EIS
QUE O SEMEADOR SAIU A SEMEAR
Mc 4, 3:
“Eis que o semeador saiu a semear”.
I.
O semeador saiu a semear... a semear a melhor semente...
preciosa semente... de primeira qualidade. Essa semente
“é a Palavra de Deus”
(Lc 8, 11).
Abramos, ou melhor, escancaremos o coração
para receber frutuosamente a semente da Palavra de Deus:
“Onde a palavra de Deus produz fruto consolador é
justamente no coração que, confiando nela, arrisca tudo
por tudo. Aí sucedem dois admiráveis efeitos: os pecados
desaparecem e as virtudes florescem”
(Pe. João
Colombo).
Apoiemo-nos nessa semente... ela é
sustentáculo para todos; infeliz de quem a despreza:
“Sustentáculo poderoso para não se cometer pecado é a
leitura das Escrituras... Grande precipício e profundo
abismo é desconhecer as Escrituras”
(Santo
Epifânio).
Não deixemos essa semente se perder, porque
o prejuízo será grande para nós:
“Tornai-vos
praticantes da Palavra e não simples ouvintes,
enganando-vos a vós mesmos!”
(Tg 1, 22).
A
semente é a Palavra de Deus e os terrenos são os corações.
A Palavra de Deus é uma semente preciosa:
“Ela criou o mundo, deu a vista aos cegos, a saúde aos
doentes, ressuscitou os mortos e converteu os pecadores.
Se esta semente não produz fruto, a culpa é do terreno,
isto é, do coração que a recebe”
(Pe. João
Colombo).
II.
Quem é o
semeador?
O Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena
escreve:
“O semeador é justamente Jesus... a semente
que semeia é a Palavra de Deus, que Ele – Palavra incriada
– possui em si mesmo e transmite aos homens em linguagem
humana. É, pois, sua palavra de eficácia, de poder divino,
semente fecundíssima, capaz de germinar em salvação, em
santidade e em vida eterna... em toda parte Jesus semeia a
Palavra”.
São João Crisóstomo também escreve:
“Eis que
saiu o semeador a semear’. De onde saístes ou como saístes
Senhor, que estais em toda parte e tudo encheis de vossa
presença? Quando a nós viestes pela encarnação, não foi
certamente passando de um lugar a outro, e sim, assumindo
a natureza humana e pondo-vos em relação, contato conosco.
Já que não podíamos penetrar lá onde habita Deus, visto
serem nossos pecados qual muralha que nos impedia a
estrada, viestes a nós! Para que viestes? Para cultivar a
terra, purificá-la e semear nela a Palavra da virtude e do
amor... Ó Jesus, a todos generosamente ofereceis vossa
palavra, vossa doutrina. Como não faz o semeador distinção
na terra que lavra, mas semeia simplesmente em toda parte,
assim também vós, na pregação, não distinguis o rico do
pobre, o douto do ignorante, o fervoroso do preguiçoso, o
corajoso do covarde, mas a todos indistintamente falais”.
Não
viremos as costas nem tratemos com indiferença o semeador;
pelo contrário, recebamos com atenção, devoção e respeito
a semente semeada por Ele... Ouçamos e lembremos
continuamente de seus ensinamentos... coloquemo-los em
prática com coragem e fé, enfrentando os ventos
contrários... não coloquemos nenhum obstáculo, mas
deixemos que ela enraíze no nosso coração.
III.
O semeador
espalha a sua semente aos quatro ventos:
“E ao semear, uma
parte da semente caiu à beira do caminho, e vieram as aves
e a comeram”
(Mc 4, 4).
Em Mc 4, 15 diz:
“Os que estão à
beira do caminho onde a Palavra foi semeada são aqueles
que ouvem, mas logo vem Satanás e arrebata a Palavra que
neles foi semeada”.
Esse coração, figurado pelo caminho, é o
daqueles que oferecem à Palavra de Deus um coração calcado
e duro, onde o Evangelho não consegue penetrar. Vem
Satanás, como uma ave agoureira e come a semente ficada
inerte à flor do solo.
Esses católicos são os que escutam a pregação com um
ouvido e a deixam sair pelo outro. Nada retém. Um doente
que não retém o alimento nunca poderá se curar; o mesmo
acontece com o católico que não retém os bons
ensinamentos... esse nunca será fiel a Deus.
Na
Sagrada Escritura conta-se que Nabucodonosor, rei da
Babilônia, tinha tido um sonho que o pôs na mais alta
consternação e na mais inesperada surpresa. Esse sonho
revelava-lhe o futuro do seu reino. Mas, apenas acordado,
a visão desvaneceu-lhe da memória, e ele não pode
lembrar-se de nada (Dn 2, 3).
