AONDE FOI O TEU AMADO? (Ct 6, 1-12)
“1 Onde anda o teu amado, ó mais bela das mulheres? Aonde foi o teu amado? Iremos buscá-lo contigo! 2 Meu amado desceu ao seu jardim, aos terrenos das balsameiras, foi pastorear nos jardins e colher açucenas. 3 Eu sou do meu amado, e meu amado é meu, o pastor das açucenas. 4 És bonita, minha amiga, és como Tersa, formosa como Jerusalém, és terrível como esquadrão com bandeiras desfraldadas. 5 Afasta de mim teus olhos, que teus olhos me perturbam! Teu cabelo é um rebanho de cabras ondulando pelas faldas de Galaad; 6 teus dentes... um rebanho tosquiado subindo após o banho, cada ovelha com seus gêmeos, nenhuma delas sem cria.7 Metades de romã são teus seios mergulhados sob o véu. 8 Que sejam sessenta as rainhas, e oitenta as concubinas: (e as donzelas... sem conta:) 9 uma só é minha pomba sem defeito, uma só a preferida pela mãe que a gerou. Vendo-a, felicitam-na as jovens, louvam-na rainhas e concubinas: 10 ‘Quem é essa que desponta como a aurora, bela como a lua, fulgurante como o sol, terrível como esquadrão com bandeiras desfraldadas?’ 11 Desci ao jardim das nogueiras para ver os brotos dos vales, ver se a videira florescia, se os botões das romeiras se abriam, 12 e, sem o saber, coloquei-me sobre os carros de Aminadib!”
Em Ct 6, 1-3 diz: “Onde anda o teu amado, ó mais bela das mulheres? Aonde foi o teu amado? Iremos buscá-lo contigo! Meu amado desceu ao seu jardim, aos terrenos das balsameiras, foi pastorear nos jardins e colher açucenas. Eu sou do meu amado, e meu amado é meu, o pastor das açucenas”.
Uma vez declarada as características externas do ESPOSO, as donzelas enveredam pelo caminho para buscá-lo com toda solicitude juntamente com a ESPOSA. Também a interrogação de um artifício literário para dar a entender que o ESPOSO já está localizado, pois não podia estar fora do seu jardim – símbolo dos desposórios –, onde encontra sua plena felicidade em união com a sua amada (Os alegoristas veem aqui uma alusão ao exílio de Israel na Babilônia). Assim, inesperadamente o poeta apresenta o ESPOSO no seu ofício de pastor, porém não pelos montes, mas nos campos floridos, tudo aqui é irreal, como não é verdade que um homem se ocupe em colher açucenas. Tudo simboliza o encontro dos DOIS ESPOSOS que se entregam poeticamente ao exercício do amor. É o que declara abertamente a ESPOSA: Eu sou do meu amado, e meu amado é meu. Cada poema é concluído com a ditosa posse dos corações enamorados. São João da Cruz comenta Ct 6, 1-2: “Onde anda o teu amado, ó mais bela das mulheres? Aonde foi o teu amado? Iremos buscá-lo contigo! Meu amado desceu ao seu jardim, aos terrenos das balsameiras, foi pastorear nos jardins e colher açucenas”. Querendo dizer, apascenta-se e acha seus deleites em minha alma que é o seu jardim, entre as açucenas (lírios) de minhas virtudes, perfeições e graças. EUNSA diz sobre Ct 6, 3: “Eu sou do meu amado, e meu amado é meu”. O amor implica viver no outro e ser do outro: O amor conjugal exige dos esposos, por sua própria natureza, uma fidelidade inviolável. Isso é a consequência do dom de si mesmos que os esposos fazem um ao outro. O amor quer ser definitivo. Não pode ser ‘até nova ordem’. ‘Esta união íntima, doação recíproca de duas pessoas e o bem dos filhos exigem a perfeita fidelidade dos cônjuges e sua indissolúvel unidade.
