NINGUÉM TE CONDENOU?
(Jo 8, 1-11)

 

 

1 Jesus foi para o monte da oliveiras. 2 Antes do nascer do sol, já se achava outra vez no Templo. Todo o povo vinha a ele e, sentando-se, os ensinava. 3 Os escribas e os fariseus trazem, então, uma mulher surpreendida em adultério e, colocando-a no meio, dizem-lhe: 4 ‘Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante delito de adultério. 5 Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. Tu, pois, que dizes?’ 6 Eles assim diziam para pô-lo à prova, a fim de terem matéria para acusá-lo. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo. 7 Como persistissem em interrogá-lo, ergueu-se e lhes disse: ‘Quem dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra!’ 8 Inclinando-se de novo, escrevia na terra. 9 Eles, porém, ouvindo isso, saíram um após outro, a começar pelos mais velhos. Ele ficou sozinho e a mulher permanecia lá, no meio. 10 Então, erguendo-se, Jesus lhe disse: ‘Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?’ 11 Disse ela: ‘Ninguém, Senhor’. Disse, então, Jesus: ‘Nem eu te condeno. Vai, e de agora em diante não peques mais”.

 

 

Alcuino escreve: “O Senhor tinha o costume, especialmente pouco antes de sua paixão, de pregar a Palavra de Deus durante o dia no templo que havia em Jerusalém; sua pregação era acompanhada de sinais e milagres. Quando chegava a tarde voltava para Betânia, hospedando-se na casa de Lázaro, Marta e Maria, e na manhã seguinte voltava à mesma atividade. E como estivesse no último dia da festa do tabernáculo ocupado com a pregação, à tarde foi ao monte das Oliveiras. É isso o que diz: ‘E Jesus foi para o monte das Oliveiras”, e: “E onde devia pregar Jesus senão no monte das Oliveiras, no monte do unguento, monte do crisma? O nome Cristo quer dizer crisma; e crisma em grego quer dizer unção. Nos ungiu porque nos colocou na condição de lutar contra o diabo” (Santo Agostinho, In Joannen, tract. 33), e também: “Significava que depois que começou a habitar no templo por meio da graça (isto é, na Igreja), todas as gentes começaram a acreditar n’Ele. Por isso segue: ‘E veio a Ele todo o povo, e sentado lhes ensinava” (São Beda), e ainda: “A ação de estar sentado representa a humildade da Encarnação. E quando o Senhor estava sentado, o povo vinha a Ele, porque depois que se fez visível pela natureza humana que tomou, começaram muitos a ouvir e crer n’Ele, porque havia aproximado deles por meio da humanidade. Enquanto que os pacíficos e simples admiravam as palavras do Salvador, os escribas e os fariseus lhe perguntavam, não para aprender, mas para embaraçar a verdade. Por isso segue: ‘Os escribas e os fariseus lhe trouxeram uma mulher surpreendida em adultério, a puseram no meio e lhe disseram: ‘Mestre, esta mulher foi surpreendida em adultério” (Alcuino), e: “Haviam conhecido que o Salvador era muito bondoso, porque d’Ele estava escrito: ‘... reina por meio da verdade, da mansidão e da justiça’ (Sl 44, 5). Traz, portanto, a verdade como Doutor, a mansidão como Libertador e a justiça como Conhecedor. Quando falava era conhecida a verdade; como não se irritava contra os inimigos era louvada sua mansidão. Tentaram sua justiça pondo diante d’Ele um escândalo. Disseram entre si: ‘Se julga que deve deixá-la, não tem justiça’. A Lei não podia mandar o que não era justo e por isso invocam a Lei dizendo: ‘Moisés nos mandou na Lei apedrejar tais pessoas’. Porém, como não devia abandonar a mansidão por meio da qual havia feito amar o próximo, haverá de dizer para deixá-la. Por isso exigem sua determinação dizendo: ‘Tu, pois, que dizes?’ Se propunham com isso encontrar ocasião para poder acusá-lo, fazendo-o aparecer como infrator da Lei. Por isso acrescenta o Evangelista: ‘Diziam isso para tentá-lo, para poder acusá-lo’. Porém o Senhor realizará a justiça ao contestar e não abandonará a sua mansidão. Prossegue: ‘Mas Jesus  inclinando para baixo, escrevia com o dedo na terra” (Santo Agostinho, ut sup), e também: “Para manifestar que aqueles deviam escrever na terra e não no céu, donde havia dito que seus discípulos se alegraram por estar inscritos. Também pode dizer que se humilhando (como o demonstrava na inclinação de sua cabeça), fazia sinais na terra; ou que já era tempo da sua Lei escrita na terra  frutificar-se (e não em pedra estéril, como antes)” (Idem., de cons. Evang. 4, 10), e ainda: “Por terra deve entender-se o coração humano que dá seu fruto por meio de ações boas ou más. Com o dedo, que é flexível em suas articulações, se expressa a sutileza do discernimento. Nos dá a conhecer nisto que quando vemos uma ação má em nosso próximo não devemos condená-la imediatamente, mas sim, primeiramente, voltando para o secreto do nosso coração, examinemo-la com cuidado e solicitude” (Alcuino), e: “Pelo que diz a história, ao escrever na terra com o dedo, sem dúvida quis dar a entender que noutro tempo havia escrito sua Lei numa pedra” (São Beda), e também: “Não disse que não fosse apedrejada para que não parecesse que falava contra a Lei. Tão pouco disse que fosse apedrejada, porque havia vindo não para perder o que havia encontrado, mas para buscar o que se havia perdido. Pois o que responderá? ‘O que dentre vós está sem pecado atire contra ela a pedra’. Esta é a voz da justiça. Seja castigada a pecadora, porém, não pelos pecadores. Cumpra-se a Lei, porém, não por meio dos mesmos  que a violam” (Santo Agostinho, in Joannen, tract. 33).

