VIRGEM
MARIA: RAINHA DOS MÁRTIRES
A história
do mundo, depositária de tantas cenas lamentáveis,
apresenta-nos uma que, sobre todas, impressiona vivamente o
coração.
Houve uma
mãe, tão distinta pelo sangue como pela virtude, que não
tinha mais que um filho. Este filho único era o mais amável
dos homens, o verdadeiro tipo da inocência, da virtude e até
da formosura. A mãe tinha reconcentrado todo o amor no
filho, o filho toda a afeição em sua mãe. Que havia de
acontecer? O que muitas vezes acontece no mundo. A virtude
criou inimigos, o mérito gerou invejosos, a glória
antagonistas. Todas estas paixões, ligadas por um interesse
comum, puseram tudo em ação para perderem o rival que as
afrontava; e, não podendo conseguí-lo de outra sorte,
juraram-lhe a morte. Prenderam este filho de bênção, que
atraía tudo com irresistível simpatia, acusaram-no,
julgaram-no, arrastaram-no ao patíbulo, e fizeram-no
arquejar e morrer sobre este. A pobre mãe teve de ver
cortada, na flor da vida, a mais preciosa existência, e de
ver acabar, como réu de estado, o mais amável dos homens e o
mais digno dos filhos. Todos vós conheceis as duas grandes
figuras que se apresentam neste drama. O filho era Jesus: a
mãe, Maria Santíssima:
“Jesus é
chamado Rei das dores e Rei dos mártires, porque em sua vida
mortal padeceu mais que todos os outros mártires. Assim
também é Maria chamada com razão Rainha dos Mártires, visto
ter suportado o maior martírio que se possa padecer depois
das dores de seu Filho”
(Santo Afonso
Maria de Ligório).
Este filho
foi chamado Rei dos Mártires, porque ninguém sofreu nem
tantas, nem tão acerbas dores; a Mãe, Rainha dos Mártires,
pela mesma razão. Assim a proclamam a Escritura, a Tradição,
a Igreja e a cristandade. Mas que símbolo o de sua augusta
realeza; o diadema que lhe adorna a fronte não é, como o das
majestades da terra, formado de ouro, cravejado de
diamantes, trabalhado com esmero por hábil mão de artista. A
coroa da Rainha dos Mártires é semelhante à do Rei dos
Mártires — é uma coroa de espinhos, uma coroa de dores. O
maior dos profetas assim o vaticinou, dizendo:
“Hás de ser coroada, mas há de ser
com uma coroa de desolação”. Os fatos vieram
provar com exatidão a verdade desse vaticínio. A vida da
Virgem foi a tradução literal do oráculo. Isaías anunciou à
terra a Rainha dos Mártires. A Rainha dos Mártires apareceu
na terra. Esta Rainha é Maria Santíssima, a Virgem por
excelência: “Mártir dos mártires”,
o nome que lhe dá Ricardo de São Lourenço. Maria, no sentir
do Abade Oger, foi mártir não pelas mãos dos algozes, mas
sim, pela acerba dor de sua alma.
Como
merece este título...
Foi Rainha
dos Mártires pela duração do seu martírio. As suas aflições
foram aflições de toda a vida. O tempo que, às vezes, adoça
as penas dos aflitos, nunca adoçou as suas. Ela pôde dizer,
como o imortal cantor do seu país, ao terminar a carreira:
“A minha vida evaporou-se na dor,
e os meus anos foram anos de gemidos”, e:
“Imensas... porque a acompanharam
toda a vida. Imaginam alguns que Maria sentiu só e realmente
na perda que sofreu de Jesus em Jerusalém e principalmente
sobre o Calvário e ultimamente na soledade... porém, muitos
se enganam! Foi o martírio de Maria não só o mais doloroso,
mas ainda o mais prolongado”
(Sacerdote da
Congregação da Missão),
e também:
“... sofreu Maria o martírio durante toda a sua vida por ser
em tudo semelhante ao Filho”
(São Bernardo de
Claraval),
e ainda:
“... o nome de Maria significa, entre outras coisas,
amargura do mar”
(Santo Alberto Magno), e:
“Assim foi
também toda a vida de Maria, sempre cheia de amargura,
porque não lhe desaparecia do espírito a lembrança da Paixão
do Redentor”
(Santo
Afonso Maria de Ligório).
