GRÁVIDA PELO ESPÍRITO SANTO

(Mt 1, 18)

 

“... achou-se grávida pelo Espírito Santo”.

 

“... pelo Espírito Santo”. Não de maneira que o Espírito Santo seja o pai de Jesus Cristo, segundo pensam alguns, disse São Jerônimo; mas, porque por obra do Espírito Santo a Virgem Maria concebeu sem  contato com um homem. E o que ordinariamente se faz na geração natural, o Espírito Santo, sem esses meios, o fez com maior perfeição. Assim como Deus fez Adão no princípio do mundo, e assim como Adão foi feito do limo da terra, do mesmo modo o Espírito Santo fez a Jesus Cristo do sangue de Maria Santíssima. Tampouco diz-se que o fez o Espírito Santo, como se ele exclusivamente, sem intervenção do Pai e do mesmo Filho, que era engendrado, o operasse. Porque é verdadeira aquela regra de que falam todos os teólogos e conservaram os escolásticos: “As obras ad extra (exteriormente) da Santíssima Trindade são comuns às três pessoas”. Porém, se diz que Jesus Cristo foi concebido pelo Espírito Santo por aquela usada atribuição nas Sagradas Escrituras segundo a qual o que é comum às três pessoas, a uma só se atribui por razão de seu ofício ou propriedades. O que se diz respeito ao poder e ao governo se atribui ao Pai; o que se diz respeito à sabedoria, ao Filho; o que se diz respeito à benignidade, beneficência, liberalidade e fecundidade, ao Espírito Santo. Portanto, são duas as razões pelas quais a encarnação se atribui ao Espírito Santo: por ser a maior mercê feita aos homens e princípio de todos os demais benefícios, e porque foi obra de fecundidade e vivificação. É, pois, o Espírito Santo como uma espécie de germe divino com o qual todas as coisas se fecundam, que assim interpretam muitos aquelas palavras do Gênesis: “O Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1, 2); e como alma com a qual se animam e vivificam todas as coisas: “O espírito é que vivifica, a carne para nada serve. As palavras que vos disse são espírito e vida” (Jo 6, 63).

A expressão “pelo Espírito Santo” é uma evocação do Antigo Testamento para indicar, não precisamente a terceira pessoa da Trindade, mas a ação “ad extra” (exteriormente) da divindade. Nossa Senhora havia sido fecundada sobrenaturalmente por obra da onipotência divina.

No dia da Anunciação, Deus eliminou a infinita distância que havia entre Ele e nós. Por um ato do seu poder infinito, Deus fez o que à nossa mente humana parece impossível: uniu a sua própria natureza divina a uma verdadeira natureza humana, a um corpo e alma como os nossos. E o que nos deixa ainda mais admirados é que desta união não resultou um ser com duas personalidades, a de Deus e a de homem. Ao contrário, as duas naturezas se uniram numa só Pessoa, a de Jesus Cristo, Deus e homem.

Esta união do divino e do humano numa Pessoa é tão singular, tão especial, que não admite comparação com outras experiências humanas, e, portanto, está fora da nossa capacidade de compreensão. Como a Santíssima Trindade, é um dos grandes mistérios da nossa fé, a que chamamos o mistério da Encarnação.

Lemos no Evangelho de São João que “o Verbo se fez carne”, ou seja, que a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Deus Filho, se encarnou, se fez homem. Esta união de duas naturezas numa só Pessoa recebe um nome especial, e chama-se união hipostática (do grego hipóstasis, que significa “o que está debaixo”).

Para dar ao Redentor uma natureza humana, Deus escolheu uma virgenzinha judia de quinze anos, chamada Maria, descendente do grande rei Davi, que vivia obscuramente com seus pais na aldeia de Nazaré. Maria, sob o impulso da graça, havia oferecido a Deus a sua virgindade, coisa que fazia parte do desígnio divino sobre ela.

