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                    VIRGEM 
                    MARIA: RAINHA DOS MÁRTIRES 
  
                    
                       
                    
                      
                    
                    A história 
                    do mundo, depositária de tantas cenas lamentáveis, 
                    apresenta-nos uma que, sobre todas, impressiona vivamente o 
                    coração. 
                    
                    Houve uma 
                    mãe, tão distinta pelo sangue como pela virtude, que não 
                    tinha mais que um filho. Este filho único era o mais amável 
                    dos homens, o verdadeiro tipo da inocência, da virtude e até 
                    da formosura. A mãe tinha reconcentrado todo o amor no 
                    filho, o filho toda a afeição em sua mãe. Que havia de 
                    acontecer? O que muitas vezes acontece no mundo. A virtude 
                    criou inimigos, o mérito gerou invejosos, a glória 
                    antagonistas. Todas estas paixões, ligadas por um interesse 
                    comum, puseram tudo em ação para perderem o rival que as 
                    afrontava; e, não podendo conseguí-lo de outra sorte, 
                    juraram-lhe a morte. Prenderam este filho de bênção, que 
                    atraía tudo com irresistível simpatia, acusaram-no, 
                    julgaram-no, arrastaram-no ao patíbulo, e fizeram-no 
                    arquejar e morrer sobre este. A pobre mãe teve de ver 
                    cortada, na flor da vida, a mais preciosa existência, e de 
                    ver acabar, como réu de estado, o mais amável dos homens e o 
                    mais digno dos filhos. Todos vós conheceis as duas grandes 
                    figuras que se apresentam neste drama. O filho era Jesus: a 
                    mãe, Maria Santíssima:  
                    “Jesus é 
                    chamado Rei das dores e Rei dos mártires, porque em sua vida 
                    mortal padeceu mais que todos os outros mártires. Assim 
                    também é Maria chamada com razão Rainha dos Mártires, visto 
                    ter suportado o maior martírio que se possa padecer depois 
                    das dores de seu Filho”  
                    (Santo Afonso 
                    Maria de Ligório). 
                    
                    Este filho 
                    foi chamado Rei dos Mártires, porque ninguém sofreu nem 
                    tantas, nem tão acerbas dores; a Mãe, Rainha dos Mártires, 
                    pela mesma razão. Assim a proclamam a Escritura, a Tradição, 
                    a Igreja e a cristandade. Mas que símbolo o de sua augusta 
                    realeza; o diadema que lhe adorna a fronte não é, como o das 
                    majestades da terra, formado de ouro, cravejado de 
                    diamantes, trabalhado com esmero por hábil mão de artista. A 
                    coroa da Rainha dos Mártires é semelhante à do Rei dos 
                    Mártires — é uma coroa de espinhos, uma coroa de dores. O 
                    maior dos profetas assim o vaticinou, dizendo: 
                    “Hás de ser coroada, mas há de ser 
                    com uma coroa de desolação”. Os fatos vieram 
                    provar com exatidão a verdade desse vaticínio. A vida da 
                    Virgem foi a tradução literal do oráculo. Isaías anunciou à 
                    terra a Rainha dos Mártires. A Rainha dos Mártires apareceu 
                    na terra. Esta Rainha é Maria Santíssima, a Virgem por 
                    excelência: “Mártir dos mártires”, 
                    o nome que lhe dá Ricardo de São Lourenço. Maria, no sentir 
                    do Abade Oger, foi mártir não pelas mãos dos algozes, mas 
                    sim, pela acerba dor de sua alma.  
                    
                    Como 
                    merece este título... 
                    
