SEXTA DOR DE NOSSA SENHORA
Acabavam
de se cumprir as promessas feitas desde o princípio do
mundo; acabava de se reconciliar o Céu com a terra; acabava
Jesus de expirar sobre o Calvário, e sua bendita alma tinha
ido regozijar a multidão que a esperava no limbo, mas seu
Sagrado Corpo estava ainda suspenso na cruz. Maria
Santíssima fitava seus olhos no objeto do seu amor, e
agrupada com as outras piedosas mulheres, contemplava o
estrago que o pecado fizera no Unigênito Filho de Deus. Um
lúgubre silêncio reinava sobre o Calvário, unicamente
interrompido pelos passos dos soldados, pelos soluços das
mulheres piedosas, pelos suspiros dos ladrões agonizantes; e
Nossa Senhora rezando interiormente pedia ao Eterno Pai, que
visto se achar consumado o grande sacrifício e satisfeita a
infinita justiça de Deus, fizesse agora brilhar a sua
infinita misericórdia.
Santo
Afonso Maria de Ligório escreve:
“Ó vós todos, que passais pela estrada, atendei e vede, se há dor
semelhante á minha dor’ (Lm 1, 12). Almas devotas, escutai o
que hoje vos diz a Mãe dolorosa: Filhas diletas, não quero
que procureis consolar-me, porque meu coração já não pode
achar consolação na terra, depois da morte de meu caro
Jesus. Se quereis dar-me gosto, vinde e vede se houve no
mundo dor semelhante à minha, ao ver como me arrebataram com
tanta crueldade Aquele que era todo o meu amor. Mas,
Senhora, já que não buscais consolo, mas antes sofrimento,
eu vos direi que nem com a morte de vosso Filho findaram as
vossas dores. Ainda hoje, daqui a pouco, sereis ferida
dolorosamente por uma espada. Vereis uma lança cruel
transpassar o lado de vosso Filho, já sem vida. E depois
tereis de receber, em vossos braços, seu corpo descido da
cruz.
Estamos na sexta dor da pobre Mãe de Jesus. Contemplemo-la
com atenção e lágrimas de piedade. Até então vieram as dores
cruciar Maria, uma a uma. Mas agora assaltaram-na todas
juntas. Basta dizer a uma mãe que seu filho morreu, para
toda inflamá-la o amor ao filho que a deixou. Para consolo
das mães atribuladas com a perda de algum filho, costumam
pessoas recordar-lhes os desgostos que deles receberam.
Porém eu, ó minha Rainha, se quisesse consolar-vos pela
morte de Jesus, onde acharia algum desgosto dado por Ele,
para vo-lo recordar? Ah! Ele sempre vos amara, sempre vos
obedecera e respeitara. Agora o perdestes. Quem há que possa
exprimir vossa aflição? Exprimi-a vós mesma, que cruelmente
a sofrestes!
Morto nosso Redentor, diz um piedoso autor, acompanharam-lhe
a alma santíssima, os amorosos afetos da excelsa Mãe, para
apresentá-la ao Eterno Pai. Disse talvez o seguinte:
‘Apresento-vos, ó meu Deus, a alma imaculada do meu e vosso
Filho, que vos obedeceu até à morte; recebei-a em vossos
braços. Eis satisfeita a vossa justiça e executada a vossa
vontade; eis consumado o grande sacrifício para a eterna
glória vossa’. Voltando-se depois para o corpo inanimado de
seu Jesus: ‘Ó chagas, disse então, chagas amáveis,
congratulo-me convosco, porque por meio de vós foi dada a
salvação ao mundo. Permanecereis abertas no corpo de meu
Filho, como refúgio de todos quantos recorrem a vós. Quantos
por vós hão de receber o perdão de seus pecados e
inflamar-se no amor do Sumo Bem!”
Parece que
morrendo Jesus, deviam acabar ou pelo menos diminuir as
dores da Virgem Maria, e às três horas de angústias
incompreensíveis suceder algum descanso a seu despedaçado
coração; mas a opressão da dor interior, como o cansaço
corporal, costuma-se fazer sentir com mais intensidade,
quando tudo parece estar acabado; nosso coração começa a
sofrer mais sensivelmente na tranqüilidade que sucede à
desgraça.
