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                    SEXTA DOR DE NOSSA SENHORA 
                    
                      
                    
                       
  
                    
                    Acabavam 
                    de se cumprir as promessas feitas desde o princípio do 
                    mundo; acabava de se reconciliar o Céu com a terra; acabava 
                    Jesus de expirar sobre o Calvário, e sua bendita alma tinha 
                    ido regozijar a multidão que a esperava no limbo, mas seu 
                    Sagrado Corpo estava ainda suspenso na cruz. Maria 
                    Santíssima fitava seus olhos no objeto do seu amor, e 
                    agrupada com as outras piedosas mulheres, contemplava o 
                    estrago que o pecado fizera no Unigênito Filho de Deus. Um 
                    lúgubre silêncio reinava sobre o Calvário, unicamente 
                    interrompido pelos passos dos soldados, pelos soluços das 
                    mulheres piedosas, pelos suspiros dos ladrões agonizantes; e 
                    Nossa Senhora rezando interiormente pedia ao Eterno Pai, que 
                    visto se achar consumado o grande sacrifício e satisfeita a 
                    infinita justiça de Deus, fizesse agora brilhar a sua 
                    infinita misericórdia. 
                    
                    Santo 
                    Afonso Maria de Ligório escreve: 
                    “Ó vós todos, que passais pela estrada, atendei e vede, se há dor 
                    semelhante á minha dor’ (Lm 1, 12). Almas devotas, escutai o 
                    que hoje vos diz a Mãe dolorosa: Filhas diletas, não quero 
                    que procureis consolar-me, porque meu coração já não pode 
                    achar consolação na terra, depois da morte de meu caro 
                    Jesus. Se quereis dar-me gosto, vinde e vede se houve no 
                    mundo dor semelhante à minha, ao ver como me arrebataram com 
                    tanta crueldade Aquele que era todo o meu amor. Mas, 
                    Senhora, já que não buscais consolo, mas antes sofrimento, 
                    eu vos direi que nem com a morte de vosso Filho findaram as 
                    vossas dores. Ainda hoje, daqui a pouco, sereis ferida 
                    dolorosamente por uma espada. Vereis uma lança cruel 
                    transpassar o lado de vosso Filho, já sem vida. E depois 
                    tereis de receber, em vossos braços, seu corpo descido da 
                    cruz. 
                    
                    
                    Estamos na sexta dor da pobre Mãe de Jesus. Contemplemo-la 
                    com atenção e lágrimas de piedade. Até então vieram as dores 
                    cruciar Maria, uma a uma. Mas agora assaltaram-na todas 
                    juntas. Basta dizer a uma mãe que seu filho morreu, para 
                    toda inflamá-la o amor ao filho que a deixou. Para consolo 
                    das mães atribuladas com a perda de algum filho, costumam 
                    pessoas recordar-lhes os desgostos que deles receberam. 
                    Porém eu, ó minha Rainha, se quisesse consolar-vos pela 
                    morte de Jesus, onde acharia algum desgosto dado por Ele, 
                    para vo-lo recordar? Ah! Ele sempre vos amara, sempre vos 
                    obedecera e respeitara. Agora o perdestes. Quem há que possa 
                    exprimir vossa aflição? Exprimi-a vós mesma, que cruelmente 
                    a sofrestes! 
                    
                    
                    Morto nosso Redentor, diz um piedoso autor, acompanharam-lhe 
                    a alma santíssima, os amorosos afetos da excelsa Mãe, para 
                    apresentá-la ao Eterno Pai. Disse talvez o seguinte: 
                    ‘Apresento-vos, ó meu Deus, a alma imaculada do meu e vosso 
                    Filho, que vos obedeceu até à morte; recebei-a em vossos 
                    braços. Eis satisfeita a vossa justiça e executada a vossa 
                    vontade; eis consumado o grande sacrifício para a eterna 
                    glória vossa’. Voltando-se depois para o corpo inanimado de 
                    seu Jesus: ‘Ó chagas, disse então, chagas amáveis, 
                    congratulo-me convosco, porque por meio de vós foi dada a 
                    salvação ao mundo. Permanecereis abertas no corpo de meu 
                    Filho, como refúgio de todos quantos recorrem a vós. Quantos 
                    por vós hão de receber o perdão de seus pecados e 
                    inflamar-se no amor do Sumo Bem!” 
                    