                    Foi Rainha 
                    dos Mártires pela duração do seu martírio. As suas aflições 
                    foram aflições de toda a vida. O tempo que, às vezes, adoça 
                    as penas dos aflitos, nunca adoçou as suas. Ela pôde dizer, 
                    como o imortal cantor do seu país, ao terminar a carreira:
                    “A minha vida evaporou-se na dor, 
                    e os meus anos foram anos de gemidos”, e:  
                    “Imensas... porque a acompanharam 
                    toda a vida. Imaginam alguns que Maria sentiu só e realmente 
                    na perda que sofreu de Jesus em Jerusalém e principalmente 
                    sobre o Calvário e ultimamente na soledade... porém, muitos 
                    se enganam! Foi o martírio de Maria não só o mais doloroso, 
                    mas ainda o mais prolongado”  
                    (Sacerdote da 
                    Congregação da Missão), 
                    e também: 
                    “... sofreu Maria o martírio durante toda a sua vida por ser 
                    em tudo semelhante ao Filho”
                    (São Bernardo de 
                    Claraval), 
                    e ainda:  
                    “... o nome de Maria significa, entre outras coisas, 
                    amargura do mar”
                    (Santo Alberto Magno), e: 
                    “Assim foi 
                    também toda a vida de Maria, sempre cheia de amargura, 
                    porque não lhe desaparecia do espírito a lembrança da Paixão 
                    do Redentor”
                    (Santo 
                    Afonso Maria de Ligório). 
                    
                    Revelou a Divina Mãe a Santa Brígida que, mesmo depois da morte e 
                    da ascensão de seu Filho ao céu, continuava viva e recente 
                    em seu materno coração, a lembrança dos sofrimentos dele. 
                    Acompanhava-a até nos trabalhos e nas refeições:  
                    “A Virgem passou 
                    toda a sua vida em perpétua dor, carregando no coração luto 
                    e pesar”
                    (Vulgato 
                    Taulero). 
                    
                    Rainha dos 
                    Mártires, pela natureza dos tormentos. Nem ferro do algoz, 
                    nem chama de fogueira, nem dente de fera lhe tocou no corpo 
                    virginal. Mas uma espada mística, espada molhada no fel e 
                    temperada nas brasas da dor, atravessou-lhe o coração: e 
                    quando este sofre, ai de quem padece:  
                    “Convém notar que podemos chamar 
                    mártir a Maria Santíssima, e o é verdadeiramente, porque 
                    para o martírio é bastante suportar por amor de Deus 
                    tormentos e dores suficientes para causar a morte; por isso, 
                    São João Evangelista não deixou de ser mártir, porque posto 
                    na caldeira de azeite fervente, Deus quis que milagrosamente 
                    não consumasse o seu martírio”
                    (Sacerdote da Congregação da Missão), 
                    e: “Basta 
                    para a glória do martírio, que se obedeça e submeta aos 
                    tormentos, basta oferecer a si mesmo e estar disposto até 
                    morrer”
                    (Santo 
                    Tomás de Aquino), 
                    e também: 
                    
                    “Cada injúria, cada 
                    flagelação, cada espinho, cada cravo que atormentava o corpo 
                    inocentíssimo de Jesus, reverberava no coração de Maria”
                    (Sacerdote da Congregação da Missão), 
                    e ainda: 
                    “As chagas espalhadas de Jesus estavam como reunidas no 
                    sensibilíssimo coração de Maria”
                    (São Boaventura). 
                    
                    Rainha dos 
                    Mártires, principalmente na consumação do holocausto do 
                    Filho. Os espinhos desta rosa mística cresceram sempre com 
                    ela. Mas foram as trágicas cenas do Calvário que puseram o 
                    último remate nessa coroa de desolação que o profeta lhe 
                    vaticinara. Foi neste monte que ela vestiu o manto, empunhou 
                    o cetro e cingiu o diadema da realeza, o diadema de Rainha 
                    dos Mártires. Foi neste monte, no monte das caveiras, que 
                    sofreu as mais acerbas de todas as dores. 
                    
                    Um 
                    sacerdote da Congregação da Missão escreve: 
                    “Imensidade tal que excede a todos 
                    os martírios mais dolorosos, a todas as torturas, cavaletes, 
                    brasas, espadas, ganchos de ferro... por grande que fosse a 
                    crueldade exercitada contra os mártires, tudo era leve em 
                    comparação do martírio de Maria. Assim entre todos os 
                    tormentos que inventou a barbaridade humana pelo espaço de 
                    três séculos, a fim de atormentar tantos milhões de mártires 
                    que derramaram o sangue pela fé no meio das maiores 
                    crueldades, nenhum houve que se possa comparar com o 
                    martírio desta Senhora, nem sequer, toda esta multidão de 
                    mártires reunidos pode se igualar com Maria, porque a todos 
                    excedeu nas suas dores, sendo por isso com justa razão 
                    aclamada: Rainha de todos os mártires, e como tal, 
                    justamente coroada na glória”. 
                    
