição no seio de Santa Ana, começou a Virgem a amar o seu Deus com todas as veras. E assim continuou sempre, adiantando-se cada vez mais na perfeição e no amor em toda a sua vida. Todos os seus pensamentos, desejos e afetos, só a Deus tinham por objeto. Não disse palavra, não fez movimento, não deu uma vista de olhos, não respirou que não fosse por Deus e para glória sua, sem jamais separar-se um momento do amor divino.

O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica Ct 4, 4: “Teu pescoço é a torre de Davi, construída com defesas; dela pendem mil escudos e armaduras dos heróis”. Armaria (depósito de armas): sentido conjetural da palavra hebraica, da qual este é o único exemplo. O sentido parece ser: como da torre de Davi pendem as armas dos heróis, assim do teu pescoço as joias, os rendilhados e outros ornatos do gênero.

O Pontifício Instituto comenta também Ct 4, 7: “És toda bela, minha amada, e não tens um só defeito!” Este elogio da Amada, a Igreja aplica-o com toda justiça e força de termos à Mãe Imaculada de Jesus Cristo (na versão Vulgata: Toda pura e o pecado não está em ti), de modo especial na liturgia da sua Imaculada Conceição.

Ricardo de São Lourenço comenta Ct 4, 5: “Teus seios são dois filhotes, filhos gêmeos de gazela, pastando entre açucenas”. Como é pronta Maria Santíssima para valer a quem a invoca! Ela é tão veloz em exercer misericórdia para com quem a pede, como são velozes em suas corridas as gazelas (Ct 4, 5). A compaixão de Maria se derrama sobre quem a pede, ainda que não medeiam outras orações mais que a de uma breve Ave-Maria.

Novarino explica Ct 4, 5: “Teus seios são dois filhotes, filhos gêmeos de gazela, pastando entre açucenas”. A Santíssima Virgem não só corre, mas voa em auxílio de quantos a invocam.

 

Em Ct 4, 8-16 diz: “Vem do Líbano, noiva minha, Vem do Líbano e faz tua entrada comigo. Desce do alto do Amaná, do cume do Sanir e do Hermon, esconderijo dos leões, montes onde rondam as panteras. Roubaste meu coração, minha irmã, noiva minha, roubaste meu coração com um só dos teus olhares, uma volta dos colares.  Que belos são teus amores, minha irmã, noiva minha; teus amores são melhores do que o vinho, mais fino que os outros aromas é o odor dos teus perfumes. Teus lábios são favo escorrendo, ó noiva minha, tens leite e mel sob a língua, e o perfume de tuas roupas é como a fragrância do Líbano. És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada. Teus brotos são pomar de romãs com frutos preciosos: nardo e açafrão, canela, cinamomo e árvores todas de incenso, mirra e aloés, e os mais finos perfumes. A fonte do jardim é poço de água viva que jorra, descendo do Líbano! Desperta, vento norte, aproxima-te, vento sul, soprai no meu jardim para espalhar seus perfumes. Entre o meu amado em seu jardim e coma de seus frutos saborosos!”

 

Como no primeiro poema havia apresentado a sua ESPOSA como uma pomba que habita em lugares inacessíveis, agora a descreve habitando nas altas montanhas do Líbano, pairando-se como águia sobre os cumes nevados de Amaná, de Sanir e do Hermon, onde estão os esconderijos dos leões. Todas essas menções tem um gosto pelo exótico em conformidade com as exigências epitalâmicas da poesia pura do livro. Para uma donzela da alta classe de Jerusalém, a alusão do cume nevado do Líbano despertava umas alusões poéticas desbordantes e lisonjeava seus sonhos de princesa.