Todas as
dores têm um caráter particular que lhes é próprio, e pode
acontecer que uma aflição que em si parece menor, todavia
seja maior do que outra por causa do tempo, lugar e mais
circunstâncias que a acompanham, tal é, pois, o caráter da
sexta dor de Nossa Senhora; uma nova e incompreensível
aflição... aflição de um mal consumado. Não, Virgem
Santíssima, com a morte do vosso Bendito Filho, não se
acabam as vossas angústias, mas uma nova espada irá ferir e
transpassar seu maternal coração.
Os maiores
criminosos eram ordinariamente condenados ao suplício da
cruz por ser uma morte lenta e por isso mais dolorosa, e que
acabava quase sempre pelo quebramento das pernas; a fim de
apressar a morte, os inimigos de Jesus requerem a aplicação
desta lei, e tendo-a alcançado, um grupo de soldados sobe ao
Calvário para a executar. Quão terrível devia ser este
instante para a Virgem Santíssima! Vê esta nova coorte não
dirigida pelo centurião já convertido, mas pelos mais
implacáveis inimigos de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nota com
ansiedade todos os movimentos e os pesados malhos que agitam
nas mãos. Ouve o estalar dos ossos do resignado ladrão
penitente e os gritos espantosos do ladrão blasfemador. Já
está esperando Nossa Senhora novo sacrilégio contra Jesus.
Se Oza por tocar com irreverência a Arca mereceu a morte,
quanto mais a merecerão os que se atrevem a quebrar esta
Arca que está intimamente unida à divindade? Que fará Maria
Santíssima neste momento? Se se cala, vão executar o pérfido
mandato; se suplica, não será atendida por esses cruéis; se
clama, servirá somente para instigar a maldade já
assentada... Será possível, ó meu Jesus, que se execute esta
nova barbaridade? Já não bastará aos vossos inimigos essa
humilhante coroa em vossa cabeça, essas mãos e pés
transpassados, esse peito e costelas tão descarnados, e
vosso corpo, desde os pés até a cabeça, todo chagado? Sim,
reconhecem os soldados estar Jesus realmente morto,
renunciam executar esta crueldade, cumprindo assim a ordem
de Deus: “Nenhum osso lhe será
quebrado”
(Jo
19, 36). Mas cometem,
todavia, um novo sacrilégio, porque um soldado, para
divertir a companhia, apontando um lança lha encravou no
Coração do Salvador: “Mas um dos
soldados transpassou-lhe o lado com a lança...”
(Jo 19, 34).
Ao golpe da lança estremeceu a cruz, e o Sagrado Coração de
Jesus ficou partido, mas a dor foi toda de Maria
Santíssima; cumprindo-se então literalmente a profecia de
São Simeão, cravando essa espada que pelo espaço de trinta e
três anos estava suspensa sobre o coração de Nossa Senhora.
Para que, ó Eterno Pai, permitis esta nova ferida, permitis
que seja partido o Coração do Vosso Filho? Será para O
insultarem ainda? Mas não está Ele já todo coberto de
opróbrios? Será por estarem ainda sedentos de sangue? Mas já
não foi Ele todo derramado? Será para acabar de um só golpe
com essa vida preciosa? Mas já a deu por nós, já se acha
extinta! Será para que cesse de nos amar, de palpitar por
nós? Não, ele não cessará; esse Coração que desde a
Encarnação se ofereceu por nós, viveu por nós, morreu por
nós, estará conosco até a consumação dos séculos... O golpe
da lança foi na verdade o maior sacrilégio: penetrar neste
íntimo santuário de Jesus, insultar a fonte das graças,
partir com um ferro cruel o centro do amor, foi certamente
uma das maiores agressões, e, todavia, a permite Deus por um
novo afeito da sua infinita misericórdia, como se seu amor
não estivesse ainda satisfeito de nos ter dado até a última
gota do seu sangue, quis ainda nos abrir esta porta de
refúgio, pela qual começou a entrar o mesmo Longino, que lhe
tinha cravado a lança no peito.