 

Edições Theologica comenta esse trecho do Evangelho de São João.

V.V. 1-11. Este episódio falta em bastantes códices antigos, mas conservava-o a Vulgata quando o Magistério da Igreja definiu o Cânon dos livros sagrados no Concílio de Trento. Portanto, a canonicidade e a inspiração deste texto estão fora de toda a dúvida. A Igreja utilizou-o e continua a utilizá-lo na liturgia. A recente edição da Neo-vulgata inclui-o neste mesmo lugar.

Santo Agostinho explicava já as dúvidas acerca deste passo dizendo que a grande misericórdia de Jesus manifestada com esta mulher parecia a alguns espíritos, exageradamente rigoristas, que poderia dar pretexto a uma relaxação das exigências morais. Daqui que muitos copistas o suprimissem dos seus manuscritos (cfr De coniugiis adulterinis, 2,6).

Ao comentar o episódio da mulher adúltera, Frei Luís de Granada escreve, entre outras, esta consideração geral acerca da misericórdia de Jesus: “Tais, pois, convém que sejam, meu irmão, as tuas entranhas, tais as tuas obras e as tuas palavras, se queres ser uma formosíssima reprodução deste Senhor. E por isso não se contenta o Apóstolo em mandar-nos que sejamos misericordiosos, mas, diz, que nos vistamos, como filhos de Deus, de entranhas de misericórdia (cfr Cl 3, 12). Vê, pois, como estaria o mundo se todos os homens trouxessem este vestido. Tudo isto se disse para que, por estas obras tão assinaladas, se conheça algo daquele grande abismo de bondade e de misericórdia do nosso Salvador, a qual nestas obras tão claramente resplandece, pois (...) não podemos nesta vida conhecer Deus por Si, mas pelas Suas obras (...). Mas aqui também convém avisar que nunca de tal maneira nos transportemos em contemplar a divina misericórdia, que não nos recordemos da justiça; nem de tal maneira contemplemos a justiça, que não nos recordemos da misericórdia; para que nem a esperança careça de temor, nem o temor da esperança” (Vida de Jesus Cristo, 13, 4º).

V. 1. Sabemos que Nosso Senhor Se retirou várias vezes durante a noite a orar no monte das Oliveiras (cfr Jo 18,2; Lc 22,39), situado a Este de Jerusalém. O vale da torrente Cédron (Jo 18,1) separa-o da colina onde estava edificado o Templo. Era desde tempos antigos lugar de oração: ali foi Davi adorar a Deus no duro transe da revolta de Absalão (2 Sm 15,32) e ali o profeta Ezequiel contemplou a glória de Deus que entrava no novo Templo (Ez 43,1-4). Ao pé do monte encontrava-se um horto, cujo nome era Getsêmani, ou “lugar de azeite”, uma quinta fechada com plantação de oliveiras. A tradição cristã rodeou o lugar de respeito e conservou-o como sítio de oração. Em fins do século IV construiu-se uma igreja, sobre cujos restos se edificou a atual. Perduram ainda algumas poucas oliveiras milenárias que podem muito bem ser rebentos dos tempos do Senhor.

