APÓS O SÁBADO
(Mt 28, 1)
“Após o sábado, ao raiar do primeiro dia da
semana”.
O dia legal (certo)
começava ao pôr do sol (ao escurecer),
ao despertar das primeiras estrelas (para
os judeus, desde o pôr do sol, começava o novo dia).
A essa hora estava, pois, terminada a OBRIGAÇÃO
do REPOUSO, o que permitiu que as santas
mulheres saíssem a comprar os perfumes para embalsamar o
corpo de Jesus Cristo.
A Vulgata, as
versões siríacas e coptas traduzem
o OPSÉ do SÁBADO
por VÉSPERA, a VÉSPERA,
ao ENTARDECER.
Mas, OPSÉ não só significa
VÉSPERA ou TARDE, significa também
DEPOIS. E não só significa DEPOIS,
mas pode significar DEPOIS de MUITO
TEMPO. São Gregório de Nissa, bom
conhecedor do grego, assegura que, nas fórmulas desse tipo,
OPSÉ não significa TARDE, senão
DEPOIS de um LONGO TEMPO. E é
este o sentido que lhe convém: Por isso, sua tradução é:
Depois do sábado, na madrugada do primeiro dia da
semana... vieram as mulheres ao sepulcro.
O primeiro dia da semana dos judeus
CORRESPONDIA ao nosso domingo.
Essa passagem Bíblica:
“Após o sábado, ao raiar do primeiro dia da
semana”,
é dificílima a juízo de todos os comentaristas;
porque o texto é obscuro em si mesmo e, além disso, nem os
outros evangelistas concordam com São Mateus.
São Mateus
afirma que na VÉSPERA do sábado as mulheres
foram ao sepulcro.
São Marcos
(16, 1),
afirma que PASSADO o sábado (muito de
manhã, saído já o sol).
São Lucas
(24, 1)
diz somente que MUITO CEDO.
São João
(20, 1)
diz que quando AINDA ESTAVA
ESCURO.
Os três evangelistas estão em “luta”
contra São Mateus; e o que é mais estranho,
ele parece contradizer-se a si mesmo; pois diz que as
mulheres foram ao sepulcro na VÉSPERA do
SÁBADO, e a continuação afirma que ao
AMANHECER do PRIMEIRO DIA da
SEMANA. Também os outros evangelistas não estão de
acorde entre eles: São Marcos nos diz que as
mulheres foram ao sepulcro já saído o sol.
São Lucas, pelo contrário, escreve que era
muito cedo, antes que houvesse luz; o que confirma
São João com a frase quando ainda estava
escuro. Finalmente, citarei o desacordo de São
Marcos consigo mesmo ao dizer que MUITO
de MANHÃ foram as mulheres ao sepulcro, para
entrar em contradição logo em seguida, dizendo: já
saído o sol.
Alguns autores explicam a divergência entre
São Mateus e os outros evangelistas
supondo que o grupo das santas mulheres FOI e
ao sepulcro UMA, DUAS e MAIS VEZES,
com piedoso zelo por Jesus Cristo (afirmam
isso: São Jerônimo e Dionísio Alexandrino). Outros dizem
taxativamente que as santas mulheres FORAM QUATRO
VEZES ao sepulcro (idas e vindas). Pela
TARDE (São Mateus), antes de AMANHECER
(São João), muito CEDO (São Lucas) e
já SAÍDO o SOL (São Marcos): Tantas vezes
quanto são os evangelistas (afirma Santo Atanásio).
Outros autores acreditam que são vários os grupos de santas
mulheres e também diversas as horas: na VÉSPERA
do SÁBADO e na MANHÃ do
DOMINGO. Alguém poderia objetar
(contestar, dificultar) que uma das que, segundo
São Mateus, foi pela manhã ao sepulcro foi
Maria Madalena, como a chamam todos os evangelistas;
pois para evitar as dificuldades inventaram DUAS
MADALENAS: uma que fosse pela MANHÃ e
outra que fosse à VÉSPERA (afirmam isso:
Santo Ambrósio, Santo Eusébio e outros). Porém,
Madalena não teve senão uma, como cita os quatro
evangelistas em todas as passagens que falam dela. Não tem
como duvidar, porque sempre a chamam de Madalena para
distingui-la das outras Marias; e se houvesse outra
com o mesmo sobrenome, eles teriam distinguindo-a de outra
maneira, por exemplo, chamando-a irmã de Lázaro e de Marta.
