QUARTA DOR DE NOSSA SENHORA
Santo
Afonso Maria de Ligório escreve:
“Que mãe, porém, jamais amou a seu filho, quanto Maria amou
a Jesus? Era-lhe Jesus, Filho e Deus ao mesmo tempo. Que
viera ao mundo para atear em todos os corações o fogo do
amor divino, foi o que o próprio Salvador protestou: Eu vim
trazer fogo à terra; e quero senão que ele se acenda (Lc 12,
49”, e: “Se
ajuntássemos as dores do mundo, não igualariam todas elas às
penas da Virgem gloriosa” (São Bernardino de Sena),
e também: “Tanto maior foi o seu
sofrimento vendo padecer o Filho, quanto maior lhe era a
ternura com que o amava. E isso especialmente ao encontrá-lo
com a cruz às costas, rumo ao Calvário” (Ricardo de São Lourenço),
e ainda: “Inundados de lágrimas
andavam os olhos de nossa Mãe, ao ver chegar o momento da
Paixão e ao notar que faltava pouco tempo para perder o seu
Filho. Um suor frio lhe cobria o corpo, causado pelo vivo
terror que a assaltava à idéia do próximo e doloroso
espetáculo” (Santo Afonso Maria de
Ligório), e:
“Ah! Mãe dolorosa, disse-lhe João,
já vosso Filho foi condenado à morte; já o levam para o
Calvário carregando ele mesmo a cruz aos ombros. Assim
escreveu depois no seu Evangelho: E levando a cruz aos
ombros, saiu para aquele lugar que se chama Calvário (Jo 19,
17)” (Idem).
Partiu Maria com São João.
Boaventura Baduário
fala
“de um atalho que a Mãe aflita tomou
para ficar depois esperando numa esquina pelo Filho
atribulado”. Ai estava à espera dele, “quando foi
reconhecida pelos judeus e deles teve de ouvir injúrias
contra seu amantíssimo Jesus. Talvez tivesse de escutar até
motejos contra si mesma. Que martírio lhe não causou a vista
dos cravos, dos martelos, das cordas, funestos instrumentos
da morte do Filho! Em lúgubre desfile, passavam eles diante
da Mãe de Jesus. De repente, fere seus ouvidos um estridente
som de trombeta; vão ler a sentença de morte lavrada contra
Jesus. Meu Deus! Que espada de dor transpassou então a alma
dessa Mãe dolorosa! Mas já desfilaram o arauto e os
instrumentos do martírio, os oficiais da justiça. Maria
ergue os olhos e vê... ó Deus, um homem, na flor dos anos,
todo coberto de sangue e de chagas, da cabeça aos pés,
coroado de espinhos, carregando às costas um pesado madeiro.
Olha-o e quase não o reconhece mais... As feridas, as
contusões e o sangue enegrecido desfiguraram-no de tal modo,
que se lê: Seu rosto se achava como que encoberto e parecia
desprezível, por onde nenhum caso fizemos dele (Is 53, 3)”
(Santo Afonso Maria de Ligório),
e: “De um
lado desejava contemplá-lo, de outro não tinha coragem de
olhar para o seu rosto, tão digno de comiseração”
(São Pedro
de Alcântara),
e também:
“Não era
conveniente que a Mãe de Deus perdesse o uso da razão”
(Suárez),
e ainda:
“Não morreu, porque o Senhor a reservava para maiores
aflições. Embora não morresse, padeceu, entretanto, tormento
suficiente para lhe dar mil mortes. Queria a Mãe abraçar o
Filho, mas os algozes injuriosamente a repeliam, e
empurraram para diante o acabrunhado Salvador”
(Santo
Afonso Maria de Ligório).
