EU DORMIA, MAS MEU CORAÇÃO VELAVA (Ct 5, 1-16)
“1 Já vim ao meu jardim, minha irmã, noiva minha, colhi minha mirra e meu bálsamo, comi meu favo de mel, bebi meu vinho e meu leite. Comei e bebei, companheiros, embriagai-vos, meus caros amigos! 2 Eu dormia, mas meu coração velava e ouvi o meu amado que batia: ‘Abre, minha irmã, minha amada, pomba minha sem defeito! Tenho a cabeça orvalhada, meus cabelos gotejam sereno!’ 3 ‘Já despi a túnica, e vou vesti-la de novo? Já lavei meus pés, e vou sujá-los de novo?’ 4 Meu amado põe a mão pela fenda da porta: as entranhas me estremecem, minha alma, ouvindo-o, se esvai. 5 Ponho-me de pé para abrir ao meu amado: minhas mãos gotejam mirra, meus dedos são mirra escorrendo na maçaneta da fechadura. 6 Abro ao meu amado, mas o meu amado se foi... Procuro-o e não o encontro. Chamo-o e não me responde... 7 Encontraram-me os guardas que rondavam a cidade. Bateram-me, feriram-me, tomaram-me o manto as sentinelas das muralhas! 8 Filhas de Jerusalém, eu vos conjuro: se encontrardes o meu amado, que lhe direis?... Dizei que estou doente de amor! 9 Que é teu amado mais que os outros, ó mais bela das mulheres? Que é teu amado mais que os outros, para assim nos conjurares? 10 Meu amado é branco e rosado, saliente entre dez mil. 11 Sua cabeça é ouro puro, uma copa de palmeira seus cabelos, negros como o corvo. 12 Seus olhos... são pombas à beira de águas correntes: banham-se no leite e repousam na margem. 13 Suas faces são canteiros de bálsamo, colinas de ervas perfumadas; seus lábios são lírios com mirra, que flui e se derrama. 14 Seus braços são torneados em ouro incrustado com pedras de Társis. Seu ventre é um bloco de marfim cravejado com safiras. 15 Suas pernas, colunas de mármore firmadas em bases de ouro puro. Seu aspecto é o do Líbano altaneiro, como um cedro. 16 Sua boca é muito doce... Ele todo é uma delícia! Assim é meu amigo, assim o meu amado, ó filhas de Jerusalém”.
Em Ct 5, 1-7 diz: “Já vim ao meu jardim, minha irmã, noiva minha, colhi minha mirra e meu bálsamo, comi meu favo de mel, bebi meu vinho e meu leite. Comei e bebei, companheiros, embriagai-vos, meus caros amigos! Eu dormia, mas meu coração velava e ouvi o meu amado que batia: ‘Abre, minha irmã, minha amada, pomba minha sem defeito! Tenho a cabeça orvalhada, meus cabelos gotejam sereno!’ ‘Já despi a túnica, e vou vesti-la de novo? Já lavei meus pés, e vou sujá-los de novo?’ Meu amado põe a mão pela fenda da porta: as entranhas me estremecem, minha alma, ouvindo-o, se esvai. Ponho-me de pé para abrir ao meu amado: minhas mãos gotejam mirra, meus dedos são mirra escorrendo na maçaneta da fechadura. Abro ao meu amado, mas o meu amado se foi... Procuro-o e não o encontro. Chamo-o e não me responde... Encontraram-me os guardas que rondavam a cidade. Bateram-me, feriram-me, tomaram-me o manto as sentinelas das muralhas!”
