NINGUÉM TE CONDENOU?
(Jo 8, 1-11)
“1
Jesus foi para o monte da oliveiras.
2
Antes do nascer do sol, já se achava outra vez no Templo. Todo o povo
vinha a ele e, sentando-se, os ensinava.
3
Os escribas e os fariseus trazem, então, uma mulher surpreendida em
adultério e, colocando-a no meio, dizem-lhe:
4
‘Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante delito de adultério.
5
Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. Tu, pois, que dizes?’
6
Eles assim diziam para pô-lo à prova, a fim de terem matéria para
acusá-lo. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo.
7
Como persistissem em interrogá-lo, ergueu-se e lhes disse: ‘Quem dentre
vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra!’
8
Inclinando-se de novo, escrevia na terra.
9
Eles, porém, ouvindo isso, saíram um após outro, a começar pelos mais
velhos. Ele ficou sozinho e a mulher permanecia lá, no meio.
10
Então, erguendo-se, Jesus lhe disse: ‘Mulher, onde estão eles? Ninguém te
condenou?’ 11
Disse ela: ‘Ninguém, Senhor’. Disse, então, Jesus: ‘Nem eu te condeno.
Vai, e de agora em diante não peques mais”.
Alcuino escreve:
“O Senhor tinha o costume, especialmente pouco antes de sua paixão, de
pregar a Palavra de Deus durante o dia no templo que havia em Jerusalém;
sua pregação era acompanhada de sinais e milagres. Quando chegava a tarde
voltava para Betânia, hospedando-se na casa de Lázaro, Marta e Maria, e na
manhã seguinte voltava à mesma atividade. E como estivesse no último dia
da festa do tabernáculo ocupado com a pregação, à tarde foi ao monte das
Oliveiras. É isso o que diz: ‘E Jesus foi para o monte das Oliveiras”,
e: “E onde devia
pregar Jesus senão no monte das Oliveiras, no monte do unguento, monte do
crisma? O nome Cristo quer dizer crisma; e crisma em grego quer dizer
unção. Nos ungiu porque nos colocou na condição de lutar contra o diabo”
(Santo Agostinho, In Joannen, tract. 33),
e também: “Significava
que depois que começou a habitar no templo por meio da graça (isto é, na
Igreja), todas as gentes começaram a acreditar n’Ele. Por isso segue: ‘E
veio a Ele todo o povo, e sentado lhes ensinava”
(São Beda), e ainda:
“A ação de estar sentado representa a humildade da Encarnação. E
quando o Senhor estava sentado, o povo vinha a Ele, porque depois que se
fez visível pela natureza humana que tomou, começaram muitos a ouvir e
crer n’Ele, porque havia aproximado deles por meio da humanidade. Enquanto
que os pacíficos e simples admiravam as palavras do Salvador, os escribas
e os fariseus lhe perguntavam, não para aprender, mas para embaraçar a
verdade. Por isso segue: ‘Os escribas e os fariseus lhe trouxeram uma
mulher surpreendida em adultério, a puseram no meio e lhe disseram:
‘Mestre, esta mulher foi surpreendida em adultério”
(Alcuino), e:
“Haviam conhecido que o
Salvador era muito bondoso, porque d’Ele estava escrito: ‘... reina por
meio da verdade, da mansidão e da justiça’ (Sl 44, 5). Traz, portanto, a
verdade como Doutor, a mansidão como Libertador e a justiça como
Conhecedor. Quando falava era conhecida a verdade; como não se irritava
contra os inimigos era louvada sua mansidão. Tentaram sua justiça pondo
diante d’Ele um escândalo. Disseram entre si: ‘Se julga que deve deixá-la,
não tem justiça’. A Lei não podia mandar o que não era justo e por isso
invocam a Lei dizendo: ‘Moisés nos mandou na Lei apedrejar tais pessoas’.
