ENTREGO O MEU
ESPÍRITO
(Lc 23, 46)
“Pai, em tuas
mãos entrego o meu espírito”.
Pai, em tuas
mãos entrego o meu espírito.
Cada palavra tem particular mistério.
PRIMEIRO: Chama-O de PAI em
sinal de AMOR e CONFIANÇA, a
qual é muito necessária na hora da morte para que Deus faça
conosco o ofício de PAI, amparando-nos
e defendendo-nos com sua proteção, e
admitindo-nos na herança que tem prometida aos seus
filhos; mas para isso é necessário que em vida façamos com
Ele o ofício de bons filhos, amando-O, honrando-O
e servindo-O como tal PAI merece
e como Jesus Cristo nos ensinou. SEGUNDO:
ENCOMENDA seu ESPÍRITO NAS MÃOS
do PAI para significar que nas mãos de tal
PAI, e não em outras, pode estar seguro
e protegido. Estas mãos criaram nosso
espírito, e nelas nos tem escritos para não se esquecer de
nós. Em suas mãos estão nossas sortes, porque
delas depende a ditosa sorte da nossa salvação.
TERCEIRO: Disse que lhe ENCOMENDA
seu ESPÍRITO; não disse sua FAZENDA,
porque não possui, não disse HONRA, porque não
lhe dá importância; não disse CORPO, porque
não é o que mais estima; mas sim, seu ESPÍRITO,
que é o principal do homem, de cuja boa sorte depende os
demais; ensinando-nos com isso o cuidado que devemos
ter na hora da morte de encomendar a Deus a nossa alma,
deixando à providência o que toca ao corpo; porque se
o nosso espírito estiver nas mãos de Deus, isso basta para
nos salvar. Jesus Cristo encomendou também ao
PAI o espírito de todos os escolhidos.
Exclamando em alta
voz, elevado o olhar ao céu, com expressão de
confiança filial e de completa conformidade, disse:
“Pai, em tuas mãos encomendo o meu
espírito!” Esta exclamação do Salvador
contém para nós o ensinamento de aceitarmos a morte com
oração, com os sentimentos de amor, de dedicação irrestrita
e de confiança incondicional. Jesus reconhece no Pai
o autor, a origem de todas as coisas, o Senhor da vida e da
morte. Nas mãos do Pai, de quem a recebeu, entrega a
sua alma. Mais: podia parecer dura a maneira de que
o mesmo Pai O tinha abandonado na sua agonia. Mas este gesto
de inexorável justiça não conseguira diminuir o seu amor
filial. “Tu
és o que me tiraste do ventre materno, és a minha esperança
desde os peitos de minha mãe. Tu és o meu Deus desde o
ventre materno” (Sl 21, 10-11).
“Ainda que
me mate, nele porei a minha esperança” (Jó
13, 15). Chama-O de Pai, e agora,
prestes a entregar sua alma, não sabe a quem confiadamente
se dirigir, senão ao Pai celestial. O que de mais precioso
possui ao deixar esta vida, é ao Pai que o confia:
sua alma.
Assim se avizinhou a morte, a morte, a mais
dura das provações, a morte que constitui para a
natureza dos sacrifícios o maior e mais doloroso; a morte; a
humilhação máxima, que quais criminosos cúmplices
desapiedadamente separam corpo e alma; a morte, o combate
último e desesperado, em que a vida, sitiada e rebatida de
todos os lados opõe a última resistência; a morte, a dor
mais profunda, cujo amor que às vezes se revela numa última
lágrima que se desprende dos olhos, ou numa contração
dolorosa e característica nas comissuras dos lábios; a
morte, o triste fruto do pecado, que com seu cetro
aniquilador acena a todos os descendentes de Adão e os
converte em pó; esta morte se aproximou de Jesus.
Teria ela poder sobre o Santíssimo, sobre o autor de toda a
vida; obrigá-lO a se sujeitar ao seu império duro e
tenebroso? Assim aconteceu, porque Ele mesmo assim o quis.