Revelou a Divina Mãe a Santa Brígida que, mesmo depois da morte e
da ascensão de seu Filho ao céu, continuava viva e recente
em seu materno coração, a lembrança dos sofrimentos dele.
Acompanhava-a até nos trabalhos e nas refeições:
“A Virgem passou
toda a sua vida em perpétua dor, carregando no coração luto
e pesar”
(Vulgato
Taulero).
Rainha dos
Mártires, pela natureza dos tormentos. Nem ferro do algoz,
nem chama de fogueira, nem dente de fera lhe tocou no corpo
virginal. Mas uma espada mística, espada molhada no fel e
temperada nas brasas da dor, atravessou-lhe o coração: e
quando este sofre, ai de quem padece:
“Convém notar que podemos chamar
mártir a Maria Santíssima, e o é verdadeiramente, porque
para o martírio é bastante suportar por amor de Deus
tormentos e dores suficientes para causar a morte; por isso,
São João Evangelista não deixou de ser mártir, porque posto
na caldeira de azeite fervente, Deus quis que milagrosamente
não consumasse o seu martírio”
(Sacerdote da Congregação da Missão),
e: “Basta
para a glória do martírio, que se obedeça e submeta aos
tormentos, basta oferecer a si mesmo e estar disposto até
morrer”
(Santo
Tomás de Aquino),
e também:
“Cada injúria, cada
flagelação, cada espinho, cada cravo que atormentava o corpo
inocentíssimo de Jesus, reverberava no coração de Maria”
(Sacerdote da Congregação da Missão),
e ainda:
“As chagas espalhadas de Jesus estavam como reunidas no
sensibilíssimo coração de Maria”
(São Boaventura).
Rainha dos
Mártires, principalmente na consumação do holocausto do
Filho. Os espinhos desta rosa mística cresceram sempre com
ela. Mas foram as trágicas cenas do Calvário que puseram o
último remate nessa coroa de desolação que o profeta lhe
vaticinara. Foi neste monte que ela vestiu o manto, empunhou
o cetro e cingiu o diadema da realeza, o diadema de Rainha
dos Mártires. Foi neste monte, no monte das caveiras, que
sofreu as mais acerbas de todas as dores.
Um
sacerdote da Congregação da Missão escreve:
“Imensidade tal que excede a todos
os martírios mais dolorosos, a todas as torturas, cavaletes,
brasas, espadas, ganchos de ferro... por grande que fosse a
crueldade exercitada contra os mártires, tudo era leve em
comparação do martírio de Maria. Assim entre todos os
tormentos que inventou a barbaridade humana pelo espaço de
três séculos, a fim de atormentar tantos milhões de mártires
que derramaram o sangue pela fé no meio das maiores
crueldades, nenhum houve que se possa comparar com o
martírio desta Senhora, nem sequer, toda esta multidão de
mártires reunidos pode se igualar com Maria, porque a todos
excedeu nas suas dores, sendo por isso com justa razão
aclamada: Rainha de todos os mártires, e como tal,
justamente coroada na glória”.
Não há
quadro mais admirável que o da Virgem. É uma figura
colossal, assentada em larga base, que domina o céu e a
terra, o tempo e a eternidade. Segundo a revelação, o sol
ainda não mareava os dias, correndo com passos de gigante
pela esfera celeste; a lua ainda não modificava, com seus
raios emprestados às sombras da noite; as estrelas ainda não
abrilhantavam a cúpula do firmamento, nem os montes
arremessavam as cristas para o céu, nem os rios serpeavam
pelos prados; nem as ondas açoitavam as areias e os rochedos
das praias; os abismos ainda não existiam, e a Virgem já
estava concebida na mente de Deus. “Nondum erant abyssi,
et ego jam concepta eram”. O sábio e piedoso São
Bernardo, esse gênio formado por Deus, para celebrar as
magnificências de Maria Santíssima, chega a dizer:
“Que Deus formou o mundo por causa
dela, e que por causa dela o não destruiu depois da rebelião
dos nossos pais”.
Quem
diria, que tão admirável criatura, que assim ocupava o
pensamento e o coração de Deus, lá no seio da eternidade,
havia de sofrer no mundo tantos trabalhos e dores? Que,
filha de reis, viveria em humilde fortuna, como simples
mulher do povo? Que, de sangue sacerdotal, seria esposa de
um operário, e comeria o pão do pobre? Que, Mãe de Deus...
