OFERECERAM-LHE PRESENTES

(Mt 2, 11)

 

“Em seguida, abriram seus cofres e ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra”.

 

 

Católico, o Santo Natal não é tempo de troca de presentes; longe de nós a correria e o vazio: “Sob o empurrão de um consumismo hedonista, o Natal corre o risco de perder seu significado espiritual, para se reduzir a uma mera ocasião comercial de compras e troca de presentes” (Bento XVI).

A exemplo dos Santos Reis, corramos com o coração cheio de amor e devoção para a Gruta de Belém.

Deixemos o mundo e as suas loucuras... afastemos dos mundanos e de seus costumes pagãos... tapemos os ouvidos e fechemos os olhos para os convites da carne...

Corramos apressadamente para a Gruta de Belém, para oferecer ao Senhor Infinito o que temos de melhor; não detemos os passos diante dos obstáculos que surgem à nossa frente; pelo contrário, firmemos os passos.

Enfrentaram os Magos sua viagem, mesmo desconhecendo o lugar preciso em que nascera Jesus. Assim, cada fiel deve perseverar no bem e na procura de Deus, mesmo entre trevas interiores, mesmo quando parece ofuscar-se a luz que ilumina seu caminho. Tais obscuridades só se superam com intenso espírito de fé pura e nua; que se apóia unicamente em Deus.

Infeliz do católico que se deixa vencer pelo respeito humano, pela preguiça e pelo desânimo; esse jamais encontrará o Senhor Eterno e o seu coração não gozará da verdadeira paz.

Lembre-se de que Cristo é o Príncipe da paz, vindo para combater o príncipe das trevas e arrancar-nos ao domínio do demônio, para tratar da paz entre Deus e os homens.

Católico, não foi casualmente que os Reis Magos ofereceram ao Verbo encarnado ouro, incenso e mirra; a sua intenção manifestou-se já em sua passagem por Jerusalém, onde denominaram Rei a Jesus; declararam querer adorá-lO como Deus e indagaram onde Ele nascera como Filho de Maria. Reconheceram assim a realeza, a divindade e a humanidade de Jesus (Mt 2, 2). Por essa razão levam-Lhe o ouro, manifestando assim a intenção de venerá-lO como o Rei sapientíssimo e riquíssimo, do qual Salomão era apenas a figura. A rainha de Sabá viera outrora do Oriente para visitar o filho de Davi; assim, guiados por uma estrela miraculosa, eles vêm prestar suas homenagens ao Filho unigênito do Rei dos reis, a quem pertencem todos os tesouros. — Apresentam o incenso ao Deus que tudo criou e ao qual devem subir as súplicas das criaturas. Oferecem-Lhe a mirra, para professar a fé em sua santa humanidade e na morte que Ele deve um dia sofrer.

O ouro correspondia ao rei, o incenso era usado nos sacrifícios que se faziam a Deus e a mirra servia para embalsamar os cadáveres.

O ouro aparece nos Salmos como oferenda ao Rei Messias (Sl 72, 15).

O incenso era usado especialmente nos sacrifícios judeus no templo em Jerusalém. O incenso adquiria assim um sentido de oferenda a Deus.

A mirra, à parte de que era usada como perfume (Ct 3, 6), era usada para embalsamar. E assim foi usada para embalsamar o corpo morto de Cristo (Lc 23, 56; Jo 19, 40-41).

Os Padres da Igreja viram simbolizados no ouro a dignidade régia de Cristo; no incenso, sua divindade, e na mirra, que seria usada para embalsamar os cadáveres, sua humanidade.

Os Santos Reis, esclarecidos como estavam pela luz celeste, como teriam ignorado esses mistérios? Daí as fadigas a que se submetem na procura de Jesus; os frutos abundantes que tiram da sua estada em Belém, onde os dons que ofertam com todo o fervor lhes merecem a graça de se tornarem mais tarde apóstolos, santos e mártires. — Ó poder da fé animada pela caridade!

Enquanto os piedosos Reis prestam assim suas homenagens ao Salvador, que faz de seu lado o Menino Jesus? Oferece-se ao seu Pai celeste com um amor sem limites, representado pelo ouro dos seus visitantes; — aniquila-se diante de sua majestade com uma religião profunda, cujos atos sobem ao céu como os vulcões do mais puro incenso. — Em homenagem à divina justiça e em reparação honorífica, apresenta-lhe antecipadamente a mirra da sua paixão e da sua morte dolorosa.

Católico, não deixemos para depois, mas prostremo-nos agora por terra e adoremos o Divino Infante, a exemplo dos Santos Reis.

Ofereçamos ao Senhor todo nosso ser; somente Ele merece.

Somente o Divino Infante deve receber presentes; não o mundo, o demônio e a carne.

