… REVENDO A ESTRELA, ALEGRARAM-SE

(Mt 2, 1-12)

 

1 Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que vieram magos do Oriente a Jerusalém, 2 perguntando: ‘Onde está o rei dos judeus recém-nascido? Com efeito, vimos a sua estrela no seu surgir e viemos homenageá-lo’. 3 Ouvindo isso, o rei Herodes ficou alarmado e com ele toda Jerusalém. 4 E, convocando todos os chefes dos sacerdotes e os escribas do povo, procurou saber deles onde havia de nascer o Cristo. 5 Eles responderam: ‘Em Belém da Judéia, pois é isto que foi escrito pelo profeta: 6 E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és o menor entre os clãs de Judá, pois de ti sairá um chefe que apascentará Israel, o meu povo’. 7 Então Herodes mandou chamar secretamente os magos e procurou certificar-se com eles a respeito do tempo em que a estrela tinha aparecido. 8 E, enviando-os a Belém, disse-lhes: ‘Ide e procurai obter informações exatas a respeito do menino e, ao encontrá-lo, avisai-me, para que também eu vá homenageá-lo’. 9 A essas palavras do rei, eles partiram. E eis que a estrela que tinham visto no seu surgir ia à frente deles até que parou sobre o lugar onde se encontrava o menino. 10 Eles, revendo a estrela, alegraram-se imensamente. 11 Ao entrar na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o homenagearam. Em seguida, abriram seus cofres e ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra. 12 Avisados em sonhos que não voltassem a Herodes, regressaram por outro caminho para a sua região”.

 

 

Em Mt 2, 1-2 diz: “Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que vieram magos do Oriente a Jerusalém,  perguntando: ‘Onde está o rei dos judeus recém-nascido? Com efeito, vimos a sua estrela no seu surgir e viemos homenageá-lo”.

Agora os hebreus já estavam à vista da terra prometida; só o Jordão os separava ainda.

Mas o rei de Moab, assustado com a irrupção da nova gente que destruía todos os povos em seu caminho, mandou chamar com grande empenho o adivinho Balaão. E, com o terror pintado no rosto, lhe disse: “Eis que um povo saiu do Egito, e cobre a face da terra, e acampa bem em frente de mim. Eu sei que é abençoado aquele a quem tu abençoas, e amaldiçoado aquele a quem amaldiçoas: vai, e lança sobre ele a maldição péssima”.

Balaão, o falso profeta, pôs-se a caminho para amaldiçoar Israel; mas Deus apossou-se dele, e, quando ele abriu a boca para gritar contra as tendas do povo eleito acampado nas estepes de Moab, saíram dele estes acentos: “Palavra de Balaão, filho de Beor. Palavra do homem que tem os olhos fechados. Palavra daquele que enxerga a visão do Onipotente. Vejo-o, mas não agora; contemplo-o, mas não de perto. Uma estrela surgirá de Jacó, e um cetro se levantará de Israel” (Nm 24, 17).

Quinze séculos depois, grande, luzente, nova, apareceu no céu uma estrela. Jesus, que no Evangelho é chamado luz do mundo, nascendo faz-se anunciar por uma estrela que se acende, e, morrendo, pelo sol que se apaga: “Consumado o milagre do parto virginal, o útero, cheio da divindade, deu a luz ao Deus-Homem sem perder o selo da sua integridade. Entre os tenebrosos esconderijos de um estábulo e a estreiteza de um presépio, nos quais, a Majestade infinita, se reduzindo nas curtas dimensões de um terno corpinho, mora suspenso do seio materno; e todo um Deus permite ser envolvido em vis fraldas, um novo astro aparece de repente no céu iluminando a terra. E dissipada a neblina que cobria todo o mundo, converte a noite em dia, para que o dia não ficasse oculto entre a noite. Por isso diz o evangelista: ‘Pois quando nasceu” (Santo Agostinho, In Sermone 5 de Epiphania), e: “No início desta lição evangélica são necessárias três coisas: a pessoa, ‘Havendo nascido Jesus’; o lugar, ‘em Belém de Judá’; o tempo, ‘Nos dias de Herodes, o Rei’; circunstâncias que conduz em confirmação do fato que vai referir” (Remígio) e também: “É de crer que o evangelista colocou primeiramente, como lemos no hebreu, Judá, não Judéia. Porque não havendo nas demais nações nenhuma cidade chamada Belém, não podia colocar aqui, com objeto de distingui-la, Belém da Judéia; e por isso escreve Judá. Pois no livro de Josué... lemos outra cidade de Belém na Judéia” (São Jerônimo, in Matthaeum, 1), e ainda: “Há duas cidades com o nome de ‘Belém’: uma na tribo de Zabulon e outra na de Judá, que antes se chamara de ‘Éfrata” (A Glosa), e: “São Mateus e São Lucas estão de acordo sobre a cidade de Belém, porém São Lucas nos diz como e porque vieram José e Maria a esta cidade, no entanto, São Mateus deixa de mencioná-lo. Pelo contrário, São Lucas omite a vinda dos magos do Oriente referida por São Mateus”(Santo Agostinho, De Consensu Evangelistarum, 2, 15).

Entrementes, em regiões estrangeiras os Magos vêem-na e dizem: “Se a estrela nasceu, o Rei também deve ter nascido: vamos procurá-lo”. E vão: “Pois havendo nascido neste tempo, ‘eis aqui uns magos vieram’ isto é, apenas nasceu, já se mostrava o grande Deus em um pequeno menino” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom).

Quem são os Magos? Alguns disseram que eram reis. Outros disseram que não eram reis, mas mandavam nos próprios reis, porque, mais sábios do que todos, só eles possuíam os segredos da terra e do céu, e perscrutavam o futuro e o destino.

De onde vêm os Magos? Acaso de Ecbatana ou das margens do Mar Cáspio? Na garupa dos camelos e dos dromedários, teriam eles transposto os desertos, vadeando os rios, devorando a estrada longuíssima em poucos dias? Ou lhes teria a estrela aparecido antes de Jesus nascer, para que eles pudessem chegar a tempo?

Dom Duarte Leopoldo escreve: “Os Magos eram uns sábios ou filósofos, vindos provavelmente de Sabá, de Madian e de Epha, pequenos reinos da Arábia, ou, segundo outros, da Caldéia ou da Mesopotâmia, como o famoso Balaão tinha estado nesses lugares, conservou-se a lembrança da profecia relativa ao nascimento do Messias. Eles eram chefes de tribos ou reis. A tradição, os quadros antigos e os mais célebres Padres da Igreja, como Tertuliano, São Cipriano, Santo Hilário, São Basílio e outros, lhes dão as insígnias reais”.