V. 6. A pergunta dos escribas e fariseus esconde uma insídia: como o Senhor Se tinha manifestado repetidas vezes compreensivo com os que eram considerados pecadores, recorrem agora a Ele com este caso para ver se também Se mostra indulgente, e assim poderem acusá-Lo de não respeitar um dos preceitos terminantes da Lei (cfr Lv 20,10).

V. 7. A resposta de Jesus alude ao modo de praticar a lapidação entre os Judeus: as testemunhas do delito tinham que atirar as primeiras pedras, depois seguia-se a comunidade, como para apagar coletivamente o opróbio que recaía sobre o povo (cfr Dt 17,7). A questão, que lhe propõem de um ponto de vista legal, Jesus eleva-a ao plano moral – que sustenta e justifica o legal – interpelando a consciência de cada um. Não viola a Lei, diz Santo Agostinho, e ao mesmo tempo não quer que se perca o que Ele estava a buscar, porque tinha vindo para salvar o que estava perdido: “Vede que resposta tão cheia de justiça, de mansidão e de verdade. Oh verdadeira resposta da Sabedoria! Ouviste-o: Cumpra-se a Lei, que seja apedrejada a adúltera. Mas, como podem cumprir a Lei e castigar aquela mulher uns pecadores? Veja-se cada um a si mesmo, entre no seu interior e ponha-se em presença no tribunal do seu coração e da sua consciência, e ver-se-á obrigado a confessar-se pecador. Sofra o castigo aquela pecadora, porém não por mão de pecadores; execute-se a Lei, mas não pelos seus transgressores” (In Ioann. Evang., 33,5).

V. 11. Santo Agostinho escreve:  “Apenas dois ficam ali: a miserável e a misericórdia. E o Senhor, depois de ter cravado o dardo da Sua justiça no coração dos judeus, nem Se digna olhar sequer como vão desaparecendo, mas afasta deles a Sua vista e volta outra vez a escrever com o dedo na terra. Quando se afastaram todos e ficou só a mulher, levantou os olhos e fixou-os nela. Já ouvimos a voz da justiça; ouçamos agora também a voz da mansidão. Que aterrada deve ter ficado aquela mulher quando ouviu dizer ao Senhor: ‘Aquele de vós que estiver sem pecado, que atire primeiro a pedra’, porque temia ser castigada por Aquele em que não podia achar-se pecado algum. Mas Aquele que tinha afastado de Si os Seus inimigos com as palavras da justiça, olhando-a com olhos de misericórdia, pergunta-lhe: Ninguém te condenou? Responde ela: Ninguém, Senhor. E Ele: Nem Eu te condeno; eu próprio, de quem talvez tenhas temido ser castigada, porque em Mim não achaste pecado algum. ‘Também Eu não te condeno’. Senhor, que é isto? Favoreces Tu os pecadores? Claro que não. Vê o que se segue: Vai e desde agora não peques mais. Portanto, o Senhor deu sentença de condenação contra o pecado, mas não contra a mulher” (In Ioann, Evang., 33, 5-6).

Jesus, que é o Justo, não condena; ao contrário, aqueles, que são pecadores, ditam sentença de morte. A misericórdia infinita de Deus há de mover-nos a ter sempre compaixão daqueles que cometem pecado, porque também nós somos pecadores e necessitamos do perdão de Deus.

 

Esse trecho de São João é comentado pelo Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena.

