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      NINGUÉM TE CONDENOU? 
      
      
      (Jo 8, 1-11)
        
        
      
      “1 
      Jesus foi para o monte da oliveiras.  
      2 
      Antes do nascer do sol, já se achava outra vez no Templo. Todo o povo 
      vinha a ele e, sentando-se, os ensinava.  
      3 
      Os escribas e os fariseus trazem, então, uma mulher surpreendida em 
      adultério e, colocando-a no meio, dizem-lhe:  
      4 
      ‘Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante delito de adultério.
      
      5 
      Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. Tu, pois, que dizes?’
      
      6 
      Eles assim diziam para pô-lo à prova, a fim de terem matéria para 
      acusá-lo. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo.  
      7 
      Como persistissem em interrogá-lo, ergueu-se e lhes disse: ‘Quem dentre 
      vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra!’  
      8 
      Inclinando-se de novo, escrevia na terra.  
      9 
      Eles, porém, ouvindo isso, saíram um após outro, a começar pelos mais 
      velhos. Ele ficou sozinho e a mulher permanecia lá, no meio.  
      10 
      Então, erguendo-se, Jesus lhe disse: ‘Mulher, onde estão eles? Ninguém te 
      condenou?’  11 
      Disse ela: ‘Ninguém, Senhor’. Disse, então, Jesus: ‘Nem eu te condeno. 
      Vai, e de agora em diante não peques mais”. 
       
       
      
      
        
        
      
      Alcuino escreve: 
      “O Senhor tinha o costume, especialmente pouco antes de sua paixão, de 
      pregar a Palavra de Deus durante o dia no templo que havia em Jerusalém; 
      sua pregação era acompanhada de sinais e milagres. Quando chegava a tarde 
      voltava para Betânia, hospedando-se na casa de Lázaro, Marta e Maria, e na 
      manhã seguinte voltava à mesma atividade. E como estivesse no último dia 
      da festa do tabernáculo ocupado com a pregação, à tarde foi ao monte das 
      Oliveiras. É isso o que diz: ‘E Jesus foi para o monte das Oliveiras”, 
      e: “E onde devia 
      pregar Jesus senão no monte das Oliveiras, no monte do unguento, monte do 
      crisma? O nome Cristo quer dizer crisma; e crisma em grego quer dizer 
      unção. Nos ungiu porque nos colocou na condição de lutar contra o diabo”
      
      (Santo Agostinho, In Joannen, tract. 33), 
      e também: “Significava 
      que depois que começou a habitar no templo por meio da graça (isto é, na 
      Igreja), todas as gentes começaram a acreditar n’Ele. Por isso segue: ‘E 
      veio a Ele todo o povo, e sentado lhes ensinava”  
      (São Beda), e ainda: 
      “A ação de estar sentado representa a humildade da Encarnação. E 
      quando o Senhor estava sentado, o povo vinha a Ele, porque depois que se 
      fez visível pela natureza humana que tomou, começaram muitos a ouvir e 
      crer n’Ele, porque havia aproximado deles por meio da humanidade. Enquanto 
      que os pacíficos e simples admiravam as palavras do Salvador, os escribas 
      e os fariseus lhe perguntavam, não para aprender, mas para embaraçar a 
      verdade. Por isso segue: ‘Os escribas e os fariseus lhe trouxeram uma 
      mulher surpreendida em adultério, a puseram no meio e lhe disseram: 
      ‘Mestre, esta mulher foi surpreendida em adultério”  
      (Alcuino), e: 
      “Haviam conhecido que o 
      Salvador era muito bondoso, porque d’Ele estava escrito: ‘... reina por 
      meio da verdade, da mansidão e da justiça’ (Sl 44, 5). Traz, portanto, a 
      verdade como Doutor, a mansidão como Libertador e a justiça como 
      Conhecedor. Quando falava era conhecida a verdade; como não se irritava 
      contra os inimigos era louvada sua mansidão. Tentaram sua justiça pondo 
      diante d’Ele um escândalo. Disseram entre si: ‘Se julga que deve deixá-la, 
      não tem justiça’. A Lei não podia mandar o que não era justo e por isso 
      invocam a Lei dizendo: ‘Moisés nos mandou na Lei apedrejar tais pessoas’. 
      Porém, como não devia abandonar a mansidão por meio da qual havia feito 
      amar o próximo, haverá de dizer para deixá-la. Por isso exigem sua 
      determinação dizendo: ‘Tu, pois, que dizes?’ Se propunham com isso 
      encontrar ocasião para poder acusá-lo, fazendo-o aparecer como infrator da 
      Lei. Por isso acrescenta o Evangelista: ‘Diziam isso para tentá-lo, para 
      poder acusá-lo’. Porém o Senhor realizará a justiça ao contestar e não 
      abandonará a sua mansidão. Prossegue: ‘Mas Jesus  inclinando para baixo, 
      escrevia com o dedo na terra”  
      (Santo Agostinho, ut sup), 
      e também: “Para 
      manifestar que aqueles deviam escrever na terra e não no céu, donde havia 
      dito que seus discípulos se alegraram por estar inscritos. Também pode 
      dizer que se humilhando (como o demonstrava na inclinação de sua cabeça), 
      fazia sinais na terra; ou que já era tempo da sua Lei escrita na terra 
       frutificar-se (e não em pedra estéril, como antes)”  
      (Idem., de cons. Evang. 4, 10), e ainda:
      