Quantos eram os Magos? Baseando-se nos dons por eles feitos, a tradição fixou em três o número deles, e lembra três nomes: Gaspar, Baltasar e Melchior. Mas quantos eles eram realmente, o Evangelho não o diz, nem a Igreja o decide: “Magos são os que filosofam sobre tudo, mas a linguagem comum toma esta palavra na acepção de feiticeiros. Estes magos, entretanto, são considerados de outra maneira em seu país, dado que são os filósofos dos caldeus, e seus reis e príncipes sempre ajustam todos seus atos à ciência destes homens. Assim foram os primeiros que conheceram o nascimento do Senhor” (Rábano), e: “Estes magos: que outra coisa seria, senão as primícias das nações? Os pastores eram israelitas, os magos, gentios; estes vieram de terras distantes e aqueles de perto. No entanto, uns e outros acudiram com presteza à pedra angular” (Santo Agostinho, In Sermone 4 de Epiphania), e também: “Não se manifestou Jesus nem aos sábios nem aos justos, senão que prevaleceu a ignorância na rusticidade dos pastores e a impiedade nos magos sacrílegos da Caldéia. A uns e a outros, se lhes oferece àquela pedra angular, porque tinha vindo a escolher a ignorância para confundir aos sábios, e não a chamar aos justos, senão aos pecadores, a fim de que nenhum poderoso se ensoberbecesse e nenhum débil desesperasse” (Idem, In Sermone 2 de Epiphania), e ainda: “Estes magos eram reis, e se diz que ofereceram três dons; com isso, não significa, que eles não foram mais que três, senão que, neles, estavam representadas todas as nações descendentes dos três filhos de Noé; que haviam de ser chamadas à fé. Se os príncipes foram três, podemos crer que o número daqueles, que os acompanhavam, era bem superior. Não vieram depois de um ano, porque senão haveriam encontrado ao menino no Egito e não no presépio, senão aos treze dias de seu nascimento. Os chamam ‘do Oriente’ para manifestar o lugar de onde vinham”(A Glosa), e: “Devemos ter presente que há várias opiniões em relação aos magos. Uns falam que eram caldeus porque os caldeus adoravam as estrelas. Por isso, disseram que o falso deus a quem eles haviam adorado como tal, lhes havia manifestado qual era o verdadeiro Deus. Outros, afirmam que os magos eram persas e outros que vieram dos últimos confins da terra. Finalmente, outros dizem que eles eram descendentes de Balaão, o que tem maior credibilidade, pois Balaão entre outras coisas profetizou que ‘nasceria uma estrela de Jacó’ (Nm 24,17). Seus descendentes que conservavam esta profecia, a viram cumprida ao aparecer esta estrela” (Remígio), e também: “Deste modo, os descendentes de Balaão, sabiam por sua profecia que esta estrela havia de aparecer. Porém se perguntará: como, sendo caldeus ou persas ou das mais distantes regiões da terra, puderam chegar a Jerusalém em tão pouco tempo?” (São Jerônimo, In Matthaeum, 2), e ainda: “Alguns contestavam que o menino que acabava de nascer tinha poder para fazê-los chegar em tão poucos dias, desde os confins da terra” (Remígio), e: “Não é de se estranhar que em treze dias pudessem vir a Belém viajando sobre cavalos árabes e dromedários que são tão velozes para caminhar” (A Glosa), e também: “Talvez, empreenderam o caminho dois anos antes do nascimento de Jesus Cristo, guiados pela estrela, levando todas as provisões necessárias para o caminho” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, hom. 2), e: “Se estes reis eram descendentes de Balaão, puderam vir em tão pouco tempo a Jerusalém porque não distavam muito da terra prometida. Entretanto, poderia perguntar-se: Por que o evangelista diz que vieram do Oriente? Porque seu país estava situado na fronteira oriental da Judéia. Por outra parte, as palavras ‘vieram do Oriente’ refletem o magnífico pensamento de que, sendo Jesus Cristo chamado ‘o Oriente’ segundo aquelas palavras de Zacarias: ‘Eis aqui um homem, o Oriente é seu nome’ (Zc 6,12), todos os que vêm ao Senhor, vêm d’Ele e por Ele” (Remígio), e também: “De onde nasce a luz, ali teve a fé sua origem, porque a fé é a luz das almas. Vieram, pois, do Oriente, mas a Jerusalém”(Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, hom. 2), e ainda: “Ainda que o Senhor não houvesse nascido ali, e apesar de que soubessem a época do nascimento, não conheciam o lugar onde haveria de nascer. Porém, sendo Jerusalém a cidade real, eles acreditaram que um menino de tal condição não devia nascer a não ser em uma cidade de reis. Vieram a Jerusalém para que se cumprisse o que estava escrito: ‘De Sião sairá a lei e a palavra do Senhor de Jerusalém’ (Is 2,3). Talvez para que a diligência dos magos servisse de condenação à indiferença dos judeus. ‘Vieram, pois, a Jerusalém dizendo: Onde está aquele que há nascido reis dos judeus?” (Remígio), e: “Eram muitos os reis que haviam nascido e mortos em Israel: Era porventura algum destes a quem os magos buscavam para prestar-lhe adoração? Certamente não, porque de nenhum deles lhes havia falado o céu. Estes reis, estrangeiros e de um país tão remoto, não se sentiam obrigados a prestar uma homenagem tão grande a um rei da classe e condição à qual eles pertenciam em seu país; e sim, haviam aprendido que devia ser tal a condição daquele que havia nascido; que, adorando-o, não podia oferecer-lhes dúvida alguma, conseguir a salvação, que consiste no próprio Deus. Por outra parte, tampouco a idade se prestava à adulação humana, não estavam cobertos de púrpura os membros do recém-nascido, nem brilhava um diadema em sua cabeça; nem pôde ser a pompa dos servidores, nem o terror dos exércitos, nem a fama de gloriosos combates, que os atraísse a esses varões de tão remotas terras, com tamanha fé e ardentes votos. Um menino recém-nascido, pequenino, menosprezado pela pobreza se manifesta recostado em um presépio. Mas se oculta debaixo destas aparências, algo grande que aqueles homens, primícias dos gentios, haviam compreendido, não por testemunho da terra, e sim do céu. Por isso diziam: ‘Avistamos sua estrela no Oriente’. Anunciam e perguntam, crêem e buscam a imagem daqueles que caminham na fé e desejam ver” (Santo Agostinho, In Sermone 2 de Epiphania).

Que importam a nós estas questões? A nós o que interessa é considerar como os reis se movimentam e todos se agitam à procura de um Menino envolto em pobres panos e que chora: um procura-O para O adorar, outro procura-O para O matar. Assim foi então. Assim tem sido de século em século, assim é hoje e assim será sempre, para que se cumpra aquela palavra que o santo velho Simeão disse no templo: “Este menino será o sinal de ruína e da salvação”.

É surpreendente, porém, como a mesma luz suscite nos homens impressões opostas: para uns Ele é luz que alegra e ilumina, para outros é luz que irrita e cega. A mesma estrela acha nos Reis Magos um coração dócil e sincero, e em Herodes, um coração endurecido e corrupto.

Nas regiões do oriente, numa noite em que o céu limpo e profundo ostentava todas as suas flamas, eis que uma estranha luz irradia o seu lume novo. Foi um grito de alegria que irrompeu do coração dos Magos: “Eis que surgiu de Jacó a estrela esperada”. Vimos a estrela no oriente. Mas por que somente os Magos, e poucos outros talvez a viram, quando ela estava tão no alto, que todos os povos poderiam facilmente avistá-la? É porque só eles erguiam os olhos ao alto e punham os seus pensamentos no céu: todos os outros olhavam para o lodo da terra, e nas coisas baixas sepultavam todas as suas aspirações. A luz de Deus não aparece aos homens curvados sobre os prazeres, apegados às coisas que duram pouco, mas somente àqueles que perscrutam o céu e pensam nas coisas eternas.

Apenas os Magos viram o astro, sem demora acorreram. Vimos a estrela e viemos. Eles também tinham família: e as diletas esposas chorosas ter-se-iam estendidas na soleira da porta para não os deixar passar; e os filhos terão estendidos as mãos inocentes para reterem os pais que os abandonavam. No entanto, eles partem: Vimos a estrela e viemos.

Eles também tinham negócios urgentes: o governo de todo um povo, os inimigos a repelir e o trono a assegurar. E, no entanto, partem: que lhes importa se na volta não mais acharem casa, não mais acharem trono, e, escarnecidos por todos, tiverem de se desterrar mendigando: E vão: Vimos a estrela e viemos.

Eles também sabiam avaliar bem as dificuldades e os perigos da empresa: tinham um palácio de mármore e de ouro, e punham-se a caminho por selvas e desertos, à chuva e ao sol. Tinham guardas e exércitos, e expunham-se quase inermes aos assassinos da estrada e das trevas. Tinham comidas saborosas e vinhos perfumados, e iam ao encontro da fome e da sede, e mesmo da morte. Vimos a estrela e viemos. Assim fizeram os Magos: mas, ao nos confrontarmos com eles, quantos remorsos não deveríamos sentir! Há anos que Deus nos chama, e nós lhe resistimos, por não sabermos renunciar aos laços do sangue e da amizade, aos prazeres da vida, etc.

Vão os Magos: o rumor da sua caravana que passa pelas casas adormecidas acorda alguém. Este vem à janela, olha aqueles viandantes que correm, na noite escura e fria, atrás de uma estrela. “São uns loucos”, diz ele, e volta para a cama. Vão os Magos: e atravessam aldeias em festa. A multidão que dança, que toca, que canta, que come, olha-os passar cinzentos de pó, e ri-se deles. Porém eles não param: avante, avante, rumo ao berço do Rei dos reis. Nós, ao contrário, quantas vezes temos parado de praticar uma boa obra, um ato de fé, porque alguém ousou insultar-nos ou escarnecer-nos!

Edições Theologica comenta: “O rei Herodes”: O Novo Testamento fala de quatro Herodes. O primeiro, Herodes o Grande, a que se referem este passo e o seguinte. O segundo, seu filho, Herodes Antipas, que mandou degolar São João Batista (Mt 14, 1-12) e que ultrajou Jesus durante a Paixão (Lc 23, 7-11). O terceiro, Herodes Agripa I, neto de Herodes o Grande, que mandou matar o Apóstolo São Tiago, o Maior (At 12,1-3), que meteu no cárcere Pedro (At 12,4-7), e que morreu repentinamente e ‘de um modo misterioso’ (At 12, 20-23). O quarto, Herodes Agripa II, filho do anterior, perante quem São Paulo, prisioneiro em Cesaréia marítima, se defendeu da acusação dos judeus (At 25, 23).