                    Não há 
                    quadro mais admirável que o da Virgem. É uma figura 
                    colossal, assentada em larga base, que domina o céu e a 
                    terra, o tempo e a eternidade. Segundo a revelação, o sol 
                    ainda não mareava os dias, correndo com passos de gigante 
                    pela esfera celeste; a lua ainda não modificava, com seus 
                    raios emprestados às sombras da noite; as estrelas ainda não 
                    abrilhantavam a cúpula do firmamento, nem os montes 
                    arremessavam as cristas para o céu, nem os rios serpeavam 
                    pelos prados; nem as ondas açoitavam as areias e os rochedos 
                    das praias; os abismos ainda não existiam, e a Virgem já 
                    estava concebida na mente de Deus. “Nondum erant abyssi, 
                    et ego jam concepta eram”. O sábio e piedoso São 
                    Bernardo, esse gênio formado por Deus, para celebrar as 
                    magnificências de Maria Santíssima, chega a dizer: 
                    “Que Deus formou o mundo por causa 
                    dela, e que por causa dela o não destruiu depois da rebelião 
                    dos nossos pais”. 
                    
                    Quem 
                    diria, que tão admirável criatura, que assim ocupava o 
                    pensamento e o coração de Deus, lá no seio da eternidade, 
                    havia de sofrer no mundo tantos trabalhos e dores? Que, 
                    filha de reis, viveria em humilde fortuna, como simples 
                    mulher do povo? Que, de sangue sacerdotal, seria esposa de 
                    um operário, e comeria o pão do pobre? Que, Mãe de Deus... 
                    Mas, basta, sabeis o resto. Mas não vos escandalizeis: se a 
                    Mãe de Deus sofre, o Filho de Deus também padece. Era 
                    necessário, diz o Evangelista, que 
                    “Jesus Cristo sofresse, antes de 
                    entrar triunfante na glória!” Era preciso também, 
                    que a Virgem, associada à sua missão, lhe partilhasse o 
                    destino. E quem poderá recontar-lhe os trabalhos e dores? 
                    
                    As dores 
                    da Virgem datam do momento da sua elevação. Associada à 
                    missão de Jesus, devia partilhar o destino de Jesus. A 
                    missão de Jesus era sofrer; sofrer devia ser a da Virgem 
                    Maria. Associada do pensamento de Deus pela maternidade 
                    divina, começou a ser mulher de dores, desde que foi mãe do 
                    homem das dores. 
                    
                    O teatro 
                    das maiores delas ainda estava longe, e já via todas as 
                    cenas do drama e sentia, pela previsão, o que o tempo lhe 
                    faria sentir na realidade. Sabia perfeitamente, alumiada 
                    pelo raio da luz divina, que seu Filho seria esmagado, 
                    conforme a expressão de um profeta, como se esmaga o cacho 
                    debaixo do peso da vara do lagar; que seu sangue precioso 
                    seria derramado até a última gota, que a lança do soldado 
                    romano lho faria sair do lado, já misturado com água; que 
                    este sangue seria bebido por uma terra de escândalos. 
                    
                    Vê, 
                    finalmente, como num espelho, todas as circunstâncias da sua 
                    vida e morte. De Belém ao Calvário, não lhe achareis uma 
                    alegria no coração, que não seja envenenada por uma dor. 
                    
                    Quem 
                    poderá calcular as que ela sofreu! Jeremias quis ver se 
                    fazia a pintura deste coração aflito. Lançou os olhos ao 
                    vasto quadro da natureza; andou com a imaginação pelo céu, 
                    pela terra, pelos mares; procurou imagens que lhe 
                    traduzissem fielmente o pensamento. Recolhido depois em si, 
                    pôs-se a meditar e a compará-las e, rompendo o silêncio, 
                    disse, como se vira a filha do seu povo diante dos olhos: 
                    “A tua dor, ó sem ventura, é tão grande como o mar!” 
                    Expressão sublime! Foi o mesmo que dizer que as dores da 
                    Virgem Maria eram tantas, como as vagas deste vasto 
                    elemento, tão profundas como o abismo dele, tão extensas 
                    como seus horizontes, tão tumultuárias como as suas 
                    tempestades, tão amargas como as suas águas. 
                    