      “Por terra deve entender-se o 
      coração humano que dá seu fruto por meio de ações boas ou más. Com o 
      dedo, que é flexível em suas articulações, se expressa a sutileza do 
      discernimento. Nos dá a conhecer nisto que quando vemos uma ação má em 
      nosso próximo não devemos condená-la imediatamente, mas sim, 
      primeiramente, voltando para o secreto do nosso coração, examinemo-la com 
      cuidado e solicitude”  
      (Alcuino), e: 
      “Pelo que diz a história, ao escrever na terra com o dedo, sem dúvida quis 
      dar a entender que noutro tempo havia escrito sua Lei numa pedra”  
      (São Beda), 
      e também: 
      “Não disse que não fosse 
      apedrejada para que não parecesse que falava contra a Lei. Tão pouco 
      disse que fosse apedrejada, porque havia vindo não para perder o que havia 
      encontrado, mas para buscar o que se havia perdido. Pois o que responderá? 
      ‘O que dentre vós está sem pecado atire contra ela a pedra’. Esta é a voz 
      da justiça. Seja castigada a pecadora, porém, não pelos pecadores. 
      Cumpra-se a Lei, porém, não por meio dos mesmos  que a violam”  
      (Santo Agostinho, in Joannen, 
      tract. 33).  
      
        
      
       Edições Theologica comenta esse trecho do 
      Evangelho de São João. 
       
      V.V.  
      1-11. Este episódio falta em bastantes códices antigos, mas 
      conservava-o a Vulgata quando o Magistério da Igreja definiu o 
      Cânon dos livros sagrados no Concílio de Trento. Portanto, a canonicidade 
      e a inspiração deste texto estão fora de toda a dúvida. A Igreja 
      utilizou-o e continua a utilizá-lo na liturgia. A recente edição da 
      Neo-vulgata inclui-o neste mesmo lugar. 
      
      Santo Agostinho explicava já as dúvidas acerca 
      deste passo dizendo que a grande misericórdia de Jesus manifestada com 
      esta mulher parecia a alguns espíritos, exageradamente rigoristas, que 
      poderia dar pretexto a uma relaxação das exigências morais. Daqui que 
      muitos copistas o suprimissem dos seus manuscritos (cfr De coniugiis 
      adulterinis, 2,6). 
      