Herodes o Grande, do qual aqui se trata, era filho de pais não judeus; tinha conseguido reinar sobre estes com a ajuda e como vassalo do Império Romano. Desenvolveu uma grande atividade política e, entre outras coisas, reconstruiu luxuosamente o Templo de Jerusalém. Sofreu de mania de perseguição, vendo por toda a parte competidores da sua realeza; célebre pela sua crueldade, matou a maioria das dez mulheres que teve, alguns filhos e bom número de pessoas influentes na sociedade do seu tempo. Estes dados procedem principalmente do historiador judeu Flávio Josefo (que escreveu em fins do século I) e concordam com a figura cruel que conhecemos pelos Evangelhos.

“Uns Magos”: Estes personagens eram uns sábios provenientes provavelmente da Pérsia e dedicados ao estudo das estrelas. Por não serem judeus, são como que as primícias dos gentios que receberão o chamamento à salvação em Cristo. A adoração dos magos foi recolhida pela tradição mais antiga: já em começos do séc. II se encontra a cena nas pinturas das catacumbas de Priscila em Roma”.

Os judeus tinham difundido pelo Oriente as esperanças messiânicas. Os magos tinham conhecimento do Messias esperado, rei dos Judeus. O qual, segundo idéias difundidas naquela época, devia ter, como personagem muito importante na história universal, uma estrela relacionada com o seu nascimento. Deus quis valer-se destas concepções para conduzir até Cristo os representantes dos gentios, que haviam de crer.

“Precisamente tinha-lhes ocultado antes, para que, ao encontrarem-se sem guia, não tivessem outro remédio senão perguntar aos judeus, e ficasse manifesto a todos o nascimento de Cristo” (São João Crisóstomo, Hom. sobre São Mateus, 7).

O mesmo São João Crisóstomo explica que “Deus os chama através do que para eles era mais familiar, e mostra-lhes uma estrela grande e maravilhosa, para que os impressione pela sua própria grandeza e formosura” (Hom. sobre São Mateus, 6). O chamamento dos magos, enquanto se dedicam ao seu ofício, é um fato que se repete no chamamento que Deus faz aos homens; chamá-los precisamente entre as ocupações ordinárias da sua vida. Assim chamou Moisés quando pastoreava o rebanho (Ex 3, 1-3), o profeta Eliseu quando lavrava a sua terra com os bois (l Rs 19, 19-20), Amós quando cuidava do seu gado (Am 7,15) “O que a ti te admira, a mim parece-me razoável. — Deus foi-te procurar no exercício da tua profissão? Foi assim que procurou os primeiros: Pedro, André, João e Tiago, junto das redes; Mateus, sentado à mesa dos impostos... E assombra-te! — Paulo, no seu afã de acabar com a semente dos cristãos” (São Josemaría Escrivá, Caminho, n.° 799).

“Tal como os Reis Magos, descobrimos uma estrela que é luz, rumo certo no céu da nossa alma. Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo. Também nós tivemos esta experiência. Também nós sentimos que, a pouco e pouco, se acendia na nossa alma uma luz nova: o desejo de ser cristãos em plenitude, o desejo, por assim dizer, de tomar Deus a sério” (São Josemaría Escrivá, Cristo que passa, n.° 32), e: “Depois de ter admitido ao seu berço os pobres e os ignorantes, chamou Nosso Senhor os sábios e os reis, para mostrar que ele é a fonte de toda luz, que todo poder vem de Deus, e que ele é o Rei dos reis. Os pastores representavam o povo judeu, os Magos simbolizavam as nações pagãs. Jesus veio salvar o mundo inteiro” (Dom Duarte Leopoldo).

Santo Afonso Maria de Ligório escreve: “Jesus nasce pobre numa lapinha: os anjos do céu, é verdade, reconhecem-no por seu Senhor, mas os homens da terra deixam-no abandonado. Vem apenas uns poucos pastores para O adorar. O Redentor, porém, já quer começar a comunicar-nos a graça da Redenção, e por isso começa a manifestar-se aos gentios que menos o conheciam. Manda uma estrela iluminar os santos Magos, para que venham conhecer e adorar o seu Salvador. Foi esta a primeira e também a maior graça que Jesus nos deu: a vocação à fé, à qual sucede a vocação à graça, de que os homens se achavam privados” (Meditações), e: “Esta estrela, segundo Fausto, é mencionada aqui, como confirmando o nascimento do Salvador, concluindo que o livro que refere este acontecimento, deve melhor se chamar Genesidium, isto é, livro da estrela do nascimento” (Santo Agostinho, contra Fausto, 2, 1), e também: “Porém estamos longe de admitir o que eles chamam de destino” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 10), e ainda: “Pela palavra destino, ademais do sentido ordinário na qual é usada pelos homens, entende-se a influência de certas posições dos astros correspondentes à concepção ou ao nascimento dos homens, nos quais alguns vêem um poder independente da vontade de Deus. Este terror, que é de alguns pagãos, deve ser rejeitado por todos. Outros dizem que Deus há dado aos astros esta influência, grave injúria à majestade divina, que nos mostra a corte celestial decretando crimes pelos quais uma cidade da terra deveria ser destruída pela indignação do todo o gênero humano, se essa fosse sua estrela”(Santo Agostinho, De Civitate Dei, 5, 1), e: “Se um homem se faz homicida ou adúltero pela influência de uma estrela, grande é a iniqüidade dessa estrela, porém muito maior é a daquele que a criou; porque Deus, em sua sabedoria infinita, sabendo o porvir e vendo todo o mal que há de produzir essa estrela, Ele já não seria bom; podendo, não quisesse impedi-lo, ou não seria Todo-poderoso, se não pudera impedi-lo. Ademais, se é uma estrela, a que nos faz bons ou maus, nossas virtudes não merecem prêmio nem nossos vícios merecem castigos, porque nossos atos não dependeriam da nossa vontade. Por que, há de ser eu castigado, por um mal que não fiz, por minha própria vontade, senão, obrigado pela fatalidade? Enfim, os mandamentos de Deus proibindo o mal e aconselhando o bem, não se destroem por esta doutrina insensata? Quem pode mandar a um homem, evitar o mal que não pode evitar e exortá-lo ao bem que não pode fazer?” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, hom), e também: “Inúteis são as exortações quando se dirigem àquele que vive sob a fatalidade. A bondade divina e sua providência ficam desterradas do mundo por esta doutrina, segundo a qual o homem não é outra coisa que um instrumento movido pela influência ou pela ação das estrelas. Estes movimentos celestes, dizem seus sequazes, destruindo assim, os que tal fato, afirmam não somente a realidade de tudo o que existe em nós, senão a natureza do ser contingente. Isto não é mais que destruir todas as coisas, e o que é mais, o livre arbítrio. É preciso, no entanto, que nós existamos em liberdade” (São Gregório de Nissa), e ainda: “Se nós não colocarmos o nascimento de nenhum homem sob a ação fatal dos astros, para liberar de toda determinação do destino, o arbítrio da vontade, com muito mais razão, não devemos admitir que o nascimento temporal do Criador de todas as coisas haja estado sujeito a esta influência. Esta estrela que viram os magos à entrada do berço do Salvador, não significava, pois, a fatalidade e a dominação, senão que se manifestava como ao seu serviço e para dar testemunho. Não era portanto, do número daqueles astros, que desde o princípio do mundo, seguem sob a vontade do Criador, a ordem prescrita de seus caminhos; senão que era um novo astro criado para o parto da Virgem e para oferecer seu ministério, marchando diante deles, aos magos que buscavam a Cristo e conduzi-los ao lugar onde estava o Verbo, o Menino Deus. Pois, quem são os astrólogos que se atreveram a crer em uma fatalidade dos astros a ponto de afirmar que uma estrela abandone seu curso para ir ao lugar no qual se encontra o recém-nascido? Longe de provar que as estrelas abandonem seu caminho e alterem a ordem estabelecida por um menino que nasce entre os homens, ensinam, ao contrário, que a sorte do menino é a que está ligada a ordem das estrelas. Pelo qual, se esta estrela era daquelas que no céu cumpre seu destino: como poderiam julgar o que Cristo havia de fazer, aquele astro que, ao nascer de Cristo, havia sido obrigado a abandonar seus caminhos? Se, pelo contrário, e o que é mais provável, a estrela nasceu para dar a conhecer a Cristo, não podemos dizer que Cristo nasceu porque ela existia, e sim que ela existia porque Cristo nasceu. De sorte poderia dizer-se, com razão, que não foi a estrela o destino de Cristo e sim que Cristo foi o destino da estrela, porque Ele foi a causa da existência dela, e não ela a d’Ele” (Santo Agostinho, contra Fausto, 2, 5), e: “Não é próprio da astrologia, averiguar mediante os astros quem são os que nascem, senão conjeturar o destino do homem através da hora de seu nascimento. Agora bem, os magos não conheceram o tempo do nascimento para adivinhar pela posição das estrelas o porvir do recém-nascido, senão o contrário, dado que disseram: ‘Avistamos sua estrela” (São João Crisóstomo, Homilia in Matthaeum, Hom. 6), e também: “Isto é, sua própria estrela, a que Ele há criado para anunciar-se” (A Glosa), e ainda: “Os anjos anunciam aos pastores que há nascido Cristo; aos magos, uma estrela. O céu com sua linguagem, fala a uns e a outros, porque a dos profetas havia cessado. Os anjos habitam os céus que embelezam os astros; os céus, pois, cantam, a uns e a outros as glórias do Senhor” (Santo Agostinho, Sermões, 204, 1), e: “Com razão, um ser racional, isto é, um anjo foi enviado a predicar aos judeus e aos gentios que usavam a razão, enquanto que, os gentios, indóceis à razão, são conduzidos ao berço de Jesus Cristo, não pela palavra humana, senão pela aparição de um sinal. As profecias haviam sido dadas aos primeiros, porque eram fiéis; as maravilhas aos segundos, a causa de sua infidelidade. Os apóstolos predicaram Jesus Cristo às nações quando Ele havia chegado à plenitude da sua idade, enquanto que uma estrela lhes havia anunciado quando era pequeno e não podia articular palavra” (São Gregório Magno, Homilia in Evangelia, 10), e também: “Era o próprio Cristo, esperança das nações, cuja inumerável descendência, havia sido prometida um dia ao justo Abraão, multiplicada não pelo sangue, senão pela fé, e comparada à multidão das estrelas que enfeitam a abóbada celeste; a fim de que o patriarca, a quem a promessa tinha sido feita, a compreendesse como uma geração do céu e não da terra. O nascimento de uma nova estrela é como se os herdeiros figurados pelas estrelas fossem chamados a formar esta nova geração, com a mesma finalidade que havia servido de testemunho que o céu dava a terra, servisse como uma homenagem que a terra prestava ao céu” (São Leão Magno, In Sermone 3 de Epiphania), e ainda: “É evidente que aquela não deve ter sido uma estrela ordinária; dado que o caminho que recorrera, nunca foi o de uma estrela ordinária, do norte ao sul, a qual é a posição da Palestina em relação à Pérsia. Em segundo lugar, isto pode também deduzir-se do tempo em que apareceu, porque não era visível somente à noite, mas também ao meio-dia, o qual não acontece com nenhuma estrela, nem mesmo com a lua. Em terceiro lugar, umas vezes aparecia e outras, desaparecia, ocultando-se quando os magos entraram em Jerusalém e aparecendo novamente quando deixaram a Herodes; não tendo tampouco um andar fixo nem marcha determinada, senão que quando aos magos lhes era conveniente caminhar, ela caminhava, e quando lhes era conveniente deter-se, ela se detinha, da mesma maneira que acontecia com a coluna de nuvem no deserto. E não anunciava o parto da Virgem permanecendo nas alturas, senão descendendo delas, o qual não é próprio de uma estrela ordinária, e sim de uma vontade inteligente, de onde podemos deduzir que não era simplesmente uma estrela, e sim uma virtude invisível que havia tomado esta forma” (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum, Hom. 6), e: “Alguns crêem que esta estrela era o Espírito Santo, aparecendo aos magos sob esta forma, o mesmo que tinha de descender mais tarde em forma de pombo sobre o Senhor em seu batismo. Outros crêem que foi um anjo, e que o mesmo que apareceu aos pastores, apareceu também aos magos” (Remígio), e também: “Mas dirás: Quem lhes havia dito que esta estrela significava o nascimento do Salvador? Sem dúvida pela revelação dos anjos. Mas anjos bons ou maus? Certamente que até os anjos maus, os próprios demônios, hão confessado que Ele era filho de Deus. Mas, por que não havia de ser por revelação dos anjos bons, toda vez que, adorando a Cristo encontravam sua salvação e não sua ruína? Os anjos puderam lhes dizer: ‘A estrela que haveis visto é a de Cristo: ide, adora-lhe no lugar em que há nascido e vede ao mesmo tempo quem é quão grande é” (Santo Agostinho, Sermões, 374, 1), e: “Prossegue o evangelista: ‘No Oriente’. Há dúvidas se a estrela apareceu no oriente, ou se esta expressão indica somente que eles, desde o oriente, onde estavam, a viram em direção ao ocidente. Ela pôde muito bem aparecer no oriente e conduzi-los a Jerusalém” (A Glosa).