O ESPOSO se sente hipnotizado pela presença daquela que constitui o grande sonho do seu coração, e que a saúda ternamente com os nomes de ESPOSA e IRMÃ, aumentando assim a sua devoção para ela. Para roubar o seu coração apaixonado, bastava apenas um olhar dela; o reflexo de uma das pérolas do seu colar fascinava sua mente. Por isso multiplica as metáforas para descrever a sedução que sobre ele exerce a ESPOSA amada: Que belos são teus amores, minha irmã, noiva minha; teus amores são melhores do que o vinho, mais fino que os outros aromas é o odor dos teus perfumes. Teus lábios são favo escorrendo, ó noiva minha, tens leite e mel sob a língua, e o perfume de tuas roupas é como a fragrância do Líbano. És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada. Teus brotos são pomar de romãs com frutos preciosos: nardo e açafrão, canela, cinamomo e árvores todas de incenso, mirra e aloés, e os mais finos perfumes. A fonte do jardim é poço de água viva que jorra, descendo do Líbano!

O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica Ct 4, 8: “Vem do Líbano, noiva minha, Vem do Líbano e faz tua entrada comigo. Desce do alto do Amaná, do cume do Sanir e do Hermon, esconderijo dos leões, montes onde rondam as panteras”. O ESPOSO protesta à amada a sua inalterável afeição, vindo visitá-la desde os cumes dos montes mais ásperos que ele superou com destemida intrepidez nas mais audazes ascensões. – Amaná, monte do Antilíbano, como o Sanir e o Hermon (Dt 3, 9).

Santo Afonso Maria de Ligório explica Ct 4, 8: “Vem do Líbano, noiva minha, Vem do Líbano e faz tua entrada comigo. Desce do alto do Amaná, do cume do Sanir e do Hermon, esconderijo dos leões, montes onde rondam as panteras”. Recorramos, pois, e recorramos sempre à proteção desta dulcíssima Rainha, se queremos seguramente salvar-nos. Espanta e desanima-nos a vista de nossos pecados? Lembremo-nos então de que Maria foi feita Rainha de Misericórdia, precisamente para com sua proteção salvar os maiores e mais abandonados pecadores que a ela se recomendam. Estes hão de ser a sua coroa no céu, como disse o seu divino ESPOSO: Vem do Líbano, esposa minha, vem do Líbano; serás coroada das cavernas dos leões, dos montes dos leopardos (Ct 4, 8). Quem são esses covis de feras e de monstros, senão os pecadores? Suas almas realmente transformam-se em antros de pecados que são os monstros mais disformes que se podem achar. Justamente destes miseráveis pecadores, salvos por vosso intermédio, ó grande Rainha, sereis coroada no paraíso, observa Roberto, abade. Pois a sua salvação, diz ele, será coroa vossa, coroa bem digna e própria da Rainha de Misericórdia. Esse Santo explica: “Vem do Líbano e faz tua entrada comigo”. Vamos, minha querida Mãe, minha bela e pura pomba, deixa este vale de lágrimas onde tens sofrido tanto por meu amor. Vem com a alma e corpo gozar o prêmio de tua santa vida (falando da entrada triunfal de Nossa Senhora no céu). Se tens padecido muito no mundo, maior é a glória que te darei de Rainha do universo.

Ricardo de São Lourenço comenta Ct 4, 8: “Vem do Líbano, noiva minha, Vem do Líbano e faz tua entrada comigo. Desce do alto do Amaná, do cume do Sanir e do Hermon, esconderijo dos leões, montes onde rondam as panteras”. Em Ap 12, 1 Maria Santíssima está coroada de estrelas, enquanto que nos Sagrados Cânticos ela aparece rodeada de feras, de leões e de leopardos (Ct 4, 8). Como pode ser isso? É que essas feras são os pecadores que pelo favor e pela intercessão de Maria de tornam estrelas do paraíso. Formam assim uma coroa que mais convém para a fronte dessa Rainha de Misericórdia, do que todas as estrelas materiais do céu.

