SÉTIMA
DOR DE NOSSA SENHORA
(Jo 19, 40-42)
“40
Eles tomaram então o corpo de Jesus e o envolveram em panos
de linho com os aromas, como os judeus costumam sepultar.
41
Havia um jardim, no lugar onde ele fora crucificado e, no
jardim, um sepulcro novo, no qual ninguém fora ainda
colocado.
42 Ali,
então, por causa da Preparação dos judeus e porque o
sepulcro estava perto, eles depositaram Jesus”.
Enquanto a maior parte dos discípulos estavam amedrontados,
apavorados e ocultavam-se; alguns mais animados, tinham
subido o monte Calvário e ajudado ou assistido ao descimento
da cruz.
Contemplavam a Jesus todo chagado sobre os joelhos de sua
angustiada Mãe, e estavam agitados. Só no coração da
Santíssima Virgem reinava a tranqüilidade e o sossego,
afeito de sua perfeita resignação; só Nossa Senhora
suportava com heróica constância a dor que lhe despedaçava a
alma, mas não podia despregar os olhos do seu Amado Filho;
contemplava a Nosso Senhor, adorando seus decretos e
apertava Jesus entre seus braços.
Santo Afonso Maria de Ligório escreve:
“Uma mãe, que se
acha presente aos sofrimentos e à morte do filho, sente e
sofre incontestavelmente todas as suas dores. Mas depois,
quando o vê morto e prestes a ser sepultado, oh! Então, o
pensamento de deixá-lo, para nunca mais tornar a vê-lo,
causa-lhe uma dor que excede todas as outras dores. Eis a
sétima e última espada de dor. A Mãe Santíssima vira o Filho
morrer na cruz, recebera-O depois de morto, e agora vê-se
obrigada a deixá-Lo finalmente no sepulcro, para não mais
gozar de sua amável presença. Compreenderemos melhor esta
última dor da Senhora, se subirmos ao Calvário e aí
contemplarmos a desolada Mãe, ainda abraçada com o Filho
morto. Então bem podia repetir com Jó: Meu Filho,
mudastes-vos em cruel comigo (Jó 30, 21). Todas as vossas
belas prendas, vossa beleza, vossa graça, vossas virtudes,
vossas amáveis maneiras: todos os vossos testemunhos de
especial amor, todos os singulares favores que me
dispensastes, tudo, em outras tantas penas, se me tem
mudado. Quanto mais vossos benefícios em vosso amor me
inflamaram, tanto mais agravam agora a perda vossa. Ah!
Filho dileto, tudo perdi, vos perdendo! Ó verdadeiro Filho
de Deus, — assim a faz queixar-se Bernardino de Busti com
Pseudo-Bernardo — Vós me éreis pai, filho e esposo e vida;
agora estou sem pai, sem esposo, sem filho; perdi tudo, numa
palavra”.
Conhecendo então,
os discípulos, quanto esta vista dilacerava o coração de
Maria Santíssima, trataram de dar-Lhe sepultura. Por isso,
com uma doce violência, O tiram dos seus braços, e, sem
querer, acrescenta esta nova dor a todas as precedentes, a
separação de Jesus Cristo, a soledade, o abandono completo
do seu amor: eis qual é o objeto da sétima dor de Nossa
Senhora.
José e
Nicodemos se dispõem para levar o cadáver sacrossanto. Mas
não será Maria que lhe prestará este ofício? Ela que o
carregou na infância, como na fuga para o Egito? Não é Ela
essa mulher forte com a qual ninguém se pode comparar? É
verdade! Maria Santíssima é essa mulher forte, mas a
fortaleza que Deus lhe comunica é para padecer; além disso,
carregar o Sagrado Cadáver de Jesus seria alívio, como a Mãe
de Militão que o carregou com tanto gosto para ajuntá-lo aos
40 mártires ; mas este gosto, este alívio não devia ser
concedido à Rainha dos Mártires ; por isso, José e Nicodemos
levam a Jesus, e à Virgem Maria só é dado segui-los abismada
na mais profunda contemplação ; João e Maria Madalena levam
os instrumentos e os aromas, seguidos das outras piedosas
mulheres; e a esta comitiva se une o Centurião com a sua
profunda dor... O silêncio mais profundo acompanha este
Santo enterro: e na verdade, que dizer? Como falar? Que
palavras poderiam exprimir o sentimento de dor nesta
ocasião? Costuma-se dizer que a boca fala da abundância do
coração, mas há circunstâncias em que o coração está
demasiadamente cheio, prestes a ser sufocado, então nada
pode dizer. Neste estado se achava particularmente Maria
Santíssima, uma densa nuvem cobria seu coração; todos os
sacrifícios exigidos tinham-se realizado, faltava um só, e
este último ia se executar: faltava privar-se dos restos
mortais, faltava encerrar-se Jesus em um rochedo, faltava
entregá-Lo à guarda de soldados pagãos.