Em Mt 2, 3-6 diz: “Ouvindo isso, o rei Herodes ficou alarmado e com ele toda Jerusalém. E, convocando todos os chefes dos sacerdotes e os escribas do povo, procurou saber deles onde havia de nascer o Cristo. Eles responderam: ‘Em Belém da Judéia, pois é isto que foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és o menor entre os clãs de Judá, pois de ti sairá um chefe que apascentará Israel, o meu povo”.

Edições Theologica comenta: “No tempo de Jesus encontrava-se amplamente difundida em todos os ambientes judaicos a esperança da iminente vinda do Messias, concebido sobretudo como rei à maneira de um novo e maior Davi. Daqui a perturbação de Herodes, rei dos Judeus, com o apoio dos romanos e cruelmente zeloso da defesa da sua coroa. Pela sua ambição política e pela sua carência de sentido religioso, Herodes viu o possível Messias-Rei como um perigoso competidor do seu poder temporal.

No tempo de Nosso Senhor, tanto o regime monárquico de Herodes como o regime de ocupação direta romana, por meio dos procuradores tinham respeitado o organismo representativo do próprio povo judaico, constituído pelo Sinédrio. Este era, pois, o grande conselho da nação, que intervinha nos assuntos ordinários, religiosos ou civis. A execução dos assuntos mais importantes necessitava da aprovação, quer do rei (no tempo da monarquia herodiana), quer do procurador (no tempo da ocupação direta da Palestina pelo Império Romano).

Em recordação de Ex 24, 1-9 e Nm 11, 16, o Sinédrio compunha-se de 71 membros, presididos pelo sumo sacerdote, escolhidos entre os seguintes três estratos ou grupos do povo judaico: 1.° Os príncipes dos sacerdotes, quer dizer, os chefes das principais famílias sacerdotais, entre as quais costumava recair a nomeação do sumo sacerdote, e aqueles que tinham cessado neste cargo. 2.° Os anciãos, que eram os chefes das principais famílias. 3.° Os escribas, que eram os doutores da lei ou peritos nas questões legais e religiosas; a maior parte destes escribas pertencia ao partido ou escola dos fariseus.

Neste passo de Mateus só se mencionam o l.° e 3.° destes grupos que compunham o Sinédrio: isso é lógico, visto que o grupo dos anciãos não era entendido no assunto do nascimento do Messias, que era uma questão eminentemente religiosa.

A profecia a que se refere o passo é concretamente a de Miquéias 5, 1. É de notar que na tradição judaica se interpretava esta profecia como predição do lugar exato do nascimento do Messias, e que este era um personagem determinado.

O livro sagrado ensina-nos uma vez mais que em Jesus Cristo se cumprem as profecias do Antigo Testamento”, e: “Herodes, constituído rei da Judéia pelos romanos, receava que o Salvador fosse um rei como outros e viesse ocupar o seu lugar. Sabia que os judeus o esperavam e fundavam nele grandes esperanças, pois Jesus era chamado o Cristo, que significa Messias na língua dos Judeus” (Dom Duarte Leopoldo).

