MUITO SOFRI HOJE EM SONHO (Mt 27, 19)
“Não te envolvas com esse justo, porque muito sofri hoje em sonho por causa dele”.
São João Crisóstomo escreve: “Depois acrescenta outra razão que é suficiente para que todos desistissem de sua paixão: ‘E estando ele sentado em seu tribunal, sua mulher mandou dizer-lhe: Não te envolvas com esse justo’. Porque, além das provas que eram públicas, era de muito peso o que em sonhos havia visto” (Homilia de São Mateus, hom. 86, 1), e: “Deve observar-se que o tribunal é o assento dos juizes, o trono é dos reis e a cátedra é dos mestres; mas a mulher desse homem pagão compreendeu em visões e sonhos o que os judeus não quiseram crer e entender” (Rábano), e também: “Porém, por que Pilatos não teve o mesmo sonho? Porque somente sua esposa era digna, ou porque se Pilatos tivesse tido o sonho, tão pouco houvesse acreditado, ou talvez não o revelasse. Por isso, é disposição de Deus, o que vê a mulher, para que seja manifesto a todos. E não vê mais, senão que sofre muito. Segue-se: ‘Muito sofri hoje em sonho por causa dele’. Com isso, se propunha movê-lo a compaixão, para que sentisse como ela e desistisse da condenação a morte; porém o tempo apressava, pois naquela mesma noite havia tido um sonho” (São João Crisóstomo, Homilia de São Mateus, hom. 86, 1).
O Pe. Luis de la Palma comenta esse trecho. Pouco antes de Pilatos dar a sentença, chegou um recado de sua mulher: “Nada faças a esse justo. Fui atormentada por um sonho que lhe diz respeito” (Mt 27, 19). Se foi um sonho natural ou providencial, nada diz o Evangelista. Os Santos Padres opinam que essa visão foi para ajudar a boa vontade do juiz. Talvez tivesse visto o trágico fim de seu marido, a destruição de Israel e mesmo a revelação de que Jesus era Filho de Deus. Pedia para que Pilatos não tomasse parte na condenação deste justo, pois tinha sofrido muito com a visão. Não contou detalhes, pois não acreditariam e os judeus teriam como um absurdo. Mas é certo que teve um sonho, que a fez sofrer muito e não pode ficar indiferente; mesmo com medo, mandou avisar seu marido, tentando forçá-lo a compadecer-se daquele justo. Por respeito, Pilatos enviou-lhe outro recado como resposta, e assim todos ficaram sabendo que sua esposa também intercedeu a favor de Jesus de Nazaré. Este seria outro importante testemunho da inocência do Senhor. Alguns têm opinião que foi o demônio que a moveu em sonhos, para atrapalhar a Redenção. Mas não parece lógico que o maligno incitasse os judeus de um lado para matá-lO, e de outro, movesse uma mulher para salvá-lO. Para que o poder do reino das trevas continuasse pelo mundo, seria mais fácil impedir a morte do Senhor, mudando os ânimos dos sacerdotes e do povo, para que pedissem a liberdade para Jesus. Com os pontífices desistindo das acusações, também o governador não tinha nenhum interesse em continuar aquela sentença. Uma tradição muito antiga assegura que a mulher de Pilatos se chamava Cláudia Prócula, tinha simpatia pelo judaísmo, embora conservasse os costumes romanos; depois da morte de Jesus se tornou cristã. A Igreja Ortodoxa grega a inclui entre os seus santos: “Uma tradição afirmada já em alguns evangelhos apócrifos do século IV chama a esta mulher Cláudia Prócula e afirma que era simpatizante do judaísmo. Se diz também que mais tarde se fez cristã, e, efetivamente, a Igreja grega a venera como santa. De qualquer modo que se explique o seu sonho, ela reconheceu que Jesus era inocente, e roga a seu marido que não o condene” (Pe. Juan Leal), e: “São Mateus é o único que conta a cena do aviso que a mulher de Pilatos lhe envia para que não se comprometa com a condenação desse justo, pois ela padeceu muito em sonho naquela noite por causa d’Ele. Os sonhos tinham na antiguidade importância e superstição. Sobretudo para um romano, pesava o sonho de Calpurnia, a mulher de César, por haver sonhado com ele, na véspera de sua morte, banhado de sangue, não queria deixá-lo sair de casa (Apiano, Bell. Civ. II 115). Não é exagero pensar numa graça sobrenatural enviada a Pilatos, proclamando a inocência de Cristo. Pois a hora da redenção estava próxima. Tudo se pode explicar bem naturalmente. A mulher do procurador de Roma havia ouvido falar de Cristo, de seus milagres, e provavelmente, naquela noite os serviços secretos de Pilatos deviam ter passado informações sobre Cristo, sobre o que tramavam contra Ele. Mulher sensível e justa – simpatizante do judaísmo (Tischendorf, Pilati circa Christum iudicio quid lucis afferatur ex actis Pilati – 1855, p. 16ss.) manifesta naquela hora trágica seu sentimento sobre aquele justo, para evitar que seu marido O condene” (Pe. Manuel de Tuya).