      Ao comentar o episódio da mulher adúltera, Frei 
      Luís de Granada escreve, entre outras, esta consideração geral acerca da 
      misericórdia de Jesus: “Tais, pois, convém que 
      sejam, meu irmão, as tuas entranhas, tais as tuas obras e as tuas 
      palavras, se queres ser uma formosíssima reprodução deste Senhor. E por 
      isso não se contenta o Apóstolo em mandar-nos que sejamos misericordiosos, 
      mas, diz, que nos vistamos, como filhos de Deus, de entranhas de 
      misericórdia (cfr Cl 3, 12). Vê, pois, como estaria o mundo se todos os 
      homens trouxessem este vestido. Tudo isto se disse para que, por estas 
      obras tão assinaladas, se conheça algo daquele grande abismo de bondade e 
      de misericórdia do nosso Salvador, a qual nestas obras tão claramente 
      resplandece, pois (...) não podemos nesta vida conhecer Deus por Si, mas 
      pelas Suas obras (...). Mas aqui também convém avisar que nunca de tal 
      maneira nos transportemos em contemplar a divina misericórdia, que não nos 
      recordemos da justiça; nem de tal maneira contemplemos a justiça, que não 
      nos recordemos da misericórdia; para que nem a esperança careça de temor, 
      nem o temor da esperança” (Vida 
      de Jesus Cristo, 13, 4º). 
      
      V. 1. Sabemos que Nosso Senhor Se retirou várias 
      vezes durante a noite a orar no monte das Oliveiras (cfr Jo 18,2; Lc 
      22,39), situado a Este de Jerusalém. O vale da torrente Cédron (Jo 18,1) 
      separa-o da colina onde estava edificado o Templo. Era desde tempos 
      antigos lugar de oração: ali foi Davi adorar a Deus no duro transe da 
      revolta de Absalão (2 Sm 15,32) e ali o profeta Ezequiel contemplou a 
      glória de Deus que entrava no novo Templo (Ez 43,1-4). Ao pé do monte 
      encontrava-se um horto, cujo nome era Getsêmani, ou “lugar de azeite”, uma 
      quinta fechada com plantação de oliveiras. A tradição cristã rodeou o 
      lugar de respeito e conservou-o como sítio de oração. Em fins do século IV 
      construiu-se uma igreja, sobre cujos restos se edificou a atual. Perduram 
      ainda algumas poucas oliveiras milenárias que podem muito bem ser rebentos 
      dos tempos do Senhor. 
      
      V. 6. A pergunta dos 
      escribas e fariseus esconde uma insídia: como o Senhor Se tinha 
      manifestado repetidas vezes compreensivo com os que eram considerados 
      pecadores, recorrem agora a Ele com este caso para ver se também Se mostra 
      indulgente, e assim poderem acusá-Lo de não respeitar um dos preceitos 
      terminantes da Lei (cfr Lv 20,10). 
      
      V. 7. A resposta de 
      Jesus alude ao modo de praticar a lapidação entre os Judeus: as 
      testemunhas do delito tinham que atirar as primeiras pedras, depois 
      seguia-se a comunidade, como para apagar coletivamente o opróbio que 
      recaía sobre o povo (cfr Dt 17,7). A questão, que lhe propõem de um ponto 
      de vista legal, Jesus eleva-a ao plano moral – que sustenta e justifica o 
      legal – interpelando a consciência de cada um. Não viola a Lei, diz Santo 
      Agostinho, e ao mesmo tempo não quer que se perca o que Ele estava a 
      buscar, porque tinha vindo para salvar o que estava perdido: 
      “Vede que 
      resposta tão cheia de justiça, de mansidão e de verdade. Oh verdadeira 
      resposta da Sabedoria! Ouviste-o: Cumpra-se a Lei, que seja apedrejada a 
      adúltera. Mas, como podem cumprir a Lei e castigar aquela mulher uns 
      pecadores? Veja-se cada um a si mesmo, entre no seu interior e ponha-se em 
      presença no tribunal do seu coração e da sua consciência, e ver-se-á 
      obrigado a confessar-se pecador. Sofra o castigo aquela pecadora, porém 
      não por mão de pecadores; execute-se a Lei, mas não pelos seus 
      transgressores” (In Ioann. Evang., 33,5). 
      