Santo Afonso Maria de Ligório comenta Ct 4, 9: “Roubaste meu coração, minha irmã, noiva minha, roubaste meu coração com um só dos teus olhares”. A nossa intenção nos introduza, pois, no Coração de Jesus; aí é que iremos achar a alegria mais verdadeira que se pode gozar neste mundo. O olhar que fere o Coração do Esposo divino e o inflama de amor, não é senão a intenção de agradar a Deus em tudo o que se faz. O Santo ainda explica Ct 4, 9: “... com um só dos teus olhares”. Este “com um só dos teus olhares” significa o único fim que tem a pessoa em todos seus atos e pensamentos: agradar a Deus. Os homens do mundo olham para as coisas com vários olhos, isto é, com diversos fins desornados: agradar aos homens, conquistar honras, adquirir riquezas ou, ao menos, contentar a si próprios. Mas os santos têm somente um olhar para ver, em tudo quanto fazem, só a vontade de Deus.

O mesmo Santo explica Ct 4, 7: “És toda bela, minha amada, e não tens um só defeito!” A ESPOSA do Espírito Santo permaneceu imaculada. Sendo decretada a redenção dos homens, caídos no pecado, quis que esta sua ESPOSA fosse remida de um modo mais nobre, preservando-a de cair em pecado. Se Deus preservou da corrupção o corpo morto de Maria, quanto mais não devemos crer que preservasse a alma da Virgem da corrupção do pecado? Por isso o ESPOSO divino a chamou jardim fechado e fonte fechada; porque na alma bendita de Maria os inimigos nunca penetraram. Elogiou-a ainda, chamando-a toda formosa, sempre amiga e toda pura: És toda bela, minha amada, e não tens um só defeito!

Santo Afonso comenta também Ct 4, 12: “És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada”. Da oração nasce ainda o desejo de se retirar à solidão para ficar a sós com Deus, e o desejo de conservar o recolhimento interior nas ocupações externas e necessárias. Disse “ocupações necessárias”, isto é, seja por causa da direção da família, seja por causa dos próprios deveres, ou dos trabalhos exigidos pela obediência. Mesmo assim, as pessoas de oração devem amar a solidão e não se dissipar em ocupações extravagantes e inúteis. Do contrário, perderão o espírito de recolhimento, este grande meio de manter a união com Deus: És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada (Ct 4, 12). Nossa alma, ESPOSA de Jesus Cristo, deve ser um jardim fechado a todas as criaturas, não admitindo outros pensamentos e ocupações que não sejam de Deus ou para Deus. Os corações dissipados não se tornam santos... Chama-se “jardim fechado” porque a alma-esposa tem seu coração fechado a todos os afetos terrenos, conservando nele somente o de Jesus Cristo. Por acaso Jesus Cristo não merece todo o nosso amor? Certamente, muito o merece pela sua bondade e pelo afeto que nos tem. Os santos entendiam muito bem tudo isso.

O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica Ct 4, 11: “Teus lábios são favo escorrendo, ó noiva minha, tens leite e mel sob a língua, e o perfume de tuas roupas é como a fragrância do Líbano”. Mel e leite sob a língua simbolizam a doçura e o candor das palavras. – fragrância do Líbano, suave e variado devido à diversidade de plantas aromáticas (Gn 27, 27).

O Frei Antonino de Castellammare explica Ct 4, 12: “És jardim fechado”. A alma eucarística é o verdadeiro “jardim fechado” do Senhor, sendo-lhe irmã e ESPOSA (Ct 4, 12). Delicioso jardim que é a alma eucarística!