E a
Palavra de Deus, tal como é escutada por certos ouvintes,
é semelhante a esse sonho. Eles ouviram grandes verdades;
foi-lhes posta diante dos olhos a visão do seu futuro
eterno; mas, apenas saídos da igreja, não pensam mais nela
e não se lembram mais de nada.
Jesus querido, arranque do “terreno” do
nosso coração toda dissipação, vazio, distração...
esmoreça esse “terreno” duro, calcado e
sedento somente do externo.
Peçamos força ao Senhor para não sermos
nunca como esses que
“se assemelham ao
caminho onde caiu a semente: negligentes, tíbios e
desdenhosos”
(São João Crisóstomo).
IV.
O semeador espalha a sua semente aos quatro ventos:
“Outra
parte caiu em solo pedregoso e, não havendo terra
bastante, nasceu logo, porque não havia terra profunda,
mas, ao surgir o sol, queimou-se e, por não ter raiz,
secou”
(Mc 4, 5-6).
Em Mc 4, 16-17 diz:
“Assim também as
que foram semeadas em solo pedregoso: são aqueles que, ao
ouvirem a Palavra, imediatamente a recebem com alegria,
mas não têm raízes em si mesmos, são homens de momento:
caso venha uma tribulação ou uma perseguição por causa da
Palavra, imediatamente sucumbem”.
Esse coração, figurado pelo solo pedregoso,
é coberto por uma fraca camada de terra, onde a semente
pode germinar, mas não lançar raízes, de modo que ao
despontar o sol ficam secas.
Esse é o ouvinte que se deixa convencer pela Palavra de
Deus e promete praticá-la; praticam-na com entusiasmo
enquanto não é necessário nenhum esforço. Mas, à primeira
dificuldade (tribulação, perseguição...), ao
primeiro sacrifício, na primeira ocasião, ao primeiro
respeito humano, abandonam a Palavra de Deus e vai para as
suas comodidades ou para os seus prazeres.
Jesus amado, dai-nos forças para não
agirmos assim; pelo contrário, que lutemos corajosamente e
rememos com valentia contra a maré. Tu disseste:
“O Reino
dos Céus sofre violência, e violentos se apoderam dele”
(Mt 11, 12), e:
“Assim, todo
aquele que ouve essas minhas palavras e as põe em prática
será comparado a um homem sensato que construiu a sua casa
sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enxurradas,
sopraram os ventos e deram contra aquela casa, mas ela não
caiu, porque estava alicerçada na rocha”
(Mt 7,
24-25).
O Pe. Francisco Fernández Carvajal comenta:
“Este terreno pedregoso representa as almas superficiais,
com pouca profundidade interior, inconstantes, incapazes
de perseverar. Têm boas disposições e até recebem a graça
com alegria, mas, quando chega o momento de enfrentar as
dificuldades, retrocedem; não são capazes de empenhar-se
sacrificadamente em cumprir os propósitos que um dia
fizeram, e morrem sem dar fruto”.
Muitos, depois de vencerem os primeiros
inimigos da vida interior,
“abandonam o
esforço e falta-lhes ânimo... deixam de lutar quando estão
a dois passos da fonte de água viva que é capaz de saciar
para sempre, como disse o Senhor à samaritana”
(Santa Teresa de Jesus), e:
“A alma que ama a
Deus de verdade não deixa por preguiça de fazer o que pode
para encontrar o Filho de Deus, o seu Amado. E depois de
ter feito tudo o que pode, não fica satisfeita e pensa que
não fez nada”
(São João da Cruz).
V.
O semeador espalha a sua semente aos quatro ventos:
“Outra
parte caiu entre os espinhos; os espinhos cresceram e a
sufocaram, e não deu fruto”
(Mc 4, 7).
Em Mc 4, 18-19 diz:
“E outras são as
que foram semeadas entre os espinhos: estes são os que
ouviram a Palavra, mas os cuidados do mundo, a sedução da
riqueza e as ambições de outras coisas os penetram,
sufocam a Palavra e a tornam infrutífera”.
Esse coração, figurado pelo terreno invadido pelos
espinhos, é o daqueles que, ouvindo as pregações,
quereriam converter-se, mas são absorvidos pelos negócios,
tem a alma invadida ou pela sedução da riqueza ou pela
corrupção da luxúria.
Quando São Paulo Apóstolo era prisioneiro
em Cesaréia, foi pelo procurador romano apresentado ao rei
Agripa e à sua real irmã Berenice. A grande sala das
audiências estava cheia de ilustres personalidades civis e
militares. O Apóstolo começou a falar com tanto ardor do
Filho de Deus morto por nós e ressurgido... da justiça e
da pureza que Ele exige para nos conduzir à salvação no
reino dos céus, que o rei, comovido, exclamou:
“Paulo,
tu quase me persuades a me fazer cristão”
(At 26, 28). Com o coração cheio de esperança,
São Paulo respondeu:
“A Deus provera
que não somente tu, mas todos os que hoje me escutam, vos
fizésseis cristãos como sou!”