      V. 11. Santo Agostinho escreve:  “Apenas 
      dois ficam ali: a miserável e a misericórdia. E o Senhor, depois de ter 
      cravado o dardo da Sua justiça no coração dos judeus, nem Se digna olhar 
      sequer como vão desaparecendo, mas afasta deles a Sua vista e volta outra 
      vez a escrever com o dedo na terra. Quando se afastaram todos e ficou só a 
      mulher, levantou os olhos e fixou-os nela. Já ouvimos a voz da justiça; 
      ouçamos agora também a voz da mansidão. Que aterrada deve ter ficado 
      aquela mulher quando ouviu dizer ao Senhor: ‘Aquele de vós que estiver sem 
      pecado, que atire primeiro a pedra’, porque temia ser castigada por Aquele 
      em que não podia achar-se pecado algum. Mas Aquele que tinha afastado de 
      Si os Seus inimigos com as palavras da justiça, olhando-a com olhos de 
      misericórdia, pergunta-lhe: Ninguém te condenou? Responde ela: Ninguém, 
      Senhor. E Ele: Nem Eu te condeno; eu próprio, de quem talvez tenhas temido 
      ser castigada, porque em Mim não achaste pecado algum. ‘Também Eu não te 
      condeno’. Senhor, que é isto? Favoreces Tu os pecadores? Claro que não. Vê 
      o que se segue: Vai e desde agora não peques mais. Portanto, o Senhor deu 
      sentença de condenação contra o pecado, mas não contra a mulher”
      (In Ioann, Evang., 33, 5-6). 
      
      Jesus, que é o Justo, não condena; ao contrário, 
      aqueles, que são pecadores, ditam sentença de morte. A misericórdia 
      infinita de Deus há de mover-nos a ter sempre compaixão daqueles que 
      cometem pecado, porque também nós somos pecadores e necessitamos do perdão 
      de Deus. 
        
      
      Esse trecho de São João é comentado pelo Pe. Gabriel 
      de Santa Maria Madalena. 
      
       A novidade cristã é ilustrada de modo concreto pelo 
      episódio evangélico da adúltera, a mulher arrastada até Jesus para que a 
      julgue. “Mestre, esta mulher foi apanhada agora 
      mesmo em adultério. Moisés mandou-nos na lei que apedrejássemos tais 
      mulheres. Que dizes tu?” (Jo 
      8,4). Faz o Salvador coisas absolutamente nova, não observada pela 
      lei antiga; não dá sentença, mas após solene silêncio de ansiosa 
      expectativa dos acusadores e da acusada, diz simplesmente: 
      “Quem de vós está sem pecado, atire-lhe a primeira 
      pedra” (8, 7). Pecadores 
      são todos os homens; ninguém, portanto, tem direito de arvorar-se em juiz 
      dos outros, exceto Um só: o Inocente, o Senhor; mas nem ele te condena, 
      preferindo exercer seu poder de Salvador: 
      “Ninguém te condenou? Nem eu te condenarei. Vai e não peques mais”
      (8, 10-11). Somente Cristo, vindo a 
      dar a vida pela salvação dos pecadores, pôde libertar a mulher de seu 
      pecado e dizer-lhe: “Não peques mais”. 
      Sua palavra traz consigo a graça proveniente de seu sacrifício. No 
      sacramento da penitência renova-se, para cada cristão, o gesto libertador 
      de Cristo que confere ao homem a graça de lutar contra o pecado, para 
      “não mais pecar”. 
        
      
      O Pe. Francisco 
      Fernández-Carvajal comenta Jo 8, 1-11. 
      
      Mulher, ninguém te condenou? Respondeu ela: Ninguém, 
      Senhor. Disse-lhe então Jesus: Nem eu te condeno. Vai e não tornes a 
      pecar. 
      
      Tinham levado à presença de Jesus uma mulher 
      surpreendida em adultério. Trouxeram-na para o meio da multidão, diz o 
      Evangelho. Humilharam-na e envergonharam-na até esse extremo, sem a menor 
      consideração. Lembram ao Senhor que a Lei impunha para este pecado o 
      severo castigo da lapidação: Que dizes tu a isso? Perguntaram-lhe 
      com má-fé, a fim de pô-lo à prova e poderem acusá-lo. Mas Jesus surpreende 
      a todos. Não diz nada:  Inclinando-se, escrevia com o dedo na terra. 
      
      A mulher está aterrorizada no meio de todos. E os 
      escribas e fariseus insistem nas suas perguntas. Então Jesus ergueu-se e 
      disse-lhes: Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra. E 
      inclinando-se novamente, continuou a escrever na terra. 
      