 A novidade cristã é ilustrada de modo concreto pelo episódio evangélico da adúltera, a mulher arrastada até Jesus para que a julgue. “Mestre, esta mulher foi apanhada agora mesmo em adultério. Moisés mandou-nos na lei que apedrejássemos tais mulheres. Que dizes tu?” (Jo 8,4). Faz o Salvador coisas absolutamente nova, não observada pela lei antiga; não dá sentença, mas após solene silêncio de ansiosa expectativa dos acusadores e da acusada, diz simplesmente: “Quem de vós está sem pecado, atire-lhe a primeira pedra” (8, 7). Pecadores são todos os homens; ninguém, portanto, tem direito de arvorar-se em juiz dos outros, exceto Um só: o Inocente, o Senhor; mas nem ele te condena, preferindo exercer seu poder de Salvador: “Ninguém te condenou? Nem eu te condenarei. Vai e não peques mais” (8, 10-11). Somente Cristo, vindo a dar a vida pela salvação dos pecadores, pôde libertar a mulher de seu pecado e dizer-lhe: “Não peques mais”. Sua palavra traz consigo a graça proveniente de seu sacrifício. No sacramento da penitência renova-se, para cada cristão, o gesto libertador de Cristo que confere ao homem a graça de lutar contra o pecado, para “não mais pecar”.

 

O Pe. Francisco Fernández-Carvajal comenta Jo 8, 1-11.

Mulher, ninguém te condenou? Respondeu ela: Ninguém, Senhor. Disse-lhe então Jesus: Nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar.

Tinham levado à presença de Jesus uma mulher surpreendida em adultério. Trouxeram-na para o meio da multidão, diz o Evangelho. Humilharam-na e envergonharam-na até esse extremo, sem a menor consideração. Lembram ao Senhor que a Lei impunha para este pecado o severo castigo da lapidação: Que dizes tu a isso? Perguntaram-lhe com má-fé, a fim de pô-lo à prova e poderem acusá-lo. Mas Jesus surpreende a todos. Não diz nada: Inclinando-se, escrevia com o dedo na terra.

A mulher está aterrorizada no meio de todos. E os escribas e fariseus insistem nas suas perguntas. Então Jesus ergueu-se e disse-lhes: Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra. E inclinando-se novamente, continuou a escrever na terra.

Todos se foram retirando, um após outro, a começar pelos mais velhos. Não tinham a consciência limpa e queriam armar uma cilada ao Senhor. Todos se foram embora: Jesus ficou sozinho, com a mulher em pé, diante dele. Jesus ergueu-se e, vendo ali apenas a mulher, perguntou-lhe: Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou?

As palavras de Jesus estão cheias de ternura e de indulgência. E a mulher respondeu: Ninguém, Senhor. Jesus disse-lhe: Nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar. Não é difícil imaginar a enorme alegria daquela mulher, o seu profundo agradecimento, os seus desejos de recomeçar. Na sua alma, manchada pelo pecado e pela humilhação a que fora submetida, operou-se uma mudança tão profunda que só podemos entrevê-la à luz da fé. Cumpriam-se as palavras do profeta Isaías: Não vos lembreis mais dos acontecimentos de outrora, não recordeis mais as coisas antigas; porque eis que vou fazer uma obra nova... Abrirei um caminho através do deserto e farei correr rios pela estepe... para saciar a sede do meu povo eleito, o povo que formei para que proclamasse os meus feitos.

Todos os dias, em todos os recantos do mundo, através dos sacerdotes, seus ministros, Jesus continua a dizer: “Eu te absolvo dos teus pecados...”, vai e não tornes a pecar. É o próprio Cristo que perdoa. “A fórmula sacramental: ‘Eu te absolvo...’, a imposição das mãos e o sinal da cruz traçado sobre o penitente, manifestam que naquele momento o pecador contrito e convertido entra em contato com o poder e a misericórdia de Deus. É o momento em que, em resposta ao penitente, a Santíssima Trindade se torna presente para apagar-lhe o pecado e restituir-lhe a inocência, o momento em que a força salvífica da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo é comunicada ao penitente [...]. Deus é sempre o principal ofendido pelo pecado – só contra Vós pequei! – e só Deus pode perdoar”.

As palavras que o sacerdote pronuncia não são somente uma oração de súplica para pedir a Deus que perdoe os nossos pecados, nem um mero certificado de que Deus se dignou conceder-nos o seu perdão, antes nesse mesmo instante causam e comunicam verdadeiramente o perdão: “Nesse momento, todos e cada um dos pecados são perdoados e apagados pela misteriosa intervenção do Salvador”.

