DEUS QUIS FERI-LO

 (Is 53, 10)

 

“Mas Deus quis feri-lo, submetê-lo à enfermidade”.

 

 

I

A Sagrada Paixão de Nosso Senhor nos faz compreender as malícias do pecado

 

Os mundanos desprezam a doutrina sobre o pecado mortal e zombam abertamente daqueles que a pregam. Quanta cegueira!

Meditando a Sagrada Paixão de Nosso Senhor, compreendemos as malícias do pecado mortal.

Que faz aquele que comete pecado mortal? Injuria a Deus, desonra-O e, no que depende dele, cobre-O de amargura.

O pecado mortal não é uma brincadeira... mas sim, é uma ofensa grave que se faz a Deus: “A malícia de uma ofensa se mede pela pessoa que a recebe e pela pessoa que a comete” (Santo Tomás de Aquino).

A ofensa feita a um simples particular é sem dúvida um mal; mas constitui delito maior se é feita a uma pessoa de alta dignidade, e muito mais grave quando visa o rei. E quem é Deus? É o Rei dos reis. Deus é a Majestade infinita, perante o qual todos os príncipes da terra e todos os santos e anjos do céu são menos que um grão de areia.

Se perguntardes aos carrascos quem é a causa da crucifixão de Jesus Cristo, responder-vos-ão que é Pilatos; Pilatos acusará os judeus, estes lançarão a culpa aos príncipes dos sacerdotes, que a seu turno, atribui-la-ão a Satanás. Mas nem Satanás, nem os judeus, nem Pilatos, nem mesmo os carrascos cometeram esse atentado: nós, pecadores, é que somos os culpados pelos pecados que cometemos contra Deus: “Eu o feri por causa dos crimes do meu povo” (Is 53, 6), e: “... vós deveis desprezar e abominar o pecado mortal que ocasionou a morte do Filho de Deus. De fato, bem merece repreensão quem entrega o próprio corpo à maldade e à impureza” (Santa Catarina de Sena).

Ora, se eu visse cair do céu milhares de serafins, menos me admiraria do que ao ver a crucifixão de um Deus. A ruína de Sodoma e de Gomorra, o dilúvio em que pereceram quase todos os homens, a maldição fulminada contra Adão, causadora de tantos males que, há seis mil anos, desola a terra, todos esses acontecimentos célebres não me falam da malícia dos meus pecados, como a vista de um Deus agonizando sobre a cruz: “Ó Jesus, tão ferido, tão esmagado e condenado pelos nossos pecados! Ó Santa Face, fazei que aos olhos deste indigno pecador resplandeça um sinal de Vosso amor! Pequei, perdoai-me! Não me rejeiteis para longe de Vós” (São Bernardo de Claraval).

Descei ao inferno: Que vedes? Multidões inumeráveis de anjos caídos, milhões de almas imortais a gemerem sob os golpes terríveis de uma justiça inflexível. Nada neste mundo se aproxima da intensidade e duração dos seus suplícios; e tudo isso é pouco para castigar o pecado. Esse espetáculo, contudo, embora horroroso, não me assombra tanto como a vista de um Deus crucificado. No inferno, somente criaturas são atormentadas; na cruz é o próprio Filho de Deus quem sofre. Lá estão homens culpados; aqui, a inocência infinita vergada ao peso dos crimes alheios. Se assim se pune até o inocente que só tem a aparência do pecador, que será dos criminosos? E se o Deus do céu é tratado tão cruelmente por causa dos vermes da terra como nós, que castigo será o nosso, se tivermos de pagar eternamente a dívida total dos nossos pecados?  Choremos e gemamos ao pé do divino crucificado; misturemos as nossas lágrimas de arrependimento com o Sangue do Redentor agonizante.