                    Parece que 
                    morrendo Jesus, deviam acabar ou pelo menos diminuir as 
                    dores da Virgem Maria, e às três horas de angústias 
                    incompreensíveis suceder algum descanso a seu despedaçado 
                    coração; mas a opressão da dor interior, como o cansaço 
                    corporal, costuma-se fazer sentir com mais intensidade, 
                    quando tudo parece estar acabado; nosso coração começa a 
                    sofrer mais sensivelmente na tranqüilidade que sucede à 
                    desgraça. 
                    
                    Todas as 
                    dores têm um caráter particular que lhes é próprio, e pode 
                    acontecer que uma aflição que em si parece menor, todavia 
                    seja maior do que outra por causa do tempo, lugar e mais 
                    circunstâncias que a acompanham, tal é, pois, o caráter da 
                    sexta dor de Nossa Senhora; uma nova e incompreensível 
                    aflição... aflição de um mal consumado. Não, Virgem 
                    Santíssima, com a morte do vosso Bendito Filho, não se 
                    acabam as vossas angústias, mas uma nova espada irá ferir e 
                    transpassar seu maternal coração. 
                    
                    Os maiores 
                    criminosos eram ordinariamente condenados ao suplício da 
                    cruz por ser uma morte lenta e por isso mais dolorosa, e que 
                    acabava quase sempre pelo quebramento das pernas; a fim de 
                    apressar a morte, os inimigos de Jesus requerem a aplicação 
                    desta lei, e tendo-a alcançado, um grupo de soldados sobe ao 
                    Calvário para a executar. Quão terrível devia ser este 
                    instante para a Virgem Santíssima! Vê esta nova coorte não 
                    dirigida pelo centurião já convertido, mas pelos mais 
                    implacáveis inimigos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nota com 
                    ansiedade todos os movimentos e os pesados malhos que agitam 
                    nas mãos. Ouve o estalar dos ossos do resignado ladrão 
                    penitente e os gritos espantosos do ladrão blasfemador. Já 
                    está esperando Nossa Senhora novo sacrilégio contra Jesus. 
                    Se Oza por tocar com irreverência a Arca mereceu a morte, 
                    quanto mais a merecerão os que se atrevem a quebrar esta 
                    Arca que está intimamente unida à divindade? Que fará Maria 
                    Santíssima neste momento? Se se cala, vão executar o pérfido 
                    mandato; se suplica, não será atendida por esses cruéis; se 
                    clama, servirá somente para instigar a maldade já 
                    assentada... Será possível, ó meu Jesus, que se execute esta 
                    nova barbaridade? Já não bastará aos vossos inimigos essa 
                    humilhante coroa em vossa cabeça, essas mãos e pés 
                    transpassados, esse peito e costelas tão descarnados, e 
                    vosso corpo, desde os pés até a cabeça, todo chagado? Sim, 
                    reconhecem os soldados estar Jesus realmente morto, 
                    renunciam executar esta crueldade, cumprindo assim a ordem 
                    de Deus:  “Nenhum osso lhe será 
                    quebrado” 
                    (Jo 
                    19, 36). Mas cometem, 
                    todavia, um novo sacrilégio, porque um soldado, para 
                    divertir a companhia, apontando um lança lha encravou no 
                    Coração do Salvador: “Mas um dos 
                    soldados transpassou-lhe o lado com a lança...”
                    (Jo 19, 34). 
                    Ao golpe da lança estremeceu a cruz, e o Sagrado Coração de 
                    Jesus ficou partido,  mas a dor foi toda de Maria 
                    Santíssima; cumprindo-se então literalmente a profecia de 
                    São Simeão, cravando essa espada que pelo espaço de trinta e 
                    três anos estava suspensa sobre o coração de Nossa Senhora. 
                    Para que, ó Eterno Pai, permitis esta nova ferida, permitis 
                    que seja partido o Coração do Vosso Filho? Será para O 
                    insultarem ainda? Mas não está Ele já todo coberto de 
                    opróbrios? Será por estarem ainda sedentos de sangue? Mas já 
                    não foi Ele todo derramado? Será para acabar de um só golpe 
                    com essa vida preciosa? Mas já a deu por nós, já se acha 
                    extinta! Será para que cesse de nos amar, de palpitar por 
                    nós? Não, ele não cessará; esse Coração que desde a 
                    Encarnação se ofereceu por nós, viveu por nós, morreu por 
                    nós, estará conosco até a consumação dos séculos... O golpe 
                    da lança foi na verdade o maior sacrilégio: penetrar neste 
                    íntimo santuário de Jesus, insultar a fonte das graças, 
                    partir com um ferro cruel o centro do amor, foi certamente 
                    uma das maiores agressões, e, todavia, a permite Deus por um 
                    novo afeito da sua infinita misericórdia, como se seu amor 
                    não estivesse ainda satisfeito de nos ter dado até a última 
                    gota do seu sangue, quis ainda nos abrir esta porta de 
                    refúgio, pela qual começou a entrar o mesmo Longino, que lhe 
                    tinha cravado a lança no peito. 
                    