Mas, basta, sabeis o resto. Mas não vos escandalizeis: se a
Mãe de Deus sofre, o Filho de Deus também padece. Era
necessário, diz o Evangelista, que
“Jesus Cristo sofresse, antes de
entrar triunfante na glória!” Era preciso também,
que a Virgem, associada à sua missão, lhe partilhasse o
destino. E quem poderá recontar-lhe os trabalhos e dores?
As dores
da Virgem datam do momento da sua elevação. Associada à
missão de Jesus, devia partilhar o destino de Jesus. A
missão de Jesus era sofrer; sofrer devia ser a da Virgem
Maria. Associada do pensamento de Deus pela maternidade
divina, começou a ser mulher de dores, desde que foi mãe do
homem das dores.
O teatro
das maiores delas ainda estava longe, e já via todas as
cenas do drama e sentia, pela previsão, o que o tempo lhe
faria sentir na realidade. Sabia perfeitamente, alumiada
pelo raio da luz divina, que seu Filho seria esmagado,
conforme a expressão de um profeta, como se esmaga o cacho
debaixo do peso da vara do lagar; que seu sangue precioso
seria derramado até a última gota, que a lança do soldado
romano lho faria sair do lado, já misturado com água; que
este sangue seria bebido por uma terra de escândalos.
Vê,
finalmente, como num espelho, todas as circunstâncias da sua
vida e morte. De Belém ao Calvário, não lhe achareis uma
alegria no coração, que não seja envenenada por uma dor.
Quem
poderá calcular as que ela sofreu! Jeremias quis ver se
fazia a pintura deste coração aflito. Lançou os olhos ao
vasto quadro da natureza; andou com a imaginação pelo céu,
pela terra, pelos mares; procurou imagens que lhe
traduzissem fielmente o pensamento. Recolhido depois em si,
pôs-se a meditar e a compará-las e, rompendo o silêncio,
disse, como se vira a filha do seu povo diante dos olhos:
“A tua dor, ó sem ventura, é tão grande como o mar!”
Expressão sublime! Foi o mesmo que dizer que as dores da
Virgem Maria eram tantas, como as vagas deste vasto
elemento, tão profundas como o abismo dele, tão extensas
como seus horizontes, tão tumultuárias como as suas
tempestades, tão amargas como as suas águas.
Hoje vamos
ao Calvário; vamos assistir a coroação da Rainha dos
Mártires. Quando a Virgem Maria chegou a este monte, já
levava quatro espadas no coração. Restavam-lhe três: ver
morrer o Filho, recebê-Lo morto nos braços, depois que O
desceram da cruz, acompanhá-Lo à sepultura .
A Virgem
viu morrer o Filho...
As palmas
e os ramos de oliveira, que os filhos de Israel tinham
lançado debaixo dos pés do Redentor, no dia do seu triunfo,
juncavam ainda as ruas de Jerusalém. Os ecos repetiam ainda
os gritos com que o povo desta cidade dava-Lhe a vitória
entusiasmado nesse dia, dizendo: “Glória ao Filho de
Davi; Bendito seja Aquele que vem em nome do Senhor”;
quando o mesmo povo nos apresenta um espetáculo novo. O
triunfador de ontem vai hoje ser imolado. A hora sacramental
chega. Ondas de espectadores cercam o Pretório; uns
lançam anátemas com ferocidade ao Enviado de Deus; outros
lamentam, em voz baixa, a sorte do jovem profeta que só fez
bem. Aqueles a quem Jesus Cristo beneficiara, estão
confundidos na multidão e petrificados de horror. Os
discípulos que pareciam valentes antes do combate,
tinham fugido. Neste momento, o Calvário não é somente
majestoso, como altar do sacrifício; apresenta o
aspecto de um grande cadafalso de mármore negro. Um crepe
lutuoso cobre a face do firmamento. O sol
obscurecido deixa ver as estrelas em pleno dia, que
alumiam a cena, como as lâmpadas fúnebres alumiam os
túmulos. Somente um jovem galileu é fiel ao Mestre
e acompanha-O até ao patíbulo, donde fugiria
aterrado, se um grande amor lhe não inspirasse uma
grande constância.