O Pe. Juan de Maldonado comenta esse trecho de São Mateus. Sentado no tribunal. – Ou seja, na ocasião oportuníssima, estando já para ditar a sentença, para que se visse que sucedia por divina disposição e não por acaso. Tal conhecimento moveu a Mateus a contar este episódio. Sua mulher mandou dizer-lhe: “Não te envolvas com esse justo”.- Ou seja, não O condene. Chama Cristo de justo por haver ouvido chamar assim vulgarmente ou pelo aviso recebido em sonhos. E acrescenta esta palavra à mensagem para persuadir mais a seu marido a que, por religião ou por medo, desistisse do negócio. “Fui atormentada por um sonho que lhe diz respeito”. Ou seja, sonhei muito, e esse sonho deixou-me angustiada e preocupada. O que ela sonhou não disse o evangelista e seria ousadia o intérprete querer adivinhar. Somente podemos reunir da mensagem enviada a seu marido, que havia conhecido pelo sonho que Cristo era inocente e Filho de Deus, e havia previsto o mal que com sua morte atrairia sobre Jerusalém; e temia que seu marido fosse o autor moral daquela injustiça. Debatem alguns sobre a natureza do sonho. Existem quatro gêneros de sonhos, segundo os que escrevem sobre essas coisas: uns naturais; nascidos da compleição e natureza do corpo, temperamento...; outros, que nascem das afeições, pensamentos, ações e costumes; por isso, sonhamos com aquilo que pensamos, desejamos ou fazemos com muita frequência. Com razão, pois, Platão diz que são distintos os sonhos do filósofo e do sábio com o dos demais homens. Existem sonhos divinos, porque Deus os dá por meio dos anjos ou sem eles, dos quais encontramos exemplos na Sagrada Escritura; e diabólicos, porque os inspira o diabo, como são a maior parte dos obscenos, segundo se crê vulgarmente. Que o sonho desta mulher fora natural, ninguém disse; nem se pode afirmar com probabilidade; que fora moral, afirmam ou não negam alguns, como se a mulher tivesse sonhado com Cristo aquela noite, porque sabia da agitação entre os judeus. Opinião não vulgar, mas antiga, é que Inácio e Beda comentando esta passagem, dizem que o sonho foi diabólico. Satanás começou a pressentir a divindade de Cristo e o mistério de sua morte, pela qual ia ficar livre de suas garras o gênero humano, e assim tratou de impedir o deicídio por meio daquela mulher. Esta explicação, a meu juízo, apesar de seus bons autores, não me parece provável, porque o demônio já conhecia a divindade de Cristo. E se o demônio se propunha estorvar a morte de Cristo, por que não se enfiou nos ânimos dos judeus que eram os autores da tragédia, ao invés de inquietar àquela pobre mulher estrangeira, sabendo, além disso, que coisas de mulheres, ainda sendo verdadeiras revelações, se tomam por sonhos? Por conseguinte, o que agora nos ocupa foi de Deus, como pensam Orígenes, Hilário, Leão, Crisóstomo, Jerônimo, Eutímio e Teofilacto. Perguntam alguns porque o Senhor não permitiu que Pilatos tivesse tal sonho. Duas razões dão Crisóstomo, Teofilacto e Eutímio: uma, ser o presidente indigno de que Deus lhe fizesse revelações; outra, porque os judeus não acreditariam, como suspeito e corrompido juiz que fingia sonhar para soltar a Cristo. Segundo Orígenes, esta mulher se salvou pelo sonho que teve referente a Cristo; e o mesmo diz Crisóstomo e Teofilacto.
Pe. Divino Antônio Lopes FP. Anápolis, 30 de setembro de 2009
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