Santo Agostinho escreve: “Assim como os magos desejam um Redentor, Herodes teme um sucessor. Isto é o que significam aquelas palavras: ‘E o Rei Herodes, quando o ouviu, turbou-se” (In Sermonibus de Epiphania), e: “O diz rei, para que da comparação daquele que se busca, lhe pareça estranho” (A Glosa), e também: “Sendo ele idumeu, treme quando ouve falar de um rei dos judeus. Teme que o cetro, voltando às mãos dos judeus, lhe seja arrancado, e que sua raça caia para sempre do trono. Quanto maior é o poder, maiores são os perigos e temores que o cercam. Assim como as árvores, os ramos mais elevados são agitados pelo vento mais ligeiro; nos homens, quanto mais elevado é o cargo que possuem, mais facilmente são agitados pelo leve anúncio do menor sucesso; a diferença daqueles de condição humilde, que vivem quase sempre em paz, como no fundo de um aprazível vale” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 2), e ainda: “O que será do tribunal do juiz quando o berço do Menino fizer tremer aos reis soberbos? Temam estes, pois, ao que está sentado à destra do Pai, aquele que enquanto era amamentado pelos seios da sua Mãe foi temido por um rei ímpio” (Santo Agostinho, Sermões, 200, 2), e: “Não obstante, são vãos teus temores, oh, Herodes! Teus reinos são pequenos para Cristo. O soberano do mundo não pode se contentar com os estreitos limites aonde alcança teu domínio. Aquele que tu não queres que reine em Judéia, reina em todas as partes” (São Leão Magno, In Sermone 4 de Epiphania), e também: “Herodes não teme somente por ele, mas também pelos romanos, que haviam decretado que ninguém fosse proclamado rei ou deus, sem seu consentimento” (A Glosa), e ainda: “Ao aproximar-se o Rei do céu, turba-se o rei da terra; porque quando as alturas do céu se descobram, fica confundida a grandeza da terra” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 10), e: “Nesta circunstância, Herodes faz o papel do próprio Satanás, do qual havia sido instigador antes e agora se mostra imitador, o mais resolutivo e decidido, atormentado pela vocação dos gentios e pela destruição de seu império” (São Leão Magno, In Sermone 6 de Epiphania), e também: “Cada um é atormentado por um cuidado diferente, e ambos temem um sucessor; Herodes, um rei da terra; Satanás, ao Rei do céu. Eis aqui que o próprio povo judeu se turba, aquele povo que devia alegrar-se ao ouvir a notícia de que um rei judeu acabara de nascer. E turba-se porque os ímpios não podem alegrar-se com a vinda do Justo; ou talvez por temor de que o rei enojar-se-ia contra eles. Isto significam aquelas palavras: “E toda Jerusalém com Ele” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 2), e ainda: “O povo participava, talvez por medo, das angústias de Herodes. E é o que sucede com freqüência, que o povo favorece mais do que devia aos tiranos cuja opressão sofre e tolera. ‘E convocando todos os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo’. É de notar-se aqui, a diligência com que busca a Cristo, o qual  faz, com o fim, caso o encontre, realizar os planos que mais tarde põe em prática, e se não, desculpar-se com os romanos” (A Glosa), e: “São chamados escribas, não somente pelo cargo ou oficio de escrever os livros da lei, senão principalmente porque interpretam as Sagradas Escrituras. Eram os doutores da lei. O evangelho prossegue: ‘Perguntava-lhes onde havia de nascer o Cristo’. Aqui nota-se, que não diz: ‘onde há nascido o Cristo’, e sim ‘onde havia de nascer’. Ele  lhes pergunta com astúcia para poder conhecer se eles alegravam-se do nascimento do novo rei. Os chama de Cristo porque sabia que o rei dos judeus devia ser ungido” (Remígio), e também: “Por que perguntava Herodes se não cria nas escrituras? E se cria nelas, como podia jactar-se de fazer desaparecer Aquele que diziam havia de ser rei? Estava instigado pelo diabo que cria que as Escrituras não mentem, assim são todos os pecadores: eles não crêem totalmente; inclusive aquilo que crêem, e se crêem é pelo brilho invencível da verdade que não pode estar oculto, e se não crêem é porque são cegados pelo inimigo. Se sua fé fosse perfeita, eles viveriam não como se houvessem de permanecer neste mundo, e sim, como viajantes e peregrinos que muito em breve hão de abandoná-lo. ‘E eles disseram: Em Belém da Judéia”( Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 2).

 

“Eles responderam: ‘Em Belém da Judéia, pois é isto que foi escrito pelo profeta: E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és o menor entre os clãs de Judá, pois de ti sairá um chefe que apascentará Israel, o meu povo”.

São Leão Magno escreve: “Os magos, que haviam tido um sinal humano do nascimento do rei, creram que deviam buscar-lhe na cidade; mas aquele que havia tomado a forma de servo e havia vindo para ser julgado e não para julgar; escolheu a Belém para seu nascimento e a Jerusalém para sua paixão” (In Sermone 1 de Epiphania), e: “Se houvesse escolhido a grande cidade de Roma, tinha-se crido que a mudança verificada no mundo era resultado do poder de seus habitantes; se houvesse nascido filho de um imperador, tinha-se atribuído este resultado a seu poder. O que fez? Escolher tudo de humilde, tudo de pobre e vil para que não existisse a menor dúvida de que era o poder divino o que fazia a transformação do universo. Eis aqui porque escolheu uma Mãe pobre e uma pátria ainda mais pobre; e eis aqui também o motivo do qual carece do mais necessário para viver. Isto é o que nos ensina o presépio” (Teodoreto, Homilia 1 In Concilio Ephesino), e também: “Com razão nasce em Belém, pois Belém significa Casa do pão: porque Ele mesmo é quem disse: “Eu sou o pão vivo que desci do céu” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 8), e ainda: “Mas os judeus omitiram como se tem dito estas palavras, e mudaram outras; seja por ignorância, seja para fazer mais claro o sentido da profecia a Herodes que era um estrangeiro. Assim, no lugar da palavra de Éfrata, que era palavra antiquada e talvez desconhecida de Herodes, colocaram Terra de Judá; e em vez daquilo que havia dito o profeta: ‘És a menor entre as mil cidades de Judá’, querendo dar a entender seu pequeno porte ou pouca importância em quanto ao número de seus habitantes, disseram: ‘Não és a menor entre as principais de Judá’ para fazer ressaltar mais a dignidade que havia de ter com o nascimento de tal príncipe. É dizer, tu és a maior entre as cidades que tem produzido reis” (A Glosa), e: “Ou bem: Ainda que pareças a menor dentre as cidades principais da terra, não o és em realidade porque de teu seio nascerá um soberano que regerá a meu povo Israel. Este soberano é Cristo que rege e governa ao povo fiel” (Remígio), e também: “Eis de notar a exatidão da profecia que não diz: ‘em Belém estará’ e sim ‘de Belém sairá’, manifestando desta forma, que ali somente nasceria. Como hão de se referir estas palavras a Zorobabel segundo alguns autores crêem? Seu nascimento não foi desde o começo dos séculos: não nasceu em Belém e nem na Judéia, e sim na Babilônia. Outro novo testemunho nos dá as palavras: ‘Não és a menor, porque de ti sairá’ porque entre os judeus, a nenhum há dado tanta celebridade à aldeia em qual nascera, como Cristo, cujo presépio e cuja choça são continuamente visitadas por peregrinos de todas as partes do mundo depois de seu nascimento. E se o profeta não disse: ‘De ti sairá o filho de Deus’, e sim: ‘De ti sairá um soberano que regerá meu povo de Israel’, foi porque convinha condescender no começo com os judeus a fim de que não escandalizassem e predicar o que era concernente à salvação da linhagem humana para conduzi-los melhor a este fim. As palavras: ‘Que duro meu povo de Israel’ tem aqui um sentido figurado, porque Israel quer dizer todos aqueles judeus que creram. Se a todos não regeu Cristo, foi culpa deles. Se não disse nada dos gentios, foi para não escandalizar aos judeus. Veja quão admirável providência! Os judeus e os magos instruem-se uns aos outros. Os judeus ouvem dizer aos magos que uma estrela há anunciado a Cristo no oriente; e os magos ouvem dizer aos judeus que, as antigas profecias, o haviam anunciado para que, apoiados neste duplo testemunho, buscassem com fé mais ardente àquele que haviam anunciado a aparição de uma nova estrela e a autoridade dos profetas” (São João Crisóstomo, Homiliae in Matthaeum, Hom. 7), e ainda: “A estrela que conduziu os magos ao lugar em que se encontravam o Salvador e sua Mãe Virgem, tivesse podido conduzi-los a Jerusalém. Entretanto, ocultou-se da sua vista e não tornou a aparecer senão depois que perguntaram aos judeus, e estes lhes responderam: ‘Em Belém de Judá’. Nisto, os judeus foram semelhantes aos artífices que construíram a arca de Noé e que pereceram no dilúvio, depois de ter preparado a outros, meios para salvar-se. Ou aquelas pedras que nos caminhos marcam as milhas, pois enquanto servem de guia aos caminhantes, elas ficam quietas. Ouviram e partiram ao ponto, os que perguntavam, enquanto que os doutores falaram e ficaram em Jerusalém. Atualmente, os judeus nos oferecem um exemplo semelhante: pois há muitos pagãos que quando lhes apresentamos testemunhos irrecusáveis, para provar-lhes que Jesus Cristo foi anunciado antes de seu nascimento, preferem, acudir aos códices dos judeus; tendo os nossos como suspeitos e como invenções dos cristãos e, à maneira que os magos em outro tempo deixam aos judeus em suas vãs leituras; eles caminham por adorar na fé” (Santo Agostinho, Sermões, 374,2 e 373,4).

