Maria chorando
 

 

PORQUE VISTE, CRESTE

(Jo 20, 29)

 

“Porque viste, creste. Felizes os que não viram e creram!”

 

 

São Gregório Magno escreve: “É uma frase que se refere sem dúvida a nós, que confessamos com a alma Aquele que não vimos na carne. Mas refere-se a nós se vivermos de acordo com a fé, pois só crê verdadeiramente aquele que nas suas ações pratica o que crê”. A Ressurreição do Senhor é um apelo para que manifestemos com a nossa vida que Ele vive. As obras do cristão devem ser fruto e manifestação da sua fé em Cristo.

Nos primeiros séculos, a difusão do cristianismo realizou-se principalmente pelo testemunho pessoal dos cristãos que se convertiam. Era uma pregação singela da Boa Nova: de homem para homem, de família para família; entre os que tinham o mesmo ofício, entre vizinhos; nos bairros, nos mercados e nas ruas. Hoje também o Senhor quer que o mundo, a rua, o trabalho, as famílias sejam veículo para a transmissão da fé.

Jesus Cristo pede-nos que O confessemos com OBRAS diante dos homens. Por isso, pensemos: não teríamos que ser mais valentes nesta ou naquela ocasião? Pensemos no nosso trabalho, no ambiente à nossa volta: somos conhecidos como pessoas que têm vida de fé? Não nos falta audácia no apostolado?

“Porque viste, creste”.

Santo Agostinho escreve: “A fé é crer no que não se vê”. O Apóstolo São Paulo diz: “A fé é uma posse antecipada do que se espera, um meio de demonstrar as realidades que não se vêem” (Hb 11, 1). Não se tem fé, senão conhecimento, do que se apalpa e se vê; no céu, onde veremos a Deus, não teremos fé. Por que, pois, disse Jesus Cristo a São Tomé, que acreditou porque VIU? Porque VIU uma coisa e CREU outra... VIU as CHAGAS e CREU na ressurreição... VIU o corpo de Jesus Cristo, e CREU na sua DIVINDADE. Este é o ofício do milagre; conduzir-nos, como pela mão, à fé... o sentido nos atesta um fato de ordem material; porém a razão nos diz que aquele fato, naquela forma, naquela maneira, naquele momento, não pode produzir-se sem uma INTERVENÇÃO SOBRENATURAL e DIVINA; e então CREMOS no que NÃO vemos, isto é, consentimos, com nosso entendimento e vontade, existe algo que está sobre o fato que nos denunciam os sentidos.

São Tomé, como todos os homens, necessitou da graça de Deus para crer, mas, além disso, recebeu uma prova singular; teria sido mais meritória a sua fé se tivesse aceitado o testemunho dos Apóstolos. As verdades reveladas transmitem-se normalmente pela palavra, pelo testemunho de outros homens que, enviados por Cristo e assistidos pelo Espírito Santo, pregam o depósito da fé (cfr Mc 16, 15-16). Por conseguinte, a fé vem pela pregação e a pregação pela palavra de Cristo (Rm 10, 17). A pregação, pois, do Evangelho, tem as garantias suficientes de credibilidade, e o homem ao aceitá-lo oferece a Deus a homenagem total da sua inteligência e da sua vontade prestado voluntário assentimento à sua revelação.

Jesus Cristo fala da fé de São Tomé e censura a sua maneira de crer; a saber, vencido pela evidência das coisas. Preferiu crer nos seus próprios olhos e em suas mãos, que no Cristo Jesus. Porque viste... isto é: Porque tocou e apalpou o meu corpo, disposto a não acreditar se não tivesse contemplado-o, como disse Eusébio Emiseno. Porém, a fé não deve ser extraída com tenaz (força) nem feita com as mãos, e tanto maior mérito tem quanto menos argumento a razão: Isto é fé: CRER naquilo que não vemos, como afirmam Santo Agostinho e São Gregório Magno.