Em Ct 6, 4-12 diz: “És bonita, minha amiga, és como Tersa, formosa como Jerusalém, és terrível como esquadrão com bandeiras desfraldadas. Afasta de mim teus olhos, que teus olhos me perturbam! Teu cabelo é um rebanho de cabras ondulando pelas faldas de Galaad; teus dentes... um rebanho tosquiado subindo após o banho, cada ovelha com seus gêmeos, nenhuma delas sem cria. Metades de romã são teus seios mergulhados sob o véu. Que sejam sessenta as rainhas, e oitenta as concubinas: (e as donzelas... sem conta:) uma só é minha pomba sem defeito, uma só a preferida pela mãe que a gerou. Vendo-a, felicitam-na as jovens, louvam-na rainhas e concubinas: ‘Quem é essa que desponta como a aurora, bela como a lua, fulgurante como o sol, terrível como esquadrão com bandeiras desfraldadas?’ Desci ao jardim das nogueiras para ver os brotos dos vales, ver se a videira florescia, se os botões das romeiras se abriam, e, sem o saber, coloquei-me sobre os carros de Aminadib!”
O ESPOSO era semelhante por sua esbelteza ao Líbano; a ESPOSA se assemelha por seu esplendor às cidades de Tersa (a antiga capital do reino do norte, antes de Omri, que transladou a capital para Samaria) e de Jerusalém, a capital do reino meridional. O nome de Tersa, por seu significado “agradável” e objeto de “complacência”, se comparava com a ESPOSA do Cântico dos Cânticos. Para realçar a beleza atraente dos olhos da ESPOSA, seu ESPOSO pede que os retire de sua vista, pois o deixa perturbado: Afasta de mim teus olhos, que teus olhos me perturbam! O pedido tem uma intenção contrária à expressada na frase, pois o ESPOSO não deseja outra coisa que tê-la próximo de si para gozar de sua presença sedutora. Em todo o libro se destaca este amor como convém às relações de DEUS (Yahvé) com ISRAEL, tal como se apresenta a seus desígnios divinos e como se deverá realizar nos tempos messiânicos. A estas observações do ESPOSO responde o coro fixando a atenção em uma cena misteriosa: Quem é essa que desponta como a aurora, bela como a lua, fulgurante como o sol, terrível como esquadrão com bandeiras desfraldadas? A ESPOSA, com seus olhos fascinantes, se entrega ao coração do ESPOSO, terminando por vencê-lo. A beleza da ESPOSA é capaz de vencer qualquer coração frio e indiferente, como um exército em ordem de batalha. O ESPOSO toma a palavra para declarar que foi vencido pelo amor de sua ESPOSA. Estes desposórios estão simbolizados no despertar primaveril das nogueiras e para ver os brotos dos vales, ver se a videira florescia, se os botões das romãzeiras se abriam. Ali o ESPOSO encontrou a sua ESPOSA, culminando assim de novo a mútua posse amorosa, como é lei no final de cada poema. Versículo 12: ... e, sem o saber, coloquei-me sobre os carros de Aminadib! Esse versículo é muito difícil de ser interpretado. Parece estar incompleto. A tradução dos LXX (70) fala dos “carros Aminadib!” É o mais difícil dos Cânticos dos Cânticos e desafia qualquer interpretação. Aminadib talvez seja o equivalente palestino do “Príncipe Mehi”, um personagem acessório dos cânticos egípcios que circula de carro e se intromete nos amores alheios. São João da Cruz explica Ct 6, 4: “És bonita, minha amiga, és como Tersa, formosa como Jerusalém, és terrível como esquadrão com bandeiras desfraldadas”. Não se limita o Amado somente a admirar a formosura da ESPOSA quando a vê ornada com estas flores; também se espanta da fortaleza e poder que ela possui, pela composição e ordem das virtudes, às quais se entrelaçam as esmeraldas dos inumeráveis dons divinos. Por esta razão, diz ele no mesmo livro dos Cantares, falando à ESPOSA: És terrível como um exército em ordem de batalha (Ct 6, 4). Na verdade, estas virtudes e dons de Deus, assim como recreiam e alegram pelo seu espiritual olor, assim igualmente com a sua substância dão força à alma, nela estando deste modo unidos. São Luís Maria Grignion de Montfort explica Ct 6, 4: “... és terrível como esquadrão com bandeiras desfraldadas”. Maria, a Mãe misericordiosa dos predestinados, abriga-os sob as asas de sua proteção, como uma galinha aos pintinhos. Ela lhes fala, abaixa-se até a eles, é condescendente