      Todos se foram retirando, um após outro, a começar pelos 
      mais velhos. Não tinham a consciência limpa e queriam armar uma cilada ao 
      Senhor. Todos se foram embora:  Jesus ficou sozinho, com a mulher em pé, 
      diante dele. Jesus ergueu-se e, vendo ali apenas a mulher, perguntou-lhe: 
      Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou? 
      
      As palavras de Jesus estão cheias de ternura e de 
      indulgência. E a mulher respondeu: Ninguém, Senhor. Jesus disse-lhe: 
      Nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar. Não é difícil imaginar a 
      enorme alegria daquela mulher, o seu profundo agradecimento, os seus 
      desejos de recomeçar. Na sua alma, manchada pelo pecado e pela humilhação 
      a que fora submetida, operou-se uma mudança tão profunda que só podemos 
      entrevê-la à luz da fé. Cumpriam-se as palavras do profeta Isaías: Não 
      vos lembreis mais dos acontecimentos de outrora, não recordeis mais as 
      coisas antigas; porque eis que vou fazer uma obra nova... Abrirei um 
      caminho através do deserto e farei correr rios pela estepe... para saciar 
      a sede do meu povo eleito, o povo que formei para que proclamasse os meus 
      feitos. 
      
      Todos os dias, em todos os recantos do mundo, através 
      dos sacerdotes, seus ministros, Jesus continua a dizer: “Eu te 
      absolvo dos teus pecados...”, vai e não tornes a pecar. É o 
      próprio Cristo que perdoa. “A fórmula sacramental: ‘Eu te 
      absolvo...’, a imposição das mãos e o sinal da cruz traçado sobre o 
      penitente, manifestam que naquele momento o pecador contrito e convertido 
      entra em contato com o poder e a misericórdia de Deus. É o momento em que, 
      em resposta ao penitente, a Santíssima Trindade se torna presente para 
      apagar-lhe o pecado e restituir-lhe a inocência, o momento em que a força 
      salvífica da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo é comunicada ao 
      penitente [...]. Deus é sempre o principal ofendido pelo pecado – só 
      contra Vós pequei! – e só Deus pode perdoar”. 
      
      As palavras que o sacerdote pronuncia não são somente 
      uma oração de súplica para pedir a Deus que perdoe os nossos pecados, nem 
      um mero certificado de que Deus se dignou conceder-nos o seu perdão, antes 
      nesse mesmo instante causam e comunicam verdadeiramente o perdão: 
      “Nesse momento, todos e cada um dos pecados são perdoados e apagados pela 
      misteriosa intervenção do Salvador”. 
      
      Poucas palavras no mundo têm produzido tanta alegria 
      como as da absolvição. Santo Agostinho afirma 
      “que o prodígio que realizam supera a própria criação do mundo”. 
      Com que alegria as recebemos quando nos aproximamos do sacramento do 
      perdão? Quantas vezes temos dado graças a Deus por termos tão ao alcance 
      da mão este sacramento? Na nossa oração de hoje, podemos manifestar a 
      nossa gratidão ao Senhor por esse dom tão grande. 
      
      Pela absolvição, o homem une-se a Cristo Redentor, que 
      quis carregar com os nossos pecados. E por essa união, o pecador participa 
      novamente da fonte de graças que brota sem cessar do lado aberto de 
      Cristo. 
      
      No momento em que recebemos a absolvição, devemos 
      intensificar a dor pelos nossos pecados, dizendo talvez alguma das orações 
      previstas no Ritual, como estas palavras de São Pedro: 
      “Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu te amo”; 
      e renovamos o propósito de emenda e escutamos com atenção as palavras do 
      sacerdote que nos concede o perdão de Deus. 
      
      É o momento de recordar a alegria que significa 
      recuperar a graça (se a tivermos perdido) ou sabê-la aumentada na nossa 
      alma. Santo Ambrósio diz: “Eis que (o Pai) vem 
      ao teu encontro; inclina-se sobre o teu ombro, dá-te um beijo, penhor de 
      amor e ternura; faz com que te entreguem uma túnica nova, sandálias... Tu 
      ainda temes a repreensão..., tens medo de uma palavra irritada, e Ele 
      prepara-te um banquete”. O nosso Amém converte-se então 
      num grande desejo de recomeçar, mesmo que só nos tenhamos confessado de 
      faltas veniais. 
      