Uma nova cena dentro do drama espiritual do livro. No poema anterior, os ESPOSOS estavam reunidos com seus amigos no jardim que simboliza o ato final dos desposórios. Agora a ESPOSA aparece em sua casa separada do ESPOSO de sua alma. De novo aparecem as ânsias do encontro entre ambos para terminar unidos amorosamente no jardim balsâmico. As ideias, pois, são as mesmas sob diversas situações psicológicas imaginárias: O amor não esgota jamais. Possui a arte de dizer as mesmas coisas sem repeti-las (D. Buzy). O poema quarto tem muito de parecido com o segundo, onde se apresenta a ESPOSA em seu leito primeiro, para depois lançar-se pela cidade em busca de seu ESPOSO. A presença do ESPOSO é a obsessão do coração enamorado da ESPOSA. Constantemente pensa nele, e ainda quando DORME, seu espírito VELA pensando no Amado de sua alma. Quando entre sonhos estava pensando no ESPOSO ausente, se OUVE a VOZ deste, que chama na porta. Sua palavra é entrecortada e sem fôlego, carregada de apelativos carinhosos que refletem as ânsias amorosas de sua alma: Abre, minha irmã, minha amada, pomba minha sem defeito. Para apressar a reação de sua ESPOSA declara sua atual e penosa situação, pois: tenho a cabeça orvalhada, meus cabelos gotejam sereno! A resposta da ESPOSA é CRUEL, porém muito em consonância com a psicologia das pessoas enamoradas que tratam de fazerem-se interessantes e despertar as reações amorosas nos que sabem estar cegos de amor por elas. O ESPOSO do poema está jogando constantemente de se esconder com a sua Amada, desaparecendo quando esta acredita que o possui em suas mãos definitivamente. A esta conduta desconcertante responde ela mostrando-se indiferente, esperando que seu amado force a fechadura, mostrando assim seu interesse por ela. As desculpas da ESPOSA são muito femininas: está NUA, e não vai dar-se o trabalho de se VESTIR de novo; já lavou os pés para repousar, e não vai sujá-los para voltar a lavá-los. Porém, a reação do ESPOSO não era esperada pela ESPOSA: fez gesto de forçar a fechadura, porém depois se afastou. Quando a ESPOSA saiu para abrir-lhe a porta, já havia desaparecido, ficando ela enganada em sua briga amorosa. Ela, antes de abrir, havia tido o cuidado de tocar com suas mãos perfumadas o trinco da fechadura para excitar as ânsias amorosas do ESPOSO. A súbita e inesperada desaparição deste mergulhou-a na maior perplexidade e desilusão. Então, com toda a audácia lançou-se a ESPOSA pela cidade em busca do ESPOSO e foi atacada pelos guardas da cidade: Encontraram-me os guardas que rondavam a cidade. Bateram-me, feriram-me, tomaram-me o manto as sentinelas das muralhas! O poeta detalha essas circunstâncias para deixar provas da ESPOSA cega de amor por seu ESPOSO. O Pontifício Instituto Bíblico de Roma comenta Ct 5, 1. Resposta do ESPOSO que aceita o convite e por sua vez convida os companheiros dele a participarem do regozijo. São Luís Maria Grignion de Montfort explica Ct 5, 1: “Já vim ao meu jardim, minha irmã, noiva minha, colhi minha mirra e meu bálsamo, comi meu favo de mel, bebi meu vinho e meu leite. Comei e bebei, companheiros, embriagai-vos, meus caros amigos!” Vinde, lhes repete, comei do pão que é Jesus, e bebei do vinho do seu amor que para vós preparei com o leite de meus seios. E como é a tesoureira e a dispensadora dos dons das graças do Altíssimo, ela toma uma boa porção, a melhor, para alimentar e sustentar seus filhos e servos. O Frei Antonino de Castellammare comenta Ct 5, 1: “Já vim ao meu jardim, minha irmã, noiva minha, colhi minha mirra e meu bálsamo, comi meu favo de mel, bebi meu vinho e meu leite. Comei e bebei, companheiros, embriagai-vos, meus caros amigos!” E, enquanto o divino ESPOSO, atendendo às solicitações da verdadeira alma eucarística, e descendo-lhe ao coração, profere o seu canto nupcial e exclama: Já vim ao meu jardim, minha irmã, noiva minha, colhi minha mirra e meu bálsamo, comi meu favo de mel, bebi meu vinho e meu leite. Comei e bebei, companheiros, embriagai-vos, meus caros amigos! (Ct 5, 1); que dirá ao invés, entrando como por força numa alma tíbia? E especialmente se tal é desde muito e muito profundamente, e muito obstinadamente; que dirá Ele? Parece-me ouvir dos lábios divinos a maldição atirada contra o infeliz povo judeu, simbolizado numa vinha infrutífera: “Pois agora vos mostrarei o que hei de fazer