NÃO SABEM O QUE FAZEM

(Lc 23, 34)

 

“Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem”.

 

Ao ouvir esta palavra admirável, cheia de doçura, cheia de amor e de imperturbável serenidade: Pai, perdoa-lhes! (Lc 23, 34), quem não abraçaria logo com todo o afeto os seus inimigos? Pai, perdoa-lhes!, disse Jesus. Poderá haver oração que exprima maior mansidão e caridade?

Entretanto, Jesus não se contentou em pedir, quis ainda desculpar, e acrescentou: Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem (Lc 23, 34). São, na verdade, grandes pecadores, mas não sabem avaliar a gravidade de seu pecado. Por isso, Pai, perdoa-lhes! Crucificaram-me, mas não sabem a quem crucificaram, porque, se soubessem, não teriam crucificado o Senhor da glória (1 Cor 2, 8). Por isso, Pai, perdoa-lhes! Julgaram-me um transgressor da lei, um usurpador da divindade, um sedutor do povo. Ocultei-lhes a minha face, não reconheceram a minha majestade. Por isso, Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!

José A. Marques comenta: “Jesus dirige-se ao Pai em tom de súplica (cfr Hb 5, 7). Podemos distinguir duas partes na oração do Senhor: a petição simples: ‘Pai, perdoa-lhes’, e a desculpa acrescenta: ‘porque não sabem o que fazem’. Em ambas nos mostra com quem cumpre o que prega (cfr At 1, 1) e como modelo a imitar. Tinha pregado o dever de perdoar as ofensas (cfr Mt 6, 12-15; 18, 21-35) e ainda de amar os inimigos (cfr Mt 5, 44-45; Rm 12, 14.20), porque tinha vindo a este mundo para se oferecer como Vítima ‘para remissão dos pecados’ (Mt 26, 28; cfr Ef 1, 7; Cl 1, 4) e alcançar para nós o perdão. Surpreendem à primeira vista as desculpas com que Jesus acompanha a petição de perdão: ‘Porque não sabem o que fazem’. São palavras do amor, da misericórdia e da justiça perfeita que apreciam até ao máximo as atenuantes dos nossos pecados. Não há dúvida que os responsáveis diretos tinham consciência clara de que estavam a condenar um inocente, cometendo um homicídio; mas não entendiam, naqueles momentos de paixão, que estavam a cometeu um deicídio. Neste sentido São Pedro diz aos Judeus, estimulando-os ao arrependimento, que agiram, ‘por ignorância’ (At 3, 17), e São Paulo acrescenta que se tivessem conhecido a sabedoria divina ‘não teriam crucificado o Senhor da Glória’ (1 Cor 2, 8). Nesta advertência se apóia Jesus, misericordioso, para os desculpar. Em toda a ação pecaminosa o homem tem zonas mais ou menos extensas de obscuridade, de paixão, de obcecação que, sem anular a sua liberdade e responsabilidade, tornam possível que se execute a ação má atraído pelos aspectos enganosamente bons que apresenta. E isto constitui uma atenuante no mal que fazemos. Cristo ensina-nos a perdoar e a buscar desculpas para os nossos ofensores, e assim abrir-lhes a porta para a esperança do perdão e do arrependimento, deixando a Deus o juízo definitivo dos homens”. Pede perdão para todos, que direta e indiretamente concorreram para o seu martírio; perdão para os Sumos Sacerdotes, perdão para o povo judeu, perdão para os que O trataram tão barbaramente. Apela para o amor de seu Pai; pede como Filho; oferece em satisfação sua obediência até a morte, suas chagas e todas as suas dores. Longe de condená-los e sobre eles chamar a vingança do céu, toma a ignorância dos seus algozes por motivo de perdão que implora, embora nos judeus a ignorância fosse    culposa e como tal a tivesse estigmatizado.