São João da Cruz explica Ct 4, 12: “És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada”. O ESPOSO do Cântico dos Cânticos declarou que assim seria a sua ESPOSA: És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada, isto é, nada do que é criado nela pode penetrar. Portanto, permanece a alma recolhida sem cuidado e sem pena. Aquele que entrou corporalmente no Cenáculo, fechadas as portas, a visitar os discípulos e dar-lhes a paz, sem que soubessem nem imaginassem como tal pudesse acontecer, entrará também espiritualmente nessa alma, sem que ela saiba como, nem coopere para isso; basta-lhe ter fechadas as portas das potências, memória, entendimento e vontade, a todas as apreensões; e o Senhor tudo encherá com sua paz divina, declinando sobre ela, no dizer de Isaías, como um rio de paz, tirando-lhe todos os receios, dúvidas, perturbações e trevas que antes a faziam temer se estava ou ia perdida... Por muro, o ESPOSO designa o cerco de paz e o valado das virtudes e perfeições que cercam e guardam a mesma alma, sendo ela aquele jardim onde o Amado se apascenta entre as flores, e que está fechado e guardado só para ele. Daí vem o chamar à ESPOSA jardim fechado. Assim ordena ele aqui que ainda mesmo no muro e cerca deste seu jardim fechado não toquem.

O mesmo Santo comenta Ct 4, 9: “Roubaste meu coração, minha irmã, noiva minha, roubaste meu coração com um só dos teus olhares”. Assim, quando a alma se reveste da verde libré (farda, uniforme) da esperança, - sempre olhando para Deus, sem ver outra coisa nem querer outra paga para o seu amor a não ser unicamente ele, - o Amado, de tal forma nela se compraz, que, na verdade, pode-se dizer que a alma dele alcança tanto quanto espera. Assim se exprime o ESPOSO no Cântico dos Cânticos, dizendo à ESPOSA: roubaste meu coração com um só dos teus olhares (Ct 4, 9). Sem essa libré (farda, uniforme) verde de pura esperança em Deus, não convinha à alma sair a pretender o amor divino; nada teria então alcançado, pois o que move a vencer a Deus é a esperança porfiada (insistente). Esse Santo falando sobre “teus olhares” diz: O olho simboliza aqui a fé na encarnação do ESPOSO.

Porém, de maneira iminente quem possui as qualidades da ESPOSA em grau elevado é a Virgem Maria. Por isso a Tradição da Igreja aplica essa passagem à sua ausência de pecado – a Imaculada. Hesiquio explica Ct 4, 12: “És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada”. Jardim fechado e fonte fechada te denominou no Cântico dos Cânticos o ESPOSO que de ti provém. Jardim fechado, porque sem haver a foice da corrupção te tocado, nem haver conhecido a colheita, com toda pureza germinaste para o gênero humano a flor da raiz de Jessé, cultivada em ti somente pelo puro e incontaminado Espírito. Fonte fechada, porque o rio da vida que saiu de ti inundou toda a terra.

Raimundo Jordão explica Ct 4, 12: “És jardim fechado, minha irmã, noiva minha, és jardim fechado, uma fonte lacrada”. Virgem bendita, és formosíssima em todo sentido; em ti não há mancha alguma de qualquer pecado, leve ou grave ou original. Idêntico é o pensamento do Espírito Santo, chamando sua Esposa de jardim fechado e fonte selada (Ct 4, 12).

Pseudo-Jerônimo comenta sobre Ct 4, 12: É Maria Santíssima esse jardim fechado, essa fonte selada; jamais os inimigos nela entraram para ofendê-la, e sempre permaneceu ilesa, santa na alma e no corpo.

Egberto também explica Ct 4, 12: És um jardim fechado no qual mãos de pecadores nunca penetraram para lhe roubar as flores.