Porém, como não devia abandonar a mansidão por meio da qual havia feito
amar o próximo, haverá de dizer para deixá-la. Por isso exigem sua
determinação dizendo: ‘Tu, pois, que dizes?’ Se propunham com isso
encontrar ocasião para poder acusá-lo, fazendo-o aparecer como infrator da
Lei. Por isso acrescenta o Evangelista: ‘Diziam isso para tentá-lo, para
poder acusá-lo’. Porém o Senhor realizará a justiça ao contestar e não
abandonará a sua mansidão. Prossegue: ‘Mas Jesus inclinando para baixo,
escrevia com o dedo na terra”
(Santo Agostinho, ut sup),
e também: “Para
manifestar que aqueles deviam escrever na terra e não no céu, donde havia
dito que seus discípulos se alegraram por estar inscritos. Também pode
dizer que se humilhando (como o demonstrava na inclinação de sua cabeça),
fazia sinais na terra; ou que já era tempo da sua Lei escrita na terra
frutificar-se (e não em pedra estéril, como antes)”
(Idem., de cons. Evang. 4, 10), e ainda:
“Por terra deve entender-se o
coração humano que dá seu fruto por meio de ações boas ou más. Com o
dedo, que é flexível em suas articulações, se expressa a sutileza do
discernimento. Nos dá a conhecer nisto que quando vemos uma ação má em
nosso próximo não devemos condená-la imediatamente, mas sim,
primeiramente, voltando para o secreto do nosso coração, examinemo-la com
cuidado e solicitude”
(Alcuino), e:
“Pelo que diz a história, ao escrever na terra com o dedo, sem dúvida quis
dar a entender que noutro tempo havia escrito sua Lei numa pedra”
(São Beda),
e também:
“Não disse que não fosse
apedrejada para que não parecesse que falava contra a Lei. Tão pouco
disse que fosse apedrejada, porque havia vindo não para perder o que havia
encontrado, mas para buscar o que se havia perdido. Pois o que responderá?
‘O que dentre vós está sem pecado atire contra ela a pedra’. Esta é a voz
da justiça. Seja castigada a pecadora, porém, não pelos pecadores.
Cumpra-se a Lei, porém, não por meio dos mesmos que a violam”
(Santo Agostinho, in Joannen,
tract. 33).
Edições Theologica comenta esse trecho do
Evangelho de São João.
V.V.
1-11. Este episódio falta em bastantes códices antigos, mas
conservava-o a Vulgata quando o Magistério da Igreja definiu o
Cânon dos livros sagrados no Concílio de Trento. Portanto, a canonicidade
e a inspiração deste texto estão fora de toda a dúvida. A Igreja
utilizou-o e continua a utilizá-lo na liturgia. A recente edição da
Neo-vulgata inclui-o neste mesmo lugar.
Santo Agostinho explicava já as dúvidas acerca
deste passo dizendo que a grande misericórdia de Jesus manifestada com
esta mulher parecia a alguns espíritos, exageradamente rigoristas, que
poderia dar pretexto a uma relaxação das exigências morais. Daqui que
muitos copistas o suprimissem dos seus manuscritos (cfr De coniugiis
adulterinis, 2,6).
Ao comentar o episódio da mulher adúltera, Frei
Luís de Granada escreve, entre outras, esta consideração geral acerca da
misericórdia de Jesus: “Tais, pois, convém que
sejam, meu irmão, as tuas entranhas, tais as tuas obras e as tuas
palavras, se queres ser uma formosíssima reprodução deste Senhor. E por
isso não se contenta o Apóstolo em mandar-nos que sejamos misericordiosos,
mas, diz, que nos vistamos, como filhos de Deus, de entranhas de
misericórdia (cfr Cl 3, 12). Vê, pois, como estaria o mundo se todos os
homens trouxessem este vestido. Tudo isto se disse para que, por estas
obras tão assinaladas, se conheça algo daquele grande abismo de bondade e
de misericórdia do nosso Salvador, a qual nestas obras tão claramente
resplandece, pois (...) não podemos nesta vida conhecer Deus por Si, mas
pelas Suas obras (...). Mas aqui também convém avisar que nunca de tal
maneira nos transportemos em contemplar a divina misericórdia, que não nos
recordemos da justiça; nem de tal maneira contemplemos a justiça, que não
nos recordemos da misericórdia; para que nem a esperança careça de temor,
nem o temor da esperança” (Vida
de Jesus Cristo, 13, 4º).
V. 1. Sabemos que Nosso Senhor Se retirou várias
vezes durante a noite a orar no monte das Oliveiras (cfr Jo 18,2; Lc
22,39), situado a Este de Jerusalém. O vale da torrente Cédron (Jo 18,1)
separa-o da colina onde estava edificado o Templo. Era desde tempos
antigos lugar de oração: ali foi Davi adorar a Deus no duro transe da
revolta de Absalão (2 Sm 15,32) e ali o profeta Ezequiel contemplou a
glória de Deus que entrava no novo Templo (Ez 43,1-4). Ao pé do monte
encontrava-se um horto, cujo nome era Getsêmani, ou “lugar de azeite”, uma
quinta fechada com plantação de oliveiras. A tradição cristã rodeou o
lugar de respeito e conservou-o como sítio de oração. Em fins do século IV
construiu-se uma igreja, sobre cujos restos se edificou a atual. Perduram
ainda algumas poucas oliveiras milenárias que podem muito bem ser rebentos
dos tempos do Senhor.