Santo Afonso Maria de Ligório comenta:
Escreve Eutíquio que Jesus proferiu estas palavras com
grande
voz, para dar a entender que ele era verdadeiramente o Filho
de
Deus, chamando a Deus seu Pai. São Jerônimo escreve que ele
deu
este grande brado para demonstrar que não morria por
necessidade,
mas por própria vontade, emitindo um brado tão forte no
momento
mesmo em que estava para expirar. Isso combina com o que
disse
Jesus em vida, que ele de livre vontade sacrificava sua vida
por nós, suas ovelhas, e não pela vontade ou malícia de seus
inimigos. Eu ponho minha alma por minhas ovelhas...
ninguém ma pode tirar, eu mesmo a entrego de livre querer.
Santo Atanásio ajunta que Jesus, recomendando-se ao Pai,
recomendou-lhe justamente todos os fiéis que por seu
intermédio deveriam receber a salvação, já que a cabeça com
seus membros constituem um só corpo. E o santo conclui que
Jesus então tinha em mente
repetir o pedido feito antes: Pai santo, conserva-os em
teu nome, para que sejam um como nós, e termina: Pai,
os que me destes quero que onde eu estiver estejam comigo.
Isto leva São Paulo a dizer: Sei em quem eu pus minha fé
e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu
depósito para aquele dia. Assim escrevia o Apóstolo
quando se achava no cárcere padecendo por Jesus Cristo, e
cujas mãos confiava o depósito de seus sofrimentos e de
todas as suas esperanças, sabendo quanto ele é grato e fiel
àqueles que padecem por seu amor. Davi punha toda a sua
esperança no futuro Redentor, dizendo: Em vossas mãos,
Senhor, entrego o meu espírito; pois vós me remistes, Senhor
Deus da verdade. Quanto mais nós devemos confiar em
Jesus
Cristo que já realizou a nossa redenção! Digamos-lhe, pois,
com grande confiança: Vós me remistes, Senhor, por isso
em vossas mãos encomendo o meu espírito. Pai, em
vossas mãos eu entrego o meu espírito. Grande esforço
trazem estas palavras aos moribundos contra as tentações do
inferno e temores dos pecados cometidos.
O Pe. Juan
de Maldonado ensina:
Encomenda, pois, a alma ao seu Pai, não no sentido como
fazem os homens piedosos ao morrer... que repetem essas
palavras colocando a alma nas mãos de Deus. Nem como disse
Santo Estevão quando foi apedrejado: Senhor Jesus, recebe
meu espírito. Pois os homens entregam a Deus a alma para
que Ele não a condene... para que faça a mesma participante
da Vida Eterna. Porém, Jesus Cristo não fez assim, porque
sabia que não podia ser condenado e não tinha pecado para
implorar o perdão; mas encomenda a alma para que não a deixe
no inferno (seio de Abraão), onde vão parar, e não deixe o
seu Santo ver a corrupção, como Davi havia dito falando de
Jesus Cristo (Sl 15, 10); em uma palavra... como quem a
havia de tomá-la de volta. Isto é, que, enquanto
permanecesse no limbo durante aqueles três dias, confiava a
alma ao seu Pai, dizendo: Entrego o meu espírito;
como um viajante que se ausenta por três dias confia a um
amigo o que em sua casa tivesse de mais valor para que o
guardasse, dizendo: Entrego-te (assim ensinam
Tertuliano e Santo Ambrósio). Jesus Cristo chama espírito a
sua alma: Entrego o meu espírito. São Beda, São
Jerônimo e Santo Ambrósio, dizem que Jesus ao dizer:
Entrego o meu espírito, a sua morte não foi forçada, mas
voluntária. Santo Ambrósio comenta mais pormenorizado: Ele
entregou o espírito; muito bem, entregou... não fez contra
sua vontade, não foi obrigado. São Mateus afirma que
entregou o espírito, porque o que se entrega é voluntário.
ORAÇÃO: Ó
Doce Jesus! Como encomendais Vosso espírito nas mãos do
Vosso Pai, assim recomendamos o nosso em suas mãos que tens
estendidas na cruz para abraçar os pecadores que se
aproximam delas. Ó Senhor, se todos os homens se
aproximassem de Vós, sem dúvida abraçarias com ternura a
todos e os levariam para o Vosso reino. Amém!
Pe. Divino Antônio
Lopes FP (C)
Anápolis, 15 de
março de 2015
Bibliografia
Sagrada Escritura
Pe. Ramón Genover, Meditações Espirituais
para todo o ano
Santo Afonso Maria de Ligório, A Paixão do
Senhor
Pe. Juan de Maldonado, Comentários de São
Mateus
|