Em Mt 2, 7-9 diz: “Então Herodes mandou chamar secretamente os magos e procurou certificar-se com eles a respeito do tempo em que a estrela tinha aparecido. E, enviando-os a Belém, disse-lhes: ‘Ide e procurai obter informações exatas a respeito do menino e, ao encontrá-lo, avisai-me, para que também eu vá homenageá-lo’. A essas palavras do rei, eles partiram. E eis que a estrela que tinham visto no seu surgir ia à frente deles até que parou sobre o lugar onde se encontrava o menino”.

São Quodvultdeus escreve: “Nasceu um pequenino que é o grande Rei. Os magos chegam de longe e vêm adorar, ainda deitado no presépio, aquele que reina no céu e na terra. Ao anunciarem os magos o nascimento de um Rei, Herodes se perturba e, para não perder o seu reino, quer matar o recém-nascido. No entanto, se tivesse acreditado nele, poderia reinar com segurança nesta terra e para sempre na outra vida.

Por que temes, Herodes, ao ouvir que nasceu um Rei? Ele não veio para te destronar, mas para vencer o demônio. Como não compreendes isso, tu te perturbas e te enfureces; e, para que não escape o único menino que procuras, tens a crueldade de matar tantos outros” (Sermões).

Pseudo-Crisóstomo escreve: “Ainda que Herodes ouviu uma resposta que merecia inteiro crédito por dois motivos, pelo testemunho dos sacerdotes e pelas palavras do profeta, porém não se dobra em sua soberba a render homenagem ao rei que vai nascer. Antes, pelo contrário, deixa-se levar por seu culpável desejo de desfazer-se dele com astúcia. E como compreendeu que não podia conquistar aos magos com adulações, nem aterrorizá-los com ameaças, nem suborná-los com ouro para que consentissem na morte do futuro rei, por isso tratou de enganá-los. Isto é o que querem dizer estas palavras: ‘Então Herodes, chamando em segredo aos magos’. Ele os chama em segredo para que os judeus não se dessem conta de quem ele desconfiava, temendo que entrassem no desejo de ter um rei da sua nação e frustrassem seus planos. Com grande cuidado lhes pergunta em que tempo haviam visto a estrela” (Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 2), e: “E pergunta-lhes com manha porque era muito astuto e temia que os magos, não regressando onde ele estava lhe deixassem sem saber o que fazer para matar ao menino” (Remígio), e também: “Talvez esta estrela, tinha sido observada pelos magos, dois anos antes, mas neste caso é preciso admitir que a revelação do que significava não lhes foi feita senão depois do nascimento daquele que anunciava. Porém, depois da revelação do nascimento de Cristo foi quando eles vieram do oriente, e aos treze dias adoraram àquele cujo nascimento lhes havia sido revelado poucos dias antes” (Santo Agostinho, In Sermonibus de Epiphania), e ainda: “Ou talvez, esta estrela, lhes aparecera muito tempo antes a fim de que, apesar do tempo que haviam de utilizar no caminho, pudessem chegar imediatamente depois do nascimento e adorassem ao menino envolvido em fraldas, para que parecesse mais admirável” (São João Crisóstomo, Homiliae In Matthaeum, Hom. 7), e: “Segundo os outros, esta estrela não apareceu até o dia do nascimento do Salvador e desapareceu logo após cumprir seu ministério. São Fulgêncio nos diz: ‘O recém-nascido criou uma nova estrela’. Depois de haver-se informado do tempo e do lugar, Herodes quer conhecer a pessoa do menino, e por isso acrescenta: ‘Ide, e informais bem do menino’. Manda-lhes o que eles por si mesmos haviam de fazer” (A Glosa), e também: “Não lhes disse: ‘Informais sobre o rei’ e sim ‘sobre o menino’ porque, nem sequer podia suportar que se lhe desse o nome de príncipe” (São João Crisóstomo, Homiliae In Matthaeum, Hom. 7), e ainda: “Para conduzi-los ali, se finge piedoso e sob o manto de piedade afia a faca dando a seu crime a cor da humildade, procedendo nisto como todos os criminais, que quando querem ferir a alguém em segredo, lhe mostram uma humildade e um afeto que estão muito longe de sentir. Isto é o que quer dizer: ‘E quando o encontrares me avisa” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 2), e: “Finge querer prestar-lhe adoração e imagina querer quitar-lhe a vida se o achara. Continua o evangelista: ‘Eles, logo que ouviram isto do rei, foram-se”(São Gregório Magno, Homiliae In Evangelia, 10), e também: “Os magos ouviram de Herodes que buscassem ao Senhor, mas não que voltassem a ele, semelhantes aos bons ouvintes que seguem os conselhos dos pregadores indignos, sem imitar suas obras” (Remígio).

Herodes, o bárbaro Idumeu, filho de um traidor, à traição tomara a coroa real da Judéia. Este monstro de perfídia, que por injustas suspeitas mandara matar Mariamne, sua mulher; que trucidara Alexandra, sua sogra; que fizera estrangular dois filhos seus por temor de que se levantassem para vingar sua mãe; que mandara afogar seu cunhado Aristóbulo e degolar seu cunhado José; quando ele conheceu que do fundo da Caldéia haviam chegado três Magos para procurarem o novo Rei dos Judeus, sobressaltou-se de pavor: “Herodes era Idumeu de origem e filisteu de nascimento; era, pois, um estrangeiro. Assim se cumpria a profecia que anunciava o nascimento do Messias para quando os judeus não fossem mais governados por um príncipe da sua nação” (Dom Duarte Leopoldo).

Trêmulo como um malfeitor que sente a justiça nos calcanhares, ele chamou os Magos, muito secretamente, ao seu palácio, e informou-se junto a eles sobre o tempo em que aparecera a estrela; depois despediu-os dizendo: “Ide, achai o Menino; depois dizei-me onde Ele está, para que eu também vá e o adore”. Mas o impostor já incubava a traição.

Eis aí a arte com que ainda hoje se persegue Jesus nas almas: sob o verniz de uma falsa piedade, e com a astúcia, elas são arrastadas à perdição.

Às pessoas que cumprem fielmente os seus deveres religiosos, o mundo diz: “És um exagerado: não é necessário tudo o que fazes para te salvares; é demais, é demais”. A uma pessoa que vive mortificada e solícita para com sua família, o mundo diz: “Mas por que queres amargurar a tua vida? Por que te obstinas em viveres como um frade? Deus nos fez de carne para nós gozarmos na alegria, como fazem todos”.

Ai daqueles que se deixam enganar por estas lisonjas e, perdendo a confiança, se volvem para trás, para o mundo: esses entregam o Menino Jesus nas mãos de Herodes.

Este, não vendo voltar os Magos para lhe revelarem o lugar onde aparecera o novo herdeiro do trono de Davi, percebeu ter sido logrado. Num ímpeto bestial de ferocidade, mandou que matassem todos os meninos. Mas o Rei dos reis já estava a salvo, rumo ao Egito.

A simples recordação da crueldade deste príncipe faz-nos horror, e não podemos imaginar que um exemplo tão bárbaro ainda ache no meio de nós imitadores. Todavia o mundo está cheio desta raça de perseguidores, e, se a Igreja já não é mais afligida por tiranos sanguinários, é dilacerada pelos escândalos que renovam a matança dos inocentes. Certas publicações mais ou menos ilustradas, ou certas modas mais ou menos imodestas, certos discursos blasfemos e chulos, que outra coisa são senão as espadas com que todo dia Herodes esgana os inocentes? Acaso ainda não há nações em que se tenta matar espiritualmente todas as novas gerações com uma educação atéia e pagã? Ali o escândalo tornou-se coletivo e compulsório.

Escreve Santo Agostinho: “Ó escandalosos, vós perseguis em vossos irmãos aquilo que o próprio Herodes não perseguiu: ele não extinguia senão a vida, e vós extinguis a inocência e a virtude: ele não violava senão o corpo, e vós violais as almas”.

O luxurioso e supersticioso Herodes, que, contanto que gozasse a vida, fez guerra a Cristo, não teve mais um só instante de paz nem na Judéia nem dentro de si.