Santo Afonso Maria de Ligório
escreve: “Para que não
ficasse desfeita a festa do dia seguinte, sábado pascal,
exigiram os judeus que fosse logo retirado da cruz o corpo
do Senhor. Mas como não podiam retirar o sentenciado antes
de estar certamente morto, vieram alguns algozes, com
pesadas clavas de ferro, e quebraram as pernas aos dois
ladrões crucificados. Aproximaram-se também do corpo de
Jesus. Enquanto chorava a morte de seu Filho, vê Maria esses
homens armados que se chegam a Jesus. Estremece de terror,
mas logo lhes diz: Ai! meu Filho já está morto: deixai de
ultrajá-lo ainda mais, e de ainda mais me atormentar o pobre
coração de mãe desolada! Pediu que não lhe quebrassem as
pernas, observa Boaventura Baduário. Mas enquanto assim
falava, vê um soldado erguer com ímpeto a lança e com ela
abrir o lado de Jesus. ‘Um dos soldados lhe abriu (a Jesus)
o lado com uma lança, e imediatamente saiu sangue e água’ (Jo
19, 34). A esse golpe de lança tremeu a cruz e o Coração de
Jesus foi dividido, como por revelação o soube Santa
Brígida. Saiu sangue e água, pois do primeiro restavam
apenas essas últimas gotas. Quis o Salvador derramá-las para
nos mostrar que já não tinha sangue que nos dar. Foi para
Jesus a injúria desse golpe de lança, mas a dor sentiu-a a
Virgem Mãe, diz Landspérgio. Querem os Santos Padres que
tenha sido propriamente essa a espada predita à Virgem por
Simeão. Não foi uma espada de aço, mas de dor que
transpassou a sua alma bendita, no Coração de Jesus onde
sempre morava. Entre outros, diz São Bernardo: A lança, que
abriu o lado de Jesus, transpassou a alma da Virgem, que não
podia separar-se do Filho. Ao ser retirada a lança — revelou
a Mãe de Deus a Santa Brígida — o sangue de meu Filho
tingia-lhe a ponta; parecia-me nesse momento que meu coração
estava transpassado, ao ver que o do meu Filho fora rasgado
pelo golpe. E à mesma santa disse o anjo, que só por um
milagre escapou Maria de morrer naquela ocasião. Nas outras
dores, a Virgem tinha o Filho a seu lado, mas nem semelhante
conforto lhe resta agora”.
Apenas
retirarem-se os soldados, executores de tão triste mandato;
outra comitiva sobe o Calvário, não mais para ultrajar o
santo cadáver, todavia não sem causar nova dor à Maria
Santíssima. José de Arimatéia, nobre de nascimento, elevado
em dignidade, um do Sinédrio, mas que não consentiu na
condenação de Jesus, se apresentou a Pilatos e declarando-se
discípulo de Nosso Senhor, pediu que lhe fosse entregue seu
corpo. Santo Anselmo diz que “...
é de parecer que isto alcançasse por compaixão da
desconsolada Mãe”. A este se juntou Nicodemos,
também príncipe do povo, que mandou vir os aromas próprios
para embalsamar o cadáver, e com a mais terna devoção se
avizinham à cruz, e sobem por uma escada, a fim de podê-lo
despregar. Nossa Senhora, João e Maria Madalena, ficam ao pé
da cruz para o receberem nos braços. O centurião e outros
devotos a, pouca distância, observam esta piedosa cerimônia.