Poucas palavras no mundo têm produzido tanta alegria como as da absolvição. Santo Agostinho afirma “que o prodígio que realizam supera a própria criação do mundo”. Com que alegria as recebemos quando nos aproximamos do sacramento do perdão? Quantas vezes temos dado graças a Deus por termos tão ao alcance da mão este sacramento? Na nossa oração de hoje, podemos manifestar a nossa gratidão ao Senhor por esse dom tão grande.

Pela absolvição, o homem une-se a Cristo Redentor, que quis carregar com os nossos pecados. E por essa união, o pecador participa novamente da fonte de graças que brota sem cessar do lado aberto de Cristo.

No momento em que recebemos a absolvição, devemos intensificar a dor pelos nossos pecados, dizendo talvez alguma das orações previstas no Ritual, como estas palavras de São Pedro: “Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu te amo”; e renovamos o propósito de emenda e escutamos com atenção as palavras do sacerdote que nos concede o perdão de Deus.

É o momento de recordar a alegria que significa recuperar a graça (se a tivermos perdido) ou sabê-la aumentada na nossa alma. Santo Ambrósio diz: “Eis que (o Pai) vem ao teu encontro; inclina-se sobre o teu ombro, dá-te um beijo, penhor de amor e ternura; faz com que te entreguem uma túnica nova, sandálias... Tu ainda temes a repreensão..., tens medo de uma palavra irritada, e Ele prepara-te um banquete”. O nosso Amém converte-se então num grande desejo de recomeçar, mesmo que só nos tenhamos confessado de faltas veniais.

Depois de cada confissão, devemos dar graças a Deus pela misericórdia que teve conosco e deter-nos, ainda que brevemente, a concretizar o modo de pôr em prática os conselhos ou indicações recebidas ou de tornar mais eficaz o nosso propósito de emenda e melhora.

Outra manifestação dessa gratidão é procurar que os nossos amigos recorram a essa fonte de graças, aproximá-los de Cristo, como fez a Samaritana: Transformada pela graça, correu a anunciar a boa nova aos seus conterrâneos, para que também eles se beneficiassem da especial oportunidade que a passagem de Jesus pela cidade lhes oferecia. Dificilmente descobriremos uma obra de caridade tão valiosa como a de anunciar, àqueles que estão cobertos de lama e sem forças, a fonte de salvação que encontramos e em que somos purificados e reconciliados com Deus. Fazemos o possível para levar a cabo um apostolado eficaz da Confissão Sacramental? Aproximamos os nossos amigos desse tribunal da misericórdia divina? Começamos nós mesmos por não adiar esse encontro com a misericórdia de Deus?

A satisfação é um ato final que coroa o sinal sacramental da Penitência. Em alguns países, chama-se precisamente penitência àquilo que o penitente perdoado e absolvido aceita cumprir depois de ter recebido a absolvição.

Os nossos pecados, mesmo depois de perdoados, merecem uma pena temporal de reparação que deve ser satisfeita nesta vida ou, depois da morte, no purgatório, para onde vão as almas dos que morrem em graça, mas sem terem expiado plenamente os seus pecados.

Além disso, depois da reconciliação com Deus, permanecem na alma as relíquias do pecado: a fraqueza da vontade em aderir ao bem, certa facilidade para nos enganarmos nos nossos juízos, desordem no apetite sensível... São as feridas do pecado e as tendências desordenadas que o pecado original deixou no homem, e que se infetam com os pecados pessoais: “Não basta retirar a flecha do corpo – diz São João Crisóstomo -; também é preciso curar a chaga produzida pela flecha. Coisa semelhante acontece na alma; depois de ter recebido o perdão dos pecados, tem de curar por meio da penitência a chaga que ficou”.

Depois de recebida a absolvição – ensina João Paulo II -, “permanece no cristão uma zona de sombra devida às feridas dos pecados, à imperfeição do amor no arrependimento, ao enfraquecimento das faculdades espirituais, que continuam a manter ativo um foco infeccioso de pecado que é preciso combater sempre com a mortificação e a penitência. Tal é o significado da humilde, mas sincera satisfação”.

Por todos estes motivos, devemos cumprir com muito amor e humildade a penitência que o sacerdote nos impõe antes de dar a absolvição. Costuma ser fácil e, se amamos de verdade o Senhor, perceberemos como é grande a desproporção entre ela e os nossos pecados. É mais um motivo para aumentarmos o nosso espírito de penitência neste tempo da quaresma, em que a Igreja nos convida especialmente a fazê-lo.