à minha vinha; arrancar-lhe-ei a sebe e ficará exposta ao roubo; derrubarei o seu muro e ficará sujeita a ser pisada. E farei com que fique deserta; não será podada nem cavada; crescerão nela os espinhos e os abrolhos; e mandarei às nuvens que não derramem sobre ela chuva” (Is 5, 5-6). São João da Cruz comenta Ct 5, 1: “Já vim ao meu jardim, minha irmã, noiva minha, colhi minha mirra e meu bálsamo, comi meu favo de mel, bebi meu vinho e meu leite”. Esta transformação é muito bem expressa pelo mesmo ESPOSO nos Cantares quando convida a alma, já feita sua ESPOSA, a tão feliz estado, dizendo: Já vim ao meu jardim, minha irmã, noiva minha, colhi minha mirra e meu bálsamo, comi meu favo de mel, bebi meu vinho e meu leite (Ct 5, 1). Chama-a irmã e ESPOSA, porque já o era no amor e entrega que havia feito de si mesma ao ESPOSO, até antes de ser chamada ao estado de matrimônio espiritual, onde ele diz já ter colhido sua olorosa mirra, e as espécies aromáticas, isto é, os frutos que das flores já amadureceram e estão preparados para a alma. Esses frutos significam os deleites e magnificências que o ESPOSO comunica de si, dando-se a ela; por isto é ele ameno e desejado horto para a alma. De fato, o único desejo e fim, tanto dela como de Deus, em todas as obras, é a consumação e perfeição desse estado; e assim jamais descansa a alma até alcançá-lo; na verdade, acha no matrimônio espiritual muito maior abundância e fartura em Deus, como também muito mais segura e duradoura paz, e mais perfeita suavidade, sem comparação, do que no desposório espiritual. Colocada agora nos braços de tal ESPOSO, sente, de ordinário, estar com ele num estreito abraço espiritual – verdadeiro abraço por meio do qual vive a alma vida de Deus. O Pontifício Instituto Bíblico de Roma comenta Ct 5, 2-6: Visita noturna. Deus bate à porta dos nossos corações a todas as horas, e é necessário responder prontamente à sua chamada. A cena é narrada pela ESPOSA. Santo Afonso Maria de Ligório comenta sobre Ct 5, 2: “Abre, minha irmã, minha amada”. Gritais-me que eu ABRA. Ai, meu Jesus, expulso o pecado; arrependo-me de todo o meu coração e amo-Vos sobre todas as coisas. Entrai, meu amor, está aberta a porta; entrai e nunca mais Vos afasteis de mim. Prendei-me com os laços do vosso amor e não consintais que me torne a separar de Vós. Não, meu Deus, não queremos mais separar-nos; abraço-Vos, aperto-Vos ao meu coração; dai-me a santa perseverança. O mesmo Santo comenta Ct 5, 2: “Eu dormia, mas meu coração velava”. Acrescentam Santo Ambrósio, São Bernardino de Sena e outros, que nem mesmo o sono interrompia o ato de amor da Santíssima Virgem, de modo que podia verdadeiramente dizer com a sagrada Esposa: Eu dormia, mas meu coração velava. Foi figura de Maria o altar propiciatório, no qual nunca se extinguia o fogo, nem de dia nem de noite. Numa palavra, afirma Alberto Magno que Maria foi cheia de tão grande amor que quase não podia caber mais amor numa pura criatura terrestre. Os próprios Serafins podiam descer do céu para aprenderem no Coração de Maria como se deve amar a Deus. O Frei Antonino de Castellammare comenta Ct 5, 2: “Abre, minha irmã, minha amada”. Ei-las, pois, estas almas agilíssimas, ou penitentes ou inocentes; eis os sequiosos cervos dominados pelo amor à divina Eucaristia. Toda a sua vida é um tender contínuo para o Tabernáculo, um suspiro pela Comunhão, um desejo de Jesus Sacramentado. Estas almas afortunadas, logo pela manhã ao despertar, ouvem murmurar ao ouvido: Abre, minha irmã, minha amada (Ct 5, 2). À voz de Jesus Cristo que as chama, saltam do leito para abrirem ao Dileto; dão início ao dia com uma primeira vitória contra a preguiça. Feliz dia que assim começa com um primeiro triunfo matutino! O mesmo Frei comenta Ct 5, 2: “Eu dormia, mas meu coração velava”. Dormir com o corpo e velar com o coração, eis o sono dos Santos, o sono meritório, o sono que é a um tempo trabalho e descanso, descanso e oração. À Santa Gertrudes disse um dia Nosso Senhor Jesus Cristo: “Repousarás em honra do repouso que tomo no seio de Deus Pai e que tive no seio de minha Mãe”. E, de outra feita, convidando-a, acrescentou: “Vem, minha filha, dorme e repousa sobre o meu Coração”. São Francisco de Sales dizia: “Conservar-me-ei no meu leito como se Jesus estivesse sentado diante de mim”. Todos os santos, recolhendo-se ao