Daqui, precisamente, tem surgido a conhecida dificuldade: Como pode São Tomé CRER quando VIA, sendo que a fé é CRER no que não se VÊ? E como disse São Paulo (Hb 11, 1): “A fé é uma posse antecipada do que se espera, um meio de demonstrar as realidades que não se vêem”.  São Tomé VIU o homem e CREU em Deus; e foi isso mesmo que Jesus Cristo censurou... que não ACREDITARIA em Deus se não tivesse VISTO o homem ressuscitado dentre os mortos. E, por isso, declara bem-aventurados, em sua comparação, aos que CRERAM SEM VER. Pois é de maior merecimento e mais próximo à natureza da fé CRER no que não VEMOS.

Ao dizer isso, avisa Teofilacto, não nega Jesus Cristo que seja São Tomé bem-aventurado, pois o era depois de ter sido libertado de tão grande erro e de tanto perigo da salvação, por confessar publicamente e reconhecer a Jesus Cristo como SENHOR e DEUS seu.

“Felizes os que não viram e creram!”

Nesta sentença estamos nós, que não contemplamos nem apalpamos as CHAGAS de Jesus Cristo, disse Teofilacto.

Não digamos, pois, escreve São João Crisóstomo: “Oxalá eu tivesse contemplado as chagas do Senhor”, porque também somos, ou podemos ser bem-aventurados, bem mais que os que as viram... porque é mais difícil e meritória nossa fé. O principal é que realizemos o que CREMOS, disse Santo Agostinho, porque o que coloca em prática o que CRÊ é verdadeiro discípulo de Jesus Cristo.

Felizes os que crêem sem terem visto: felicidade própria daqueles que não tiveram a ventura de ver a sagrada humanidade de Jesus e seus milagres, e esses são a maioria, estando entre eles também nós; todavia, crêem nas testemunhas que ele autoriza. É uma fé mais meritória.

O Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena escreve: “Porque me viste, creste; bem-aventurados os que não viram e creram!’ (Jo 20, 29). Assim louvava Jesus a fé em todos aqueles que teriam acreditado nele sem o conforto de experiências sensíveis. O louvor do Senhor ressoa na voz de Pedro comovida pela viva fé que encontrava nos primeiros cristãos, pois criam em Jesus como se o tivessem conhecido pessoalmente: ‘Vós o amais, sem o terdes visto; e nele credes, embora ainda agora não o vejais; mas porque credes, exultais de alegria inefável e gloriosa’ (1 Pd 1, 8). Eis a bem-aventurança da fé proclamada pelo Senhor, e que deve ser a bem-aventurança dos fiéis de todos os tempos. Diante das dificuldades, do esforço para crer, cumpre lembrar as palavras de Jesus, para nelas encontrar o apoio da pura fé, porém segura, porque fundada na palavra de Deus”, e: “Ó Senhor Jesus Cristo, não vos vimos na carne com os olhos do corpo, todavia sabemos, cremos e professamos que sois verdadeiramente Deus. Ó Senhor, suplicamos-vos: que esta nossa profissão de fé nos conduza à glória. Essa fé nos salve da segunda morte, seja-nos esta esperança conforto quando tivermos de chorar em meio a tantas tribulações, e nos conduza às alegrias eterna. E depois das provações desta vida, quando tivermos chegado à meta da vocação celeste, e tivermos visto vosso Corpo glorificado em Deus... também os nossos corpos recebam glória de vós, ó Cristo, nossa Cabeça” (Liturgia Moçárabe).

Santo Agostinho escreve: “Quer se referisse à vista, quer ao tato, disse: Porque me viste, Tomé, acreditaste. Realmente pode dizer-se que o discípulo não ousou apalpar, quando o Senhor se oferecia para ser apalpado. De fato não se escreveu: Tomé apalpou. Mas, tendo sido levado a ver e a crer, por visão ou por toque, o que se segue torna mais notável a fé dos gentios: Bem-aventurados os que não viram e acreditaram”.

Pensa Teofilacto e Eutímio que, ao dizer: os que não viram e creram, refere-se Jesus Cristo aos demais apóstolos, que sem VER CRERAM. UNS, ao contemplar o sepulcro vazio, como Pedro e João; OUTROS, por terem ouvido a eles ou a outras pessoas.