O Pe. Luis de La Palma escreve: “Jesus aproveitou o agradecimento do Pai  pela sua obediência e intercedeu por nós. Por todos, pelos justos e pelos  pecadores; por aqueles que ainda não o conhecem e pelos que estavam presentes na crucifixão; pelos que tinham compaixão e pelos que traziam um ódio implacável em sua perseguição. O Senhor procurava a salvação daqueles que lhe tiravam a vida; rogava a Deus por eles, e para que ninguém ficasse excluído do mérito de seu sacrifício. Assim é o Pontífice que nos convinha (Hb 7, 26), que fosse santo e o seu amor pudesse abarcar até os inimigos. Apesar de todo o sofrimento, a perdição dos pecadores lhe aumentava a dor, esquecendo-se de si mesmo, não pedia alívio para sua dor, mas perdão para os nossos pecados. Eles aumentavam os insultos, Jesus aumentava suas orações. Não te deixes vencer pelo mal, mas triunfa do mal com o bem (Rm 12, 21). Pediu muitas vezes ao Pai, pois o evangelista querendo indicar mais de uma vez, narra que ‘dizia’ estas palavras: ‘Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem’ (Lc 23, 34). É admirável que tivesse ficado em silêncio por tanto tempo no julgamento e durante sua Paixão, e agora intercedesse para defender os seus algozes. Este nosso advogado apresentou ao Pai todos os motivos que pudessem obter o nosso perdão; alegou a nossa ignorância e os seus próprios méritos a nosso favor. Pai, eu sou teu Filho e sei que me ama; olha o amor que tenho e como te obedeci; só pelo teu amor estou aqui na cruz. Não me negue o que te peço, sou teu Filho e valho-me disso para pedir que os perdoe a todos. Seria justo castigá-los, mas eu os absolvo e peço que faça o mesmo. Tenho por eles um amor de irmão e o Senhor um amor de Pai. O sangue que derramei foi por eles; chegou o tempo da entrega na cruz, mas também chegou o tempo do perdão e da misericórdia. Perdoa-lhes, Pai; a responsabilidade é grande, mas fazem por ignorância, foram enganados e não percebem a gravidade. Os seus líderes ficaram cegos diante da Luz, não quiseram conhecer a Verdade, confundiram o povo. Eles não percebem que      realmente sou teu Filho; suplico-Te que veja desta forma: eles não me matam, sou eu que morro por eles. ‘Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem’. No coração, Jesus pedia o mesmo para sua Mãe. Escutando a prece de seu Filho, sua alma ficou iluminada pela força do sentido desta oração. Atendendo a este rogo, com toda a força do Espírito Santo, abraçou todos aqueles pecadores em seu coração. Uniu sua oração com a de Jesus e intercedeu ao Pai que perdoasse os perseguidores de seu Filho. Com estes mediadores, muitos que estavam presentes se converteram. Logo após a Ascensão de Jesus, elevou-se a mais ou   menos três mil o número de adeptos (At 2, 41)”, e: “Pai! É a primeira palavra. Jesus diz ‘Pai’, como na ressurreição de Lázaro: ‘Pai, dou-Te graças porque me ouviste. Eu bem sabia que sempre me ouves’ (Jo 2, 42)... ‘Pai, perdoa-lhes...’ Não   é a sua dor que o preocupa; é o nosso pecado: antes de tudo, a ferida, a ofensa que faz a Deus; depois, o dano que nos faz... ‘Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. Sabem e não sabem. Algo sabem, se é que há pecado. E não   sabem tudo, o que é um título para o perdão. No entanto é desigual a responsabilidade” (Charles Journet), e também: “Não obstante, a sua ignorância não os impedia de serem criminosos, pois era de certo modo afetada. Viam, com efeito, sinais evidentes da divindade de Cristo, mas pelo ódio e inveja, deformavam-nos; de modo que não quiseram crer nas palavras de Jesus, com que se declarava Filho de Deus. Por isso Cristo disse deles: ‘Se eu não tivesse vindo e não lhes tivesse falado, não teriam culpa, mas agora não têm desculpa do seu pecado’ (Jo 15, 22). Mas, os pequenos (minores), a gente do povo (populares), que não estavam instruídos nos mistérios da Escritura, não conheceram plenamente  nem que era o Messias nem que era o Filho de Deus. Certamente muitos acreditaram nele, mas a maior parte não acreditou. Em certas ocasiões, ante a quantidade de milagres e a grandeza da sua doutrina, chegaram mesmo a perguntar-lhe se era o Cristo, como se vê no capítulo sétimo de São João; mas em seguida foram mal aconselhados pelos seus chefes e não compreenderam nem que era o Filho de Deus nem que era o Messias. Daí, as palavras de São Pedro no seu segundo discurso: ‘Sei que procedestes por ignorância’ (At 3, 17)” (Santo Tomás de Aquino).