Reconheço, ó Cristo, nos Magos, Vossos adoradores, as primícias de nossa vocação e da nossa fé! Com alma exultante, celebro o início desta bem-aventurada esperança. Porque desde então, já começamos a entrar na eterna herança, desde então nos foram descobertas as passagens misteriosas da Sagrada Escritura que fala de Vós, ó Cristo, e a verdade, que a cegueira dos judeus não acolheu, difundiu sua luz em todas as nações. Quero, portanto, honrar este santíssimo dia em que Vós, Autor de nossa salvação, Vos manifestastes; Vós, a quem adoraram os Magos, Infante no presépio, eu Vos adoro, onipotente nos céus. E como eles, de seus tesouros, Vos ofereceram místicos dons, assim também desejo eu procurar em meu coração dons dignos de Vós, Deus meu.

Nós Vos adoramos, ó Senhor, e Vos oferecemos com os Magos estas ricas oblações recebidas de Vossas mãos. De Vossa mão recebemos o ouro da caridade, o incenso interior do nosso coração aberto à oração, à piedosa e doce meditação de Vossa Paixão e Morte. Isto reconheço, ó Salvador! Quanto mais Vos ofereço, tanto mais devedor me torno. Todos os meus bens são Vossos e, sem deles necessitardes, agradeceis tudo que Vos dou, porque sois Vós mesmo que mo destes antes, e só é agradável a Vossos olhos o que traz o Vosso selo e vem de Vós.

Unamo-nos ao Menino de Belém, e: 1.° Ofereçamos ao Pai celestial o ouro do nosso amor, regozijando-nos com suas adoráveis perfeições; — 2.° Conhecendo nossa fraqueza no bem, supliquemos com fervor as graças que santificam; — 3.° Unamos ao incenso da oração a mirra da mortificação, oferecendo à divina justiça algum pequeno sacrifício: de uma palavra, de um olhar, de um ressentimento, de uma satisfação e duma repugnância.

Divino Infante, submeto-me a Vós como a meu Rei, adoro-Vos como a meu Deus, amo-Vos como ao meu Redentor. Concedei-me a graça de fazer muitas vezes na oração atos de submissão, adoração profunda e união à Vossa paixão dolorosa, como também atos de amor, de súplica e de renúncia, para realizar completamente em mim o sentido místico dos donativos dos Santos Reis.

Os presentes dos Magos compreendem, em sua significação, toda a perfeição evangélica, isto é, os deveres para com Deus, simbolizados pelo incenso da oração; os deveres para com o próximo, resumidos na esmola e representados pelo ouro; os deveres para conosco mesmos, compreendidos na mortificação dos vícios e indicados pela mirra ofertada pelo Menino Deus. Esses deveres encerram todas as virtudes que formam os verdadeiros discípulos do Verbo encarnado.

Para melhor cumprirmos os primeiros, isto é, nossas práticas de piedade, nada mais eficaz do que unir-nos ao Menino de Belém. Já em seu pobre presépio, presta ao Pai celestial as mais perfeitas homenagens de adoração, dependência, reconhecimento, confiança e devotamento, que são como a alma da piedade sólida e da verdadeira devoção. Entremos em seu sentimento, sempre que nos prostramos diante de Deus.

Meditemos também a caridade que Ele testemunha às nossas almas, para aprendermos até que ponto devemos amar o nosso próximo. A sua atenção e o seu ardor em oferecer seus sofrimentos pela nossa salvação, pregam-nos com eloqüência a generosidade em perdoar, em esquecer as ofensas, em suportar os defeitos alheios, em cumular de bens os que nos odeiam, perseguem e caluniam.

Tal perfeição, porém, não se adquire sem total mortificação, isto é, sem que regremos os nossos sentidos, desejos e inclinações; combatamos em nós a cólera, as aversões e impaciências, nos abneguemos a nós mesmos e às nossas tendências para o mal, nos curvemos, numa palavra, às vontades do próximo para edificá-lo e conduzi-lo à virtude. Examinai até onde já tendes chegado no exercício dessa perfeita renúncia.

Adorável Salvador, comunicai-me a força de prestar a Deus e ao próximo, mesmo que custe os maiores sacrifícios, tudo quanto a piedade e a caridade de mim reclamam. Para esse fim: 1.° Despertai a minha fé a respeito dos motivos que me movem a obedecer aos preceitos divinos, a respeitar os outros e a desprezar a mim mesmo; 2.° Abrasai-me daquele amor generoso que me faça dedicar-me ao serviço do Pai celestial e à felicidade do próximo; 3.° Inspirai-me a resolução de nunca externar as minhas impressões interiores quando são de molde a ferir o melindre da caridade para com Deus e meus irmãos.

Católico, no dia da Epifania, Santa Gertrudes oferecia a Deus: pela mirra, os tormentos do Redentor em expiação dos crimes do mundo; — pelo incenso, a alma de Jesus Cristo e todas as suas operações em reparação das negligências do gênero humano no serviço do seu Criador; — substituía o ouro oferecendo a divindade do Verbo encarnado para suprir a insuficiência em perfeição das criaturas.