                    Hoje vamos 
                    ao Calvário; vamos assistir a coroação da Rainha dos 
                    Mártires. Quando a Virgem Maria chegou a este monte, já 
                    levava quatro espadas no coração. Restavam-lhe três: ver 
                    morrer o Filho, recebê-Lo morto nos braços, depois que O 
                    desceram da cruz, acompanhá-Lo à sepultura . 
                    
                    A Virgem 
                    viu morrer o Filho... 
                    
                    As palmas 
                    e os ramos de oliveira, que os filhos de Israel tinham 
                    lançado debaixo dos pés do Redentor, no dia do seu triunfo, 
                    juncavam ainda as ruas de Jerusalém. Os ecos repetiam ainda 
                    os gritos com que o povo desta cidade dava-Lhe a vitória 
                    entusiasmado nesse dia, dizendo:   “Glória  ao Filho de 
                    Davi; Bendito   seja Aquele que vem em nome do Senhor”;   
                    quando  o  mesmo povo nos  apresenta um espetáculo novo.  O 
                    triunfador de ontem vai hoje ser imolado. A hora sacramental 
                    chega.  Ondas de espectadores cercam o Pretório;  uns   
                    lançam anátemas com ferocidade ao Enviado de Deus; outros 
                    lamentam, em voz baixa, a sorte do jovem profeta que só fez 
                    bem.    Aqueles a quem Jesus Cristo beneficiara, estão 
                    confundidos na multidão e petrificados de horror.   Os 
                    discípulos    que    pareciam valentes antes do combate, 
                    tinham fugido.   Neste momento, o Calvário não  é somente 
                    majestoso,  como    altar  do sacrifício; apresenta o 
                    aspecto de um grande cadafalso de mármore negro. Um crepe 
                    lutuoso cobre   a face   do   firmamento.   O sol 
                    obscurecido deixa ver as estrelas  em pleno    dia, que 
                    alumiam a cena, como as lâmpadas fúnebres alumiam os 
                    túmulos.   Somente  um jovem   galileu é fiel   ao Mestre   
                    e acompanha-O até ao patíbulo,   donde   fugiria   
                    aterrado,   se um grande amor lhe   não   inspirasse   uma   
                    grande constância. 
                    
                    E a Mãe da 
                    vítima? E a Virgem? Que fez ela nesse dia? Onde estava, 
                    quando Jesus arquejava na cruz e tinha o corpo coberto de 
                    chagas e de sangue, e molhava os lábios no fel e vinagre, e 
                    ouvia as blasfêmias das turbas, e se queixava do abandono do 
                    céu com voz moribunda? Fugiu da cena, amedrontada como os 
                    discípulos? Foi chorar em algum lugar retirado o seu destino 
                    e o do Filho? Foi pedir consolações à amizade? Foi... aonde 
                    havia de ir? Acompanhou a vítima, desde que a encontrou na 
                    rua da amargura; subiu com passos trêmulos a montanha do 
                    sacrifício; abriu caminho por entre as turbas e os soldados; 
                    foi tomar posições ao pé da cruz. “Stabat mater juxta 
                    crucem!” 
                    
                    Que 
                    situação! Alguns amigos de Jó, sabendo dos sinistros deste 
                    grande homem foram visitá-lo, explicar-lhe o seu sentimento. 
                    Vendo, porém, o deplorável estado a que se achava reduzido, 
                    não ousaram aproximar-se do infeliz; limitaram-se a 
                    contemplá-Lo de longe. — Agar, lançada fora da tenda de 
                    Abraão, com Ismael seu filho, faltando-lhe, a água no 
                    deserto, por onde discorria, colocou-o à sombra de um 
                    zimbro, e fugiu dali gritando espavorida: 
                    “Sou mãe, não tenho coração para ver 
                    morrer meu filho”. — E a Virgem permaneceu firme 
                    ao pé da cruz, até que Jesus soltou o derradeiro suspiro! 
                    Viu-O morrer. 
                    
