O VÉU SE RASGOU

(Mt 27, 51)

 

“Nisso, o véu do Santuário se rasgou em duas partes, de cima a baixo”.

 

Considera, logo que Jesus Cristo morreu na cruz, a escuridão cobriu o Calvário... e foram verificados outros milagres ordenados por Deus para manifestar a glória do que morria, e a maldade daquele povo que O crucificara... e para expressar os admiráveis efeitos que se seguiriam de sua morte. O primeiro desses milagres foi que o VÉU do templo que ocultava o santuário dos olhares dos homens, por si só se dividiu em duas partes de alto a baixo. Pondera as causas desta divisão milagrosa, que foram duas principalmente. UMA, porque, assim como o sumo sacerdote Caifás, quando ouviu Jesus Cristo dizer que era Filho de Deus, horrorizado por julgar ser uma blasfêmia, rasgou suas vestes em sinal de dor; assim o mesmo Deus rasgou o VÉU do seu templo em sinal de dor pela blasfêmia diabólica e o sacrilégio horrendo que havia cometido aquele povo ingrato, injuriando e crucificando ao seu Filho. Com o qual nos ensina que devemos rasgar o nosso coração com aflição e dor, ao considerar que por causa dos nossos pecados Jesus Cristo teve que padecer. SEGUNDA causa, foi para expressar que pela morte de Jesus Cristo se abriu caminho para conhecer os segredos e mistérios de Deus que antes estavam ocultos; parte pelo véu das sombras e figuras da velha lei que faziam divisão entre nós e Deus.

O Pe. Manuel de Tuya escreve: Rasgou o véu do templo. São Lucas narra ANTES da morte de Jesus; São Mateus e São Marcos, DEPOIS da morte de Nosso Senhor. O templo tinha dois riquíssimos véus “em artístico tecido da Babilônia”. Um separava o átrio dos sacerdotes do sancta, chamado masak; e outro que separava o sancta do sancta sanctorum, chamado paroketh. Os Evangelhos não dizem a qual véu se refere. Pensa que é o véu interior, para indicar que “o santo” ficava aberto aos olhos de todos, fato profano. Outros pensam no véu externo, que era o que podia ser visto por mais pessoas. Mas está claro que o significado é o mesmo.

Santo Afonso Maria de Ligório comenta: Diz ainda o Evangelho de São Mateus: Eis que o véu do templo se rasgou de alto a baixo em duas partes (Mt 27,51). O Apóstolo escreve que havia uma cortina tanto no tabernáculo como no templo, onde estava o santo dos santos com a arca do testamento, que continha o maná, a vara de Aarão, as tábuas da lei, e esta parte era o propiciatório. No primeiro tabernáculo, que estava diante do Santo dos santos, oculto pelo primeiro véu ou cortina, entravam somente os sacerdotes para os seus sacrifícios. O sacerdote que aí sacrificava, mergulhando o dedo no sangue da vítima oferecida, com ele aspergia sete vezes a cortina. No segundo tabernáculo do Santo dos santos que estava sempre fechado e oculto com o segundo véu, entrava somente o sumo sacerdote e uma só vez no ano levando o sangue da vítima, que oferecia por si mesmo. Tudo era mistério: o santuário sempre fechado significava a exclusão dos homens da graça divina, que não receberiam mais senão por meio do grande sacrifício que Jesus Cristo deveria um dia oferecer pessoalmente, já figurado por todos os sacrifícios antigos e por isso chamado por São Paulo, pontífice dos bens futuros. Este, por um tabernáculo mais perfeito, a saber, seu corpo sacrossanto, deveria entrar no Santo dos santos da presença divina, como mediador entre Deus e os homens, oferecendo o sangue não já dos touros e bodes, mas o seu próprio sangue, com o qual deveria consumar a obra da redenção humana e assim abrir-nos o ingresso no céu.