                    
                    Santo Afonso Maria de Ligório 
                    escreve: “Para que não 
                    ficasse desfeita a festa do dia seguinte, sábado pascal, 
                    exigiram os judeus que fosse logo retirado da cruz o corpo 
                    do Senhor. Mas como não podiam retirar o sentenciado antes 
                    de estar certamente morto, vieram alguns algozes, com 
                    pesadas clavas de ferro, e quebraram as pernas aos dois 
                    ladrões crucificados. Aproximaram-se também do corpo de 
                    Jesus. Enquanto chorava a morte de seu Filho, vê Maria esses 
                    homens armados que se chegam a Jesus. Estremece de terror, 
                    mas logo lhes diz: Ai! meu Filho já está morto: deixai de 
                    ultrajá-lo ainda mais, e de ainda mais me atormentar o pobre 
                    coração de mãe desolada! Pediu que não lhe quebrassem as 
                    pernas, observa Boaventura Baduário. Mas enquanto assim 
                    falava, vê um soldado erguer com ímpeto a lança e com ela 
                    abrir o lado de Jesus. ‘Um dos soldados lhe abriu (a Jesus) 
                    o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água’ (Jo 
                    19, 34). A esse golpe de lança tremeu a cruz e o Coração de 
                    Jesus foi dividido, como por revelação o soube Santa 
                    Brígida. Saiu sangue e água, pois do primeiro restavam 
                    apenas essas últimas gotas. Quis o Salvador derramá-las para 
                    nos mostrar que já não tinha sangue que nos dar. Foi para 
                    Jesus a injúria desse golpe de lança, mas a dor sentiu-a a 
                    Virgem Mãe, diz Landspérgio. Querem os Santos Padres que 
                    tenha sido propriamente essa a espada predita à Virgem por 
                    Simeão. Não foi uma espada de aço, mas de dor que 
                    transpassou a sua alma bendita, no Coração de Jesus onde 
                    sempre morava. Entre outros, diz São Bernardo: A lança, que 
                    abriu o lado de Jesus, transpassou a alma da Virgem, que não 
                    podia separar-se do Filho. Ao ser retirada a lança — revelou 
                    a Mãe de Deus a Santa Brígida — o sangue de meu Filho 
                    tingia-lhe a ponta; parecia-me nesse momento que meu coração 
                    estava transpassado, ao ver que o do meu Filho fora rasgado 
                    pelo golpe. E à mesma santa disse o anjo, que só por um 
                    milagre escapou Maria de morrer naquela ocasião. Nas outras 
                    dores, a Virgem tinha o Filho a seu lado, mas nem semelhante 
                    conforto lhe resta agora”. 
                    
