MAS NÃO A CONHECEU (Mt 1, 24-25)
“24 José, ao despertar do sono, agiu conforme o Anjo do Senhor lhe ordenou e recebeu em casa sua mulher. 25 Mas não a conheceu até o dia em que ela deu à luz um filho. E ele o chamou com o nome de Jesus”.
Comenta São João Crisóstomo dirigindo-se a São José: “Não penses que por ser a conceição de Cristo obra do Espírito Santo, és alheio ao serviço desta divina economia. Porque se é certo que nenhuma parte tens na geração e a Virgem permanece intacta, não obstante, tudo o que pertence ao ofício de pai sem ir contra a dignidade da virgindade, tudo to entrego a ti: impor nome ao filho. Tu, com efeito, lho imporás. Porque, embora o não tenhas gerado tu, tu farás com ele as vezes de pai. Daí que, começando pela imposição do nome, eu te una intimamente com o que vai nascer”. A Neo-vulgata traduz “et non cognoscebat eam, donec peperit filium”, seguindo estritamente o texto grego. A versão portuguesa literal seria: “e não a conheceu até que deu à luz o seu filho”. Esta partícula donec, “até que”, de per si não induz a pensar no que depois aconteceria; pretende sublinhar o que já aconteceu até esse momento: a conceição virginal de Jesus Cristo por uma singular intervenção de Deus. Na verdade, encontramos a mesma partícula em João 9, 18, onde se diz que os fariseus não acreditaram no milagre da cura do cego de nascença “até que” – donec - chamaram os pais deste; não obstante, tão-pouco acreditaram depois. Por outro lado, a Vulgata acrescenta suum primogenitum, que na Bíblia indica somente o primeiro filho, sem que implique a existência de outros (cfr Ex 13, 2). Esta variante latina de nenhuma maneira dá azo (ocasião) a pensar que a Virgem tivesse tido depois mais filhos. A Igreja Católica ensinou sempre como doutrina de fé a virgindade perpétua de Maria Santíssima; por exemplo, eis aqui as palavras do Concílio de Latrão do ano 649: “Se alguém, de acordo com os Santos Padres, não confessar própria e verdadeiramente como Mãe de Deus a Santa e sempre Virgem e Imaculada Maria, uma vez que concebeu nos últimos tempos, sem sêmen, por graça do Espírito Santo, própria e verdadeiramente o mesmo Verbo Divino, que nasceu do Pai antes de todos os séculos, e incorruptivelmente o gerou, permanecendo intacta a sua virgindade após o parto, seja condenado”. São Jerônimo assinala as seguintes razões pelas quais convinha que a Mãe de Deus, além de ser virgem, estivesse desposada: primeiro, para que pela genealogia de São José ficasse patente a estirpe de Santa Maria como descendente do rei Davi; depois, para que ao dar à luz não sofresse detrimento na sua honra por parte dos judeus nem pudesse ser-lhe imputada pena alguma legal; terceiro, para que na fuga para o Egito tivesse a ajuda e proteção de São José. Ainda assinala uma quarta razão possível, expressamente tomada de Santo Inácio Mártir e à qual parece dar menos valor: para que o nascimento de Jesus passasse inadvertido ao diabo, que não saberia da conceição virginal do Senhor. Os sacerdotes: Manuel de Tuya, Juan Leal e Juan de Maldonado comentam: São José cumpre o que o anjo lhe havia mandado, que era: receber Maria por esposa e aceitar a paternidade “legal” de Jesus Cristo. São José entrou assim no plano de Deus sobre a salvação do mundo. Estando somente “desposados”, São José levou a cabo seu “matrimônio” com Maria levando-a oficialmente para sua casa, segundo era o rito fundamental e específico em Israel para celebrar o matrimônio. E como a intenção direta do evangelista nesta passagem era demonstrar a concepção e nascimento sobrenaturalmente virginal do Messias, feito com a narração histórica e com o cumprimento nela da profecia, por isso é pelo que disse, com seu modo e valoração semita, que não a “conheceu”, verbo grego que traduz materialmente ao hebreu “conhecer” (yada’), eufemismo usado normalmente pelas relações conjugais, “até que” (‘ad) deu à luz ao seu filho. É de sobra conhecido o hebraísmo “até que” (‘ad-ki), traduzido materialmente nesta passagem: “até que”. Com esta forma só significa a relação que se estabelece num momento determinado, porém, dispensando do que depois dele suceda. É o modo comum de dizer em hebreu. Assim Micol, mulher de Davi, “não teve mais filhos (‘ad-ki) até o dia de sua morte” (2 Sm 6, 23). Santo Hilário entende esse eufemismo assim: Que São José não tinha ainda Maria por esposa; porque antes disse que era desposada e logo tomou o nome de mulher, não porque tivesse vida de esposos, mas porque deu à luz como mulher casada. Santo Epifânio, falando com os ebionitas, diz que São José não conheceu a sua esposa antes do parto, mas depois do parto; agora, não enquanto ao corpo, mas enquanto a alma, a virtude e a santidade de Maria Santíssima. Porém, a verdade é que, uma vez que foi admoestado pelo anjo, já não podia ignorar a virtude de sua esposa, sabendo que havia concebido pelo Espírito Santo; ninguém há que ignore que a frase em questão é um eufemismo decoroso para significar o honesto uso do matrimônio (Gn 4, 1; 19, 8; Nm 31, 35; 1 Rs 1, 4). Os que afirmam que esta frase só é usada para designar a defloração de uma virgem, dizem uma falsidade (Gn 4, 25; 38, 26; 1 Sm 1, 19). Segundo nos informa o autor da Obra imperfeita, tomaram destas palavras Joviano, Helvídio, os ebionitas e os eunomianos, segundo testemunho do mesmo São João Crisóstomo, para negar a virgindade de Nossa Senhora depois do parto.
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C) Anápolis, 10 de novembro de 2014
Bibliografia
Sagrada Escritura São Jerônimo, Comentário sobre São Mateus, 1, 1 São João Crisóstomo, Homilia sobre São Mateus, 4 Edições Theologica Santo Hilário, Escritos Santo Epifânio, Escritos Concílio de Latrão DS 503, cân. 3 Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura Pe. Manuel de Tuya, Bíblia comentada Pe. Juan de Maldonado, Comentários do Evangelho de São Mateus
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