Os três Magos, que, contanto que adorassem Jesus, haviam renunciado a todos os gozos que a vida pode dar, acharam a verdadeira alegria que dessedenta a alma para sempre. Quem procura Jesus procura a própria felicidade; e quem o acha, acha a felicidade.

Edições Theologica comenta: “Herodes pretendia saber com exatidão onde estava o Menino, não precisamente para O adorar, como dizia, mas para se livrar d'Ele, segundo a visão puramente política que tinha o então rei dos Judeus. A sua astúcia e maldade não podem impedir que se cumpram os desígnios de Deus. Por cima dos cálculos de Herodes e da sua ambição, estavam a sabedoria e o poder divinos para realizar a salvação”.

São Josemaría Escrivá escreve: “Quase sempre por nossa culpa, em certos momentos da nossa vida interior, acontece-nos o que aconteceu na viagem dos Reis Magos: a estrela oculta-se (...). Que havemos de fazer então? Seguir o exemplo daqueles homens santos: perguntar. Herodes serviu-se da ciência para proceder de modo injusto; os Reis Magos utilizam-na para fazer o bem. Mas nós, cristãos, não temos necessidade de perguntar a Herodes ou aos sábios da Terra. Cristo deu à Sua Igreja a segurança da doutrina, a corrente de graça dos Sacramentos; e providenciou para que haja pessoas que nos orientem, que nos conduzam, que nos recordem constantemente o caminho”.

 

“A essas palavras do rei, eles partiram. E eis que a estrela que tinham visto no seu surgir ia à frente deles até que parou sobre o lugar onde se encontrava o menino”.

Pseudo-Crisóstomo escreve: “Esta passagem indica claramente que a estrela, depois de ter guiado os magos a Jerusalém, ocultou-se para obrigar-lhes a entrar na cidade e perguntar aos seus moradores sobre Cristo, divulgando desta forma, o mistério de seu nascimento. Isto por duas razões. Em primeiro lugar, para confundir aos judeus, porque sendo gentios, somente com a aparição da estrela buscavam ao Salvador atravessando províncias estrangeiras, enquanto eles, que liam todos os dias as profecias sobre Cristo, não tinham ido buscá-lo havendo nascido em seu próprio país. Em segundo lugar, para que servisse de confusão e opróbrio aos sacerdotes que, perguntados por Herodes sobre onde devia nascer Cristo, responderam: ‘Em Belém de Judá’, os mesmos que interrogando a Herodes sobre Cristo, não sabiam nada d’Ele. Por isso, depois desta pergunta e resposta acrescenta: ‘Eis aqui a estrela que havim visto no Oriente ia adiante deles’, para que vendo a obediência desta estrela, pudessem compreender a dignidade e grandeza do novo Rei” (Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 2), e: “A estrela, para prestar uma obediência mais submissa a Cristo, conteve sua corrida até conduzir aos magos onde estava o menino; prestou-lhes vassalagem, mas não os mandou. Depois de haver prestado ao novo Rei seus adoradores, inundou a gruta de uma luz claríssima e depois de ter iluminado com seus raios o albergue do divino menino, desapareceu. E as palavras significam isto: ‘Até que, chegando se deteve, onde estava o menino” (Santo Agostinho, In Sermonibus de Epiphania), e também: “O que tem de estranho que o Sol da Justiça nascente se manifeste aos homens, precedido de uma estrela? Ela se detém sobre a cabeça do menino como para dizer: ‘Aqui está’. A que não podia fazê-lo por meio de palavras, o faz detendo-se” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 2), e ainda: “Vê-se aqui, que a estrela estava colocada no ar e muito perto do albergue em que estava o menino, pois de outra forma, não haveriam distinguido esta casa das demais” (A Glosa), e: “Esta estrela é o caminho, e o caminho é Cristo, pois pelo mistério da sua encarnação, Cristo é nossa estrela, astro brilhante da manhã que não se vê onde está Herodes, mas que volta a aparecer ali onde está o Salvador e ensina o caminho” (Santo Ambrósio, In Lucam, 2,45), e também: “Talvez a estrela, significa a graça de Deus e Herodes o diabo. Aquele que por pecado, se sujeita ao império de Satanás, ao fim perde a graça. Mas, si se arrepende pela penitência, ao fim volta a encontrá-la, e não a abandona até que o conduz à casa do menino, isto é, à Igreja” (Remígio), e ainda: “A estrela é a fé iluminando nossas almas, levando-as a Cristo, da qual, vêm-se privados os magos apenas se dirigem aos judeus, porque ao pedir conselho aos malvados, perde-se a verdadeira luz da verdade (Mt 2, 10-11)” (A Glosa).

Em Mt 2, 10-11 diz: “Eles, revendo a estrela, alegraram-se imensamente. Ao entrar na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o homenagearam. Em seguida, abriram seus cofres e ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra”.

Ao entrarem em Jerusalém, a estrela desapareceu: os Magos acharam-se perdidos depois de tanto caminho e de tanta fadiga, numa terra estrangeira e hostil. Então o Deus que eles procuravam assim lhes pagava? Não eram estes os sentimentos dos Magos: sem tremerem na fé, eles se dirigiram aos sacerdotes e lhes perguntaram onde nascera o Rei dos reis. Belo exemplo de tranqüilidade nas tribulações!

Finalmente, numa pobre casa acharam o Menino divino com Maria sua mãe. É impossível achar Jesus sem Maria Santíssima. Os que não querem bem a Nossa Senhora nunca acharão Jesus: “Acrescentou em grande maneira, querendo mostrar que: mais alegria causa aos homens encontrar o que tem perdido que aquilo que sempre possuíram. Continua o evangelista: ‘E entrando na casa, encontraram o menino” (Remígio), e: “Pequeno de corpo, necessitando dos cuidados dos demais, incapaz de falar e sem diferenciar-se em nada, das demais crianças, porque assim como eram incontestáveis a causa dos testemunhos que afirmavam que nele se encontrava invisível a majestade de Deus, da mesma forma devia provar-se que aquela essência eterna do Filho de Deus estava unida à natureza humana. ‘Com Maria sua Mãe” (São Leão Magno, In Sermone 4 de Epiphania), e também: “Não coroada sua cabeça com diadema imperial, nem tampouco recostada sobre dourado leito, senão tendo apenas uma única túnica, não com que adornar seu corpo, senão com que cobrir a nudez, como devia tê-la para viajar a esposa de um carpinteiro. Se eles tivessem vindo em busca de um rei terreno, sem dúvida se teriam enchido mais de confusão que de alegria, por ter sofrido sem resultado as moléstias e incômodos de um caminho tão longo. Mas como eles buscavam um rei celestial, e ainda quando com os olhos corporais não viam ali nada próprio de rei, satisfeitos, entretanto, do que a estrela lhes dizia, regozijavam-se à vista deste pobre menino, cuja majestade resplandecia em seus corações, vendo com os olhos do espírito. Por isso, ‘prostrando-se, lhe adoraram’. Viam a um homem, mas reconheciam a Deus” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 2).

Ajoelhados, dentro dos seus luxuosos mantos reais, sobre a palha da forragem, os três poderosos vindos de longe ofereceram seus dons: ouro, incenso e mirra.

Três dons nós também oferecemos ao berço do Menino Redentor: o ouro das boas obras, pois as palavras e os propósitos não bastam; o incenso da oração, que, todo dia, do nosso coração sobe para o alto como de um turíbulo; a mirra amarga dos nossos pecados. Sim, ofereçamos-lhe também os nossos pecados, para que Ele os perdoe e nos faça no peito um coração novo e, nas entranhas, um novo espírito: “Os dons oferecidos — ouro, incenso e mirra — eram os mais preciosos do Oriente. O homem tem necessidade de oferecer presentes para testemunhar a sua veneração e a sua fé. Já que não pode oferecer-se o próprio homem como desejaria, oferece em seu lugar o que é mais valioso e lhe é mais querido. Os profetas e o salmista tinham predito para os tempos messiânicos a submissão a Deus dos reis da terra (Is 49, 23), com o oferecimento dos seus bens (Is 60, 5) e a adoração (Sl 72, 10-15). Com este ato dos magos e o oferecimento dos seus dons a Jesus, Deus e homem, começam a cumprir-se estas profecias” (Edições Theologica), e: “Oferecem a mirra a quem deve morrer; o ouro a quem deve reinar para sempre; e o incenso ao Deus dos judeus que se manifesta agora aos pagãos” (Santo Irineu, Adversus Haereses, III, 10).