      Depois de cada confissão, devemos dar graças a Deus pela 
      misericórdia que teve conosco e deter-nos, ainda que brevemente, a 
      concretizar o modo de pôr em prática os conselhos ou indicações 
      recebidas ou de tornar mais eficaz o nosso propósito de emenda e melhora. 
      
      Outra manifestação dessa gratidão é procurar que os 
      nossos amigos recorram a essa fonte de graças, aproximá-los de Cristo, 
      como fez a Samaritana: Transformada pela graça, correu a anunciar a boa 
      nova aos seus conterrâneos, para que também eles se beneficiassem da 
      especial oportunidade que a passagem de Jesus pela cidade lhes oferecia. 
      Dificilmente descobriremos uma obra de caridade tão valiosa como a de 
      anunciar, àqueles que estão cobertos de lama e sem forças, a fonte de 
      salvação que encontramos e em que somos purificados e reconciliados com 
      Deus. Fazemos o possível para levar a cabo um apostolado eficaz da 
      Confissão Sacramental? Aproximamos os nossos amigos desse tribunal da 
      misericórdia divina? Começamos nós mesmos por não adiar esse encontro com 
      a misericórdia de Deus? 
      
      A satisfação é um ato final que coroa o sinal 
      sacramental da Penitência. Em alguns países, chama-se precisamente 
      penitência àquilo que o penitente perdoado e absolvido aceita cumprir 
      depois de ter recebido a absolvição. 
      
      Os nossos pecados, mesmo depois de perdoados, merecem 
      uma pena temporal de reparação que deve ser satisfeita nesta vida ou, 
      depois da morte, no purgatório, para onde vão as almas dos que morrem em 
      graça, mas sem terem expiado plenamente os seus pecados. 
      
      Além disso, depois da reconciliação com Deus, permanecem 
      na alma as relíquias do pecado: a fraqueza da vontade em aderir ao 
      bem, certa facilidade para nos enganarmos nos nossos juízos, desordem no 
      apetite sensível... São as feridas do pecado e as tendências desordenadas 
      que o pecado original deixou no homem, e que se infetam com os pecados 
      pessoais: “Não basta retirar a flecha do corpo 
      – diz São João Crisóstomo -; também é preciso 
      curar a chaga produzida pela flecha. Coisa semelhante acontece na alma; 
      depois de ter recebido o perdão dos pecados, tem de curar por meio da 
      penitência a chaga que ficou”. 
      
      Depois de recebida a absolvição – ensina João Paulo II 
      -, “permanece no cristão uma zona de sombra 
      devida às feridas dos pecados, à imperfeição do amor no arrependimento, ao 
      enfraquecimento das faculdades espirituais, que continuam a manter ativo 
      um foco infeccioso de pecado que é preciso combater sempre com a 
      mortificação e a penitência. Tal é o significado da humilde, mas sincera 
      satisfação”. 
      
      Por todos estes motivos, devemos cumprir com muito amor 
      e humildade a penitência que o sacerdote nos impõe antes de dar a 
      absolvição. Costuma ser fácil e, se amamos de verdade o Senhor, 
      perceberemos como é grande a desproporção entre ela e os nossos pecados. É 
      mais um motivo para aumentarmos o nosso espírito de penitência neste tempo 
      da quaresma, em que a Igreja nos convida especialmente a fazê-lo. 
        
      
       Dom Duarte Leopoldo comenta Jo 8, 1-11. 
      
       V. 4. Se esta mulher foi surpreendida em 
      flagrante delito, porque não trazem os fariseus também o seu cúmplice para 
      o julgamento de Jesus? É que o mundo tem uma moral para seu uso: para a 
      mulher todo o rigor da lei, mas para o homem... toda a indulgência do 
      fariseu! Pois o crime não é o mesmo? Não é talvez maior, considerando-se a 
      natural fraqueza da mulher? 
      