                    Apenas 
                    retirarem-se os soldados, executores de tão triste mandato; 
                    outra comitiva sobe o Calvário, não mais para ultrajar o 
                    santo cadáver, todavia não sem causar nova dor à Maria 
                    Santíssima. José de Arimatéia, nobre de nascimento, elevado 
                    em dignidade, um do Sinédrio, mas que não consentiu na 
                    condenação de Jesus, se apresentou a Pilatos e declarando-se 
                    discípulo de Nosso Senhor, pediu que lhe fosse entregue seu 
                    corpo. Santo Anselmo diz que “... 
                    é de parecer que isto alcançasse por compaixão da 
                    desconsolada Mãe”. A este se juntou Nicodemos, 
                    também príncipe do povo, que mandou vir os aromas próprios 
                    para embalsamar o cadáver, e com a mais terna devoção se 
                    avizinham à cruz, e sobem por uma escada, a fim de podê-lo 
                    despregar. Nossa Senhora, João e Maria Madalena, ficam ao pé 
                    da cruz para o receberem nos braços. O centurião e outros 
                    devotos a, pouca distância, observam esta piedosa cerimônia. 
                    Um José recebeu a Jesus Cristo no nascimento, outro José o 
                    recebe na morte; o primeiro O envolveu em panos, este em um 
                    lençol. Mas antes tiram suavemente a coroa da Sagrada Cabeça 
                    de Jesus, a qual, com dificuldade, desapegam dos cabelos e a 
                    entregam à Virgem Mãe. O mesmo fazem com os cravos que toda 
                    a comitiva beija debulhada em lágrimas; finalmente descem 
                    lentamente o Sagrado Corpo de Cristo Jesus; São João O 
                    recebe, tendo-O pelos braços, e a Madalena pelos pés, até 
                    depositá-Lo sobre os joelhos de Nossa Senhora. Ó Virgem 
                    Santíssima, vós destes o vosso Filho ao mundo para nossa 
                    salvação, e hoje vo-Lo restituem, mas de que modo? Todo 
                    desfigurado, ensangüentado, quase sem forma humana: 
                    “Não tinha beleza nem esplendor que 
                    pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos 
                    deleitar” 
                    (Is 53, 2). Ó, quantas 
                    espadas atravessaram hoje vosso coração! Todos ficam como 
                    petrificados! Nossa Senhora, assentada e encostada na cruz, 
                    contempla Nosso Senhor, percorrendo uma por uma as  chagas, 
                    arranca com delicadeza os espinhos que lhe ficaram na 
                    cabeça, concerta-lhe os cabelos e procura fechar-lhe as 
                    cicatrizes. João reclina de novo a cabeça sobre seu peito, 
                    Madalena abraça de novo esses pés sagrados, José e Nicodemos 
                    de joelhos, adoram silenciosos tão profundos mistérios; o 
                    centurião imóvel, contempla esse quadro que lhe despedaça a 
                    alma e todos os demais choram amargamente... Que quadro 
                    admirável e que recordações para Maria Santíssima! Nossa 
                    Senhora levanta os olhos e vê perto de si a João que 
                    substitui seu Jesus, mas o vê em aflição extrema, em José de 
                    Arimatéia, parecia-lhe ver seu esposo; Nicodemos com seus 
                    aromas, recorda-lhe as ofertas dos Reis do oriente... tudo 
                    fala a Maria Santíssima, tudo enternece a sua alma. 
                    
                    
                    Santo Afonso Maria de Ligório 
                    escreve: “A atribulada 
                    Senhora receava, entretanto, que fizessem outras injúrias a 
                    seu amado Filho. Pediu a José de Arimatéia que lhe 
                    obtivesse, por isso, de Pilatos, o corpo de Jesus, para que 
                    ao menos depois de morto o pudesse preservar dos ultrajes 
                    dos judeus. Foi José ter com Pilatos, expôs-lhe a dor e o 
                    desejo da aflita Mãe. Segundo o Pseudo-Anselmo, Pilatos, 
                    compadecendo-se da Mãe, lhe concedeu o corpo do Redentor. 
                    Eis que descem o Salvador da cruz em que morrera! Ó Virgem 
                    sacrossanta, destes com tanto amor vosso Filho ao mundo, e 
                    vede como ele vo-lo entrega! Por Deus, exclama a Senhora, em 
                    que estado, ó mundo, me entregas meu amado Filho! Era ele o 
                    meu querido, branco e rosado (Ct 5, 10); e tu mo entregas 
                    negro pelas contusões e rubro não pela cor, mas pelas chagas 
                    de que o cobriste?! Era belo e ei-lo agora desfigurado ! 
                    Encantava com seu aspecto, mas causa horror agora a quem o 
                    vê! Quantas espadas feriram a alma dessa Mãe, quando em seus 
                    braços depuseram o Filho descido da cruz, diz um autor sob o 
                    nome de São Boaventura. Contemplemos o indizível sofrimento 
                    de uma mãe à vista do seu filho sem vida. 
                    