O Concílio de Trento cita expressamente este passo da adoração dos magos ao ensinar o culto que se deve dar a Cristo na Eucaristia: “Todos os fiéis de Cristo na sua veneração deste Santíssimo Sacramento devem tributar-lhe aquele culto de latria que é devido ao verdadeiro Deus (...). Porque cremos que nele está presente aquele mesmo Deus, de Quem, ao introduzi-Lo o Pai no orbe da terra, diz: E adorem-No todos os anjos de Deus (Hb 1,6; cf. Sl 97, 7); a Quem os magos, prostrando-se por terra, adoraram (cf. Mt 2, 11), de Quem, enfim, a Escritura testemunha (cf. Mt 28, 17) que O adoraram os Apóstolos na Galileia” (De SS. Eucharisíia, cap. 5).

Também a propósito deste versículo, comentava São Gregório de Nazianzo: “Nós permaneçamos em adoração; e a Quem por causa da nossa salvação Se humilhou a tal grau de pobreza que recebeu o nosso corpo, ofereçamos, não já incenso, ouro e mirra — o primeiro como a Deus, o segundo como a rei e o terceiro como Aquele que buscou a morte por nossa causa —, mas dons espirituais, mais sublimes que os que se vêem com os olhos” (Oratio, 19), e: “Ainda que suas oferendas fossem conformes aos costumes de seu país, na Arábia abunda o ouro, o incenso e outra porção de aromas, com estes dons, entretanto, queriam significar que ali se encontrava um mistério. Por isso diz a continuação da Sagrada Escritura: ‘E abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra” (A Glosa), e também: “O ouro corresponde ao rei, o incenso, formava parte dos sacrifícios que se fazia a Deus, e a mirra, serve para embalsamar os cadáveres” (São Gregório Magno, Homiliae In Evangelia, 10), e ainda: “Se lhe oferece o ouro como a um grande Deus, queima-se o incenso na sua presença como diante de Deus, e se lhe oferece a mirra como aquele que havia de morrer pela salvação de todos” (Santo Agostinho, In Sermonibus de Epiphania), e: “Ainda que eles não compreendiam que mistério era este, nem o que significava cada um de seus dons, pouco importava, porque a mesma graça que os induzia a fazer estas coisas, o tinha disposto e ordenado” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 2), e também: “Deve notar-se que cada um dos três não apresenta por si separadamente um dos três dons, senão que cada um oferece os três, predicando assim ao rei, ao homem e a Deus” (Remígio), e ainda: “Envergonhem-se Marcião e Paulo de Samosata, que não querem ver o que viram os magos progenitores da Igreja, que adoraram a Deus feito homem. Que era homem, o dizem aquelas fraldas e aquele presépio. Que o adoraram não como a um simples mortal, e sim como a Deus, o testificam essas oferendas que não convêm mais que a Deus. Encham-se também de confusão os judeus, que foram prevenidos pelos magos e recusaram ir detrás deles” (São João Crisóstomo, Homiliae In Matthaeum, Hom. 7), e: “Isto também pode significar outra coisa, entendendo-se pelo ouro a sabedoria, segundo a frase de Salomão: ‘Tesouro apetecível repousará na boca do sábio’ (Pr 21, 20); pelo incenso que se queima diante de Deus, a virtude da oração, conforme ao versículo de Davi: ‘Suba direita minha oração, como incenso na tua presença’ (Sl 140,2), e pela mirra a mortificação da carne. Oferecemos, pois, ouro a este novo Rei se resplandecemos diante dele com a luz da sabedoria; o incenso, se por meio da oração com nossas orações exalamos na sua presença aroma fragrante; e mirra se com a abstinência mortificamos os apetites da sensualidade” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 10), e também: “Os três homens que oferecem a Deus seus dons, representam aos seus pés as nações vindas das três partes do mundo. Enquanto abrem seus tesouros, fazem sair do fundo do seu coração a confissão da fé. O fazem ‘na casa’ para ensinar-nos que não devemos publicar os tesouros da nossa alma. Oferecem três dons, isto é, a fé na Santa Trindade. Também pode entender-se que de seus tesouros abertos eles oferecem os que são figuras dos três sentidos da Sagrada Escritura: o histórico, a moral e o alegórico; ou as três partes da ciência: a lógica, a física e a moral, todas elas que servem à fé” (A Glosa).

São Josemaría Escrivá comenta: “E por que tanta alegria? Porque eles, que nunca duvidaram, recebem do Senhor a prova de que a estrela não tinha desaparecido; tinham deixado de a ver sensivelmente, mas tinham-na conservado sempre na alma. Assim é a vocação cristã: se não se perde a fé, se se mantém a esperança em Jesus Cristo que estará conosco até à consumação dos séculos (Mt 28, 20), a estrela reaparece. E, ao verificar uma vez mais a realidade da vocação, nasce em nós uma alegria maior, que aumenta a nossa fé, a nossa esperança, o nosso amor” (Cristo que passa, n.° 35), e: “Deus não abandona os seus servos, pois a estrela brilha de novo no firmamento para conduzi-los ao presépio” (Dom Duarte Leopoldo).

Santo Afonso Maria de Ligório escreve: “Sem demora os Magos se põem a caminho; a estrela acompanha-os até à gruta, onde está o santo Menino. Chegados ali, entram, e o que acham? ‘Acharam o Menino com Maria’. Eles acham uma donzela pobre e um menino pobre envolto em paninhos, sem ninguém para O servir ou assistir. Mas como? Ao entrarem naquela humilde gruta, os santos peregrinos sentem uma alegria nunca antes experimentada; sentem o coração atraído para aquele Menino pequenino. Aquela palha, aquela pobreza, aquele choro de seu pequeno Salvador, ah! Que setas de amor para seus corações, que chamas felizes de amor neles se acendem! O Menino acolhe-os com sorriso amável, demonstrando assim o afeto com que os aceita entre as primeiras presas da sua Redenção.

Os santos Reis olham depois para Maria, que está silenciosa, mas com o semblante no qual reluz uma doçura celeste, acolhe-os e agradece-lhes o terem vindo os primeiros a reconhecer-lhe o Filho por seu soberano Senhor. Eis que os santos varões, silenciosos pelo respeito, adoram o Filho da Virgem e reconhecem-no como Deus, beijando-lhe os pés e oferecendo-Lhe os seus presentes; ouro, incenso e mirra. Em união com os santos Magos, adoremos o nosso pequenino Rei Jesus e ofereçamos-Lhe todo o nosso coração”( Meditações).

Em Mt 2, 12 diz: “Avisados em sonhos que não voltassem a Herodes, regressaram por outro caminho para a sua região”.

Edições Theologica comenta: “A intervenção dos magos nos acontecimentos de Belém termina com um novo ato de delicada obediência e cooperação com os planos de Deus. Também o cristão deve ser dócil até ao fim à graça e à missão concreta que Deus lhe confia, ainda que isto suponha modificar os planos pessoais que se tenha proposto”, e: “O anjo do Senhor advertiu os viajantes de que tomassem outro caminho para o seu país. Os Magos obedeceram com presteza e desapareceram misteriosamente, como tinham vindo. Desde Belém para o Este não faltavam caminhos que, atravessando o Jordão, conduziam à meseta de Moab, por onde passava já a rota das caravanas orientais” (Pe. Francisco Fernández-Carvajal), e também:  “Os magos, ao voltar ao seu país por outro caminho, nos ensinam uma grande lição. Nossa pátria é o Paraíso. Depois de ter conhecido a Jesus, nos está proibido voltar a esta pátria pelo mesmo caminho que viemos percorrendo. Portanto, nos distanciamos desta pátria pelo orgulho, a desobediência, o apego às coisas visíveis e comendo o fruto proibido. E não podemos voltar a ela senão pelo caminho das lágrimas, da obediência, do desprezo das coisas visíveis e refreando os apetites da carne” (São Gregório Magno, Homiliae in Evangelia, 10,7), e ainda: “Não era possível que os que tinham vindo de Herodes a Cristo, voltassem de Cristo a Herodes. E verdadeiramente, os que, tendo abandonado a Cristo, pelo pecado se voltam a Satanás, pela penitência retornam a Cristo. Porque quem esteve na inocência quando não sabia o que era o mal, facilmente é enganado, mas quando há experimentado o mal no qual há caído e recorda o bem que há perdido, volta com arrependimento a Deus. Porém, quem havendo abandonado ao diabo, volta-se a Cristo, dificilmente volta ao diabo; porque enquanto regozija-se com o bem que há encontrado e lembra-se dos males de que se livrou, dificilmente volta ao mal” (Pseudo-Crisóstomo, Opus Imperfectum super Matthaeum, Hom. 2).

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP.

Anápolis, 02 de janeiro de 2008

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “As alegrias do mundo tendem para a eterna tristeza”.
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