E a Mãe da
vítima? E a Virgem? Que fez ela nesse dia? Onde estava,
quando Jesus arquejava na cruz e tinha o corpo coberto de
chagas e de sangue, e molhava os lábios no fel e vinagre, e
ouvia as blasfêmias das turbas, e se queixava do abandono do
céu com voz moribunda? Fugiu da cena, amedrontada como os
discípulos? Foi chorar em algum lugar retirado o seu destino
e o do Filho? Foi pedir consolações à amizade? Foi... aonde
havia de ir? Acompanhou a vítima, desde que a encontrou na
rua da amargura; subiu com passos trêmulos a montanha do
sacrifício; abriu caminho por entre as turbas e os soldados;
foi tomar posições ao pé da cruz. “Stabat mater juxta
crucem!”
Que
situação! Alguns amigos de Jó, sabendo dos sinistros deste
grande homem foram visitá-lo, explicar-lhe o seu sentimento.
Vendo, porém, o deplorável estado a que se achava reduzido,
não ousaram aproximar-se do infeliz; limitaram-se a
contemplá-Lo de longe. — Agar, lançada fora da tenda de
Abraão, com Ismael seu filho, faltando-lhe, a água no
deserto, por onde discorria, colocou-o à sombra de um
zimbro, e fugiu dali gritando espavorida:
“Sou mãe, não tenho coração para ver
morrer meu filho”. — E a Virgem permaneceu firme
ao pé da cruz, até que Jesus soltou o derradeiro suspiro!
Viu-O morrer.
Que
situação! Não cabe em língua de homens explicar a dor desta
mãe, que presencia a morte do Filho. Mas a constância do
Filho tinha passado para a alma da Mãe. O milagre das suas
dores foi ainda excedido pelo prodígio de sua resignação. A
natureza e a graça, o sentimento e o dever, o céu e a terra,
tudo lhe torna a posição mais amarga. Mas a Virgem não
treme, não desmaia... Diz Santo Ambrósio:
“Maria esteve firme ao pé da cruz: ‘Stabat”.
Que prodígio! À vista de um espetáculo, que sensibiliza a
natureza insensível, que faz obscurecer o sol, tremer a
terra, estalarem as pedras, fender-se o véu do templo,
abrirem-se as sepulturas e ressuscitarem os mortos, — tem
olhos, e não chora; boca e não brada; pés, e não lhe faltam
debaixo do corpo; é Mãe da vítima, e não morre! Mas, assim a
matéria inflamada ruge dentro do bojo cavernoso do vulcão,
antes de fazer explosão e sair pela cratera; assim a dor
rugia dentro do coração da Virgem antes de lhe sair,
desfeita em lágrimas, pelos olhos.
Aqui,
apelo para o sentimento que mais enobrece o nosso coração,
para o sentimento da piedade natural. Vós o sabeis (e
quantos o não terão experimentado?), o que o sangue e a
amizade fazem sofrer ao pé do moribundo, que paga, tranqüilo
no leito, o tributo devido à natureza. Mas da Virgem é a
Igreja que diz, num hino consagrado às dores da Virgem Mãe:
“Vidit suum dulcem Natum, moriendo desolatum dum emisit
spiritu”.
Viu seu
Filho muito amado
morrendo,
desamparado,
Quando por
fim expirou.
A Virgem
recebeu o Filho morto nos braços, depois que o desceram da
cruz.
Como é
triste o quadro que apresenta a natureza depois de uma
grande tempestade! O trovão, é verdade, já não ribomba; o
raio já não cruza os ares; o vento já não sibila. Mas
vêem-se com espanto os estragos que produziu: o campo
rasgado pela corrente das águas, a árvore arrancada pelo
tufão, o rochedo lascado pelo raio... Que triste não é
também o quadro que apresenta o Calvário depois da horrível
tempestade da morte do Filho do Homem! A agitação
tumultuária que ali reinava, é verdade, acabou já. O
silêncio sucedeu aos alaridos e aos gritos. Já não se ouvem
os martelos, que batem nos pregos da cruz, as blasfêmias,
que espantam os ouvidos, as vozes que ferem os ares. Mas
vêem-se os estragos da cena, que ali se representara: vê-se
a vítima pendente do patíbulo, as pedras salpicadas de
sangue, a lança para um lado, o vaso de bebida amarga para
outro, para aqui o martelo, para ali a esponja, o monte
deserto, a natureza, como pasmada.