Santo
Afonso Maria de Ligório escreve:
“Deste modo
expandia a Mãe a sua dor, abraçada ao Filho sem vida. Mas os
santos discípulos receavam lhes expirasse de dor a pobre
Mãe, e por isso se apressam em tirar-lhe do regaço o Filho
sem vida. Fazendo-lhe, pois, respeitosa violência, tiram-no
dos braços, o embalsamam com aromas, envolvem-no numa
mortalha, preparada de propósito para ele. Nela quis o
Senhor deixar impressa sua imagem, como hoje ainda se vê em
Turim. Levam o Sagrado Corpo à sepultura. Forma-se o cortejo
fúnebre e os discípulos acompanham-no, juntamente com as
santas mulheres. Entre as últimas, caminha a Mãe dolorosa,
levando também ela o Filho à sepultura. Ter-se-ia a Senhora
de boa mente sepultado viva com o Filho, como reza uma sua
revelação a Santa Brígida. Mas, esta não sendo a divina
vontade, acompanhou resignada o sacrossanto corpo de Jesus
ao sepulcro, no qual, como refere Barônio, depositaram
também os cravos e a coroa de espinhos. No momento de
fechá-lo com a pedra, voltaram-se os discípulos para Maria
com as palavras: Eia, Senhora, vai ser fechado o túmulo.
Ânimo! Contemplai vosso Filho pela última vez e dai-lhe um
derradeiro adeus! Assim, pois, ó dileto Filho, teria então
dito talvez a Senhora, assim, pois, não mais te tornarei a
ver? Recebe com meu último olhar o último adeus de tua
aflita Mãe; recebe meu coração, que deixo contigo no
sepulcro! Era-lhe ardente o desejo de sepultar também sua
alma com o Filho, observa Vulgato Fulgêncio. A pobre Virgem
assim falou a Santa Brígida: Na sepultura de meu Filho
estavam sepultados dois corações. Finalmente, os discípulos
tomaram a pedra e fecharam no túmulo o corpo de Jesus,
aquele tesouro que não tem igual nem no céu nem na terra.
Intercalemos aqui uma digressão. Maria deixa seu coração
sepultado com Jesus, porque lhe é Jesus o único tesouro.
‘Porque onde está o vosso tesouro, aí está também o vosso
coração’ (Lc 12, 34). E nós, onde sepultaremos o nosso? Nas
criaturas, talvez? No desprezível pó? Por que não em Jesus?
Ainda que haja subido ao céu, quis, entretanto, permanecer
no meio de nós no Sacramento, justamente para possuir e
guardar nossos corações. Voltemos, porém, a Maria. Antes de
se afastar do sepulcro, bendisse àquela pedra sagrada, como
refere Boaventura Baduário: ‘Ó pedra feliz, que agora
encerras Aquele que tive nove meses no seio, eu te bendigo e
invejo. Deixo-te guardando este meu Filho que é todo o meu
bem, todo o meu amor’. E dirigindo-se ao Pai Eterno, rezou:
Meu Pai, a vós encomendo este Filho, que é vosso e meu”.
Chegam,
entretanto, ao
sepulcro que José para si tinha preparado e feito abrir na
rocha. Nossa Senhora se dispõe a amortalhar ela mesma o
sagrado corpo de Jesus Cristo; compõe pela última vez esses
membros preciosos, estende o Sudário, coloca suavemente o
seu Jesus com os instrumentos de seu martírio, e adora pela
última vez a seu Filho no sepulcro. Ninguém profere palavra,
quase ninguém respira! Todos olham atentamente, todos se
admiram como Maria Santíssima a tudo atende e tudo dispõe
perfeitamente! Trata-se finalmente de fechar o sepulcro. A
Virgem Maria levanta ainda o lençol para se certificar se
tudo estava em boa ordem, e para dar o último olhar, a
última despedida a Jesus; mas já não encontra esse olhar tão
suave de Jesus Cristo, com o qual tinha convertido a Pedro.
