ELE É A NOSSA PAZ

(Ef 2, 14)

 

“Ele é a nossa paz”.

 

Ainda antes de nascer, por um profeta, Jesus Cristo foi chamado “príncipe da paz”; quando nasceu, os coros de anjos cantaram “paz na terra aos homens”. Na véspera da sua morte Ele dizia aos seus amigos: “Eu me vou, mas vos deixo a minha paz”; ressuscitando, disse: “Paz a vós!” Jesus Cristo é, pois, a nossa paz (Ef 2, 14). Por isto não admira se, com a sua vinda, Ele pôs PAZ entre Deus e o homem, entre o Anjo e o homem, entre homem e homem.

 

I. PAZ ENTRE DEUS E O HOMEM

 

Desde o momento em que o primeiro homem pecou, Deus virou a sua face indignada e abandonou a nossa natureza ao jugo do Demônio. Passaram-se milhares e milhares de anos em que nenhum homem, mesmo santo, pôde entra no Céu: nem Adão, Moisés, Isaías ou Davi, na sua morte, acharam-no aberto.

Finalmente, no seio virginal de Maria Santíssima a natureza divina e a natureza humana abraçaram-se na pessoa única, no Verbo encarnado. Como podia Deus continuar a sua inimizade com os homens, se homem também era o seu Filho Unigênito?

Pela sua morte na cruz, Jesus Cristo destruiu as barreiras que punham separação entre Judeus e Gentios, e entre os homens e Deus. São Paulo Apóstolo expressa-o metaforicamente ao dizer que Cristo derrubou a barreira separatória, aludindo ao muro do templo. Mas o expressa de maneira real, sobretudo, quando escreve que Cristo anulou pela sua carne, a Lei dos mandamentos com as suas prescrições. Com efeito, Cristo, pela sua obediência ao Pai até à morte (Fl 2, 8), levou a Lei à sua plenitude, de tal forma que Ele é, desde esse momento, o caminho de acesso ao Pai, aberto para todos os homens. A Lei do Antigo Testamento, ainda que boa e santa, era também uma barreira instransponível entre Deus e o homem, pois para este era impossível cumpri-la só com as suas próprias forças. Cristo, por meio da graça, criou um homem novo que já pode cumprir a Lei na sua essência mais profunda: a obediência e o amor: “O homem novo refere-se ao próprio Cristo, a quem se chama homem novo pelo modo novo da sua concepção (...), pela novidade da graça que outorga (...) e pelo novo mandamento que traz” (Santo Tomás de Aquino).

Jesus Cristo, por meio de sua morte na cruz, restabeleceu a amizade do homem com Deus interrompida pelo pecado: “O olhar fixo no mistério do Gólgota deve fazer-nos recordar sempre aquela dimensão ‘vertical’ da divisão e da reconciliação no que diz respeito à relação homem-Deus, que para o olhar da fé prevalece sempre sobre a dimensão ‘horizontal’, isto é, sobre a realidade da divisão e sobre a necessidade da reconciliação entre os homens. Nós sabemos, com efeito, que tal reconciliação entre eles é e não pode ser senão o fruto do ato redentor de Cristo, morto e ressuscitado para derrotar o reino do pecado, restabelecer a aliança com Deus e deste modo derrubar o muro de separação que o pecado tinha levantado entre os homens” (São João Paulo II). A obra redentora é, portanto, obra de reconciliação com Deus (Rm 5, 10; 2 Cor 5, 18), e afeta todos os homens, tanto Judeus como Gentios, e toda a criação (Cl 1, 20). Essa reconciliação realiza-se no corpo físico e individual de Cristo imolado na cruz (Cl 1, 22), e também no Corpo místico, no qual o próprio Cristo agrupa e convoca todos os que reconciliou com Deus por meio do seu sacrifício redentor (1 Cor 12, 13 ss.). A expressão num só corpo pode entender-se nos dois sentidos: referida ao corpo físico de Cristo na cruz, e ao Corpo místico de Cristo que é a Igreja.

 

II. PAZ ENTRE O ANJO E O HOMEM

 

Até a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo, os Anjos tratavam os homens como a estrangeiros, com superioridade e aspereza. Por isto, quando eles apareceram a Abraão, a Lot, a Jacó, a Moisés, a Ezequiel, a Davi, os homens, trêmulos, lançavam-se por terra para os adorarem como a senhores. Mas, desde o dia da vinda do Senhor, toda a falange angélica tornou-se para nós benévola e amiga: aos olhos deles cessamos de aparecer como a raça degradada e maldita, pois eles veem que o Filho de Deus quis revestir a natureza humana, fazer-se homem em carne e osso como nós. Se Deus teve tanta misericórdia de nós, a ponto de se tornar um dos nossos, como poderiam os Anjos tratar-nos ainda duramente?