                    
                    Conforme as 
                    revelações de Santa Brígida, encostaram três escadas para 
                    descerem o corpo de Jesus. Primeiro, desprenderam os santos 
                    discípulos as mãos, depois os pés e entregaram os cravos a 
                    Maria, como refere Metafrastres. Segurando o corpo de Jesus, 
                    um por cima e outro por baixo, o desceram da cruz. 
                    
                    
                    Ergue-se a Mãe, 
                    relata Bernardino de Busti, estende os braços para o Filho, 
                    abraça-O e senta-se aos pés da cruz. Contempla-Lhe a boca 
                    aberta e os olhos obscurecidos; examina Seu corpo rasgado 
                    pelas chagas e os ossos descobertos. Tira-Lhe a coroa, e vê 
                    que horríveis chagas os espinhos fizeram naquela sagrada 
                    cabeça. Olha finalmente as mãos e os pés transpassados pelos 
                    cravos e diz: Ah! Filho, a que extremos te reduziu teu amor 
                    pelos homens! Que mal lhes fizeste para que assim te 
                    maltratassem? Tu me eras pai, irmão e esposo, fá-la dizer 
                    Bernardino de Busti; eras minha glória, minha delícia e meu 
                    tudo. Filho, vê como estou aflita, olha-me e consola-me. Mas 
                    não me falas mais, porque estás morto. E dirigindo-se aos 
                    instrumentos de martírio: Ó espinhos cruéis, ó desapiedada 
                    lança, como pudestes assim atormentar vosso Criador? Mas por 
                    que acuso os espinhos e os cravos? Ah! pecadores, fostes vós 
                    que assim maltratastes a meu Filho! 
                    
                    
                    Assim, então, Maria 
                    se queixou de nós. E se agora pudesse sofrer, que diria? Que 
                    pena sentiria, vendo que os homens, mesmo após a morte de 
                    Jesus, continuam a maltratá-Lo e crucificá-Lo com seus 
                    pecados? Nunca mais atormentemos, pois, essa Mãe aflita! Se 
                    pelo passado a afligimos com nossas culpas, façamos agora o 
                    que ela nos diz. Mas que é que nos diz? ‘Tomai isto a sério, 
                    vós prevaricadores’ (Is 46, 8). Pecadores, voltai ao ferido 
                    Coração de Jesus; arrependei-vos, que Ele vos acolherá. Pelo 
                    abade Guerrico, nos diz ainda a Senhora: Fugi de Jesus, 
                    vosso Juiz, para Jesus, vosso Salvador; fugi do tribunal 
                    para a cruz! 
                    
                    
                    A Santíssima Virgem 
                    revelou a Santa Brígida que, quando desceram seu Filho da 
                    cruz, ela lhe cerrou os olhos, mas não pôde fechar os 
                    braços. Jesus dava-nos assim a entender, que seus braços hão 
                    de ficar sempre abertos para acolher todos os pecadores 
                    arrependidos. 
                    
                    
                    Ó mundo, continua 
                    Maria, ‘eis que agora estás no tempo, no tempo de amor’ (Ez 
                    16, 18). Meu Filho morreu para salvar-te; já não é para ti 
                    um tempo de temor, mas de amor. É tempo de amares Aquele que 
                    tanto quis sofrer, para provar quanto te ama. O Coração de 
                    Jesus foi ferido, diz São Boaventura, a fim de nos mostrar 
                    pela chaga visível o seu amor invisível. E alhures o Santo 
                    faz Maria dizer: Se meu Filho quis que lhe fosse aberto o 
                    lado para dar-te seu coração, é justo que lhe dês também o 
                    teu. 
                    