Seus olhos estão fechados! Essa boca da qual saíra tanta
sabedoria, tantas palavras de perdão, já não se abre! Essa
voz que imperava aos ventos, às tempestades, e metia em
movimento todos os elementos, está extinta; já não se faz
ouvir! Ó Maria, deixai cair o lençol, deixai que se feche o
sepulcro, deixai que façam rolar uma grande pedra por
segurança; bem sei que esta pedra mais pesará sobro vosso
coração, do que sobre o túmulo de Jesus: mas assim convém
que se cumpra.... Sim, talvez, que entre as dores de Maria,
nenhuma houvesse que fosse tão sensível, nenhuma que tanto
oprimisse seu coração. Diga-o quem perdeu um filho, um pai,
uma mãe querida; que será de Maria Santíssima neste instante
em que tem de se apartar do seu Jesus? Todos que se achavam
presentes romperam em amargo pranto, particularmente pelo
desamparo em que ficava Maria.
Concluídas
estavam as exéquias: volta toda essa piedosa companhia para
Jerusalém, passando de novo perto da cruz que se acha ainda
arvorada: apenas avista Nossa Senhora a cruz, para ela se
dirige a toda pressa, e caindo de joelhos, adora este santo
lenho tinto com o sangue do seu divino Filho; beija
devotamente o instrumento da Redenção do mundo nos lugares
mais ensangüentados, e ali fica imóvel no mais profundo
silêncio. Ah! Se admirável foi, ó Maria, o vosso Magnificat,
mais admirável ainda é hoje vosso silêncio! Mas,
consolai-vos, Maria, porque este santo lenho já não é mais
suplício infame, senão tesouro imenso de amor, altar de
misericórdia, monumento eterno da infinita bondade de Deus;
consolai-vos, Maria, porque vão se cumprir as profecias que
anunciaram que atrairia tudo a si, e não tardará ser
conhecida de uma a outra extremidade da terra, e repartida
em mil pedacinhos, será a relíquia mais preciosa que se
venerará em todas as partes do mundo.
O Pe. Beissel escreve:
“Os homens tomam o santo cadáver de
Jesus, sacrário verdadeiro da segunda pessoa da Santíssima
Trindade e o leva até o lugar, onde lhe prepararam a
sepultura. Chorando, Maria os segue, como a viúva de Naim
acompanhava o féretro do filho. Depositam o sagrado corpo na
gruta estreita, obscura e fria, e fecham esta com uma grande
pedra. José e Nicodemos despendem-se de Maria, que entre
lágrimas e soluços lhes agradece, e voltam para a cidade. Já
é tarde, Maria, porém, e com ela João e Madalena, permanecem
ainda junto ao túmulo, cheios de tristeza e de dor. É a dor,
que não acha palavra para se exprimir. O Sol já tinha
desaparecido atrás das montanhas, quando João, cortando o
silêncio, lembra voltarem ao lar. Passando pela cruz, que
ainda estendia os braços, Maria de deteve e, ajoelhada
disse: ‘Aqui meu diletíssimo Filho sacrificou tudo; esta
terra bebeu-lhe o sangue ‘(São Boaventura)”.
Entretanto
a noite ia se adiantado, era necessário descer do Calvário e
entrar na Cidade. Desce Maria Santíssima a passos lentos o
Monte Santo, porque a cada passo vai encontrando e
recordando circunstâncias que renovam as feridas do seu
coração: aqui caiu Jesus, ali foi insultado! Aqui a Verônica
lhe enxugou o rosto, ali foi empurrado com pontapés! Aqui
dirigiu doces palavras às filhas de Jerusalém, ali o Cireneu
foi constrangido a carregar parte do peso da cruz! Ali
finalmente se acha o lugar onde Ela mesma O encontrou!
Passando em seguida perto do Pretório, parecia-lhe ouvir
ainda, os golpes que lhe descarregaram; reconhece a varanda
da qual foi mostrado ao povo; avista o lugar onde Pilatos
lavou as mãos e onde lavrou a fatal sentença de morte....