Quando a São João Evangelista apareceu um Anjo, segundo o uso do Antigo Testamento ele fez menção de se lançar sobre a terra nua para adorá-lo. Mas a celeste criatura impediu-o, dizendo: Que fazes? Eu sou, como tu, um servo do Altíssimo.

 

III. PAZ ENTRE HOMEM E HOMEM

 

Antes do Salvador descer a esta terra, o sentimento mais difundido entre os homens era o ódio. Os pagãos odiavam os Hebreus, os Hebreus odiavam os imundos pagãos. Os Gregos chamavam bárbaro todo aquele que não fosse da sua nação; os romanos não reconheciam os direitos senão dos cidadãos de Roma. A guerra e o ódio implacável para os inimigos era uma glória.

Veio Jesus Cristo: E diante d’Ele não houve mais nem Judeus nem Gentios, nem Gregos nem bárbaros, nem rivais nem inimigos, mas todos os homens tornaram-se seus irmãos, coparticipantes da sua natureza humana, e por isto todos eles filhos de um Pai único, Deus.

Trazendo-nos a PAZ com Deus, com os Anjos e com os homens, Jesus Redentor limpou-nos dessa lepra. Infeliz daquele que voltar ao seu ódio antigo!

Jesus Cristo é a nossa PAZ: A divisão que existia no gênero humano entre Judeus e Gentios foi abolida por Jesus Cristo por meio da sua morte na cruz. Os Gentios que estavam longe de Deus, da sua Aliança e das suas promessas tornaram-se participantes, tal como os Judeus, da Nova Aliança selada com o sangue de Cristo. Por isso Ele é a nossa PAZ. N’Ele os homens encontram a tão desejada unidade, porque, mediante a sua entrega obediente até a morte, Jesus Cristo reparou a desobediência de Adão, causa da divisão e da guerra entre os homens: “Com efeito, o próprio Filho encarnado, Príncipe da paz, reconciliou com Deus todos os homens por meio da sua cruz e, reconstituindo  num só povo e num só corpo a unidade do gênero humano, deu morte ao ódio na sua própria carne e, depois do triunfo da sua ressurreição, infundiu o Espírito de Amor no coração dos homens” (Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, 78).

O projeto de Deus para atrair a humanidade a si e restabelecer a PAZ incluía a escolha do povo judaico, em cujo seio havia de nascer o Messias, em quem seriam abençoados todos os povos da terra. Ele tem o nome de príncipe da paz (Is 9, 5; Mq 5, 4). Mas, de fato, muitos judeus tinham chegado a considerar a sua escolha com tal particularismo que os levava a estabelecer uma barreira intransponível entre eles e os Gentios. Alguns rabinos do tempo de Nosso Senhor Jesus Cristo manifestavam desprezo, e inclusivamente ódio aos Gentios. A separação entre ambos os povos refletia-se no muro que havia no Templo de Jerusalém para separar o átrio dos Gentios do resto do recinto sagrado (At 21, 28). Mas a separação profunda radicava em que os Judeus se orgulhavam de possuir com exclusividade a Lei de Deus e de a cumprirem com meticulosidade, por meio de inumeráveis prescrições.

O Filho de Deus, ao assumir a natureza humana e realizar a obra da redenção, converte-se em causa de salvação para todos os homens, sem distinção de judeu ou grego, escravo ou livre, homem ou mulher (Gl 3, 28). Daí que a PAZ entre os homens, superando todas as diferenças, só possa encontrar-se através da graça de Cristo: A PAZ é “empresa tão gloriosa e excelsa que as forças humanas, por mais que estejam animadas da boa vontade mais louvável, não podem por si só levá-la a cabo. Para que a sociedade humana reflita o mais possível a semelhança do Reino de Deus, é absolutamente necessário o auxílio do Céu” (São João XXIII).

O Pe. Juan Leal comenta: “A PAZ, aplicada a Cristo, tem  sentido pessoal e eficiente. O conceito paulino de paz participa do sentido hebraico e do grego, e por isso inclui a comunicação de bens e a união dos povos. A ação pacificadora de Cristo não é externa, mas vital e interna, enquanto que, pela incorporação a si de judeus e pagãos, une vitalmente aos dos povos e lhe comunica seus bens. NOSSA PAZ: de judeus e de gentios, de todos os cristãos, qualquer que seja sua origem”.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 30 de março de 2016

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as festas do Senhor e dos Santos

Edições Theologica

Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, 78

Santo Tomás de Aquino, Comentário sobre Efésios

São João XXIII, Pacem in terris

São João Paulo II, Reconciliatio et Paenitentia, 7

Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura

 

 

 

 

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