leito, alimentavam sempre algum pensamento peculiar. São Luiz Beltrão fazia-o como se fosse para morrer e nessa intenção recitava a prece: “Nas tuas mãos Senhor, encomendo o meu espírito”. São Pedro de Alcântara, ao invés, comportava-se como se já morto estivesse: acomodava-se como no caixão mortuário e recitava um “De profundis” por sua própria alma. São Filipe Neri deitava-se chorando a repetir: “Meu Deus em uma cruz e eu num colchão de lã”. São João da Cruz explica Ct 5, 2: “Eu dormia, mas meu coração velava”. Como se dissera: Embora durma relativamente a meu ser natural que cessou de operar, meu coração sobrenaturalmente vela, elevado em notícia sobrenatural. O mesmo Santo explica Ct 5, 4: “Meu amado põe a mão pela fenda da porta: as entranhas me estremecem, minha alma, ouvindo-o, se esvai”. O toque do Amado é este a que nos referimos agora, com o qual Deus inflama a alma em seu amor; a mão significa a mercê que nisto lhe faz; a abertura por onde entrou a mão do Amado é a maneira, estado e grau de perfeição que tem a alma, pois nesta mesma proporção costuma ser o toque em maior ou menor intensidade, de um modo ou de outro, conforme o quilate espiritual da mesma alma. As entranhas que estremeceram representam a vontade onde se produz o toque; o estremecimento é o transporte dela em afetos e aspirações a Deus, desejando amar e louvar. O Pontifício Instituto Bíblico de Roma comenta Ct 5, 3: “Já despi a túnica, e vou vesti-la de novo? Já lavei meus pés, e vou sujá-los de novo?” É a resposta que do seu leito dá a esposa, um misto de afetada negligência e preguiça. Santo Afonso Maria de Ligório comenta sobre Ct 5, 5: “... minhas mãos gotejam mirra”. Sob jejum entende-se a mortificação, principalmente dos olhos e da gula. Maria Santíssima, embora cheia da divina graça, foi mortificadíssima nos olhos. Trazia-os sempre baixos e nunca os fixava em pessoa alguma, como referem o Pseudo-Epifânio e São João Damasceno. E acentuam que, desde pequenina, causava admiração a todos por sua modéstia. Por isso foi apressadamente em visita a Isabel (Lc 1, 39), para ser menos vista em público. Narra Felisberto que Maria, quando criança, só tomava leite uma vez por dia; assim foi revelado a um ermitão chamado Félix. Durante toda a sua vida jejuou sempre, como atesta São Gregório de Tours. Conrado de Saxônia acentua que jamais teria recebido a Virgem tantos e tamanhos favores, se não tivesse sido tão temperante, pois a gula e a graça não se dão bem. Em suma, foi ela mortificada em todas as coisas, como insinua o texto do Cântico dos Cânticos: “minhas mãos gotejam mirra” (Ct 5, 5). São João da Cruz comenta Ct 5, 6-7: “Abro ao meu amado, mas o meu amado se foi... Procuro-o e não o encontro. Chamo-o e não me responde... Encontraram-me os guardas que rondavam a cidade. Bateram-me, feriram-me, tomaram-me o manto as sentinelas das muralhas!” Os que rodeiam a cidade são os tratos do mundo; quando encontram alguém à procura de Deus, então lhe fazem muitas chagas de dores, penas e desgostos, em razão de a alma não achar neles o que pretende, mas, ao contrário, só lhe servirem de impedimento. Os que defendem o muro da contemplação, para que a alma não possa entrar, são os demônios e os negócios mundanos; tiram-lhe o manto da paz e quietude dessa amorosa contemplação, e com isto sofre a mesma alma, enamorada de Deus, mil aborrecimentos e contrariedades.
Em Ct 5, 8-16 diz: “Filhas de Jerusalém, eu vos conjuro: se encontrardes o meu amado, que lhe direis?... Dizei que estou doente de amor! Que é teu amado mais que os outros, ó mais bela das mulheres? Que é teu amado mais que os outros, para assim nos conjurares? Meu amado é branco e rosado, saliente entre dez mil. Sua cabeça é ouro puro, uma copa de palmeira seus cabelos, negros como o corvo. Seus olhos... são pombas à beira de águas correntes: banham-se no leite e repousam na margem. Suas faces são canteiros de bálsamo, colinas de ervas perfumadas; seus lábios são lírios com mirra, que flui e se derrama. Seus braços são torneados em ouro incrustado com pedras de Társis. Seu ventre é um bloco de marfim cravejado com safiras. Suas pernas, colunas de mármore firmadas em bases de ouro puro. Seu aspecto é o do Líbano altaneiro, como um cedro. Sua boca é muito doce... Ele todo é uma delícia! Assim é meu amigo, assim o meu amado, ó filhas de Jerusalém”.