Outros admitem somente um grupo de mulheres e uma só ida ao
sepulcro na noite que seguiu ao sábado. Segundo outros
autores, começaram as santas mulheres sua viagem na
VÉSPERA e chegaram ao sepulcro pela MANHÃ,
não que gastariam toda a noite em tão curto caminho, mas
porque na VÉSPERA começaram a preparar os
aromas e até de MANHÃ não conseguiram chegar
ao sepulcro. Foram, pois, na VÉSPERA, segundo
São Mateus, porque tiveram que comprar o que
necessitavam para UNGIR de novo a Cristo
(afirmam isso: São Beda, Estrabón, Rábano, Ruperto e Lirano).
Outros autores acreditam que por VÉSPERA
entende São Mateus: toda a noite
(afirmam isso: Dionísio Alexandrino, São Gregório de
Nissa, São Cirilo de Alexandria, Santo Agostinho, Eutímio e
Teofilacto).
Não há dúvida de que São Mateus
quis dizer o mesmo que os outros evangelistas, quem, sem
fazer menção da VÉSPERA, afirmam que as
mulheres chegaram de MANHÃ ao sepulcro; isso
é, portanto, o que quis dizer São Mateus.
VÉSPERA, portanto, não quer dizer na nomenclatura
evangélica, o tempo que transcorre entre o dia e a noite, ou
seja, o crepúsculo, mas a noite toda, em cuja última parte,
próxima já da aurora, foram as santas mulheres ao sepulcro.
Não chamará isso a atenção se se tem em conta o
hebraísmo que Santo Tomás de Aquino assinala aqui,
pelo qual os judeus não só ao crepúsculo da tarde, mas
a toda a noite chamam VÉSPERA.
Alguns se opõem a esta interpretação, notando
que São Mateus não disse simplesmente
VÉSPERA, mas VÉSPERA do SÁBADO;
o que parece dar a entender que formava parte do
sábado, o mesmo que sua MANHÃ, por
exemplo. Porém, a noite que seguia ao sábado não pode
considerar-se como parte do dito dia; logo não se pode
chamar VÉSPERA do SÁBADO. Recorrendo ao texto
original, observa-se que no grego não se diz precisamente
VÉSPERA, mas TARDE do SÁBADO.
Adverte São Gregório de Nissa,
grego de natureza e educação, que a expressão é:
TENDO PASSADO JÁ MUITO TEMPO DESDE O SÁBADO; pois os
gregos usam estes IDIOTISMOS (termo ou
expressão de uma língua, que não tem correspondente em
outra): “Mais tarde do tempo oportuno tem vindo”
ou “Muito depois do tempo oportuno”, e também
“Passada longa hora” e “Muito mais tarde do que era
necessário”. Pois, perfeitamente, neste sentido, disse
São Mateus: Muito longe do sábado,
isto é, “passada já muita parte do sábado”;
porque entre o sábado e o tempo matutino (madrugada),
a que se refere, havia transcorrido toda a noite.
Mais ainda, permitindo que São Mateus
houvesse dito VÉSPERA do SÁBADO,
nem por isso haveríamos de concluir que formava parte
do sábado. A Sagrada Escritura fala frequentemente
dessa maneira, chamando VÉSPERA de um dia não
a determinada parte dele, mas ao tempo que se segue:
“Davi respondeu a Jônatas: ‘Amanhã é lua nova
e deverei estar com o rei para comer: deixa-me ir, porém,
para esconder-me no campo até à tarde”
(1 Sm 20, 5). Chama VÉSPERA
do dia terceiro à noite seguinte, pois cita a ceia do rei e
avisava que ele não cearia:
“...
e o guardareis até o décimo quarto dia desse
mês; e toda a assembleia da comunidade de Israel o imolará
ao crepúsculo... No primeiro mês, no dia catorze do mês, à
tarde, comereis os ázimos até à tarde do dia vinte e um do
mesmo mês”
(Ex 12, 8.18). Chama-se VÉSPERA
do dia quatorze à noite seguinte, já que o cordeiro se
imolava, não no dia quatorze, mas no dia quinze, quando já
havia começado a Páscoa e a festa dos ázimos. Logo não
existe divergência entre São Mateus e os
demais evangelistas. E o mesmo argumento prova que
ele não se contradiz, posto que não se refira em seu texto
ao tempo MATUTINO (de manhã) e
VESPERTINO (de tarde), mas somente ao
MATUTINO (de manhã).