Dia
tremendo e terrível! Abra-se a terra, em vista de tão triste
cenário, que se está desenrolando perante a nossa mente, e
dê testemunha da inocência de Jesus! Satisfeito está o ódio
e a vingança dos judeus e dos fariseus. Jesus, hoje, é
arrastado vergonhosamente pelas ruas de Jerusalém. Um Deus
amarrado, carregando a cruz para logo mais deixar cravar
nela as mãos e os pés, pendente entre o céu e a terra. Os
judeus apontam com o dedo para Jesus, lançando-lhe em rosto
as mais nefandas e horrorosas blasfêmias: “Eis aí o rei,
queria fazer-se filho de Deus, e não passa de um impostor e
criminoso”. Assim é insultado o Cordeiro Imaculado, o
nosso Bom Senhor. Não haverá coração que lhe compartilhe as
dores e os sofrimentos? Onde estão os Apóstolos, que lhe
juraram fidelidade até à morte? Fugiram! Onde está o capitão
romano, cujo filho Jesus curou?
Onde está aquele cego, a quem Jesus restituiu a vista
? Onde estão os que, poucos dias antes, o saudaram:
“Hosana ao Filho de Davi; bendito, o que vem em nome do
Senhor”? Todos o abandonaram. Todos? Não!
Vemos a
Mãe de Jesus, que heroicamente vem rompendo as fileiras
tumultuosas da plebe caluniadora. Maria Santíssima, cheia de
amargura e aflição no coração, com lágrimas nos olhos,
procura o Filho querido, para lhe dar o último adeus. Mas
que encontro! Ela, a Mãe, quase que não o reconhece. É todo
uma chaga, está todo desfigurado, é todo sangue! Por mãos
criminosas é puxado por dilacerantes cordas. Oh! Que
aspecto! Que espada de dor traspassa o Coração de Maria
Santíssima.
Imaginai!
Se um pai ou uma mãe visse o filho amado criminoso,
condenado à morte, arrastado pelo populacho furioso e
vociferante: “Morra o criminoso!” E avançando contra
ele, lhe dá a morte. Quanta dor, aflição e tristeza não
sentiria seu coração! Não teriam coragem de aparecer em
público na rua, pois todos clamariam: “Eis aí a mãe, o
pai deste celerado”. A Mãe de Deus, no entanto,
mostrou-se heróica! Pois bem sabia que Jesus havia sido
condenado injustamente; sabia que era a vontade de Deus Pai,
que o Filho sofresse morte tão cruel, pelos homens; sabia
que Jesus, na verdade, é o Filho de Deus. E por esta fé
fortalecida e firme na alma, foi acompanhando-o. Ela não
vacilava; nem um momento sequer duvidou que o Salvador fosse
Deus verdadeiro. E esta convicção de fé forte fez com que
ela conseguisse a glória celeste. A Virgem dolorosa chora
amargamente. Oh! Não ofendamos mais o nosso Bom Jesus! Nunca
mais, Mãe querida, haveis de chorar por nós.
Agora que
Maria Santíssima, pela última vez, vai encontrar-se com o
seu Filho, peçamos-lhe a caridade de obter-nos de Deus
aquela fé e conformidade com a vontade divina. Grande é às
vezes o sofrimento que nos atribula, porém, lembremo-nos que
o sofrimento é uma semente que se lança na terra, para no
céu colher os frutos eternos de alegria e de paz. Adoremos
em tudo a Deus. Sirvamo-Lo com toda a fidelidade, deixando o
caminho do pecado, que foi a causa da morte de Jesus. São
muitos os inimigos da cruz de Cristo; são muitos os perigos
e as tentações que nos rodeiam, e que querem afastar-nos da
felicidade eterna. Mas firmes nos conservemos na fé! Firmes
nos ensinamentos religiosos dos nossos pais!
Maria
Santíssima se aproxima de Jesus. Vai lhe dar o último adeus,
a última saudação materna. Falará ao coração de seu Filho.
Une o seu sacrifício ao sacrifício de seu Jesus. Sofre com
Ele e por nós. Com Ele sobe o monte da dor para, no altar da
cruz, oferecer o holocausto supremo da Redenção.
Acompanhemo-la, contritos e humilhados.
Cena
patética, quadro espantoso é o que agora presenciamos, o
encontro doloroso de Jesus com sua aflita Mãe, no caminho
para o Calvário.
Quem é
este homem, que se apresenta em tão mísero estado, ligado
com fortes cordas, cercado de guardas, curvado ao peso do
ignominioso instrumento de suplício? Quem é este, que mais
se parece com um verme pisado do que com um homem?
