INFERNO: A PÁTRIA DO “DEUS É MISERICORDIOSO”

(Rm 2, 4-6)

 

“Ou desprezas a riqueza da sua bondade, paciência e longanimidade, desconhecendo que a benignidade de Deus te convida à conversão? Ora, com tua obstinação e com teu coração impenitente estás acumulação ira para o dia da ira e da revelação da justa sentença de Deus, que retribuirá a cada um segundo suas obras”.

 

Um poeta e autor teatral clássico espanhol, Francisco de Quevedo, conta no seu livro Sonhos um passeio imaginário pelo inferno. Num dos lugares mais horrorosos, deteve-se para perguntar a um Demônio quem eram os que estavam ali, e recebeu esta resposta:

– Estes sãos os do “Deus é misericordioso”.

Quevedo mostrou-se muito surpreso: como era possível que se condenassem pessoas que tinham falado tanto da misericórdia divina? Mas o Demônio fez-lhe notar que era precisamente por isso: porque agiam mal e se tranquilizavam a si mesmos repetindo continuamente: “Deus é misericordioso e não olha para ninharias; é para essas coisas que a misericórdia divina é tanta”. A seguir, com uma frieza de dar arrepios, esse Demônio acrescentou: “Assim, enquanto eles, praticando o mal, esperam em Deus, nós os esperamos aqui”.

E o Demônio concluiu: “Não merece a piedade de Deus aquele que, sabendo que é tanta, a converte em desregramento, e não em proveito espiritual”.

Aqueles que dizem “Deus é bom”, “Deus compreende os meus pecadinhos”, “Deus sabe que a gente não é de ferro”... enquanto deixam de viver os mandamentos, não participam nunca da Missa, são infiéis no seu casamento, experimentam seitas fora da sua fé, são desonestos com o dinheiro ou comungam em estado de pecado grave, sem se terem confessado... estão muito longe de entender realmente o que é a misericórdia divina. PENSAM QUE CONFIAM EM DEUS QUANDO, NA REALIDADE, SÓ CONFIAM ORGULHOSAMENTE EM SI MESMOS, JULGANDO-SE DONOS DA VERDADE, COM O DIREITO DE OFENDER A DEUS PORQUE ELE TERIA A “OBRIGAÇÃO” DE PERDOÁ-LOS SEM EXIGIR DELES O ARREPENDIMENTO. Essas pessoas tornam-se “inacessíveis” à misericórdia divina porque se fecham voluntariamente a ela, encerrando-se nos seus próprios pecados.

Em Deus, a Justiça e a Misericórdia estão perfeitamente unidas. Para nós, pobres criaturas, há situações em que parece praticamente impossível conjugar as duas, mas n’Ele dão-se as mãos e complementam-se perfeitamente uma à outra. O que não se pode é apostar apenas na Misericórdia e esquecer que há a Justiça. Como dizia o escritor Georges Bernanos: “Há um tempo para a misericórdia e há um tempo para a justiça; e a única desgraça irreparável é encontrar-se, um dia, sem arrependimento, diante da Face que perdoa”.

Deus quer que consideremos frequente e vivamente a sua misericórdia, não para que nos acomodemos, nem para que nos sintamos justificados para pecar despreocupadamente, mas para que valorizemos o seu Amor. É altamente consolador ser amado por Deus, mas também é assustador ser amado por Deus e não O amar.

Infeliz do católico que ABUSA da BONDADE de Deus; que O ofende continuamente confiando na sua MISERICÓRDIA: “Porque não merece a misericórdia de Deus aquele que se serve da mesma para ofendê-lo” (Santo Afonso Maria de Ligório). É preciso confiar no AMOR de Deus para MUDAR de VIDA, e não para ABUSAR dele: “Os pecadores querem pecar, mas sem perder a esperança da salvação. Pecam e dizem: Deus é a própria bondade; mesmo que agora peque, mais tarde confessar-me-ei. Assim pensam os pecadores” (Santo Agostinho). Muitos que pensavam assim já estão nas chamas do inferno (Santo Afonso Maria de Ligório).