                    
                    Se, portanto, 
                    quereis, ó filhos de Maria, achar lugar no Coração de Jesus, 
                    sem receio de repulsa, ide a Ele juntamente com Maria, por 
                    quem alcançareis tal graça. Assim nos exorta Hubertino de 
                    Casale”. 
                    
                    Torna 
                    Nossa Senhora a fitar os olhos no objeto do seu amor, e 
                    considera o estrago que fez n’Ele a barbaridade humana. Ó 
                    espinhos cruéis que assim coroastes o Rei da glória, aquele 
                    que os Anjos adoram nos Céus! Ó cravos desumanos que 
                    transpassastes essas mãos benéficas que multiplicaram os 
                    pães, que deram vista aos cegos, que ressuscitaram os 
                    mortos! Ó lança ferina que ousastes tocar, ferir, penetrar e 
                    partir a essa fonte de amor! Mas que espinhos, que cravos, 
                    que lança! Somos nós, ó pecadores, que temos reduzido Jesus 
                    a este estado tão lastimoso. Entretanto o pecador não se 
                    move à penitência, ao arrependimento: eis o que, sobretudo, 
                    dilacerava o coração da Santíssima Virgem e que lhe fazia 
                    derramar tão amargas lágrimas. 
                    
                    Eis o 
                    livro no qual devem ler todos os cristãos; eis as chagas, as 
                    feridas que todos devem meditar e, sobretudo, esse Coração 
                    aberto que todos devem estudar. Este é o Coração que não 
                    duvidou descer à terra por nosso amor, que se ofereceu ao 
                    Eterno Pai para nos tirar da escravidão do demônio, que 
                    sobre a cruz pediu por nós perdão, e que tinha ainda sede de 
                    sofrimentos: “No Coração de meu 
                    Jesus quero viver, padecer e agir de acordo com os seus 
                    desígnios e é por ele que quero amar e aprender a sofrer 
                    bem. Entrego-lhe todas as minhas ações, para que delas 
                    disponha conforme sua vontade e repare as faltas que 
                    cometerei” 
                    (Santa Margarida Maria Alacoque, Sentimentos dos Retiros 
                    III).  Nossa Senhora 
                    foi a primeira que penetrou nesse augusto santuário, meditou 
                    e compreendeu esse amor, foi a primeira que adorou esse 
                    Coração como fonte de todas as graças, foi a primeira que 
                    escutou as pulsações desse amor imenso. São João estudando 
                    esse Coração, penetrou-lhe os mais profundos segredos; Santa 
                    Maria Madalena fez d’Ele suas delícias pelo espaço de trinta 
                    e tantos anos; a São Filipe Néri se lhe arrebentaram até as 
                    costelas; a Santa Teresa de Jesus lhe fez um Anjo com uma 
                    lança experimentar sensivelmente essa ferida de amor... E 
                    Jesus nestes últimos tempos, aparecendo à Santa Margarida 
                    Maria Alacoque, mostrou-lhe seu Coração todo abrasado e a 
                    encarregou de propagar esta devoção, prometendo-lhe que 
                    seria como um canal de abundantes graças. 
                    