Será algum
criminoso, réu de nefandos crimes? Ainda que o fora,
mereceria a compaixão dos corações humanos.
- É o
mesmo Deus, que se fez homem por amor dos homens.
Que se
passa dentro da alma de Jesus, no seio de seu coração?
Procuremos penetrar um pouco ao menos o que se passa com o
Divino Mestre, nesta hora de angústias e de martírios.
Duas
espécies de tormentos pesam sobre o inocente Cordeiro de
Deus, que veio apagar os pecados do Mundo. Jesus sofre,
primeiro, as dores físicas horríveis, tormentos e suplícios
de toda a sorte, cuja narração bastaria para comover as
próprias pedras, se tivessem coração... Pior que isso, sofre
Jesus, em segundo lugar, as dores morais: insultos,
blasfêmias, perjúrios e ingratidão dos próprios
beneficiados.
Aprendamos, neste passo da vida de Jesus, quão volúvel e
inconstante é o pobre e mesquinho coração humano... Depois
da entrada triunfal em Jerusalém, a marcha lúgubre para o
Calvário!
Maria
Santíssima foi ao encontro de seu divino Filho; o Evangelho
não o diz expressamente, mas a tradição de todos os séculos
cristãos e as revelações o afirmam.
A Mãe
Dolorosa não morreu, nem desfaleceu de dor, por altos e
sábios juízos da Providência; mas a sua dor foi sem limites,
pois só se poderia medir pelo amor que ela mesma consagrava
a Jesus, que era — ao mesmo tempo — seu Filho e seu Deus.
Uma espada de dor traspassou o coração da Virgem Maria, ao
ver e contemplar o lastimoso e desolado estado a que Jesus
fora reduzido.
Contritos
e humilhados, acompanhemos a Jesus e a Maria nessa jornada
trágica, que vai acabar no suplício do Gólgota.
Temos nós
também a nossa Via-Sacra e o nosso Calvário: as dores, as
cruzes e as provações desta vida temporal, enquanto
peregrinamos por este vale de lágrimas, que outra coisa não
é a nossa existência quotidiana.
Imitemos,
ou melhor, peçamos a graça de imitar a Jesus e a Maria,
sofrendo com resignação e com perseverança, até que Deus
seja servido de levar-nos para a glória eterna.
Feito
objeto de desprezo e o último dos homens, um varão de dores,
parecia desprezível, e nenhum caso dele fizemos. —
Verdadeiramente ele foi quem tomou sobre si as nossas
fraquezas, e ele mesmo carregou com as nossas dores; e nós o
reputamos como um leproso, ferido por Deus e humilhado. —
Ele foi ferido pelas nossas iniqüidades... o castigo que nos
devia trazer a paz, caiu sobre ele, e nós fomos sarados pelo
seu sangue.
Palavras
proféticas de Isaías, que ao pé da letra se cumpriram
naquela primeira Sexta-Feira, quando, carregado do pesado
lenho da cruz, Cristo Nosso Senhor, andou pela rua da
amargura de Jerusalém, para depois subir os degraus do altar
do Gólgota, onde entre o céu e a terra foi celebrar sua
Missa de martírio, pela Redenção do gênero humano.
Abandonado
por todos, Ele, o Homem-Deus, vemo-lo no caminho da dor,
rodeado de uma coorte de inimigos ferozes e implacáveis,
cercado de verdugos desalmados, de carrascos cruéis e
desapiedados. — Onde estão os Apóstolos, seus amigos e
confidentes? Todos fugiram, com exceção de um só. — Onde
estão as dezenas de infortunados, por ele beneficiados: os
cegos, os paralíticos, os surdos, os mudos, os leprosos, que
de sua mão receberam o precioso dom da saúde e dos seus
lábios ouviram palavras de consolo e perdão? Não há nenhum
que se lembre do amigo e benfeitor; nenhum que o arranque
das mãos dos perseguidores e assassinos? — Ah! Não há
ninguém; ninguém aparece para lhe suavizar a dor, dizer-lhe
uma palavra de conforto.
Ninguém?