(At 26, 29).
Mas nenhum deles se converteu. Todos tinham
o coração sufocado pelas solicitudes mundanas, a começar
pelo rei Agripa, que tinha no coração inomináveis paixões.
Por isso, a semente da Palavra de Deus não germinava
neles, mas era sufocada antes de dar frutos:
“O amor
às riquezas, a ânsia desordenada de influência ou de
poder, uma excessiva preocupação pelo bem-estar e pelo
conforto, são duros espinhos que impedem a união com Deus”
(Pe. Francisco Fernández Carvajal).
Jesus bondoso, que o “terreno”
do nosso coração esteja desapegado de tudo e de todos para
receber frutuosamente a semente... que não deixemos a
mesma ser sufocada dando-nos grande prejuízo na vida
espiritual:
“Qualquer apego voluntário, ainda que
mínimo, é laço que detém o homem no vôo para Deus e lhe
impede a perfeita união com ele”
(Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena).
VI.
O semeador espalha a sua semente aos quatro ventos:
“Outras
caíram em terra boa e produziram fruto, subindo e se
desenvolvendo, e uma produziu trinta, outra sessenta e
outra cem”
(Mc 4, 8).
Em Mc 4, 20 diz:
“Mas há as que
foram semeadas em terra boa: estes escutam a Palavra,
acolhem-na e dão fruto, um trinta, outro sessenta, outro
cem”.
Esse coração, figurado pelo terreno bom, é
aquele que escuta a Palavra de Deus, que a guarda no
coração e a faz frutificar.
Em Listres achava-se um homem impotente das
pernas, o qual nunca soubera caminhar. Mas estava a ouvir
com tanta fé e atenção os argumentos de São Paulo, que o
Apóstolo, olhando-o nos olhos, lhe disse:
“Levanta-te
direito sobre os pés”
(At 14, 10). E ele se levantou e caminhou.
Se
com esse ardor de fé e de boa vontade ouvíssemos sempre a
Palavra de Deus, também nós nos levantaríamos dos nossos
defeitos e dos hábitos pecaminosos e caminharíamos direito
pela trilha do Senhor.
O Pe. João Colombo escreve:
“O Evangelho
escuta-se de pé. Assim o quer a liturgia; mas deveis
compreender bem o significado de tal disposição. O
Evangelho escuta-se de pé para mostrarmos, com a atitude
da nossa pessoa o respeito e a fé na Palavra de Deus. O
Evangelho escuta-se de pé para nos mostrarmos na atitude
de quem, escutando ordens, está pronto a correr para
executá-las”.
Jesus amigo, que o nosso coração seja uma terra boa para
que a semente produza o máximo de frutos.
Se a semente é boa, o “terreno”
do nosso coração também deve ser bom; se a semente não
produzir nele o que deveria produzir, a culpa não é da
semente nem do semeador, mas sim, nossa... somente nossa:
“A terra é boa, o semeador o mesmo e as sementes as
mesmas; e no entanto, como é que uma deu cem, outra
sessenta e outra trinta? Aqui a diferença depende também
daquele que recebe, porque, mesmo onde a terra é boa, há
muita diferença entre uma parcela e outra. Pois ver que a
culpa não é do lavrador, nem da semente, mas da terra que
a recebe; e não é por causa da natureza, mas da disposição
da vontade”
(Santo
Agostinho).
Longe do nosso coração o caminho,
pedregulho, espinho... mas somente terra boa:
“A única coisa que nos importa é não sermos caminho, nem
pedregulho, nem espinhos, mas terra boa... O coração não
seja caminho onde o inimigo arrebate, como o pássaro, a
semente calcada pelos transeuntes; nem pedregoso onde a
pouca terra faça germinar imediatamente aquilo que o sol
queimará; nem carrascal de paixões humanas e cuidados da
vida”
(São João Crisóstomo).
Pe. Divino Antônio Lopes FP.
Anápolis, 03 de julho de 2011
Bibliografia
Sagrada Escritura
Pe.
Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina
São
João Crisóstomo, Comentário ao Evangelho de São Mateus
Santo Epifânio, Escritos
Pe.
João Colombo, Pensamentos sobre os Evangelhos e sobre as
festas do Senhor e dos Santos
Pe.
Francisco Fernández Carvajal, Falar com Deus
Santa Teresa de Jesus, Caminho de perfeição
São
João da Cruz, Subida do Monte Carmelo
Santo Agostinho, Sermão 101, 3
Vide também:
Parábola do
semeador
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Depois de autorizado, é preciso citar:
Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Eis que
o semeador saiu a semear”
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