                    Entremos, 
                    portanto, nesse Coração abrasado, estudemos essas pulsações 
                    amorosas, meditemos esse mistério de um Deus morto por nós, 
                    mas que vive e viverá eternamente para nos amar, se queremos 
                    ter parte em seus favores nesta vida e nas recompensas que 
                    promete na outra:  
                    “Ó bom e amável 
                    Coração de Jesus, como é infeliz o coração que não vos ama! 
                    Morrestes na cruz por amor dos homens, sem nenhum alívio. 
                    Como podem os homens viver sem pensar em vós? Ó amor de 
                    Deus! Ó ingratidão humana! Ó homens, olhai o Cordeiro de 
                    Deus inocente, que agoniza e morre na cruz por vós, para 
                    aplacar a justiça divina pelos vossos pecados e assim vos 
                    atrair ao seu amor. Vede como ele pede a seu Pai Celeste 
                    para que vos perdoe. Vede e amai-o! Meu Jesus, são tão 
                    poucos vos amam! Infeliz de mim, passei tantos anos sem 
                    pensar em vós e vos ofendi tantas vezes. Meu amado Redentor, 
                    fazei-me chorar não tanto pelos castigos que mereci, mas 
                    pelo amor que me tendes. Dores, humilhações, chagas e morte 
                    de Jesus, amor de Jesus, fixai-os em meu coração. Viva 
                    sempre em mim a vossa lembrança, fira-me continuamente e me 
                    abrase de amor!  Amo-vos, meu Jesus, meu sumo bem. Amo-vos, 
                    meu amor, meu tudo! Amo-vos e quero vos amar sempre. Não 
                    permitais que vos abandone e vos perca jamais. Fazei que eu 
                    seja todo vosso; fazei-o pelos merecimentos de vossa morte 
                    na qual tenho firme confiança”  
                    (Santo Afonso 
                    Maria de Ligório), 
                    e: 
                    “Ó bom Jesus, quão belo e agradável é habitar em vosso Coração! É ele 
                    a pérola preciosa, o rico tesouro que descobrimos no segredo 
                    de vosso Corpo traspassado, como no campo escavado… Quanto a 
                    mim, achei vosso Coração… ó Jesus benigníssimo, Coração de 
                    Rei, Coração de Irmão. Escondido em vós, não rezarei eu? 
                    Rezarei, sim! Já vosso Coração – digo-o francamente – é 
                    também meu coração. Se vós, ó Jesus, sois minha Cabeça, como 
                    pois o que faz parte de meu corpo não deverá dizer-se meu? 
                     Que alegria para mim! Eis: vós, ó Jesus, e eu temos um só e 
                    mesmo coração… Entretanto, tendo achado, ó Jesus, 
                    dulcíssimo, este coração divino que é vosso e é meu, rezarei 
                    a vós, Deus meu! Acolhei, no santuário das audiências, 
                    minhas orações, aliás, arrebatai-me todo para dentro de 
                    vosso Coração. Meus pecados me impediriam a entrada… Mas, 
                    assim como uma incompreensível caridade dilatou e ampliou 
                    vosso Coração, e assim como só vós podeis purificar o que 
                    foi concebido em pecado, ó Jesus dulcíssimo, lavai-me da 
                    culpa, purificai-me de meus pecados. Por vós purificado 
                    possa eu, puríssimo, chegar-me a vós, entrar e morar em 
                    vosso Coração todos os dias da minha vida, para saber e 
                    fazer tudo o que quereis de mim!”  
                    (São Boaventura). 
                      
                    
                    
                    “Ó Virgem dolorosa, 
                    ó alma grande pelas virtudes e também pelas dores, pois que 
                    ambas nascem do grande incêndio do amor que tendes a Deus, o 
                    único objeto amado por vosso coração. Ah! Minha Mãe, tende 
                    piedade de mim, que não tenho amado a Deus e tanto o tenho 
                    ofendido. Vossas dores me enchem de grande confiança e me 
                    fazem esperar o perdão. Mas isso não me basta; quero amar a 
                    meu Senhor. E quem me pode alcançar essa graça melhor que 
                    vós, que sois a Mãe do belo amor? Ah! Maria, a todos 
                    consolastes; consolai também a mim. Amém.”  
                    (Santo Afonso Maria de Ligório). 
                    
                      
                    
                    
                    Pe. Divino Antônio Lopes FP. 
                    
                    
                    Anápolis, 12 de fevereiro de 2008 
                    
                      
                    
                      
                    
                    
                    Bibliografia 
                    
                      
                    
                    
                    Bíblia Sagrada 
                    
                    
                    Santo Afonso 
                    Maria de Ligório, Glórias de Maria 
                    
                    
                    Pe. Gabriel de 
                    Santa Maria Madalena, Intimidade Divina 
                    
                    
                    Santa Margarida 
                    Maria Alacoque, Doutrina e Espiritualidade 
                    
                    
                    Sacerdote da Congregação da Missão, Sagrada Paixão de Nosso  Senhor 
                    Jesus Cristo e Dores de Maria Santíssima 
                      
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