Quantas iniqüidades provocam diariamente a cólera celeste na vastidão do mundo! Quantas faltas mais ou menos voluntárias não acrescentamos também nós! Como aplacar a justiça divina senão pelo oferecimento das dores e méritos de um Deus? É essa mirra escolhida, símbolo da morte e sepultura de Jesus, que levamos ao seu berço, a fim de recordar ao Pai celeste os méritos do Cordeiro divino, que apaga as iniqüidades da terra e pode salvar uma infinidade de mundos mais culpáveis do que o nosso. Façamos, pois, atos de arrependimento em união com o Coração do Menino Jesus, tão contrariado com as nossas ofensas. Além disso, quanta tibieza não verificamos na maior parte dos cristãos! Nós mesmos temos muito a nos exprobrar, muitas negligências a deplorar no trabalho da nossa perfeição. Ora, que melhor reparação podemos oferecer ao Pai celestial do que a do Menino Jesus, que em seu bercinho faz os mais fervorosos atos de virtudes? Ele convida-nos a sacudir o nosso torpor, a estimular a nossa apatia e a despertar a nossa fé, a fim de sermos mais exatos em obedecer à graça e mais fiéis em conservar os seus frutos. Isso será o incenso de agradável odor, que reparará nossa tibieza passada e nos tornará mais ardorosos e devotados no futuro. Mesmo que possuíssemos o ardor dos Serafins, seríamos sempre incapazes de glorificar a Deus como Ele merece. Para isso recorramos ainda ao Verbo encarnado e ofereçamos o ouro da sua divindade para prestarmos ao Criador todas as homenagens que Lhe são devidas. — Deus Pai todo-poderoso! Eu Vos apresento, no estábulo de Belém e nos nossos tabernáculos, a adorável Vítima da nossa salvação, o Seu corpo, a Sua alma e a Sua divindade: Seu corpo, que tanto padeceu, vo-lO ofereço em expiação dos meus pecados; — Sua alma tão ardorosa e santa, em reparação das minhas negligências no Vosso serviço; — enfim Sua divindade em homenagem às Vossas grandezas e em ação de graças dos Vossos benefícios, que são sem número e de cada instante.

A mesma Santa Gertrudes, perguntando ao Salvador, no dia da Epifania, o que deveria oferecer-Lhe por uma pessoa que muito amava, recebeu a resposta: “oferece-me seus pés, suas mãos e seu coração: seus pés, isto é, os desejos que o animem a indenizar-me dos tormentos da minha paixão, sofrendo sem queixa; sua resignação ser-me-á agradável como a mirra escolhida; suas mãos, isto é, suas ações interiores e exteriores em união com as minhas, me serão um suave incenso; seu coração ou sua vontade, que significa o exercício da obediência, que me será mais preciosa do que o mais puro ouro”.

Assim falou Jesus; e que nos ensina Ele?

1.° A compadecer-nos das suas dores e a unir as nossas às suas. Como a mirra serve para embalsamar os corpos e preservá-los da corrupção, o pensamento das dores do Verbo encarnado e as penas que suportamos com paciência têm por efeitos principais guardar nossa alma do contágio do século e das nossas más inclinações, sobretudo, da concupiscência que nos expõe tantas vezes ao pecado.

2.° As ações interiores e exteriores que Jesus reclama devem ser santificadas pela boa intenção. Quanto mais pura esta for, sem a procura da estima mundana e do amor próprio, tanto mais serão nossas ações embalsamadas dum perfume sobrenatural, que subirá como o incenso até ao trono de Deus. Para isso unamo-nos aos sentimentos e desejos do Menino de Belém.

3.° Acrescentemos a essa prática aquilo que o Senhor mais estima, isto é, uma vontade perfeitamente obediente a seus preceitos e submissa a seus desígnios sobre nós. É o ouro mais precioso que lhe possamos oferecer. A obediência, com efeito, despoja-nos de todo o artifício do amor próprio e nos une estreitamente à vontade divina. Disso se segue que, agindo por obediência, fazemos o que há de maior, de mais sábio, de mais perfeito e de mais meritório.

Jesus Menino, desde a Vossa entrada neste mundo, Vos propusestes cumprir todos os desejos do Pai celeste (Hb 10, 9). Dai-me a graça de, como Vós, não procurar em todas as minhas ações senão o contentamento do Pai celestial e de nele encontrar, a Vosso exemplo, uma paz profunda e uma tranqüilidade deliciosa. Tomo a resolução: 1.° De pensar muitas vezes nas dores e agonias da Vossa paixão; 2.° De me desapegar do mundo e de mim mesmo, a fim de em tudo ter em vista a glória e o beneplácito divino; 3.º De imitar em tudo a Vossa obediência perfeita, obediência que Vós, Rei do céu, praticastes sobre a terra, do presépio ao sepulcro, para com toda autoridade legítima, sem excetuar a dos Vossos perseguidores e dos Vossos carrascos.

 

 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 27 de dezembro de 2008

 

 

Bibliografia

 

Bíblia Sagrada

Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina

São Gregório Magno, Homilia do Evangelho, 10

São Leão magno, Sermão 32, 4

Pe. Manuel de Tuya, Bíblia Comentada

Bem-aventurado Dom Columba Marmion, Jesus Cristo, Ideal do monge

Catena Aurea

J. B. Bossuet, Elevações a Deus sobre os mistérios 17, 9

Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura (texto e comentário)

Pe. Luis Bronchain, Meditações para todos os dias do ano

 

 

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