Ouçamos, porém, as próprias palavras do Apóstolo: Mas Cristo, estando já presente, pontífice dos bens vindouros, por outro mais perfeito e excelente tabernáculo, não feito por mão de homem, isto é, não desta criação, nem pelo sangue de bodes ou de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou uma vez no santuário, havendo achado uma redenção eterna (Hb 9,11-12). Aí se diz: pontífice dos bens vindouros, para distinção dos pontífices de Aarão, que impetravam bens presentes e terrenos. Jesus Cristo havia de obter-nos bens futuros que são os celestes e eternos. Diz-se: por outro mais perfeito e excelente tabernáculo, que foi a santa humanidade do Salvador, tabernáculo do Verbo divino; não feito por mão de homem, porque o corpo de Jesus não foi formado por obra do homem, mas do Espírito Santo. Diz-se: nem pelo sangue de bodes ou de bezerros, mas por seu próprio sangue, porque o sangue de bodes e dos touros obtinha somente a purificação de carne, enquanto que o sangue de Jesus obtém a purificação da alma com a remissão dos pecados. Diz-se: entrou uma vez no santuário, havendo achado uma redenção eterna. Esta palavra, achou, significa que tal redenção não podia ser por nós nem pretendida nem esperada antes das promessas divinas, sendo unicamente um invento da bondade de Deus. Diz-se: eterna, porque o sumo sacerdote dos hebreus só uma vez no ano entrava no santuário; Jesus Cristo, consumando uma só vez o sacrifício com sua morte, mereceu-nos uma redenção eterna, que será suficiente para sempre para expiar todos os nossos pecados, conforme escreve o mesmo Apóstolo: Com uma só oferenda fez perfeitos para sempre os que tem santificado (Hb 10,14). E o Apóstolo ajunta: E por isso é o mediador do Novo Testamento (Hb 9,15). Moisés foi o mediador do Antigo Testamento, isto é, da antiga aliança, a qual não tinha o poder de obter aos homens a reconciliação com Deus e a salvação, pois, como explica São Paulo em outro lugar, a antiga lei nenhuma coisa levou à perfeição (Hb 7,19). Jesus Cristo, porém, na nova aliança satisfazendo plenamente a justiça divina pelos pecados dos homens, obteve-lhes o perdão por seus merecimentos, assim como a graça divina. Os judeus achavam ser uma ofensa pensar que o Messias, por uma morte tão vergonhosa, haveria de operar a redenção dos homens, afirmando ser declaração da lei que o Messias não devia morrer, antes viver sempre: Ouvimos da lei que o Cristo permanece para sempre (Jo 12,34). Erravam, porém, porque a morte foi o meio pelo qual Jesus se tornou mediador e Salvador dos homens, pois que, pela morte de Jesus, foi feita a promessa da herança eterna aos que são a ela predestinados. E por isso é mediador de um Novo Testamento, para que, intervindo a morte para expiação daquelas prevaricações que havia debaixo do primeiro testamento, recebam a promessa da herança eterna os que têm sido chamados (Hb 9,15). São Paulo, por essa razão, nos anima a colocar todas as nossas esperanças nos merecimentos da morte de Jesus Cristo: Portanto, irmãos, tende confiança de entrar no santuário pelo sangue de Cristo, seguindo este caminho novo e de vida que nos consagrou primeiro pelo véu, isto é, pela sua carne (Hb 10,19-20). Nós temos um forte motivo de esperar a vida eterna pelo sangue de Jesus, que nos abriu caminho para o paraíso. Chama-se novo porque não fora trilhado por nenhum outro, mas Jesus, trilhando-o, no-lo abriu por meio de sua carne sacrificada na cruz, da qual o véu foi figura. São João Crisóstomo escreve que, assim como pela ruptura do véu, na paixão do Senhor, ficou aberto o Santo dos santos, do mesmo modo a carne de Jesus dilacerada na paixão abriu-nos o céu que nos estava fechado. E assim exorta-nos o mesmo Apóstolo a nos aproximarmos com confiança do trono da graça para receber misericórdia divina: Cheguemo-nos, pois, confiadamente ao trono da graça, a fim de alcançar misericórdia e de achar graça em tempo oportuno (Hb 4,16). Este trono de graça é justamente Jesus Cristo, em quem, se recorrermos nós, míseros pecadores, no meio de tantos perigos de perdição em que nos achamos, encontraremos aquela misericórdia que não merecíamos.