Era uma nova prenda para a alma que havia recebido uma graça maior já no seu começo. Quando Deus criou a alma de Maria, eximiu-a da lei universal do pecado original no mesmo instante em que a Virgem foi concebida no seio de Ana. Maria recebeu a herança perdida por Adão: desde o início do seu ser, esteve unida a Deus. nem por um momento se encontrou sob o domínio de Satã aquela cujo Filho lhe esmagaria a cabeça.

Ainda que Maria tivesse feito o que hoje chamaríamos voto de castidade perpétua, estava prometida a um artesão chamado José. Há dois mil anos, não havia “mulheres independentes” nem “mulheres profissionais”. Num mundo estritamente masculino, qualquer moça honrada necessitava de um homem que a tutelasse e protegesse. Mas ainda, não estava dentro do plano de Deus que, para ser mãe de seu Filho, Maria tivesse que sofrer o estigma das mães solteiras. E assim, atuando discretamente por meio da sua graça, Deus procurou que Maria tivesse um esposo.

O jovem escolhido por Deus para esposo de Maria e guardião de Jesus era, de per si, um santo. O Evangelho no-lo descreve dizendo simplesmente que era um “varão justo”. O vocábulo “justo” significa, em sua conotação hebraica, um homem cheio de todas as virtudes. É o equivalente à nossa palavra atual “santo”.

Não nos surpreende, pois, que José, a pedido dos pais de Maria, aceitasse gozosamente ser o esposo legal e verdadeiro de Maria, ainda que conhecesse a sua promessa de virgindade e soubesse que o matrimônio nunca seria consumado. Maria permaneceu virgem não só ao dar à luz Jesus, mas durante toda a sua vida. Quando o Evangelho menciona “os irmãos e irmãs” de Jesus, devemos recordar que é uma tradução grega do original hebraico, e que neste caso essas palavras significam simplesmente “parentes consaguíneos”, mais ou menos o mesmo que a nossa palavra “primos”.

A aparição do anjo ocorreu quando Maria ainda morava com seus pais, antes de ir viver com José. O pecado veio ao mundo por livre decisão de Adão; Deus quis que a livre decisão de Maria trouxesse ao mundo a salvação. E o Deus dos céus e da terra aguardava o consentimento  de uma mulher.

Quando, recebida a mensagem angélica, Maria inclinou a cabeça e disse: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”, Deus Espírito Santo (a quem se atribuem as obras de amor) ENGENDROU no seio de Maria o corpo e a alma de uma criança, a quem Deus Filho se uniu no mesmo instante.

Por ter aceitado voluntariamente ser Mãe do Redentor, e por ter participado livremente (e de um modo tão íntimo!) na sua Paixão, Maria é aclamada pela Igreja como corredentora do gênero humano. É este momento transcendental da aceitação de Maria e do começo da nossa salvação o que nós comemoramos sempre que recitamos o Ângelus.

E não surpreende que Deus preservasse da corrupção do sepulcro o corpo do qual tomou o seu próprio. No quarto mistério glorioso do Rosário, e anualmente na festa da Assunção, celebramos o fato de o corpo de Maria, depois da morte, se ter reunido à sua alma no céu.

Talvez algum de nós tenha exclamado em momentos de trabalho excessivo: “Quereria ser dois para poder atender a tudo”. É uma idéia interessante, que pode levar-nos a fantasiar um pouco, mas com proveito. Imaginemos que eu pudesse ser dois, que tivesse dois corpos, duas almas e uma só personalidade, que seria eu. Ambos os corpos trabalhariam juntos harmoniosamente em qualquer tarefa em que me ocupasse: seria especialmente útil para transportar uma escada de mão ou uma mesa. E as duas mentes aplicar-se-iam juntas a solucionar qualquer problema que eu tivesse de enfrentar, o que seria especialmente agradável para resolver preocupações e tomar decisões.