V. 6. A pergunta dos
escribas e fariseus esconde uma insídia: como o Senhor Se tinha
manifestado repetidas vezes compreensivo com os que eram considerados
pecadores, recorrem agora a Ele com este caso para ver se também Se mostra
indulgente, e assim poderem acusá-Lo de não respeitar um dos preceitos
terminantes da Lei (cfr Lv 20,10).
V. 7. A resposta de
Jesus alude ao modo de praticar a lapidação entre os Judeus: as
testemunhas do delito tinham que atirar as primeiras pedras, depois
seguia-se a comunidade, como para apagar coletivamente o opróbio que
recaía sobre o povo (cfr Dt 17,7). A questão, que lhe propõem de um ponto
de vista legal, Jesus eleva-a ao plano moral – que sustenta e justifica o
legal – interpelando a consciência de cada um. Não viola a Lei, diz Santo
Agostinho, e ao mesmo tempo não quer que se perca o que Ele estava a
buscar, porque tinha vindo para salvar o que estava perdido:
“Vede que
resposta tão cheia de justiça, de mansidão e de verdade. Oh verdadeira
resposta da Sabedoria! Ouviste-o: Cumpra-se a Lei, que seja apedrejada a
adúltera. Mas, como podem cumprir a Lei e castigar aquela mulher uns
pecadores? Veja-se cada um a si mesmo, entre no seu interior e ponha-se em
presença no tribunal do seu coração e da sua consciência, e ver-se-á
obrigado a confessar-se pecador. Sofra o castigo aquela pecadora, porém
não por mão de pecadores; execute-se a Lei, mas não pelos seus
transgressores” (In Ioann. Evang., 33,5).
V. 11. Santo Agostinho escreve: “Apenas
dois ficam ali: a miserável e a misericórdia. E o Senhor, depois de ter
cravado o dardo da Sua justiça no coração dos judeus, nem Se digna olhar
sequer como vão desaparecendo, mas afasta deles a Sua vista e volta outra
vez a escrever com o dedo na terra. Quando se afastaram todos e ficou só a
mulher, levantou os olhos e fixou-os nela. Já ouvimos a voz da justiça;
ouçamos agora também a voz da mansidão. Que aterrada deve ter ficado
aquela mulher quando ouviu dizer ao Senhor: ‘Aquele de vós que estiver sem
pecado, que atire primeiro a pedra’, porque temia ser castigada por Aquele
em que não podia achar-se pecado algum. Mas Aquele que tinha afastado de
Si os Seus inimigos com as palavras da justiça, olhando-a com olhos de
misericórdia, pergunta-lhe: Ninguém te condenou? Responde ela: Ninguém,
Senhor. E Ele: Nem Eu te condeno; eu próprio, de quem talvez tenhas temido
ser castigada, porque em Mim não achaste pecado algum. ‘Também Eu não te
condeno’. Senhor, que é isto? Favoreces Tu os pecadores? Claro que não. Vê
o que se segue: Vai e desde agora não peques mais. Portanto, o Senhor deu
sentença de condenação contra o pecado, mas não contra a mulher”
(In Ioann, Evang., 33, 5-6).
Jesus, que é o Justo, não condena; ao contrário,
aqueles, que são pecadores, ditam sentença de morte. A misericórdia
infinita de Deus há de mover-nos a ter sempre compaixão daqueles que
cometem pecado, porque também nós somos pecadores e necessitamos do perdão
de Deus.
Esse trecho de São João é comentado pelo Pe. Gabriel
de Santa Maria Madalena.