                    Que 
                    situação! Não cabe em língua de homens explicar a dor desta 
                    mãe, que presencia a morte do Filho. Mas a constância do 
                    Filho tinha passado para a alma da Mãe. O milagre das suas 
                    dores foi ainda excedido pelo prodígio de sua resignação. A 
                    natureza e a graça, o sentimento e o dever, o céu e a terra, 
                    tudo lhe torna a posição mais amarga. Mas a Virgem não 
                    treme, não desmaia... Diz Santo Ambrósio: 
                    “Maria esteve firme ao pé da cruz: ‘Stabat”. 
                    Que prodígio! À vista de um espetáculo, que sensibiliza a 
                    natureza insensível, que faz obscurecer o sol, tremer a 
                    terra, estalarem as pedras, fender-se o véu do templo, 
                    abrirem-se as sepulturas e ressuscitarem os mortos, — tem 
                    olhos, e não chora; boca e não brada; pés, e não lhe faltam 
                    debaixo do corpo; é Mãe da vítima, e não morre! Mas, assim a 
                    matéria inflamada ruge dentro do bojo cavernoso do vulcão, 
                    antes de fazer explosão e sair pela cratera; assim a dor 
                    rugia dentro do coração da Virgem antes de lhe sair, 
                    desfeita em lágrimas, pelos olhos. 
                    
                    Aqui, 
                    apelo para o sentimento que mais enobrece o nosso coração, 
                    para o sentimento da piedade natural. Vós o sabeis (e 
                    quantos o não terão experimentado?), o que o sangue e a 
                    amizade fazem sofrer ao pé do moribundo, que paga, tranqüilo 
                    no leito, o tributo devido à natureza. Mas da Virgem é a 
                    Igreja que diz, num hino consagrado às dores da Virgem Mãe:
                    “Vidit suum dulcem Natum, moriendo desolatum dum emisit 
                    spiritu”. 
                    
                    Viu seu 
                    Filho muito amado 
                    
                    morrendo, 
                    desamparado, 
                    
                    Quando por 
                    fim expirou. 
                    
                    A Virgem 
                    recebeu o Filho morto nos braços, depois que o desceram da 
                    cruz. 
                    
                    Como é 
                    triste o quadro que apresenta a natureza depois de uma 
                    grande tempestade! O trovão, é verdade, já não ribomba; o 
                    raio já não cruza os ares; o vento já não sibila. Mas 
                    vêem-se com espanto os estragos que produziu: o  campo 
                    rasgado pela corrente das águas, a árvore arrancada pelo 
                    tufão, o rochedo lascado pelo raio... Que triste não é 
                    também o quadro que apresenta o Calvário depois da horrível 
                    tempestade da morte do Filho do Homem! A agitação 
                    tumultuária que ali reinava, é verdade, acabou já. O 
                    silêncio sucedeu aos alaridos e aos gritos. Já não se ouvem 
                    os martelos, que batem nos pregos da cruz, as blasfêmias, 
                    que espantam os ouvidos, as vozes que ferem os ares. Mas 
                    vêem-se os estragos da cena, que ali se representara: vê-se 
                    a vítima pendente do patíbulo, as pedras salpicadas de 
                    sangue, a lança para um lado, o vaso de bebida amarga para 
                    outro, para aqui o martelo, para ali a esponja, o monte 
                    deserto, a natureza, como pasmada. 
                    
                    E a Mãe da 
                    vítima? E a Virgem? Não fugiu ainda? Não. Ela, João, a 
                    pecadora convertida, algumas mulheres que tinham vindo da 
                    Galiléia, permanecem mudos no monte, olhos fitos no patíbulo 
                    e na vítima. Que esperam? A ação da Providência, que fere e 
                    cura, que atormenta e consola. Ei-la! Dois discípulos 
                    ocultos de Jesus aparecem no Calvário. Trazem licença da 
                    autoridade para enterrarem o corpo, escadas para o descerem 
                    da cruz, ungüentos para o ungirem, um lençol, para o 
                    amortalharem. O corpo, descido da cruz, é posto nos joelhos 
                    e nos braços da pobre Mãe. Estes são a primeira sepultura de 
                    Jesus. Descansou, antes de ir à terra, nos braços daquela em 
                    que primeiro descansara, quando nasceu. 
                    
                    A terna 
                    Mãe recebe nos braços o Filho morto! Abraça-se com ele! 
                    Chega a mão ao coração, para ver se ainda palpita! 
                    
                    A Virgem 
                    acompanhou o Filho à sepultura! 
                    