Um José recebeu a Jesus Cristo no nascimento, outro José o
recebe na morte; o primeiro O envolveu em panos, este em um
lençol. Mas antes tiram suavemente a coroa da Sagrada Cabeça
de Jesus, a qual, com dificuldade, desapegam dos cabelos e a
entregam à Virgem Mãe. O mesmo fazem com os cravos que toda
a comitiva beija debulhada em lágrimas; finalmente descem
lentamente o Sagrado Corpo de Cristo Jesus; São João O
recebe, tendo-O pelos braços, e a Madalena pelos pés, até
depositá-Lo sobre os joelhos de Nossa Senhora. Ó Virgem
Santíssima, vós destes o vosso Filho ao mundo para nossa
salvação, e hoje vo-Lo restituem, mas de que modo? Todo
desfigurado, ensangüentado, quase sem forma humana:
“Não tinha beleza nem esplendor que
pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos
deleitar”
(Is 53, 2). Ó, quantas
espadas atravessaram hoje vosso coração! Todos ficam como
petrificados! Nossa Senhora, assentada e encostada na cruz,
contempla Nosso Senhor, percorrendo uma por uma as chagas,
arranca com delicadeza os espinhos que lhe ficaram na
cabeça, concerta-lhe os cabelos e procura fechar-lhe as
cicatrizes. João reclina de novo a cabeça sobre seu peito,
Madalena abraça de novo esses pés sagrados, José e Nicodemos
de joelhos, adoram silenciosos tão profundos mistérios; o
centurião imóvel, contempla esse quadro que lhe despedaça a
alma e todos os demais choram amargamente... Que quadro
admirável e que recordações para Maria Santíssima! Nossa
Senhora levanta os olhos e vê perto de si a João que
substitui seu Jesus, mas o vê em aflição extrema, em José de
Arimatéia, parecia-lhe ver seu esposo; Nicodemos com seus
aromas, recorda-lhe as ofertas dos Reis do oriente... tudo
fala a Maria Santíssima, tudo enternece a sua alma.
Santo Afonso Maria de Ligório
escreve: “A atribulada
Senhora receava, entretanto, que fizessem outras injúrias a
seu amado Filho. Pediu a José de Arimatéia que lhe
obtivesse, por isso, de Pilatos, o corpo de Jesus, para que
ao menos depois de morto o pudesse preservar dos ultrajes
dos judeus. Foi José ter com Pilatos, expôs-lhe a dor e o
desejo da aflita Mãe. Segundo o Pseudo-Anselmo, Pilatos,
compadecendo-se da Mãe, lhe concedeu o corpo do Redentor.
Eis que descem o Salvador da cruz em que morrera! Ó Virgem
sacrossanta, destes com tanto amor vosso Filho ao mundo, e
vede como ele vo-lo entrega! Por Deus, exclama a Senhora, em
que estado, ó mundo, me entregas meu amado Filho! Era ele o
meu querido, branco e rosado (Ct 5, 10); e tu mo entregas
negro pelas contusões e rubro não pela cor, mas pelas chagas
de que o cobriste?! Era belo e ei-lo agora desfigurado !
Encantava com seu aspecto, mas causa horror agora a quem o
vê! Quantas espadas feriram a alma dessa Mãe, quando em seus
braços depuseram o Filho descido da cruz, diz um autor sob o
nome de São Boaventura. Contemplemos o indizível sofrimento
de uma mãe à vista do seu filho sem vida.
Conforme as
revelações de Santa Brígida, encostaram três escadas para
descerem o corpo de Jesus. Primeiro, desprenderam os santos
discípulos as mãos, depois os pés e entregaram os cravos a
Maria, como refere Metafrastres. Segurando o corpo de Jesus,
um por cima e outro por baixo, o desceram da cruz.
Ergue-se a Mãe,
relata Bernardino de Busti, estende os braços para o Filho,
abraça-O e senta-se aos pés da cruz. Contempla-Lhe a boca
aberta e os olhos obscurecidos; examina Seu corpo rasgado
pelas chagas e os ossos descobertos. Tira-Lhe a coroa, e vê
que horríveis chagas os espinhos fizeram naquela sagrada
cabeça. Olha finalmente as mãos e os pés transpassados pelos
cravos e diz: Ah! Filho, a que extremos te reduziu teu amor
pelos homens! Que mal lhes fizeste para que assim te
maltratassem? Tu me eras pai, irmão e esposo, fá-la dizer
Bernardino de Busti; eras minha glória, minha delícia e meu
tudo. Filho, vê como estou aflita, olha-me e consola-me. Mas
não me falas mais, porque estás morto. E dirigindo-se aos
instrumentos de martírio: Ó espinhos cruéis, ó desapiedada
lança, como pudestes assim atormentar vosso Criador? Mas por
que acuso os espinhos e os cravos? Ah! pecadores, fostes vós
que assim maltratastes a meu Filho!