A novidade cristã é ilustrada de modo concreto pelo
episódio evangélico da adúltera, a mulher arrastada até Jesus para que a
julgue. “Mestre, esta mulher foi apanhada agora
mesmo em adultério. Moisés mandou-nos na lei que apedrejássemos tais
mulheres. Que dizes tu?” (Jo
8,4). Faz o Salvador coisas absolutamente nova, não observada pela
lei antiga; não dá sentença, mas após solene silêncio de ansiosa
expectativa dos acusadores e da acusada, diz simplesmente:
“Quem de vós está sem pecado, atire-lhe a primeira
pedra” (8, 7). Pecadores
são todos os homens; ninguém, portanto, tem direito de arvorar-se em juiz
dos outros, exceto Um só: o Inocente, o Senhor; mas nem ele te condena,
preferindo exercer seu poder de Salvador:
“Ninguém te condenou? Nem eu te condenarei. Vai e não peques mais”
(8, 10-11). Somente Cristo, vindo a
dar a vida pela salvação dos pecadores, pôde libertar a mulher de seu
pecado e dizer-lhe: “Não peques mais”.
Sua palavra traz consigo a graça proveniente de seu sacrifício. No
sacramento da penitência renova-se, para cada cristão, o gesto libertador
de Cristo que confere ao homem a graça de lutar contra o pecado, para
“não mais pecar”.
O Pe. Francisco
Fernández-Carvajal comenta Jo 8, 1-11.
Mulher, ninguém te condenou? Respondeu ela: Ninguém,
Senhor. Disse-lhe então Jesus: Nem eu te condeno. Vai e não tornes a
pecar.
Tinham levado à presença de Jesus uma mulher
surpreendida em adultério. Trouxeram-na para o meio da multidão, diz o
Evangelho. Humilharam-na e envergonharam-na até esse extremo, sem a menor
consideração. Lembram ao Senhor que a Lei impunha para este pecado o
severo castigo da lapidação: Que dizes tu a isso? Perguntaram-lhe
com má-fé, a fim de pô-lo à prova e poderem acusá-lo. Mas Jesus surpreende
a todos. Não diz nada: Inclinando-se, escrevia com o dedo na terra.
A mulher está aterrorizada no meio de todos. E os
escribas e fariseus insistem nas suas perguntas. Então Jesus ergueu-se e
disse-lhes: Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra. E
inclinando-se novamente, continuou a escrever na terra.
Todos se foram retirando, um após outro, a começar pelos
mais velhos. Não tinham a consciência limpa e queriam armar uma cilada ao
Senhor. Todos se foram embora: Jesus ficou sozinho, com a mulher em pé,
diante dele. Jesus ergueu-se e, vendo ali apenas a mulher, perguntou-lhe:
Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou?
As palavras de Jesus estão cheias de ternura e de
indulgência. E a mulher respondeu: Ninguém, Senhor. Jesus disse-lhe:
Nem eu te condeno. Vai e não tornes a pecar. Não é difícil imaginar a
enorme alegria daquela mulher, o seu profundo agradecimento, os seus
desejos de recomeçar. Na sua alma, manchada pelo pecado e pela humilhação
a que fora submetida, operou-se uma mudança tão profunda que só podemos
entrevê-la à luz da fé. Cumpriam-se as palavras do profeta Isaías: Não
vos lembreis mais dos acontecimentos de outrora, não recordeis mais as
coisas antigas; porque eis que vou fazer uma obra nova... Abrirei um
caminho através do deserto e farei correr rios pela estepe... para saciar
a sede do meu povo eleito, o povo que formei para que proclamasse os meus
feitos.
Todos os dias, em todos os recantos do mundo, através
dos sacerdotes, seus ministros, Jesus continua a dizer: “Eu te
absolvo dos teus pecados...”, vai e não tornes a pecar. É o
próprio Cristo que perdoa. “A fórmula sacramental: ‘Eu te
absolvo...’, a imposição das mãos e o sinal da cruz traçado sobre o
penitente, manifestam que naquele momento o pecador contrito e convertido
entra em contato com o poder e a misericórdia de Deus. É o momento em que,
em resposta ao penitente, a Santíssima Trindade se torna presente para
apagar-lhe o pecado e restituir-lhe a inocência, o momento em que a força
salvífica da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo é comunicada ao
penitente [...]. Deus é sempre o principal ofendido pelo pecado – só
contra Vós pequei! – e só Deus pode perdoar”.
As palavras que o sacerdote pronuncia não são somente
uma oração de súplica para pedir a Deus que perdoe os nossos pecados, nem
um mero certificado de que Deus se dignou conceder-nos o seu perdão, antes
nesse mesmo instante causam e comunicam verdadeiramente o perdão:
“Nesse momento, todos e cada um dos pecados são perdoados e apagados pela
misteriosa intervenção do Salvador”.
Poucas palavras no mundo têm produzido tanta alegria
como as da absolvição. Santo Agostinho afirma
“que o prodígio que realizam supera a própria criação do mundo”.