                    Vossos 
                    corações estremecem! Não vos admireis. Não conheceis a 
                    missão da Virgem? A sua missão é sofrer. E ela não se recusa 
                    a beber a última gota do cálice que a Providência lhe 
                    destinara. Vê-la-eis fugir das cenas de alegria; das de dor, 
                    de nenhuma, desde o berço até ao túmulo de Jesus, desde a 
                    lapa em que O viu nascer, até a gruta em que viu enterrá-Lo. 
                    Quando Jesus enchia a Palestina com a fama dos prodígios e 
                    dos benefícios e entrava vitoriosamente em Jerusalém e era 
                    aclamado pelo povo daquela cidade, a Virgem não apareceu, 
                    temendo que algum raio de glória do Filho pudesse refletir 
                    sobre sua Mãe. Mas apenas encetou a carreira dos grandes 
                    sofrimentos, uniu-se com ele, e nunca mais o deixou. Depois 
                    de o ver morrer, e de o receber morto nos braços, 
                    acompanhou-O à sepultura. 
                    
                    Aqui, 
                    apelo outra vez para o sentimento da piedade natural. Vós 
                    sabeis quanto sofre o coração daquele que, impelido pela 
                    amizade ou pela gratidão, sustenta na mão a tocha fúnebre, e 
                    acompanha o féretro do amigo ou do benfeitor. Julgai por 
                    aqui da amargura do coração da Virgem, acompanhando o 
                    cadáver do Filho. 
                    
                    A pobreza 
                    do funeral vem ainda aumentar a dor, que já não lhe cabe no 
                    peito. Quando o rei Josias, rei amigo do povo, morreu, foi 
                    pranteado solenemente por toda a tribo de Judá e por toda a 
                    cidade de Jerusalém. E qual foi o funeral de Jesus? José de 
                    Arimatéa, Nicodemos, o discípulo amado... eis aqui todo o 
                    pessoal do humilde préstito. Lágrimas de uns, suspiros de 
                    outros, saudades de todos, tais são as honras fúnebres 
                    feitas ao Libertador da humanidade. O que a Virgem sentiu, 
                    quando depositaram Jesus no sepulcro, e puseram a grande 
                    pedra na entrada e ficou sem Filho vivo e sem Filho morto! 
                    Meditai no vosso coração. 
                    
                    Um 
                    sacerdote da Missão escreve: “Se 
                    a experiência faz ver tão freqüentemente quão amargosa é a 
                    separação de dois corações que se amam, de dois corações que 
                    têm os mesmos desejos, as mesmas santas inclinações, o que 
                    não será quando formam como um só coração, uma só alma, 
                    quando se acham tão estreitamente unidos com as mais íntimas 
                    relações? Pois tais eram os corações de Jesus e Maria”.
                     
                    
                    Eu 
                    concebo, ainda que imperfeitamente, a grandeza das dores da 
                    Virgem. O que não alcanço, é que, sendo tão grandes, lhe não 
                    roubassem a vida. Já sei, cristãos, já sei a razão, porque a 
                    espada da morte não chegou a um coração rasgado por tantas 
                    espadas. Devemos este conhecimento a uma das maiores 
                    inteligências da idade média, a Santo Anselmo: 
                    “A Virgem não morreu no Calvário, 
                    por um milagre de Deus”. A dor era para matar; 
                    mas Deus não quis que ela morresse. A Virgem sentia ânsias, 
                    agonias de morte; sentia a vista turvada, o coração 
                    convulso, o corpo frio; ia morrer, e não podia morrer. 
                    
                    Eis aqui 
                    como a Virgem Maria foi inaugurada Rainha no Calvário. Foi 
                    neste monte que vestiu o manto e empunhou o cetro e cingiu o 
                    diadema da sua augusta realeza, o diadema de Rainha dos 
                    Mártires. 
                    
                      
                    
                    Pe. Divino 
                    Antônio Lopes FP. 
                    
                    Anápolis, 
                    19 de fevereiro de 2008 
                    
                      
                    
                      
                    
                    
                    Bibliografia 
                    
                      
                    
                    
                    Bíblia Sagrada 
                    
                    
                    Santo Afonso 
                    Maria de Ligório, Glórias de Maria 
                    
                    
                    Pe. João Batista 
                    Lehmann, Euntes... Praedicate! 
                    
                    
                    Sacerdote da Congregação da Missão, Sagrada Paixão de Nosso   
                    Senhor Jesus Cristo e Dores de Maria Santíssima 
                    
                    
                      
                    
                    
                      
  
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