E a Mãe da
vítima? E a Virgem? Não fugiu ainda? Não. Ela, João, a
pecadora convertida, algumas mulheres que tinham vindo da
Galiléia, permanecem mudos no monte, olhos fitos no patíbulo
e na vítima. Que esperam? A ação da Providência, que fere e
cura, que atormenta e consola. Ei-la! Dois discípulos
ocultos de Jesus aparecem no Calvário. Trazem licença da
autoridade para enterrarem o corpo, escadas para o descerem
da cruz, ungüentos para o ungirem, um lençol, para o
amortalharem. O corpo, descido da cruz, é posto nos joelhos
e nos braços da pobre Mãe. Estes são a primeira sepultura de
Jesus. Descansou, antes de ir à terra, nos braços daquela em
que primeiro descansara, quando nasceu.
A terna
Mãe recebe nos braços o Filho morto! Abraça-se com ele!
Chega a mão ao coração, para ver se ainda palpita!
A Virgem
acompanhou o Filho à sepultura!
Vossos
corações estremecem! Não vos admireis. Não conheceis a
missão da Virgem? A sua missão é sofrer. E ela não se recusa
a beber a última gota do cálice que a Providência lhe
destinara. Vê-la-eis fugir das cenas de alegria; das de dor,
de nenhuma, desde o berço até ao túmulo de Jesus, desde a
lapa em que O viu nascer, até a gruta em que viu enterrá-Lo.
Quando Jesus enchia a Palestina com a fama dos prodígios e
dos benefícios e entrava vitoriosamente em Jerusalém e era
aclamado pelo povo daquela cidade, a Virgem não apareceu,
temendo que algum raio de glória do Filho pudesse refletir
sobre sua Mãe. Mas apenas encetou a carreira dos grandes
sofrimentos, uniu-se com ele, e nunca mais o deixou. Depois
de o ver morrer, e de o receber morto nos braços,
acompanhou-O à sepultura.
Aqui,
apelo outra vez para o sentimento da piedade natural. Vós
sabeis quanto sofre o coração daquele que, impelido pela
amizade ou pela gratidão, sustenta na mão a tocha fúnebre, e
acompanha o féretro do amigo ou do benfeitor. Julgai por
aqui da amargura do coração da Virgem, acompanhando o
cadáver do Filho.
A pobreza
do funeral vem ainda aumentar a dor, que já não lhe cabe no
peito. Quando o rei Josias, rei amigo do povo, morreu, foi
pranteado solenemente por toda a tribo de Judá e por toda a
cidade de Jerusalém. E qual foi o funeral de Jesus? José de
Arimatéa, Nicodemos, o discípulo amado... eis aqui todo o
pessoal do humilde préstito. Lágrimas de uns, suspiros de
outros, saudades de todos, tais são as honras fúnebres
feitas ao Libertador da humanidade. O que a Virgem sentiu,
quando depositaram Jesus no sepulcro, e puseram a grande
pedra na entrada e ficou sem Filho vivo e sem Filho morto!
Meditai no vosso coração.
Um
sacerdote da Missão escreve: “Se
a experiência faz ver tão freqüentemente quão amargosa é a
separação de dois corações que se amam, de dois corações que
têm os mesmos desejos, as mesmas santas inclinações, o que
não será quando formam como um só coração, uma só alma,
quando se acham tão estreitamente unidos com as mais íntimas
relações? Pois tais eram os corações de Jesus e Maria”.
Eu
concebo, ainda que imperfeitamente, a grandeza das dores da
Virgem. O que não alcanço, é que, sendo tão grandes, lhe não
roubassem a vida. Já sei, cristãos, já sei a razão, porque a
espada da morte não chegou a um coração rasgado por tantas
espadas. Devemos este conhecimento a uma das maiores
inteligências da idade média, a Santo Anselmo:
“A Virgem não morreu no Calvário,
por um milagre de Deus”. A dor era para matar;
mas Deus não quis que ela morresse. A Virgem sentia ânsias,
agonias de morte; sentia a vista turvada, o coração
convulso, o corpo frio; ia morrer, e não podia morrer.
Eis aqui
como a Virgem Maria foi inaugurada Rainha no Calvário. Foi
neste monte que vestiu o manto e empunhou o cetro e cingiu o
diadema da sua augusta realeza, o diadema de Rainha dos
Mártires.
Pe. Divino
Antônio Lopes FP.
Anápolis,
19 de fevereiro de 2008
Bibliografia
Bíblia Sagrada
Santo Afonso
Maria de Ligório, Glórias de Maria
Pe. João Batista
Lehmann, Euntes... Praedicate!
Sacerdote da Congregação da Missão, Sagrada Paixão de Nosso
Senhor Jesus Cristo e Dores de Maria Santíssima
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