 

 Dom Duarte Leopoldo comenta Jo 8, 1-11.

 V. 4. Se esta mulher foi surpreendida em flagrante delito, porque não trazem os fariseus também o seu cúmplice para o julgamento de Jesus? É que o mundo tem uma moral para seu uso: para a mulher todo o rigor da lei, mas para o homem... toda a indulgência do fariseu! Pois o crime não é o mesmo? Não é talvez maior, considerando-se a natural fraqueza da mulher?

V. 5. O golpe foi preparado com admirável habilidade. Se Jesus condenasse a culpada, perderia a sua reputação de bondade para com os pecadores. Se, pelo contrário, a desculpasse, violaria a Lei de Moisés e seria prontamente acusado. Felizes aqueles que, a exemplo de Jesus, só têm contra si a bondade do seu coração. – A pergunta desses fariseus, cuja raça parece inextinguível, era tanto mais odiosa quanto havia já caído em esquecimento o costume de apedrejar as adúlteras.

 V. 8. Essa foi a única vez que Jesus escreveu. Acredita-se que Jesus escrevia na areia os principais crimes destes homens. Cada um deles, aproximando-se e lendo ali os seus pecados, se retirava confuso e humilhado. A habilidade dos inimigos de Deus e da Igreja há de encontrar sempre a ciência de Deus para contrariar os seus planos e enchê-los de confusão.

 V. 9. Jesus tinha ferido no alvo. Todos se retiraram, a principiar pelos mais velhos. Miserável natureza humana! Nem ainda os velhos, aqueles cuja idade deveria ser um escudo contra o pecado, cujos cabelos brancos deveriam ser uma coroa de virtudes, cujas paixões há muito deveriam estar extintas pelo gelo dos anos, pela experiência da vida, pelas desilusões do mundo, nem esses se podem furtar aos assaltos do pecado, quando divorciados de Deus e dos seus Mandamentos. A história da casta Susana nos diz o que é e quanto vale a virtude de certos velhos.

 E Jesus ficou só com a mulher que estava no meio... “Era o médico, diz Santo Agostinho, em face da doente, a miséria diante da misericórdia”.

 V.11. O silêncio de Jesus parecia, a princípio, uma condenação. Admirada de ter escapado às mãos daqueles homens que, tanto ou mais culpados do que ela, queriam condená-la a um suplício horroroso, a pobre mulher julgava-se, talvez, irremediavelmente perdida, diante daquele que era a santidade por essência. Mas Jesus lhe diz: Ninguém te condenou? Pois nem eu te condenarei. Era como se tivesse dito: Se a malícia dos homens não te pôde condenar, porque temeis a inocência? Eu sou um Deus paciente que perdoa as iniquidades. Eu odeio o pecado e não o pecador; ide, pois, e não tornes mais a pecar.

 A história da mulher adúltera nos mostra quanto é cruel o mundo, quando, depois de haver precipitado uma pobre alma no lamaçal de todos os vícios, condena ao desprezo, à miséria, ao catre de um hospital, essa miserável por cuja queda é ele o principal responsável. Jesus, porém, detestando o pecado, tanto quanto o pode detestar a Justiça infinita, acolhe sempre o pecador arrependido e seriamente resolvido a não mais pecar.

Acolhendo com tanta bondade a esta mulher escandalosa e perdida, quis o Divino Mestre ensinar-nos que a graça é mais poderosa e eficaz para prevenir essas desordens, do que os rigores do Código Civil e o desprezo dos homens; que, diante de Deus, tão criminosa é a mulher adúltera, como o homem esquecido dos seus deveres de esposo e chefe de família, ordinariamente tão indulgente para as suas próprias faltas; finalmente, que não há mancha que não possa apagar da nossa alma a mão sempre tão delicada de Jesus, que não há crime imperdoável para uma alma arrependida e seriamente disposta a abandonar o caminho do pecado.

A mulher adúltera, a Madalena e o bom ladrão são os três grandes exemplos da misericórdia de Deus. Desgraçado daquele que troca Jesus com a severidade das suas máximas pelo mundo com a doçura das suas ilusões!  
 

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 18 de março de 2010
 

 

Vide também:

Não peques mais

 

 

 
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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Ninguém te condenou?”
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