Com que alegria as recebemos quando nos aproximamos do sacramento do
perdão? Quantas vezes temos dado graças a Deus por termos tão ao alcance
da mão este sacramento? Na nossa oração de hoje, podemos manifestar a
nossa gratidão ao Senhor por esse dom tão grande.
Pela absolvição, o homem une-se a Cristo Redentor, que
quis carregar com os nossos pecados. E por essa união, o pecador participa
novamente da fonte de graças que brota sem cessar do lado aberto de
Cristo.
No momento em que recebemos a absolvição, devemos
intensificar a dor pelos nossos pecados, dizendo talvez alguma das orações
previstas no Ritual, como estas palavras de São Pedro:
“Senhor, Tu sabes tudo, Tu sabes que eu te amo”;
e renovamos o propósito de emenda e escutamos com atenção as palavras do
sacerdote que nos concede o perdão de Deus.
É o momento de recordar a alegria que significa
recuperar a graça (se a tivermos perdido) ou sabê-la aumentada na nossa
alma. Santo Ambrósio diz: “Eis que (o Pai) vem
ao teu encontro; inclina-se sobre o teu ombro, dá-te um beijo, penhor de
amor e ternura; faz com que te entreguem uma túnica nova, sandálias... Tu
ainda temes a repreensão..., tens medo de uma palavra irritada, e Ele
prepara-te um banquete”. O nosso Amém converte-se então
num grande desejo de recomeçar, mesmo que só nos tenhamos confessado de
faltas veniais.
Depois de cada confissão, devemos dar graças a Deus pela
misericórdia que teve conosco e deter-nos, ainda que brevemente, a
concretizar o modo de pôr em prática os conselhos ou indicações
recebidas ou de tornar mais eficaz o nosso propósito de emenda e melhora.
Outra manifestação dessa gratidão é procurar que os
nossos amigos recorram a essa fonte de graças, aproximá-los de Cristo,
como fez a Samaritana: Transformada pela graça, correu a anunciar a boa
nova aos seus conterrâneos, para que também eles se beneficiassem da
especial oportunidade que a passagem de Jesus pela cidade lhes oferecia.
Dificilmente descobriremos uma obra de caridade tão valiosa como a de
anunciar, àqueles que estão cobertos de lama e sem forças, a fonte de
salvação que encontramos e em que somos purificados e reconciliados com
Deus. Fazemos o possível para levar a cabo um apostolado eficaz da
Confissão Sacramental? Aproximamos os nossos amigos desse tribunal da
misericórdia divina? Começamos nós mesmos por não adiar esse encontro com
a misericórdia de Deus?
A satisfação é um ato final que coroa o sinal
sacramental da Penitência. Em alguns países, chama-se precisamente
penitência àquilo que o penitente perdoado e absolvido aceita cumprir
depois de ter recebido a absolvição.
Os nossos pecados, mesmo depois de perdoados, merecem
uma pena temporal de reparação que deve ser satisfeita nesta vida ou,
depois da morte, no purgatório, para onde vão as almas dos que morrem em
graça, mas sem terem expiado plenamente os seus pecados.
Além disso, depois da reconciliação com Deus, permanecem
na alma as relíquias do pecado: a fraqueza da vontade em aderir ao
bem, certa facilidade para nos enganarmos nos nossos juízos, desordem no
apetite sensível... São as feridas do pecado e as tendências desordenadas
que o pecado original deixou no homem, e que se infetam com os pecados
pessoais: “Não basta retirar a flecha do corpo
– diz São João Crisóstomo -; também é preciso
curar a chaga produzida pela flecha. Coisa semelhante acontece na alma;
depois de ter recebido o perdão dos pecados, tem de curar por meio da
penitência a chaga que ficou”.
Depois de recebida a absolvição – ensina João Paulo II
-, “permanece no cristão uma zona de sombra
devida às feridas dos pecados, à imperfeição do amor no arrependimento, ao
enfraquecimento das faculdades espirituais, que continuam a manter ativo
um foco infeccioso de pecado que é preciso combater sempre com a
mortificação e a penitência. Tal é o significado da humilde, mas sincera
satisfação”.
Por todos estes motivos, devemos cumprir com muito amor
e humildade a penitência que o sacerdote nos impõe antes de dar a
absolvição. Costuma ser fácil e, se amamos de verdade o Senhor,
perceberemos como é grande a desproporção entre ela e os nossos pecados. É
mais um motivo para aumentarmos o nosso espírito de penitência neste tempo
da quaresma, em que a Igreja nos convida especialmente a fazê-lo.