É uma idéia total e claramente sem pés nem cabeça. Sabemos que no plano de Deus só há uma natureza humana (corpo e alma) para cada pessoa humana (minha identidade consciente, que me separa de qualquer outra pessoa). Mas esta fantasia talvez nos ajude a entender um pouquinho melhor a personalidade de Jesus. A união hipostática, a união de uma natureza humana e uma natureza divina numa Pessoa – Jesus Cristo – é um mistério de fé, o que significa que não podemos compreendê-lo cabalmente. Isto não quer dizer, porém, que não sejamos capazes de compreender um pouco.

Como segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Deus Filho, Jesus existiu desde toda a eternidade.  E por toda a eternidade é gerado na mente do Pai. Depois, num ponto determinado do tempo, Deus Filho uniu-se, no seio da Virgem Maria, não só a um corpo como o nosso, mas a um corpo e a uma alma, a uma natureza humana completa. O resultado é uma só Pessoa, que atua sempre em harmonia, sempre unida, sempre como uma só identidade.

O Filho de Deus não levava simplesmente uma natureza humana, como um operário leva seu carrinho de mão. O Filho de Deus, em e com a sua natureza humana, tinha (e tem) uma personalidade tão indivisa e singular como a teríamos nós em e com as duas naturezas humanas que em nossa fantasia havíamos imaginado.

Jesus mostrou claramente a sua dualidade de naturezas ao fazer, por um lado, aquilo que só Deus poderia fazer, como ressuscitar mortos pelo seu próprio poder. Por outro, realizou as ações mais vulgares dos homens, como comer, beber e dormir. E é bom levar em conta que Jesus não aparentava simplesmente comer, beber, dormir e sofrer. Quando comia, era porque realmente tinha fome; quando dormia, era porque realmente estava fatigado; quando sofria, sentia realmente dor.

Com igual clareza Jesus mostrou a unidade da sua personalidade. Em todas as suas ações havia uma completa unidade de Pessoa. Por exemplo, não disse ao filho da viúva: “A parte de Mim que é divina te diz: “Levanta-te!”. Na Cruz, Jesus não disse: “Minha natureza humana tem sede”, mas exclamou: “Tenho sede”.

Às vezes, os acatólicos se escandalizam daquilo que chamam a “excessiva” glorificação de Maria. Não tem inconveniente algum em chamar a Maria Mãe de Cristo; mas prefeririam morrer a chamá-la Mãe de Deus. E, não obstante, a não ser que nos disponhamos a negar a divindade de Cristo (e neste caso deixaríamos de ser cristãos), não existem razões para distinguir entre “Mãe de Cristo” e “Mãe de Deus”.

Uma mãe não é só mãe do corpo físico de seu filho; é mãe da pessoa inteira que traz em seu seio. A Pessoa completa concebida por Maria é Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem. A Criança que há vinte  séculos nasceu no estábulo de Belém tinha, de certo modo, Deus como Pai duas vezes: a segunda Pessoa da Santíssima Trindade tem Deus como Pai por toda a eternidade; Jesus Cristo teve Deus como Pai também quando, na Anunciação, o Espírito Santo engendrou uma Criança no seio de Maria.

Qualquer pessoa que tenha um amigo que goste de cachorros sabe a verdade que há no ditado inglês: “Se me amas, ama o meu cão”, o que poderá parecer tolo à nossa mentalidade. Mas estou certo de que qualquer homem ou mulher subscreveria esta outra afirmação: “Se me amas, ama minha mãe”.

Como pode, então, alguém afirmar que ama Jesus Cristo verdadeiramente, se não ama também sua mãe?

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 02 de novembro de 2014

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Leo J. Trese, A fé explicada

Pe. Manuel de Tuya, Bíblia comentada

São Jerônimo, Escritos

Pe. Juan de Maldonado, Comentários do Evangelho de São Mateus

 

 

 

 

Este texto não pode ser reproduzido sob nenhuma forma; por fotocópia ou outro meio qualquer sem autorização por escrito do autor Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Depois de autorizado, é preciso citar:

Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Grávida pelo Espírito Santo”
www.filhosdapaixao.org.br/escritos/comentarios/natal/comentario_natal_023.htm