Sabemos que os demais apóstolos haviam VISTO e TOCADO o Senhor e, portanto, haviam ACREDITADO pelos mesmos caminhos; ainda depois de tê-lO VISTO e TOCADO, continuavam duvidando de algum modo, como aparece claramente em São Lucas 24, 41: “E como, por causa da alegria, não podiam acreditar ainda e permaneciam surpresos...” Eutímio responde que os demais discípulos ACREDITARAM, sim, que Jesus Cristo havia ressuscitado; porém, duvidavam segundo parece, que aquele que viam fosse Jesus Cristo; o mesmo se pode dizer de São Tomé. Certamente, a esses tais que já haviam visto não se refere o Salvador, mas aos que não O veriam antes do dia do juízo e, todavia, haviam de CRER n’Ele. Assim interpretam Santo Agostinho, São Cirilo de Jerusalém, São Beda, São Gregório Magno e Ruperto. Ruperto pensa que existe mistério aqui. Que a pessoa de São Tomé indica não somente os apóstolos, mas a todo o povo judeu, aos que não VIRAM e CRERAM e todo o povo PAGÃO. Santo Agostinho também está de acordo com essa explicação.

E por que Jesus Cristo censura a São Tomé e não aos outros apóstolos, que tampouco haviam ACREDITADO senão por tê-Lo VISTO? Ruperto, que faz a pergunta, responde que existe mistério aqui. Porém, como semelhante contestação não é clara, é preciso buscar outra que o seja.

Em primeiro lugar, também o Salvador REPREENDEU aos outros apóstolos, e precisamente depois de ter-Lhe apalpado as CHAGAS: “Por que estais perturbados e por que surgem tais dúvidas em vossos corações?” (Lc 24, 38). E depois REPREENDEU mais severamente a São Tomé por ter mostrado maior incredulidade. Motivo: Os outros, se não CRERAM, pelo menos em sua maioria não disseram que necessitavam: VER, TOCAR as CHAGAS e COLOCAR a MÃO... Enquanto que São Tomé se obstinou (teimou) em sua incredulidade: Se eu não colocar o dedo... Por aqui também se pode entender o motivo porque Jesus Cristo chamou bem-aventurado a Pedro quando esse O confessou Filho de Deus (Mt 16, 17). Por outro lado, a São Tomé, que com maior claridade O proclamou homem e Deus, não O chamou de Bem-aventurado; a saber: Pedro ACREDITOU antes de VER a Cristo ressuscitado de entre os mortos, antes de TOCAR suas CHAGAS; também se pode dizer dele como dos antigos patriarcas e profetas: Bem-aventurados os que não viram e creram. São Tomé fez uma GLORIOSA confissão, porém, TARDIA. Portanto, a TARDANÇA em confessar tira mérito à fé.

 

Pe. Divino Antônio Lopes FP (C)

Anápolis, 05 de maio de 2014

 

 

Bibliografia

 

Sagrada Escritura

Pe. Manuel de Tuya, Bíblia comentada

Pe. Juan de Maldonado, Comentário do Evangelho de São João

Pe. Juan Leal, A Sagrada Escritura (texto e comentário)

Edições Theologica

Dei Verbum, 5

Santo Agostinho, Escritos

Liturgia Moçárabe

Eusébio Emiseno, Escritos

Eutímio, Escritos

Sagrada Escritura, Pontifício Instituto Bíblico de Roma

Pe. Francisco Fernández Carvajal, Falar com Deus

Dom Duarte Leopoldo, Concordância dos Santos Evangelhos

Pe. Gabriel de Santa Maria Madalena, Intimidade Divina

Bem-aventurado John Henry Newman, Maturidade cristã

São João Crisóstomo, Escritos

São Cirilo de Jerusalém, Escritos

São Gregório Magno, Escritos

 

 

 

 

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Pe. Divino Antônio Lopes FP. “Porque viste, creste”

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