para com suas fraquezas, protege-os contra as garras do gavião e do abutre; acompanha-os como um exército em linha de batalha (Ct 6, 4). Pode um homem, garantido por um exército de cem mil soldados, ter receio de seus inimigos? Menos ainda há de recear um servo fiel de Maria, rodeado que está da proteção e força de sua Mãe Santíssima. Esta Mãe e Princesa poderosa enviaria antes batalhões de milhares de anjos em socorro de um só de seus servos, para que se não dissesse que um servo fiel de Maria, que a ela se confiou, sucumbiu à malícia, ao número e à força do inimigo. Fernández comenta Ct 6, 5: “Afasta de mim teus olhos, que teus olhos me perturbam!” Os olhos tão humildes de Maria, com que viu sempre a divina grandeza, sem jamais perder de vista o seu próprio nada, fizeram tal violência ao mesmo Deus, que o atraiu ao seu seio virginal. Santo Afonso Maria de Ligório comenta Ct 6, 9: “... uma só é minha pomba sem defeito, uma só a preferida pela mãe que a gerou. Vendo-a, felicitam-na as jovens, louvam-na rainhas e concubinas”. Todas as almas justas são filhas da graça divina. No meio delas, porém, foi Maria a pomba sem fel, a perfeita sem mancha de origem, a única em graça concebida. Achou-a por isso o anjo logo cheia de graça, mesmo antes de ser Mãe de Deus, e saudou-a nestes termos; Ave, cheia de graça! Sobre o texto diz o Pseudo-Jerônimo: Aos outros santos a graça é dada em parte, contudo a Maria foi dada em sua plenitude. De modo que, observa Santo Tomás de Aquino: a graça santificou não só a alma, senão também a carne de Maria, a fim de que com ela revestisse depois o Verbo Eterno. Tudo isso nos leva a reconhecer, com Pedro de Celes, que Maria desde sua conceição foi cumulada com as riquezas da graça pelo Espírito Santo. Daí a palavra de Nicolau, monge: O Espírito raptou para sai a eleita de Deus e a escolhida entre todas. Quer assim exprimir o autor a rapidez com a qual o Espírito Santo se antecipou e desposou a Virgem, antes que Lúcifer a possuísse. O Bem-aventurado Egídio comenta Ct 6, 9: “... uma só é minha pomba sem defeito”. A única para o único. Com o que queria dizer que a única alma que nós temos devemos dá-la toda e não dividida, àquele que só merece o nosso amor, de quem depende todo o nosso bem e que mais do que ninguém nos ama. Santo Afonso Maria de Ligório comenta Ct 6, 10: “Quem é essa que desponta como a aurora?” Com razão é Maria chamada aurora (Ct 6, 10). Sim, por isso disse Inocêncio III: Sendo a aurora o fim da noite e o começo do dia, com razão a ela comparamos a Virgem Maria que pôs termo aos vícios e fez nascerem as virtudes. E o mesmo efeito que causou no mundo o nascimento de Maria causa agora nas almas o nascimento de sua devoção. Põe termo à noite do pecado e faz andar a alma pelo iluminado caminho da virtude. Ricardo de São Vitor explica Ct 6, 10: “... como a lua”. Devemos, pois, saber que Maria nos alcança de Deus muitas graças, mesmo antes de as pedirmos. Como a LUA veloz na sua carreira, assim também Maria o é na prontidão com que atende a seus devotos. Tanto se interessa por nosso bem, que se antecipa até às nossas súplicas. Sua misericórdia é mais pronta em nos socorrer do que nós somos apressados em invocá-la. São Boaventura comenta Ct 6, 10: “... bela como a lua”. Maria é comparada à lua. Tal como a lua paira entre a terra e o céu, coloca-se Maria continuamente entre Deus e os pecadores para lhe aplacar a ira contra eles e iluminá-los para que se voltem a Deus. Raimundo Jordão explica Ct 6, 10: “... fulgurante como o sol”. Não há quem não sinta o calor desse astro. Até os pecadores mais ímpios são obsequiados com provas de sua misericórdia. Tal como a terra e outros planetas são iluminados pelo sol, também por intercessão de Maria todos os homens participam da divina misericórdia, desde que a peçam. São Bernardo de Claraval comenta Ct 6, 10: “... fulgurante como o sol”. Maria se faz tudo para todos e lhes abre o seu compassivo coração, para que todos dele recebam: o escravo, o resgate; o enfermo, a saúde; o pecador, o perdão. É o sol e assim ninguém fica sem sentir seu calor. Hildeberto explica Ct 6, 10: “... bela como a lua”. Assim como a lua ilumina e beneficia os objetos mais inferiores sobre a terra, também ilumina Maria e socorre os pecadores mais indignos. Santo Agostinho explica sobre Ct 6, 10: “Quem é essa que desponta como a aurora, bela como a lua, fulgurante como o sol”. Este é o amor que nos renova, e nos faz ser homens novos, herdeiros do Novo Testamento, intérpretes de um cântico novo. Este amor, irmãos queridos, renovou já aos antigos justos, aos patriarcas e aos profetas; e logo aos bem-aventurados apóstolos; agora renova aos gentios, e faz de todo o gênero humano, espalhados pelo universo inteiro, um único povo novo, o corpo da nova esposa do Filho de Deus, da qual se diz o Cântico dos Cânticos: Quem é essa que desponta como a aurora, bela como a lua, fulgurante como o sol. Sim, vestida de branco, porque tem sido renovada; e quem a renovou foi o mandamento novo. São João da Cruz comenta Ct 6, 12: “... e, sem o saber, coloquei-me sobre os carros de Aminadib!” Entende, aí, por Aminadib, o demônio; chama carros às suas investidas e acometimentos, pela grande veemência, tumulto e ruído que com eles faz o inimigo. Esse Santo explica sobre: “...sem o saber” (Ct 6, 12). Este “não saber”, produzido pela união, a ESPOSA nos Cantares, depois de ter falado de sua transformação de amor no ESPOSO, bem o exprime na palavra nescivi, que significa “não o soube” (Ct 6, 12). De certo modo, está a alma aqui como Adão no estado de inocência, que ignorava toda malícia; porque está agora tão inocente, que não compreende o mal, nem julga haver maldade em coisa alguma. Ouvirá talvez muitas coisas más, e as verá com seus olhos, e não será capaz de entender que o são; isto procede de não ter em si hábito do mal por onde possa julgar assim, pois Deus tirou-lhe completamente os hábitos imperfeitos e a ignorância que encerra o mal do pecado, quando lhe infundiu o hábito perfeito da verdadeira sabedoria; e, portanto, também sobre esse ponto, pode dizer a alma, já nada mais sabia. Muito menos se intrometerá ela em coisas alheias, visto como nem das suas se lembra. O espírito de Deus tem esta peculiaridade na alma em que reside: logo a inclina a ignorar e não querer saber as coisas alheias, mormente aquelas que não concernem ao seu próprio aproveitamento; porque este espírito divino é de recolhimento, atraindo interiormente a alma, antes para tirá-la das coisas estranhas do que para dar-lhe conhecimento delas, e assim faz com que não saiba de mais nada como antes sabia. Não vamos pensar, porém, que a alma, permanecendo neste “não saber”, venha a perder agora os hábitos de ciências adquiridas anteriormente, pois até se aperfeiçoam com este novo hábito mais perfeito, que é o da ciência sobrenatural infusa. Somente acontece que não mais têm domínio na alma de modo a que ela necessite servir-se deles para saber, embora lhe seja possível isto algumas vezes. Nesta união de sabedoria divina, juntam-se esses hábitos com uma sabedoria superior que encerra todas as ciências: é como uma luz pequenina que se une a outra muito mais possante que a absorve e passa a brilhar sozinha. A luz menor não se extingue, mas se aperfeiçoa na maior, embora por si mesma não seja a que mais brilha. Assim, entendo, será no céu. Não serão aniquilados os hábitos de ciência adquirida que levarem consigo os justos; mas estes não hão de fazer muito caso de tais hábitos, porque ficarão sabendo muito mais do que tudo isto, na sabedoria divina.
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C) Anápolis, 17 de julho de 2015
Bibliografia
Sagrada Escritura EUNSA Pe. Maximiliano Garcia Cordero, Bíblia Comentada Santo Afonso Maria de Ligório, Glórias de Maria Ricardo de São Vitor, Escritos São Boaventura, Escritos Raimundo Jordão, Escritos São Bernardo de Claraval, Escritos Hildeberto, Escritos Fernández, Escritos Bem-aventurado Egídio, Escritos São João da Cruz, Obras Completas Catecismo da Igreja Católica, 1646 Santo Agostinho, In Ioannis Evangelium 65, 1-3 São Luís Maria Grignion de Montfort, Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem
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