Ah não! Embora sua influência de nada valha, na presença da
multidão desenfreada, atiçada pelos discursos odiosos dos
fariseus e sacerdotes, corrompida pelo dinheiro dos
poderosos, lá está ela, a Mãe carinhosa e intrépida, que,
abrindo caminho por entre o povo e os soldados, se encontra
com aquele que é o sol da sua vida, o objeto do seu amor,
seu Filho unigênito. Nada poderá fazer pela sua libertação —
bem o sabe, — mas um olhar seu, uma palavra sua, o maternal
abraço, devem trazer-lhe grande conforto, animá-lo a
prosseguir na senda dolorosa do supremo sacrifício.
É a sua
vocação, sua Missão de Co-Redentora, que lhe exige a
presença na hora do sacrifício. Assim os vemos juntos no
caminho da dor: Ele, o Redentor; ela, a Co-Redentora; Ele,
sob lágrimas e gemidos realizando seu “Faça sua vontade”;
ela, renovando e confirmando o seu “Sim”, e unindo-o
à vontade do Eterno Pai.
Considerai
as virtudes heróicas que pratica Maria Santíssima nesta
ocasião. Quanto é grande, quanto é sublime esta mulher
incomparável no dia de sua aflição! Imensa, profunda é a sua
dor, vendo a Jesus caminhando para o suplício; todavia
calma, tranqüila, adora os inescrutáveis decretos de Deus;
nada vê senão a Deus com a sua irresistível vontade, à qual
se submete inteiramente. Com que firmeza suporta os
empurrões dos soldados, os escárnios da multidão, empurrada,
afastada brutalmente, nenhuma palavra saia de sua boca,
nenhuma impaciência escapa dos seus movimentos e nenhuma
diferença se nota na sua fisionomia.
Eis o
exemplo que deve seguir todo cristão que procura a Jesus, e
que o encontra ordinariamente com a cruz às costas; esta é
uma lei geral no reino da graça, quem não carrega sua
cruz não é digno de mim, entretanto a maior parte dos
cristãos estranham a cruz; muitos querem procurar a Jesus,
mas no Tabor, poucos o procuram sobre o Calvário. Outros se
desviam ou fogem do caminho, bem poucos são os que querem
tomar a cruz dos seus ombros e caminhar junto d’Ele;
pouquíssimos são os que o convidam a ir para sua casa.
Não há
outro caminho para chegar à bem-aventurança, senão o caminho
do Calvário, caminho escabroso, dificultoso, mas suavizado
por Jesus Cristo e Maria Santíssima. Ah! Se os santos que
viveram na inocência, subiram o caminho do Calvário, dos
sofrimentos e da mortificação; nós tão culpados, com tantas
dívidas para com Deus, recusaremos as cruzes às vezes tão
leves e tão próprias para nos santificar? Sigamos, portanto,
alegres a Nosso Senhor e a Virgem Maria, carreguemos com
eles a nossa cruz, porque só deste modo poderemos um dia
fazer parte da procissão dos amigos de Deus, passando das
tribulações deste mundo, para os gozos da bem-aventurança
eterna.
“Ó minha Mãe dolorosa! Pelo
merecimento da dor que sentistes, vendo o vosso amado Jesus
conduzido à morte, impetrai-me a graça de também levar com
paciência as cruzes que Deus me envia. Feliz serei, se
souber acompanhar-vos com minha cruz até à morte. Vós e
Jesus, que éreis inocentes, carregastes uma cruz tão pesada,
e eu, pecador, que tenho merecido o inferno, recusarei
carregar a minha? Ah! Virgem imaculada, de vós espero
socorro para sofrer com paciência todas as cruzes. Amém”
(Santo Afonso Maria de
Ligório).
Pe. Divino Antônio Lopes FP.
Anápolis, 02 de fevereiro de 2008
Bibliografia
Bíblia Sagrada
Santo Afonso Maria de Ligório, Glórias de Maria
Pe. João Batista Lehmann, Euntes... Praedicate!
Sacerdote da Congregação da Missão, Sagrada Paixão de Nosso
Senhor Jesus Cristo e Dores de Maria Santíssima
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