Deus é BONDOSO, mas também é JUSTO; é grande loucura ABUSAR do seu AMOR: “Não digas: ‘Pequei: o que me aconteceu?’, porque o Senhor é paciente. Não sejas tão seguro do perdão para acumular pecado sobre pecado. Não digas: ‘Sua misericórdia é grande para perdoar meus inúmeros pecados’, porque há nele misericórdia e cólera e sua ira pousará sobre os pecadores” (Eclo 5, 4-6). É grande ilusão pensar que Deus ESPERA SEMPRE: “Se Deus espera com paciência, não espera sempre. Pois, se o Senhor sempre nos tolerasse ninguém se condenaria” (São João Crisóstomo).

Estão “fabricando” uma FALSA MISERICÓRDIA que diz que Deus PERDOA sem ARREPENDIMENTO e sem PROPÓSITO. A Igreja Católica ensina o contrário: “Sempre a Contrição tem sido necessária para se alcançar o perdão dos pecados. É ela que prepara o homem caído depois do Batismo a receber o perdão” (Concílio de Trento). Pode acontecer que Deus perdoe os pecados sem a Confissão quando esta é impossível; mas não pode perdoá-los sem a Contrição ou a DOR de tê-los cometido.

Em Rm 2, 4 diz: “Ou desprezas a riqueza da sua bondade, paciência e longanimidade, desconhecendo que a benignidade de Deus te convida à conversão?”

O Pe. Paulo Segneri comenta esse trecho: Muito pernicioso para ignorares porque tão pacientemente Deus te suporta os pecados. Enquanto ignoras, não haverá probabilidade de emenda. Porquanto é diferente não corresponder a um benefício, do que não estimá-lo e até desconhecê-lo. Quem não corresponde é ingrato. Quem o despreza é perverso. Mas quem não o conhece é incorrigível.

Se te tolera Deus no pecado, não é porque lhe faltem meios de condenar-te, é porque espera que te emendes. Ora, quem não verá ser essa benignidade do Senhor justamente, para contigo, um convite, um forte estímulo mesmo, à penitência? Como é possível resistir-lhe, pensando seriamente que um Senhor de tamanha majestade suporte todos os desprezos que lhe são infligidos somente para que não venha a perecer uma de suas ínfimas criaturas? Bondade tão maravilhosa não deveria ser suficiente para comover o coração de pedra? E assim é realmente: “Por isso espera o Senhor para usar de misericórdia” (Is 30, 18).

Considera, por outro lado, que horrendo se tornará teu mal se, conhecendo a misericórdia de Deus, te serves dela exatamente para pecar mais ousadamente! Não significa isto ser declaradamente mau porque o Senhor é bom?

Se queres ofender a Deus porque continua beneficiando-te, também o ofendes porque já se fez benefícios; por ter tomado, por amor de ti, uma carne humana, porque derramou tantos suores, porque derramou seu sangue, porque chegou ao extremo de morrer por tua causa numa cruz. Atenta a que consequências se chega!

No, entanto, bem considerando, são as consequências a que te conduzes a ti mesmo, se a bondade do Senhor “que te convida à penitência” te servir, pelo contrário, para persistir na “impenitência”.

A bondade do Senhor, neste caso, é chamada “benignidade”, isto é, uma bondade totalmente gratuita, toda graciosa, que, por isso mesmo, pode te abandonar se assim lhe aprouver, e entregar-te às mãos da justiça divina. Como é, pois, possível que não tremas pensando no que te sucederia se fosses abandonado? Não se imporá limites, um dia qualquer, a benignidade de Deus? Infinito é o seu poder – mas nada produz de infinito... E assim, nem porque a bondade de Deus é infinita em suas possibilidades, deverá suportar infinitamente. Há um número e um limite em sua imperscrutável ordenação. E quem sabe se a teu respeito já não estejam completos? Diferente é a misericórdia, como atributo divino, e em suas ações. Estas deverão ter fim: “Muitas são as misericórdias” (1 Cr 21, 13): muitas, sim, mas não infinitas.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 06 de junho de 2016

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Luiz Fernando Cintra, A misericórdia divina

Francisco de Quevedo, Sonhos

Georges Bernanos, Diário de um pároco de aldeia

Santo Agostinho, Escritos

Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a morte

Concílio de Trento

Pe. Paulo Segneri, Temas Bíblicos para a meditação de todos os dias

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP(C). “Inferno: A pátria do "Deus é misericordioso”

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