Depois da infrutífera busca do ESPOSO, a ESPOSA se dirige à corte de donzelas para que a ajudem para encontrar o seu paradeiro. Ele, pois, se sente desfalecer pela ausência do ESPOSO. Porém, elas ignoram as características pessoais do ESPOSO. Sua interrogação é um artifício literário para introduzir a descrição detalhada dele. O rosto do ESPOSO é refulgente e cheio de vigor: Meu amado é branco e rosado, saliente entre dez mil. Sua cabeça é ouro puro, uma copa de palmeira seus cabelos, negros como o corvo. Seus olhos... são pombas à beira de águas correntes: banham-se no leite e repousam na margem. O leite aparece na poesia oriental como algo de bom gosto, e por isso o poeta não encontra nada mais delicado que comparar o ESPOSO assim: Seus olhos... são pombas à beira de águas correntes: banham-se no leite e repousam na margem. E agora o livro é enriquecido de comparações: Suas faces são canteiros de bálsamo, colinas de ervas perfumadas; seus lábios são lírios com mirra, que flui e se derrama. Seus braços são torneados em ouro incrustado com pedras de Társis. Seu ventre é um bloco de marfim cravejado com safiras. Suas pernas, colunas de mármore firmadas em bases de ouro puro. Seu aspecto é o do Líbano altaneiro, como um cedro. Sua boca é muito doce... Ele todo é uma delícia! Assim é meu amigo, assim o meu amado, ó filhas de Jerusalém. São João da Cruz explica sobre Ct 5, 8: “Filhas de Jerusalém, eu vos conjuro: se encontrardes o meu amado, que lhe direis?... Dizei que estou doente de amor!” Esta enfermidade, porém, não é para morrer, senão para glorificar a Deus; porque, nela, a alma por amor de Deus desfalece para o pecado e para todas as coisas que não são Deus, como testifica Davi dizendo: Desfaleceu o meu espírito (Sl 142, 7), isto é, acerca de todas as coisas, para esperar de vós a salvação. Assim como o enfermo perde o apetite e gosto de todos os manjares, e se lhe desvanece a boa cor de outrora, assim também, neste degrau de amor, a alma perde o gosto e apetite de todas as coisas, e troca, como apaixonada, as cores e acidentes da vida anterior. Não pode, entretanto, a mesma alma cair nesta doença, se do alto não lhe é enviado um fogo ardente, segundo se dá a entender por este verso de Davi que diz: Enviarás, ó Deus, uma chuva abundante sobre a tua herança, a qual tem estado debilitada, mas tu a aperfeiçoaste (Sl 67, 10). Esta enfermidade e desfalecimento a todas as coisas é o princípio e primeiro degrau da escada, em que a alma ascende até Deus. Esse Santo comenta ainda Ct 5, 8. Por esta razão, quando a ESPOSA saiu a procurar seu Amado, pelas praças e arrabaldes, ia pensando que todo o mundo também o procurava, e assim dizia a todos que, se o achassem, dissessem a ele o quanto penava por seu amor (Ct 5, 8). De semelhante condição era o amor de Maria Madalena; julgava ela que, se o hortelão lhe dissesse onde havia escondido o corpo de seu Amado, ela mesma o iria buscar e o carregaria, por mais que lhe fosse proibido. Desta sorte, são, pois, as ânsias de amor que a alma vai sentindo, quando se adianta mais nesta purificação espiritual. Levanta-se de noite, - isto é, nas trevas que a purificam, - e age segundo as afeições da vontade. Santo Afonso Maria de Ligório comenta sobre Ct 5, 8: “Filhas de Jerusalém, eu vos conjuro: se encontrardes o meu amado, que lhe direis?... Dizei que estou doente de amor!” A alma, descrita no Cântico dos Cânticos, definhava afastada de seu ESPOSO: pedia às suas companheiras que lhe contassem o seu sofrimento para que ele viesse consolá-la com a sua presença: Filhas de Jerusalém, eu vos conjuro: se encontrardes o meu amado, que lhe direis?... Dizei que estou doente de amor! (Ct 5, 8). Uma pessoa que ama muito a Jesus Cristo, enquanto vive neste mundo, não deixa de desejar e esperar ir logo para o céu a fim de unir-se com seu amado Senhor. É puro e perfeito amor o desejo de ir ver Deus no céu. Não tanto pela felicidade que lá experimentaremos em amá-lo, mas pelo prazer que lhe daremos