Chamamos a atenção sobre esse trecho: ainda
aludindo à noite, pode dizer o evangelista que começava a
clarear. Naturalmente, observará alguém, porque ao princípio
da noite começavam a acender as luzes nas casas; e isso se
prova com tradições talmudistas, que não fica muito
distante de admitir São Jerônimo. Por
hebraísmo, asseguram outros, porque começava então a
noite e, seguindo a metáfora da manhã, ao começar qualquer
parte do tempo se dizia que começava a clarear. Dizem aqui
que há hebraísmo, e se vê claro no Evangelho
de São Lucas 23, 54: Era o dia da
Preparação, e o sábado começava a luzir; isto é, se
aproximava, era iminente, porque desse tempo é
que se fala, quando Cristo foi sepultado, sexta-feira quase
ao anoitecer, antes do sábado. Portanto,
começar a clarear o sábado é o mesmo que iniciar a começar o
sábado. E provamos que São Mateus não assinala
o tempo VESPERTINO, mas o MATUTINO;
e São Mateus, ou seu tradutor, nos fala
em grego e não em hebreu, e o que quer dizer é
simplesmente que o dia havia começado. Outros
autores explicam como a NOITE ou VÉSPERA
começava a ENTRAR no primeiro dia da
semana, a saber: porque já se havia inclinado
para aquele dia; uma coisa parecida quando dizemos
que o dia anoitece, não porque o
dia se pode converter em noite, mas porque
se aproxima da noite, segundo nos contou um
antigo poeta:
“Começam as estrelas da noite a ceder espaço
ao sol, que vem, e vão as mulheres ver o sepulcro”.
Assim, mais ou menos, pensavam Santo
Agostinho, Eutímio e Teofilacto. Pensavam eles
que neste trecho se diz que a NOITE começava a clarear,
mas não é a noite, mas sim, o dia é que clareia, segundo
São Mateus. A palavra do grego não é precisamente
nem dia nem noite, mas o tardio do sábado, o
que clareia no primeiro dia da semana, que no texto
grego tanto se pode entender de noite como de dia, ainda que
o costume dos gregos peça que se entenda de dia.
Dizer que o dia clareia é mais natural e
correto do que dizer que clareia a noite.
Veremos agora como concordam os demais
evangelistas em assinalar o tempo em que as mulheres foram
ao sepulcro. Parece ser máxima a divergência entre São
Marcos e São João: São Marcos
16, 2 diz que foram ao sepulcro saído já o sol,
e São João 20, 1, quando ainda
estava escuro, ou, como disse também São Lucas
24, 1, antes da luz. Alguns autores
corrigem a São Marcos, antepondo-lhe uma
negociação: não saído o sol, sem mais razão
que ler-se assim em alguns escritos gregos e em Santo
Eusébio e aplicar-se facilmente a perda da partícula
no. Hipótese muito volúvel e mal fundada em
Santo Eusébio, por ser ele o único a mencionar
isso dentre todos os antigos Padres. Nosso tradutor ao
menos não citou assim, nem Dionísio Alexandrino, nem Santo
Agostinho, nem Ruperto, nem Lirano.
Advertimos também que com verdade se disse
saído o sol não somente quando ele se
encontra sobre o horizonte, mas também desde que seus raios
começam a dissipar as trevas (afirmam isso:
Santo Agostinho, São Beda, Teofilacto e Lirano).
Todavia, será mais satisfatória esta interpretação se lemos,
com Santo Agostinho e Teofilacto, SAINDO
JÁ O SOL, mudando o tempo do verbo grego.
Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)
Anápolis, 27 de abril de 2014
Bibliografia
Sagrada Escritura
Pe. Manuel de Tuya, Bíblia comentada
Pe. Juan de Maldonado, Comentário do
Evangelho de São João
Dom Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos
Evangelhos
São Gregório de Nissa, Escritos
Bíblia Sagrada, Pontifício Instituto Bíblico
de Roma
Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura
(texto e comentário)
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