Assim, então, Maria
se queixou de nós. E se agora pudesse sofrer, que diria? Que
pena sentiria, vendo que os homens, mesmo após a morte de
Jesus, continuam a maltratá-Lo e crucificá-Lo com seus
pecados? Nunca mais atormentemos, pois, essa Mãe aflita! Se
pelo passado a afligimos com nossas culpas, façamos agora o
que ela nos diz. Mas que é que nos diz? ‘Tomai isto a sério,
vós prevaricadores’ (Is 46, 8). Pecadores, voltai ao ferido
Coração de Jesus; arrependei-vos, que Ele vos acolherá. Pelo
abade Guerrico, nos diz ainda a Senhora: Fugi de Jesus,
vosso Juiz, para Jesus, vosso Salvador; fugi do tribunal
para a cruz!
A Santíssima Virgem
revelou a Santa Brígida que, quando desceram seu Filho da
cruz, ela lhe cerrou os olhos, mas não pôde fechar os
braços. Jesus dava-nos assim a entender, que seus braços hão
de ficar sempre abertos para acolher todos os pecadores
arrependidos.
Ó mundo, continua
Maria, ‘eis que agora estás no tempo, no tempo de amor’ (Ez
16, 18). Meu Filho morreu para salvar-te; já não é para ti
um tempo de temor, mas de amor. É tempo de amares Aquele que
tanto quis sofrer, para provar quanto te ama. O Coração de
Jesus foi ferido, diz São Boaventura, a fim de nos mostrar
pela chaga visível o seu amor invisível. E alhures o Santo
faz Maria dizer: Se meu Filho quis que lhe fosse aberto o
lado para dar-te seu coração, é justo que lhe dês também o
teu.
Se, portanto,
quereis, ó filhos de Maria, achar lugar no Coração de Jesus,
sem receio de repulsa, ide a Ele juntamente com Maria, por
quem alcançareis tal graça. Assim nos exorta Hubertino de
Casale”.
Torna
Nossa Senhora a fitar os olhos no objeto do seu amor, e
considera o estrago que fez n’Ele a barbaridade humana. Ó
espinhos cruéis que assim coroastes o Rei da glória, aquele
que os Anjos adoram nos Céus! Ó cravos desumanos que
transpassastes essas mãos benéficas que multiplicaram os
pães, que deram vista aos cegos, que ressuscitaram os
mortos! Ó lança ferina que ousastes tocar, ferir, penetrar e
partir a essa fonte de amor! Mas que espinhos, que cravos,
que lança! Somos nós, ó pecadores, que temos reduzido Jesus
a este estado tão lastimoso. Entretanto o pecador não se
move à penitência, ao arrependimento: eis o que, sobretudo,
dilacerava o coração da Santíssima Virgem e que lhe fazia
derramar tão amargas lágrimas.
Eis o
livro no qual devem ler todos os cristãos; eis as chagas, as
feridas que todos devem meditar e, sobretudo, esse Coração
aberto que todos devem estudar. Este é o Coração que não
duvidou descer à terra por nosso amor, que se ofereceu ao
Eterno Pai para nos tirar da escravidão do demônio, que
sobre a cruz pediu por nós perdão, e que tinha ainda sede de
sofrimentos: “No Coração de meu
Jesus quero viver, padecer e agir de acordo com os seus
desígnios e é por ele que quero amar e aprender a sofrer
bem. Entrego-lhe todas as minhas ações, para que delas
disponha conforme sua vontade e repare as faltas que
cometerei”
(Santa Margarida Maria Alacoque, Sentimentos dos Retiros
III). Nossa Senhora
foi a primeira que penetrou nesse augusto santuário, meditou
e compreendeu esse amor, foi a primeira que adorou esse
Coração como fonte de todas as graças, foi a primeira que
escutou as pulsações desse amor imenso. São João estudando
esse Coração, penetrou-lhe os mais profundos segredos; Santa
Maria Madalena fez d’Ele suas delícias pelo espaço de trinta
e tantos anos; a São Filipe Néri se lhe arrebentaram até as
costelas; a Santa Teresa de Jesus lhe fez um Anjo com uma
lança experimentar sensivelmente essa ferida de amor... E
Jesus nestes últimos tempos, aparecendo à Santa Margarida
Maria Alacoque, mostrou-lhe seu Coração todo abrasado e a
encarregou de propagar esta devoção, prometendo-lhe que
seria como um canal de abundantes graças.