      V. 5. O golpe foi preparado com admirável 
      habilidade. Se Jesus condenasse a culpada, perderia a sua reputação de 
      bondade para com os pecadores. Se, pelo contrário, a desculpasse, violaria 
      a Lei de Moisés e seria prontamente acusado. Felizes aqueles que, a 
      exemplo de Jesus, só têm contra si a bondade do seu coração. – A pergunta 
      desses fariseus, cuja raça parece inextinguível, era tanto mais odiosa 
      quanto havia já caído em esquecimento o costume de apedrejar as adúlteras. 
      
       V. 8. Essa foi a única vez que Jesus escreveu. 
      Acredita-se que Jesus escrevia na areia os principais crimes destes 
      homens. Cada um deles, aproximando-se e lendo ali os seus pecados, se 
      retirava confuso e humilhado. A habilidade dos inimigos de Deus e da 
      Igreja há de encontrar sempre a ciência de Deus para contrariar os seus 
      planos e enchê-los de confusão.   
      
       V. 9. Jesus tinha ferido no alvo. Todos se 
      retiraram, a principiar pelos mais velhos. Miserável natureza humana! Nem 
      ainda os velhos, aqueles cuja idade deveria ser um escudo contra o pecado, 
      cujos cabelos brancos deveriam ser uma coroa de virtudes, cujas paixões há 
      muito deveriam estar extintas pelo gelo dos anos, pela experiência da 
      vida, pelas desilusões do mundo, nem esses se podem furtar aos assaltos do 
      pecado, quando divorciados de Deus e dos seus Mandamentos. A história da 
      casta Susana nos diz o que é e quanto vale a virtude de certos velhos. 
      
       E Jesus ficou só com a mulher que estava no meio... 
      “Era o médico, diz Santo Agostinho, 
      em face da doente, a miséria diante da 
      misericórdia”. 
      
       V.11. O silêncio de Jesus parecia, a 
      princípio, uma condenação. Admirada de ter escapado às mãos daqueles 
      homens que, tanto ou mais culpados do que ela, queriam condená-la a um 
      suplício horroroso, a pobre mulher julgava-se, talvez, irremediavelmente 
      perdida, diante daquele que era a santidade por essência. Mas Jesus lhe 
      diz: Ninguém te condenou? Pois nem eu te condenarei. Era como se tivesse 
      dito: Se a malícia dos homens não te pôde condenar, porque temeis a 
      inocência? Eu sou um Deus paciente que perdoa as iniquidades. Eu odeio o 
      pecado e não o pecador; ide, pois, e não tornes mais a pecar.   
      
       A história da mulher adúltera nos mostra quanto é 
      cruel o mundo, quando, depois de haver precipitado uma pobre alma no 
      lamaçal de todos os vícios, condena ao desprezo, à miséria, ao catre de um 
      hospital, essa miserável por cuja queda é ele o principal responsável. 
      Jesus, porém, detestando o pecado, tanto quanto o pode detestar a Justiça 
      infinita, acolhe sempre o pecador arrependido e seriamente resolvido a não 
      mais pecar. 
      
      Acolhendo com tanta bondade a esta mulher escandalosa e 
      perdida, quis o Divino Mestre ensinar-nos que a graça é mais poderosa e 
      eficaz para prevenir essas desordens, do que os rigores do Código Civil e 
      o desprezo dos homens; que, diante de Deus, tão criminosa é a mulher 
      adúltera, como o homem esquecido dos seus deveres de esposo e chefe de 
      família, ordinariamente tão indulgente para as suas próprias faltas; 
      finalmente, que não há mancha que não possa apagar da nossa alma a mão 
      sempre tão delicada de Jesus, que não há crime imperdoável para uma alma 
      arrependida e seriamente disposta a abandonar o caminho do pecado. 
      
      A mulher adúltera, a Madalena e o bom ladrão são os três 
      grandes exemplos da misericórdia de Deus. Desgraçado daquele que troca 
      Jesus com a severidade das suas máximas pelo mundo com a doçura das suas 
      ilusões!   
  
        
      
      Pe. Divino Antônio Lopes FP. 
      
      Anápolis, 18 de março de 
      2010 
  
      
        
      
      Vide também: 
      
      Não peques mais 
      
        
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