Dom Duarte Leopoldo comenta Jo 8, 1-11.
V. 4. Se esta mulher foi surpreendida em
flagrante delito, porque não trazem os fariseus também o seu cúmplice para
o julgamento de Jesus? É que o mundo tem uma moral para seu uso: para a
mulher todo o rigor da lei, mas para o homem... toda a indulgência do
fariseu! Pois o crime não é o mesmo? Não é talvez maior, considerando-se a
natural fraqueza da mulher?
V. 5. O golpe foi preparado com admirável
habilidade. Se Jesus condenasse a culpada, perderia a sua reputação de
bondade para com os pecadores. Se, pelo contrário, a desculpasse, violaria
a Lei de Moisés e seria prontamente acusado. Felizes aqueles que, a
exemplo de Jesus, só têm contra si a bondade do seu coração. – A pergunta
desses fariseus, cuja raça parece inextinguível, era tanto mais odiosa
quanto havia já caído em esquecimento o costume de apedrejar as adúlteras.
V. 8. Essa foi a única vez que Jesus escreveu.
Acredita-se que Jesus escrevia na areia os principais crimes destes
homens. Cada um deles, aproximando-se e lendo ali os seus pecados, se
retirava confuso e humilhado. A habilidade dos inimigos de Deus e da
Igreja há de encontrar sempre a ciência de Deus para contrariar os seus
planos e enchê-los de confusão.
V. 9. Jesus tinha ferido no alvo. Todos se
retiraram, a principiar pelos mais velhos. Miserável natureza humana! Nem
ainda os velhos, aqueles cuja idade deveria ser um escudo contra o pecado,
cujos cabelos brancos deveriam ser uma coroa de virtudes, cujas paixões há
muito deveriam estar extintas pelo gelo dos anos, pela experiência da
vida, pelas desilusões do mundo, nem esses se podem furtar aos assaltos do
pecado, quando divorciados de Deus e dos seus Mandamentos. A história da
casta Susana nos diz o que é e quanto vale a virtude de certos velhos.
E Jesus ficou só com a mulher que estava no meio...
“Era o médico, diz Santo Agostinho,
em face da doente, a miséria diante da
misericórdia”.
V.11. O silêncio de Jesus parecia, a
princípio, uma condenação. Admirada de ter escapado às mãos daqueles
homens que, tanto ou mais culpados do que ela, queriam condená-la a um
suplício horroroso, a pobre mulher julgava-se, talvez, irremediavelmente
perdida, diante daquele que era a santidade por essência. Mas Jesus lhe
diz: Ninguém te condenou? Pois nem eu te condenarei. Era como se tivesse
dito: Se a malícia dos homens não te pôde condenar, porque temeis a
inocência? Eu sou um Deus paciente que perdoa as iniquidades. Eu odeio o
pecado e não o pecador; ide, pois, e não tornes mais a pecar.
A história da mulher adúltera nos mostra quanto é
cruel o mundo, quando, depois de haver precipitado uma pobre alma no
lamaçal de todos os vícios, condena ao desprezo, à miséria, ao catre de um
hospital, essa miserável por cuja queda é ele o principal responsável.
Jesus, porém, detestando o pecado, tanto quanto o pode detestar a Justiça
infinita, acolhe sempre o pecador arrependido e seriamente resolvido a não
mais pecar.
Acolhendo com tanta bondade a esta mulher escandalosa e
perdida, quis o Divino Mestre ensinar-nos que a graça é mais poderosa e
eficaz para prevenir essas desordens, do que os rigores do Código Civil e
o desprezo dos homens; que, diante de Deus, tão criminosa é a mulher
adúltera, como o homem esquecido dos seus deveres de esposo e chefe de
família, ordinariamente tão indulgente para as suas próprias faltas;
finalmente, que não há mancha que não possa apagar da nossa alma a mão
sempre tão delicada de Jesus, que não há crime imperdoável para uma alma
arrependida e seriamente disposta a abandonar o caminho do pecado.
A mulher adúltera, a Madalena e o bom ladrão são os três
grandes exemplos da misericórdia de Deus. Desgraçado daquele que troca
Jesus com a severidade das suas máximas pelo mundo com a doçura das suas
ilusões!
Pe. Divino Antônio Lopes FP.
Anápolis, 18 de março de
2010
Vide também:
Não peques mais
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