O Pe. Luis de La Palma ensina: O primeiro lugar que sentiu a morte do Senhor foi o santuário. O templo, celebrado no mundo inteiro, por sua magnitude; onde Deus havia escolhido para morar, ali o véu rasgou-se de alto a baixo. No templo havia um lugar chamado Santo, e outro mais escondido que levava o nome de Santo dos Santos. O átrio do local Santo dividia-se com um véu pendurado do alto até embaixo; com um segundo véu, separava-se o Santo dos Santos. No lugar santo estava a mesa dos pães da proposição, o altar dos sacrifícios e o candelabro de sete braços. No Santo dos Santos estava o incensário de ouro e a arca do testamento, toda em ouro também. Na arca havia uma urna de ouro, contendo o maná, a vara de Aarão e as tábuas da lei, que Moisés recebeu de Deus. Em cima da arca, tinha dois querubins de ouro, um de frente para o outro, que com suas asas, cobriam a mesa dos pães da proposição. O templo foi construído, de forma que, pelo átrio se entrava no lugar Santo, e dali se chegava ao Santo dos Santos. O átrio era um lugar comum a todos; no santo, só podiam entrar os sacerdotes para oferecer os sacrifícios do dia; e no Santo dos Santos, somente o sumo sacerdote podia entrar, e apenas uma vez no ano para oferecer o sangue do sacrifício, derramando-o pela sua culpa e pelas culpas do povo. Este rompimento do véu foi o maior sinal ocorrido, maior que o eclipse, o tremor de terra e as pedras rachadas.

O Pe. Juan de Maldonado comenta: Alguns escritores comentam que havia terminado a paixão de Cristo; pois a carne do Salvador é representada pelo véu do templo, e a ruptura do véu manifesta a separação da carne e da alma santíssima de Jesus (São Cirilo de Jerusalém e Teodoreto). Outros dizem que o véu era como a veste do templo; e assim como os judeus em suas dores rasgavam as vestes, assim o tempo, morrendo Jesus Cristo, rasgava as suas com dor (Eutimio). E Sedulio diz: Aquele templo triunfador, vendo por terra a grandeza do outro templo maior, à maneira do filho choroso, rasgou seu véu e descobriu o peito ferido.

Outros acreditaram que significa aqui a divisão e a esmagadura em mil partes do povo judeu (Santo Hilário); e outros, que aquele templo, até então tido por santo, seria então profanado (Teofilacto); outros, finalmente, que se havia aberto “o caminho dos santos”, como disse São Paulo (Hb 9, 8); isto é, que estaria aberta a porta do céu de agora para frente, que até na morte de Cristo permanecia fechada, e já podiam entrar todos os que quisessem. Pois, o véu do templo não tinha outra razão de ser, que impedir que entrassem no santo dos santos, fora o sumo sacerdote, e isto uma vez por ano e não sem sangue; figura claríssima de que é o céu, como disse São Paulo em Hebreus 9, 24-25.

 

ORAÇÃO: Ó meu Salvador! Rompeu em mim este véu que me impedia conhecer-Lhe. Dai-me luz divina com que penetre vossos mistérios, e descobri para mim os tesouros dos vossos segredos celestiais no grau que me convém para servi-lO com perfeição. Quando, Senhor, destruirá em mim o véu dos meus pecados e paixões que me cegam? Quando rasgará o meu coração de dor, por dar-Lhe tanto desgosto? Amém!

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 6 de março de 2015

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Ramón Genover, Meditações Espirituais para todo o ano

Pe. Manuel de Tuya, Bíblia Comentada

Josefo, BI V 5, 45

Bonsirven, Textes rabbiniques... n. 969

Pelletier, La tradition synoptique du “Voile déchiré” á la lumière des réalités archéologiques: Rev. Sc. Relig. (1958)

Santo Afonso Maria de Ligório, A Paixão do Senhor

Pe. Luis de La Palma, A Paixão do Senhor

Pe. Juan de Maldonado, Comentário de São Mateus

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “O véu se rasgou”.

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