Entremos,
portanto, nesse Coração abrasado, estudemos essas pulsações
amorosas, meditemos esse mistério de um Deus morto por nós,
mas que vive e viverá eternamente para nos amar, se queremos
ter parte em seus favores nesta vida e nas recompensas que
promete na outra:
“Ó bom e amável
Coração de Jesus, como é infeliz o coração que não vos ama!
Morrestes na cruz por amor dos homens, sem nenhum alívio.
Como podem os homens viver sem pensar em vós? Ó amor de
Deus! Ó ingratidão humana! Ó homens, olhai o Cordeiro de
Deus inocente, que agoniza e morre na cruz por vós, para
aplacar a justiça divina pelos vossos pecados e assim vos
atrair ao seu amor. Vede como ele pede a seu Pai Celeste
para que vos perdoe. Vede e amai-o! Meu Jesus, são tão
poucos vos amam! Infeliz de mim, passei tantos anos sem
pensar em vós e vos ofendi tantas vezes. Meu amado Redentor,
fazei-me chorar não tanto pelos castigos que mereci, mas
pelo amor que me tendes. Dores, humilhações, chagas e morte
de Jesus, amor de Jesus, fixai-os em meu coração. Viva
sempre em mim a vossa lembrança, fira-me continuamente e me
abrase de amor! Amo-vos, meu Jesus, meu sumo bem. Amo-vos,
meu amor, meu tudo! Amo-vos e quero vos amar sempre. Não
permitais que vos abandone e vos perca jamais. Fazei que eu
seja todo vosso; fazei-o pelos merecimentos de vossa morte
na qual tenho firme confiança”
(Santo Afonso
Maria de Ligório),
e:
“Ó bom Jesus, quão belo e agradável é habitar em vosso Coração! É ele
a pérola preciosa, o rico tesouro que descobrimos no segredo
de vosso Corpo traspassado, como no campo escavado… Quanto a
mim, achei vosso Coração… ó Jesus benigníssimo, Coração de
Rei, Coração de Irmão. Escondido em vós, não rezarei eu?
Rezarei, sim! Já vosso Coração – digo-o francamente – é
também meu coração. Se vós, ó Jesus, sois minha Cabeça, como
pois o que faz parte de meu corpo não deverá dizer-se meu?
Que alegria para mim! Eis: vós, ó Jesus, e eu temos um só e
mesmo coração… Entretanto, tendo achado, ó Jesus,
dulcíssimo, este coração divino que é vosso e é meu, rezarei
a vós, Deus meu! Acolhei, no santuário das audiências,
minhas orações, aliás, arrebatai-me todo para dentro de
vosso Coração. Meus pecados me impediriam a entrada… Mas,
assim como uma incompreensível caridade dilatou e ampliou
vosso Coração, e assim como só vós podeis purificar o que
foi concebido em pecado, ó Jesus dulcíssimo, lavai-me da
culpa, purificai-me de meus pecados. Por vós purificado
possa eu, puríssimo, chegar-me a vós, entrar e morar em
vosso Coração todos os dias da minha vida, para saber e
fazer tudo o que quereis de mim!”
(São Boaventura).
“Ó Virgem dolorosa,
ó alma grande pelas virtudes e também pelas dores, pois que
ambas nascem do grande incêndio do amor que tendes a Deus, o
único objeto amado por vosso coração. Ah! Minha Mãe, tende
piedade de mim, que não tenho amado a Deus e tanto o tenho
ofendido. Vossas dores me enchem de grande confiança e me
fazem esperar o perdão. Mas isso não me basta; quero amar a
meu Senhor. E quem me pode alcançar essa graça melhor que
vós, que sois a Mãe do belo amor? Ah! Maria, a todos
consolastes; consolai também a mim. Amém.”
(Santo Afonso Maria de Ligório).
Pe. Divino Antônio Lopes FP.
Anápolis, 12 de fevereiro de 2008
Bibliografia
Bíblia Sagrada
Santo Afonso
Maria de Ligório, Glórias de Maria
Pe. Gabriel de
Santa Maria Madalena, Intimidade Divina
Santa Margarida
Maria Alacoque, Doutrina e Espiritualidade
Sacerdote da Congregação da Missão, Sagrada Paixão de Nosso Senhor
Jesus Cristo e Dores de Maria Santíssima
|