“Jesus, dai-me dor sincera e profunda das ofensas que fiz a Vós que tanto me tendes amado. Que digo? Tenho pago os Vossos benefícios com ultrajes e ingratidões sem número. Arrependo-me de todo o coração e estou resolvido: 1.° A mortificar os meus sentidos e más inclinações; 2.° A meditar frequentemente a Vossa dolorosa paixão e a retemperar nela o meu fervor e a minha fidelidade ao Vosso amor” (Pe. Luis Bronchain).

 

II

A Sagrada Paixão de Nosso Senhor nos obriga a fugir do pecado

 

Um camponês, enquanto ceifava, cortou ao meio uma cobra. Satisfeito pela ação, toma na mão a parte da cabeça e mostra-a vitorioso aos companheiros. Aquela cabeça revoltada e cheia de veneno, morde a mão e o pobre homem morre da mordedura.

Católico, quantos na ceifa de uma boa confissão não cortam também a serpente do pecado! Mas, imprudentes, não sabem esmagar-lhe logo a cabeça desviando todas as ocasiões de nova queda, e acabam por serem vítimas da sua imprudência.

 

Se algum vil inseto ferisse de morte a um amigo nosso, a um parente ou pai ternamente amado, poderíamos suportá-lo muito tempo ante os nossos olhos, sem o esmagarmos com indignação? Os nossos pecados crucificaram e assassinaram do modo mais cruel a Cristo Jesus, Redentor e Deus, e nós poderíamos cessar um só instante de trabalhar para a sua destruição?

Se em nosso jardim houvesse uma planta tão venenosa que convertesse em veneno mortal todas as águas do oceano, com que pressa não iríamos arrancá-la! Os nossos pecados converteram em mar de justiça o mar das misericórdias divinas; as ondas da cólera divina submergiram o santo dos santos em angústias e tribulações, por haver tomado sobre si os nossos crimes; e nós não teríamos deles o mais profundo e eficaz horror? E não empregaríamos toda a nossa vida em destruir em nós, até às raízes, essas plantas deicidas que envenenaram a nossa alma e assassinaram o nosso Deus?

Senhor, estou absolutamente decidido a repelir com horror as sugestões de Satanás, as seduções do mundo e das minhas paixões. Colocado entre o bem supremo e a malícia do pecado, poderia eu ainda hesitar na escolha? Sou tão fraco, que só conto com a Vossa graça. Fazei que eu prefira mil vezes viver inocente convosco no sofrimento, a permanecer na culpa longe de Vós, no meio dos prazeres. Em vez de contribuir com minhas faltas para os Vossos opróbrios e dores, quero de agora em diante consolar-Vos por meu arrependimento e fidelidade: “Ó Jesus, cremos no amor, na  Vossa bondade! Cremos que sois nosso Salvador, que podeis o que a outros é impossível, irrealizável. Cremos que sois a luz, a verdade, a vida. Temos um único desejo: permanecer unidos a Vós e ser cristãos não só de nome, mas convictos, apóstolos, zelosos” (Paulo VI).

Fugirei com cuidado, não só do que Vos ofende, mas até do que possa desagradar-Vos. Para longe os pensamentos vãos, os sentimentos de aspereza, as palavras pouco caridosas... não mais dissipação, leviandade, distração na oração, negligência nos meus deveres de estado e no trabalho para a perfeição.

“Ó Jesus, desde já, quero ocupar-me Convosco, meditar a Vossa vida e a Vossa morte, habituar-me ao pensamento da dor, da humilhação, do sacrifício, a fim de conformar-me à Vossa doutrina e aos Vossos exemplos” (Pe. Luis Bronchain).

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 09 de março de 2009

 

 

Bibliografia

 

Bíblia Sagrada

Pe. Mateus Maria do Souto, Verdade e Luz

São Bernardo de Claraval, PL 184, 1323-1324

Paulo VI, Ensinamentos, v. 4, p. 1.023

Pe. Luis Bronchain, Meditações para todos os dias do ano

Santa Catarina de Sena, Cartas

Santo Afonso Maria de Ligório, Preparação para a morte

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Deus quis feri-lo”

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