A oliva triturada dá o seu azeite; da uva esmagada escorre o doce vinho e o bálsamo destila suave perfume. Assim a dor atroz. Assim, a maldade  dos inimigos do Divino Coração não conseguiram espremer senão esta magnífica oração: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem”.  Para nós luminoso exemplo de como nos havemos de haver com os nossos inimigos e perseguidores. Todos os que têm o espírito de Jesus Cristo sempre agiram assim: “E  apedrejaram a Estevão, enquanto este invocava e dizia: ‘Senhor Jesus, recebe meu espírito’. Depois, caindo de joelhos, gritou em voz alta: ‘Senhor, não lhes leves em conta este pecado”  (At 7, 59-60).

Repare como Jesus Cristo não tinha membro de que dispor a nosso favor, senão a língua. Ele não podia ajoelhar, nem ajuntar as mãos, porque estavam presas na cruz, só tinha a língua, e esta tão seca e amargurada; todavia a emprega a nosso favor. Ele nos tinha ensinado que se alguém fosse oferecer algum sacrifício, tendo alguma indisposição contra seu próximo, fosse primeiro se reconciliar; por isso, vendo o ódio mortal que os judeus tinham contra Ele, tratou de reconciliá-los com o Pai Eterno, tratou de lhes alcançar o perdão, e não podendo sair da cruz onde estava pregado, a fim de nos ensinar com o exemplo a doutrina que nos  tinha pregado, cumpriu este preceito do melhor modo que lhe era possível, rogando instantemente a seu Pai que perdoasse a seus inimigos. Eis o modo com que Jesus vingou tantos insultos, bofetadas, pontapés, escárnios, irrisões, açoites e todas as demais injúrias!

Muitos são aqueles que se atrevem a receber a Santíssima Eucaristia com indisposições, ódios, inimizades... É preciso imitar a Cristo Jesus.

Tal excesso de caridade não teve exemplos nos séculos passados. O Patriarca Noé, escarnecido por seu filho, lança sobre ele a maldição do Senhor; o Profeta Elias, insultado pelos oficiais e soldados, obtém do céu um fogo exterminador; Eliseu, chasqueado por uma multidão de meninos foi vingado por dois ursos que devoraram a muitos meninos... Entretanto, estas e outras injúrias nenhuma proporção tinham com as injúrias que recebeu Jesus, todavia, não só não chama castigos, mas até dissimula... não só dissimula, mas até pede perdão...

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 28 de fevereiro de 2015

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Bem-aventurado Elredo, Abade, Do “Espelho da Caridade”

José A. Marques, Edições Theologica

Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica

Pe. Luis de La Palma, A Paixão do Senhor

Charles Journet, Escritos

 

 

 

 

Este texto não pode ser reproduzido sob nenhuma forma; por fotocópia ou outro meio qualquer sem autorização por escrito do autor Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Depois de autorizado, é preciso citar:

Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Não sabem o que fazem”.

www.filhosdapaixao.org.br/escritos/comentarios/quaresma/comentario_quaresma_014.htm