amando-o. Ele ainda explica nesse trecho de Ct 5, 8: “Dizei que estou doente de amor!” Pergunta Novarino, porque a Santa Virgem, à imitação da Esposa dos Cantares, rogava aos anjos que fizessem saber ao seu Senhor o grande amor que lhe consagrava, dizendo: Dizei que estou doente de amor! Porventura não sabia Deus quanto ela O amava? Com certeza sabia, responde o autor sobredito, que a Virgem quis fazer patente a nós o seu amor; afim de que, assim como ela estava ferida de amor, nos afligisse a mesma ferida. Porque foi toda fogo em amar a Deus, por isso, como diz São Boaventura, abrasa e torna seus semelhantes todos os que a amam e a ela se avizinham. Pelo que Santa Catarina de Sena chamava a Virgem Maria de: a portadora do fogo do amor divino. Se quisermos também arder nesta santa chama, procuremos sempre avizinhar-nos à nossa Mãe Santíssima com súplicas e afetos. Santo Afonso explica também Ct 5, 10: “Meu amado é branco e rosado, saliente entre dez mil”. Ó Virgem Santíssima, depois que vós com tanto amor destes ao mundo o vosso Filho para a nossa salvação, eis que o mundo o restitui. Mas como o mundo o restitui? Meu Filho era branco e rosado, e o mundo o restitui negro pelas contusões e vermelho, não pela cor, mas pelas chagas que lhe tens aberto. Ele era belo, agora, em vez de belo é todo deforme; ele encantava com o seu aspecto, agora causa horror a quem o vê. Assim se expressava então Maria e se queixava de nós. Tomás de Kempis explica sobre Ct 5, 10: “... saliente entre dez mil”. Quem me dera, Senhor, achar-me só convosco, para vos abrir todo o meu coração e gozar de vossa divina Majestade, como minha alma deseja, de sorte que ninguém ponha em mim os olhos nem criatura alguma me mova ou veja, mas Vós só me faleis e eu só a Vós, como dois amigos falam entre si, e se assentam ambos à mesma mesa! O que peço, o que desejo, é unir-me inteiramente a Vós, desviar meu coração de todas as coisas criadas e aprender a gostar das celestiais e eternas por meio da sagrada Comunhão e frequente celebração dos divinos mistérios. Meu Deus! Quando, esquecido de mim, me unirei convosco e serei inteiramente absorto em Vós? Quando me considereis estardes em mim e eu em Vós; e permanecer assim unidos eternamente? Em verdade sois meu amado, “saliente entre dez mil” (Ct 5, 10), com quem minha alma deseja estar todos os dias da sua vida. Sois o Rei pacífico; em Vós está a paz soberana e o verdadeiro descanso; fora de Vós tudo é trabalho, dor e miséria infinita. Ricardo de São Lourenço explica sobre Ct 5, 14: “Seus braços são torneados em ouro incrustado com pedras de Társis”. Assim como o trabalho do torno é mais fácil e pronto que os demais, também Maria é mais pronta que todos os Santos em ajudar os seus devotos. Vivíssimo é o seu desejo de consolar-nos. Por isso, apenas por ela chamamos, logo afável aceita as orações e socorre... sempre a encontram prestadia para ajudar quantos a ela se dirigem. São João da Cruz explica Ct 5, 14: “Seu ventre é um bloco de marfim cravejado com safiras”. As safiras simbolizam os referidos mistérios e juízos da divina Sabedoria, a qual é significada ali pelo ventre; porque a safira é uma pedra preciosa da cor do céu quando está claro e sereno.
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C) Anápolis, 15 de julho de 2015
Bibliografia
Sagrada Escritura Pe. Maximiliano Garcia Cordero, Bíblia Comentada D. Buzy, o. c., 332 São Luís Maria Grignion de Montfort, Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem Frei Antonino de Castellammare, A alma eucarística Santo Afonso Maria de Ligório, Meditações; Glórias de Maria Tomás de Kempis, Imitação de Cristo São João da Cruz, Obras Completas Pontifício Instituto Bíblico de Roma Ricardo de São Lourenço, Escritos
|
Este texto não pode ser reproduzido sob
nenhuma forma; por fotocópia ou outro meio qualquer sem autorização por
escrito do autor Pe. Divino Antônio Lopes FP. www.filhosdapaixao.org.br/escritos/comentarios/escrituras/escritura_0529.htm |