O Concílio Vaticano II explica Ct 4, 15: “A fonte do jardim é poço de água viva que jorra, descendo do Líbano!” A Palavra de Deus convida repetidas vezes os noivos a alimentar e robustecer o seu noivado com um amor casto, e os esposos a sua união com um amor indiviso. E também muitos dos nossos contemporâneos têm em grande apreço o verdadeiro amor entre marido e mulher, manifestado de diversas maneiras, de acordo com os honestos costumes dos povos e dos tempos. Esse amor, dado que é eminentemente humano – pois vai de pessoa a pessoa com um afecto voluntário – compreende o bem de toda a pessoa e, por conseguinte, pode conferir especial dignidade às manifestações do corpo e do espírito, enobrecendo-as como elementos e sinais peculiares do amor conjugal. E o Senhor dignou-se sanar, aperfeiçoar e elevar este amor com um dom especial de graça e caridade. Unindo o humano e o divino, esse amor leva os esposos ao livre e recíproco dom de si mesmos, que se manifesta com a ternura do afeto e, com as obras, e penetra toda a sua vida; e aperfeiçoa-se e aumenta pela sua própria generosa atuação. Ele transcende, por isso, de longe a mera inclinação erótica, a qual, fomentada egoísticamente, rápida e miserávelmente se desvanece. Este amor tem a sua expressão e realização peculiar no ato próprio do matrimônio. São, portanto, honestos e dignos os atos pelos quais os esposos se unem em intimidade e pureza; realizados de modo autênticamente humano, exprimem e alimentam a mútua entrega pela qual se enriquecem um ao outro na alegria e gratidão. Esse amor, ratificado pela promessa de ambos e, sobretudo, sancionado pelo sacramento de Cristo, é indissoluvelmente fiel, de corpo e de espírito, na prosperidade e na adversidade; exclui, por isso, toda e qualquer espécie de adultério e divórcio. A unidade do matrimônio, confirmada pelo Senhor, manifesta-se também claramente na igual dignidade da mulher e do homem que se deve reconhecer no mútuo e pleno amor. Mas, para cumprir com perseverança os deveres desta vocação cristã, requer-se uma virtude notável; por este motivo, hão de os esposos, fortalecidos pela graça para levarem uma vida de santidade, cultivar assiduamente e impetrar com a oração a fortaleza do próprio amor, a magnanimidade e o espírito de sacrifício. O autêntico amor conjugal será mais apreciado, e formar-se-á a seu respeito uma sã opinião pública, se os esposos cristãos derem um testemunho eminente de fidelidade e harmonia e de solicitude na educação dos filhos e se participarem na necessária renovação cultural, psicológica e social em favor do casamento e da família. Os jovens devem ser conveniente e oportunamente instruídos, sobretudo no seio da própria família, acerca da dignidade, missão e exercício do amor conjugal. Deste modo, educados na castidade, poderão, chegada à idade conveniente, entrar no casamento depois dum noivado puro.

O Pontifício Instituto Bíblico de Roma explica Ct 4, 13-14: “Teus brotos são pomar de romãs com frutos preciosos: nardo e açafrão, canela, cinamomo e árvores todas de incenso, mirra e aloés, e os mais finos perfumes”. Os frutos são as obras de sabedoria da ESPOSA que constituem a felicidade doméstica.

O Pontifício Instituto explica também Ct 4, 15-16: “A fonte do jardim é poço de água viva que jorra, descendo do Líbano! Desperta, vento norte, aproxima-te, vento sul, soprai no meu jardim para espalhar seus perfumes. Entre o meu amado em seu jardim e coma de seus frutos saborosos!” Palavras da ESPOSA que convida o Amado a gozar dos frutos da sua virtuosa afeição. Vento norte e vento sul excitam a produção de aromas e espalham-se a fragrância.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 14 de julho de 2015

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

EUNSA

Pe. Maximiliano Garcia Cordero, Bíblia Comentada

Vaticano II, Gaudium et spes, 49

Frei Luis de León, In Canticum Canticorum tríplex explanatio 4, 3

Hesiquio, De Sancta Maria Deipara

Frei Antonino de Castellammare, A alma eucarística

Santo Afonso Maria de Ligório, Meditações; Glórias de Maria

São João da Cruz, Obras Completas

Pontifício Instituto Bíblico de Roma

Ricardo de São Lourenço, Escritos

Novarino, Escritos

Raimundo Jordão, Escritos

Pseudo-Jerônimo, Escritos

Egberto, Escritos

Franco, Abade, Escritos

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Como és bela, minha amada”

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