Ah! Não
admira que rebentassem dos seus olhos duas fontes de
lágrimas, e se achasse como esmagada do cansaço que a
oprimia desde o dia antecedente, pela falta de alimento
desde mais de vinte quatro horas, e por ter estado em pé,
nada menos do que três horas consecutivas; não admira que
estivesse na realidade exausta de forças, e na maior
necessidade de algum descanso! Mas que descanso podia tomar
Maria Santíssimo? Entra, é verdade, no Cenáculo, mas que
noite passará ela, nestas circunstâncias?
Apresenta-se à sua mente toda a santidade da vida de Jesus;
todas as crueldades que os algozes usaram com Ele, e o
desamparo em que agora se acha: já não são mais os algozes
que a penalizam, mas o mesmo Deus, já não tem presente o
objeto do seu amor, pois se acha sepultado; já não encontra
mais quem lhe dê algum alívio, alguma consolação; bem nos
advertiu de antemão Jeremias, que nessa noite fatal havia de
chorar amargamente: “Passa a
noite chorando” (Lm 1, 2),
e como poderia esquecer o acontecido? Tinha Ela ainda as
mãos tintas do sangue de Jesus, as vestes salpicadas do seu
martírio, até na face, nos lábios, havia sinais do seu amor.
Alguns
contemplativos nos dizem que Maria, ora se dirigia a João e
lhe perguntava: Onde está meu Jesus, meu Filho, meu Deus?
Ora à Madalena: Onde está meu amado, onde está o objeto do
meu coração? Ninguém, porém, respondia, todos choravam; cada
um lastimava a sorte de Maria, cada um se enternecia da sua
dor, mas como os amigos de Jó, ninguém se atrevia a proferir
palavra; não havia quem lhe desse a menor consolação:
“Não há quem a console”
(Lm 1, 2).
De nós é
que ela espera alguma consolação, algum alívio... Como,
porém, poderemos nós consolar a Virgem Maria? Consolam a
Maria primeiramente os que se compadecem do seu Filho,
meditam a Sagrada Paixão, e agradecem a Maria a parte que
tomou em nossa Redenção.
Narra
Santo Afonso Maria de Ligório:
“Um Religioso devoto das dores de Maria, na hora da morte,
apertado de escrúpulos, estava quase para desesperar da
salvação, quando lhe apareceu Maria e o veio consolar,
dizendo-lhe: Por que temes e receias morrer? Tu me
consolaste em vida, eu venho te consolar na morte e breve
estarás no Paraíso”. Em segundo lugar, consolam
a Nossa Senhora, os que detestam as culpas sinceramente, os
que arrancam os maus hábitos mortificando suas paixões. Eis
porque devemos repetir freqüentemente fac me tecum pie flere (Hinos da Igreja),
fazei que eu chore convosco; com esta diferença, dizia um
Santo, que vós chorais de amor por Jesus, eu de dor e
arrependimento de minhas culpas. Em terceiro lugar, consolam
a Maria, os que sofrem com resignação e fogem das reuniões e
divertimentos mundanos: a estes promete Maria graças nesta
vida, assistência na morte e grande recompensa na
eternidade.
“Ó minha Mãe
dolorosa, não vos quero deixar chorando sozinha. Quero
acompanhar-vos com minhas lágrimas. Esta graça hoje
vos peço: obtende-me uma contínua memória com uma terna
devoção à Paixão de Jesus e à vossa, para que os dias que me
restam de vida não sirvam senão para chorar vossas dores, ó
minha Mãe, e as de meu Redentor. Essas vossas dores, espero
eu, na hora de minha morte, me hão de dar coragem, força e
confiança para não desesperar à vista do muito que ofendi ao
meu Senhor. E elas me hão de impetrar o perdão, a
perseverança e o paraíso, onde espero depois alegrar-me
convosco e cantar as misericórdias infinitas de meu Deus,
por toda a eternidade. Assim o espero, assim seja. Amém”
(Santo
Afonso Maria de Ligório).
Pe. Divino
Antônio Lopes FP.
Anápolis,
14 de fevereiro de 2008
Bibliografia
Bíblia Sagrada
Santo Afonso
Maria de Ligório, Glórias de Maria
Pe. João Batista
Lehmann, Euntes... Praedicate!
Sacerdote da
Congregação da Missão, Sagrada Paixão de Nosso Senhor
Jesus Cristo e Dores de Maria Santíssima
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